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quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Processo dos Espíritas





“Procès des Spirites”Preciosidade bibliográfica (*)
por Tobias Mirco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1976

(*) Reprodução foto mecânica do original francês, de 1875, do Processo dos Espíritas, precedido de ampla Apresentação, por Hermínio C. Miranda, em português que equivale a preciosa síntese da obra. A referida Apresentação, convenientemente ilustrada e anotada, será publicada, também avulsamente, permitindo o suficiente conhecimento do empolgante assunto àqueles que, pelo fato de não conhecerem a língua francesa ou por preferirem livro de preço mais baixo, dispensam os detalhes documentários e bibliográficos do original e seus anexos.

- Uma obra absolutamente autêntica que revela a vitória do Espiritismo
sobre terrível conspiração contra a sua estabilidade.-

Sra. Amélie Rivail

            
Segundo já foi amplamente divulgado pela revista, o Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira elaborou cuidadoso programa de lançamentos para registrar o Centenário de “Reformador” e da Casa de lsmael, exumando da nossa Biblioteca obras raríssimas, bem como levando a termo pesquisas especiais pertinentes ao Espiritismo. Trata-se de um esforço extraordinário e inédito, no gênero, para marcar de maneira positiva e exaltar convenientemente o grande acontecimento do Espiritismo, não apenas no Brasil, mas no mundo, dada a situação relevante que o movimento iniciado por Allan Kardec na França alcançou no Brasil, graças a valorosos e intimoratos pioneiros, cujos exemplos de coragem e amor à causa permitiram a consolidação da Doutrina dos Espíritos neste país.


            Tivemos oportunidade de manusear o importante “Procès des Spirites”, editado pela Senhora Marina P.-G. Leymarie, esposa de um dos principais indiciados, o Senhor Pierre-Gaëtan Leymarie, então gerente da “Revue Spirite” envolvido injustamente no processo contra o fotógrafo-médium Edouard Buguet, acusado de fraude e mistificação.  Também foi arrastado à barra do Tribunal um outro médium, Alfred-Henri Firman, de nacionalidade norte-americana. Finalmente, a 16 de junho de 1875 foi realizada a primeira audiência sob a presidência do Juiz Millet.

Pierre-Gaëtan Leymarie

            Lemos com profundo interesse e não menor emoção os interrogat6rios levados a efeito, as armadilhas da acusação, pretendendo confundir Leymarie, absolutamente alheio aos erros e falhas de Buguet, médium, sem dúvida, mas leviano, que recorria a truques sempre que a sua mediunidade se ausentava. Leymarie ignorava os meios de que se fazia valer Buguet em várias ocasiões, para iludir aqueles que o procuravam para obter fotografias de parentes e amigos já desencarnados. Leymarie afirmava, com a pureza do seu caráter limpo, que ele era realmente um médium e que, as vezes em que o viu atuar sua mediunidade era naturalmente exercida e as fotos obtidas correspondiam perfeitamente, segundo o testemunho espontâneo e idôneo das pessoas interessadas, que reconheceram como autênticas as fisionomias retratadas mediunicamente. E esses testemunhos foram inúmeros, partidos de pessoas de diferentes níveis sociais e intelectuais; entre elas a distinta e virtuosa viúva de Allan Kardec, Senhora Amélie Gabrielle Boudet. Nada menos de quarenta e duas pessoas foram ouvidas. Os depoimentos, publicados na íntegra por essa obra, com permissão da Justiça francesa, possuem um conteúdo interessantíssimo, alguns reveladores da autoridade moral e do conhecimento espírita dos depoentes. Cada interrogatório oferece ao leitor uma soma de impactos emocionais.  

Sra. Marina Leymarie

            Na época, o Espiritismo tinha contra si, mais do que hoje, evidentemente, adversários sistemáticos e rancorosos, que buscavam pretextos para entravar, inutilmente, o seu desenvolvimento. Em compensação, elevado número de pessoa de bem acorreu espontaneamente para testemunhar, sem ausentar-se da verdade, o que sabiam, formando, destarte, uma barreira que confirmava a retidão de Leymarie e a grande expressão de sua personalidade moral.

            O Índice do "Processo dos Espiritas" relaciona, sob o título "Affirmations, déclarations  importantes”, vinte e oito nomes, muitos indiscutivelmente ilustres, todos convocados da melhor sociedade francesa.

