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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Casos e coisas

 

Casos e Coisas

por M. Quintão  Reformador (FEB) Junho 1929

             Interessante ver como o fanatismo religioso oblitera o senso comum e a inteligência dos pobres mortais.

            Há dias, era um homem de vasta cultura jurídica e literária, lente de uma das nossas Faculdades superiores, que lançava e apoiava das colunas de certo matutino esta bizarra novidade: a Igreja não proíbe a leitura da Bíblia; o que ela não admite é e a interpretação leiga!

            Ora, isto é assim como quem diz: você leia, pode ler este ou aquele livro, mas não medite, não raciocine sobre o que o livro contém.

            Lambuze-se com a casca, se quiser, por muito favor mas deixe o miolo para quem tiver dentes e... estômago, porque o fruto é indigesto.

            Entretanto, a dar crédito ao ilustre publicista, teremos de admitir, e com que gáudio o registamos, que a Igreja, ao menos neste particular, já capitulou um tantinho, pois antes da Reforma os livros sagrados foram por ela Igreja avaramente custodiados e conservados em grego, hebraico ou latim, o que vale dizer – inacessíveis ao conhecimento das massas.

            Foi Lutero, se não nos falha a memória, quem estimulou e patrocinou a versão das Escrituras para o alemão e outros idiomas vivos, universalizando-lhes a leitura e a exegese.

            “Maldita Reforma!”

            Até então, ela, a Igreja, somente ela, por seus doutores e não por todos, ainda assim, tinha o direito (pro domo sua) (em defesa dos próprios interesses), bem se vê, de senhorear e dinamizar a palavra divina, direito assim definido por Agostinho, o bispo de Hipona: major est escripturae auctoritas quam omnis humani ingenii capacitas. (aprox..: a escritura não é maior que a capacidade do homem).

            Mas, ainda assim, com toda essa autoridade peculiar não foram poucas as cincas      (erros) doutorais dos santos padres e monges, muitos deles postos em palpos de aranha para defenderem os seus pontos de vista.

            Prerrogativa perigosa e pouco invejável, portanto, que levou Giordano Bruno ao Campo dei Fiori, Bacon ao cárcere e Galileu à retratação.

            Admitimos, conseguintemente, que o piedoso jurisconsulto hoje que não se concebem mais potros nem sambenitos (peça de vestuário usado por penitentes) nem fogueiras, venha, do alto dos seus coturnos literários, já que as Bíblias correm mundo em todas as línguas e o próprio mundo alfabetizou-se a fora dos conventos, advertir às ovelhinhas da santa manada que ainda há fogueiras nos domínios de Satã e, portanto, perigo no exercício das leituras.

             E como pouca gente haverá, cremos, capaz dessa façanha que é ler sem analisar para entender, segue-se que, stricto sensu, (tomado no sentido mais estreito, limitado) o que ressalta da pena místico-jurídica do consagrado clericalista é este sublime mistifório (mixórdia, confusão): a Bíblia é o livro de Deus, ali está a Verdade, sim, mas... não raciocinem, não busquem compreende-la, porque assim como as leis humanas só podem ser interpretadas por causídicos e aplicadas por juízes, assim a lei de Deus só pode ser entendida pelos padres católicos e aplicada pelo Papa, que na Terra é Deus para todos os efeitos, inclusive o de distribuir títulos e bênçãos.

            É simplesmente magistral!!! Paulo, o grande Paulo dizia:  onde está o espírito do Senhor está a liberdade, e mais: submetei todas à prova todas s coisas e conservai o que for bom.  (1)

                 (1) 2ª Epístola aos Coríntios III, 17.

             E João, o discípulo amado, referindo-se à razão, chamou-lhe luz com que todo o homem vem a este mundo. (2).

                 (2) 1ª Epístola aos Tessalonicensses v.21

             A Igreja de Roma, pela tuba dos seus arautos, não o entende assim...

            Mas está regulando e é simplesmente magistral.

            Como beleza teológica, vale por aquela hipótese de um dique interoceânico, justificativo da emigração do canguru para a Austrália, depois de haver estado na famosa arca de Noé.


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