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quinta-feira, 25 de maio de 2017

Na Palestina


Na Palestina
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1954

Conta antiga lenda persa que, certa vez, chegou Jesus a vetusta cidade, à hora em que a. terra ainda repousava envolta nas brumas da madrugada. Tudo era silêncio. Por isto, encaminhou-se ele para pequena colina e lá de cima aguardou que o dia amanhecesse. À proporção que o Sol fazia emergir da névoa matutina as ruas estreitas e :irregulares, os habitantes iam despertando para as lutas habituais. Desceu Jesus do monte e seguiu o rumo do mercado, onde se misturava gente de toda espécie. Os mercadores começavam a armar suas barracas, em algazarra ensurdecedora. Mais adiante, viu o Mestre, sentado no chão úmido, uma mulher pálida, que trazia ao colo o filho faminto. A criança, chupando-lhe inutilmente o seio ressequido, chorava, desesperada. Acercando-se dos infelizes, Jesus passou as mãos sobre a cabeça de ambos, que estremeceram. Prolongado suspiro partiu do peito da pobre mãe e logo ela sentiu que a criança sugava avidamente a mama até então vazia. O leite era farto. A desgraçada espantara-se, ignorando a razão do bem-estar que experimentava. Reanimara-se e o filhinho lhe traduziu no olhar meigo a alegria que o visitava. Jesus permaneceu invisível, amparando-os com os seus fluidos magníficos. Nisto apareceu um mercador de bom coração. Vendo a mulher, disse-lhe, satisfeito:  
         
- Sabes? Meu filho faz hoje um ano!

Está ficando homem! Acho-me contente, contentíssimo. Deixa-me ver o teu. Que anjo! É tão bonito quanto o meu. Toma este dinheiro e este cabaz de frutas. Quero que festejes também o aniversário de meu filho. Pede a Deus por ele, assim como eu, neste instante, peço também a Deus que dê saúde a ti e a teu filho e que ele cresça forte para um brilhante futuro!

E seguiu seu caminho, alegre. Ela ficou tão comovida que nada pode dizer. Seus grandes e belos olhos, no entanto, afogaram-se em lágrimas. Era a resposta silenciosa da gratidão.

*

Jesus continuou sua rota. Encontrou, além, dois homens que altercavam por fútil razão. Alegava um que o lugar ocupado pelo outro lhe pertencia, pois chegara primeiro ao mercado. Respondia o segundo que ali estivera em outras ocasiões, adquirindo, pois, prioridade pelo local disputado. Estavam quase a atracar-se quando o Mestre interveio:

- Amigos: o mundo é tão grande e estais brigando por tão pequeno espaço; o tempo é tão curto e estais pondo fora preciosos momentos da existência. Porque não tentais resolver fraternalmente a questão? Vejamos: são iguais as mercadorias que vendeis?

- Não. Eu vendo frutas.

- E vós?

- Eu? Vitualhas... (alimentos)

- Então, porque se hostilizaram, quando, unidos, podeis formar ambiente mais favorável aos vossos negócios? A paciência facilita a compreensão, a ira a perturba.

Dizendo isto, Jesus se afastou.

Os dois homens se entreolharam com mais simpatia e compreenderam que havia cabimento no que dissera aquele homem, para eles desconhecido. Não tardou que trocassem ideias sobre a arrumação das respectivas mercadorias, cada qual mais solícito que o outro.

E assim foi Jesus disseminando a fraternidade, pregando o bem, desfazendo conflitos, restabelecendo a harmonia, insuflando a caridade no coração dos homens e perfumando com a gratidão dos favorecidos o espírito dos benfeitores sinceros.

*

Durante algumas horas pervagou o Mestre o velho marcado, até que viu um grupo de homens em torno de um cão morto, de cujo pescoço saía uma corda longa com a qual, certamente, o haviam arrastado. Era insuportável o mau cheiro daquele corpo já em decomposição.

- Isto está podre! Faz-nos mal-estar respirando este ar pestilento!  protestava um dos presentes.

- Que ideia estúpida, trazer para aqui um cão morto! Que nojo! O diabo que o leve!, atalhou outro.        

Não presta nem para botar fora! Está com o couro rasgado! - acrescentou um terceiro que farejava a possibilidade de aproveitar alguma coisa do inditoso animal.

- O melhor é queimá-lo. Deve ter sido um cão vadio e ladrão. Para ladrão, só fogo! - rematou outro.

Jesus, que ouvira tudo em silêncio, curvou-se sobre os restos do pobre cão e fez também seu comentário:

- Entretanto, que belos são os seus dentes! Mais brancos que as mais caras pérolas do Oriente!

Sua voz se tornara mais impressionante na profunda ternura de seu tom e o brilho de seu olhar invariavelmente meigo adquiriu indefinível doçura. Afastou-se mansamente, por entre olhar os de surpresa e respeito. Entretanto, suas palavras ecoaram no íntimo daqueles indivíduos e um deles ponderou, admirado:

- Quem será esse estranho? Tanta nobreza no porte, tanta simplicidade no gesto, tanta pureza no semblante ... Ninguém senão Jesus, o Nazareno, seria capaz de se compadecer até de um cão morto, de descobrir num animal putrefato alguma coisa digna de piedade e louvor... Garanto a vocês como é o Nazareno que ali vai!

Foi quando muitos reconheceram que, na verdade, era o Mestre excelso que ali estivera. Tentaram segui-lo, mas seu perfil inconfundível se diluiu à curta distância... Arrependidos e confusos, os homens arrastaram o cão para um terreno baldio e Já o enterraram sem maiores apreciações.

Assim, com sabedoria e humildade, Jesus deixara no mundo mais uma de suas prodigiosas lições de amor e tolerância, para a meditação das criaturas de boa-vontade. Seu exemplo foi uma reprovação à maledicência e um incentivo à caridade. Quisera demonstrar que sempre há alguma coisa de aproveitável no que nos parece ruim. Pode mesmo ser um quase nada de bondade, mas o suficiente para justificar um pensamento e uma palavra de simpatia.


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