            Não se trata, porém, como poderia presumir, de um livro árido, como soem ser algumas obras relativas a processos judiciários, sujeitas à rígida nomenclatura jurídica. Não. As numerosas cartas transcritas contêm pormenores curiosos e instrutivos, inclusive sobre o Espiritismo, como, por exemplo, a do Senhor Ernest Bose, que desenvolve temas como o da imortalidade da alma, referindo a obra “Heures de travail”, do escritor espírita Eugène  Pelletan, mencionando grandes nomes de filósofos e literatos que partilhavam das mesmas ideias acerca da alma imortal, como Cyrano de Bergerac, Dupont de Nemours , .Jean Reynaud, Balzac, Michelet, Edgar Quinet, Lamartine, Victor Hugo, L. Figuier, Pezzani,  Vacquerie e outros. É transcrita igualmente uma bela carta de Victor Hugo, datada de 7 de novembro de 1871, etc.
            A correspondência do fotógrafo Buguet, que dissera no Tribunal que todos os seus empregados estavam persuadidos de que Leymarie conhecia seus truques, comprometendo imerecidamente um homem decente, como ele próprio reconheceria em carta contendo sua retratação e o pedido para que o perdoasse, essa correspondência é de inestimável valor: “'Em nome da minha pequena família, venho pedir-lhe perdão por haver pecado tão inconscientemente, sem me dar conta do que estava fazendo; eu peço míl vezes perdão a Deus, e a todos vocês, esperando que o seu coração não mo negará, evitando, assim, mais desgosto a um pai de família” (pág. 108).
            Um astrônomo, engenheiro e membro ao Panteão de Roma, Senhor Tremeschini, conhecido na época por sua autoridade, idoneidade moral e absoluta imparcialidade, ao dar seu testemunho, afirmando também, como Leymarie, sua convicção na autenticidade de numerosas fotografias tiradas por Buguet, terminou desta maneira incisiva: “Minha declaração parecerá tanto mais espontânea e sincera, porquanto tive várias vezes ocasião, e provavelmente ainda terei motivo, de combater e de atacar o que se convencionou chamar de Kardequismo” (pàg. 126).
            O que motivou a interpelação a Leymarie foi o fato de Buguet haver confessado que não era médium, ao contrário do que sempre havia sustentado, O comportamento desse fotógrafo foi censurado por destacadas personalidades, como reiterou o advogado Lachaud, que testemunharam a realidade das fotos mediúnicas por eles solicitadas.
            Estamos passando pela rama desse famoso processo, apenas para dar ao leitor urna ideia da riqueza de pormenores que ele encerra, com as consequentes lições daí decorrentes.
            A viúva Allan Kardec frisou, em documento assinado, que a autoridade a perturbou, impedindo que desenvolvesse naturalmente seu pensamento, quando depôs, porque introduziu, quando se procedia ao seu interrogatório, “estranhas reflexões pretendendo, assim, ridiculizar o Senhor Rivail, dito Allan Kardec, como se este fosse um simples compilador e negando seu título de homem de letras” (pág. 8), enfatizando: “Protesto energicamente contra essa maneira de interrogação e espero ser novamente ouvida, porque é costume na França serem as senhoras respeitadas, sobretudo quando já tem cabelo brancos.” (pág. 8).
            O “Processo dos Espíritas”, reafirmamos, é uma preciosidade bibliográfica que todo espírita deve ter entre seus livros de maior agrado, não só por seu conteúdo histórico, inavaliável, como pelo que encerra de ensinamentos de ordem moral, de esclarecimentos de natureza espírita. É livro, embora fundamentado num processo judicial, não cansa, não é árido; antes, atrai, seduz, emociona, quer no relato pormenorizado dos depoimentos, na agudeza dos debates travados, quer pelo extraordinário papel desempenhado por Leymarie, pela viúva Allan Kardec, adeptos do Espiritismo e mesmo por outras figuras eminentes, sem ligação partidária com a Terceira Revelação. O Espiritismo saiu engrandecido dessa luta encarniçada que contra ele moveram seus adversários, ostensivos e ocultos, graças à personalidade moral do que corajosamente reafirmaram a verdade do mediunismo sadio diante da Justiça.
            A mediunidade e os médiuns, tantas e tantas vezes caluniados, injuriados e negados, em nenhum momento ficaram obnubilados pelos negadores sistemáticos, porque a Verdade, embora às vezes multiforme, tem uma única estrutura, contra a Qual se esboroam os argumentos mais cavilosos.
            Aguardemos a lançamento dessa grande e raríssima obra, que põe em relevo de maneira inequívoca e estupenda, a integridade do Espiritismo, como religião, ciência e filosofia.

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