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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Dupla interpretação

 

                                     


Dupla interpretação

Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)  

    Reformador (FEB) Fevereiro 1963

             Houve, mesmo entre católicos, quem discordasse do apelo e do empenho dos organizadores da Cruzada do Rosário em Família em obter a antecipação do jogo decisivo do campeonato carioca de futebol, que deveria realizar-se no mesmo dia e hora da concentração religiosa supracitada. Opinavam esses discordantes que a Igreja teria excelente oportunidade de afirmar seu prestígio no seio do povo, se não temesse a concorrência.do futebol. Caso contrário, a antecipação do jogo seria a presunção clara de que a preferência da maioria se inclinava para o futebol.

            Ninguém põe em dúvida o alcance da Cruzada do Rosário em Família, que procura restabelecer entre os católicos a prece coletiva da família nos lares, objetivo há muitos decênios de rotina entre os espíritas. A gravidade do momento no mundo recomenda que os homens se entreguem um pouco mais a seus deveres espirituais, se pretendem mesmo desvencilhar-se das peias da dor e da preocupação esterilizante. O que o Espiritismo prega, nas tribunas de seus centros e na intimidade do lar de seus profitentes (quem professa uma religião), testemunha o acerto e a clarividência da sua orientação.

            Faz muitos anos, o lar espírita é uma casa de oração elevada e de plena comunhão com o mundo invisível. Estuda-se o Evangelho segundo o Espiritismo, analisa-se a moral espírita, altamente instrutiva e educativa, busca-se diuturnamente dar a cada criatura humana um rumo compatível com as suas obrigações e necessidades espirituais. Tudo isto sem alarde, sem sectarismo, sem arroubos dogmáticos.

            Os espíritas realizam seu trabalho sem temerem concorrência de quem quer que seja, porque a sua religião, que é a Religião, tem uma meta a alcançar, em relação a cada indivíduo, em relação a cada família, em relação à Humanidade em geral. A solidez da Doutrina Espírita reside justamente na clareza e na lógica da sua estrutura, na beleza e na objetividade dos seus ensinamentos morais. “O Espiritismo é de ordem divina, pois que se assenta nas próprias leis da Natureza e estai certos de que tudo o que é de ordem divina tem grande e útil objetivo - disse o Espírito de Fénelon, numa comunicação citada por Allan Kardec.

            Em vez de perder tempo em manifestações públicas tendentes a impressionar por suas proporções, o Espiritismo faz o seu trabalho de recuperação de uns, de desenvolvimento moral de outros, orientando, amparando; levantando os que caem, consolando os falidos e conduzindo-os, paciente e persistentemente, à própria redenção, mostrando-lhes que a vida não acaba com a morte, mas, pelo contrário, continua no plano invisível, onde também se trabalha incessantemente pela salvação de cada individualidade, com a simples exposição da verdade singela constante da sua Doutrina.

            Essa verdade está em todas as religiões, embora nem sempre estas a aceitem e propaguem sem restrições dogmáticas. Está nesse caso o papel importante que os Espíritos exercem na vida humana e a ação extraordinária que desempenham no plano invisível. As condições em que se encontra o mundo, depois de tantos séculos de ascendência de um cristianismo desfigurado, pois não se identifica com o Cristianismo do Cristo, as condições do mundo - repetimos -  evidenciam a falência da orientação religiosa que se fez a si mesmo monopolizadora da herança cristã. Porque, compreendamos, o que faliu não foi o Cristianismo, mas aqueles que se fizeram depositários de Jesus, desnaturando a verdadeira doutrina do Galileu.

            Os que ainda não leram “O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários”, do Padre Alta, obra magistral editada pela Editora da Federação Espírita Brasileira, devem fazê-lo. Não para adquirirem sentimentos desfraternos para com outros credos religiosos, pois isto seria inadmissível a um espírita real, mas para terem conhecimento seguro das razões pelas quaís grande parte da Humanidade se tornou céptica ou ateísta. Outros, para guardarem aparências, são externamente religiosos, mas intimamente não o são. Frequentam templos como uma satisfação à sociedade de que fazem parte, mas não sentem a religião a que dizem pertencer. Porquê? Simplesmente porque essa religião se afastou do seu caminho, da rota traçada pela palavra e pelos exemplos do Cristo.  

            Quando uma religião chega ao ponto de se prender mais às coisas materiais do que às do espírito, quando condescende com a política, abandonando a simplicidade de Jesus para se abismar na pompa, permitindo que seus sacerdotes nem sempre desprezem as seduções do mundo pelas asperezas de uma vida legitimamente cristã - quando uma religião chega a esse ponto, não mais pode influir nos destinos da Humanidade.

            Leiam “O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários”, em tradução de Guillon Ribeiro. Não é obra de combate, mas obra erudita, de esclarecimento profundo, de análise minuciosa, de excepcional valor e indispensável a quantos queiram adquirir conhecimentos imprescindíveis a uma boa cultura.


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