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domingo, 12 de julho de 2020

A Prece e os Evangelhos


A Prece e os  Evangelhos
por Sérgio Thiesen
Reformador (FEB) Setembro 1993

            1. Sucedeu que, ao tempo em que João batizava todo o povo, também Jesus foi por ele batizado e, enquanto orava, o céu se abriu, e um Espírito Santo desceu sobre ele, na forma corporal de uma pomba; e ouviu-se no céu uma voz que dizia: és meu filho bem amado; em ti hei posto todas as minhas complacências. (Lucas. 3:21 e 22.)

            Eis ai o primeiro exemplo e o primeiro ensinamento dado por Ele aos homens, mostrando-lhes que a prece, não a dos lábios, mas a do coração, atrai as bênçãos do Senhor, os testemunhos do seu amor, fazendo sobre eles descer a influência divina por intermédio dos espíritos protetores da Humanidade.

            2. Quando orardes, não façais como os hipócritas que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças públicas para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Quando quiserdes orar, entrai para o vosso aposento e, fechada a porta, orai a vosso Pai em segredo; e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará. Quando orardes, não faleis muito como fazem os gentios, imaginando que serão escutados por muito falarem. Não vos assemelheis a eles, porque vosso Pai sabe do que precisais antes de lho pedires. (Mateus. 6:5 a 8.)

            Prescrevendo o segredo, o silêncio e o recolhimento para a prece, Jesus proscrevia, de então e de futuro, as pompas e as cerimônias exteriores e as orações longas, pronunciada pelos lábios, mas não saídas do coração. E ao mesmo tempo ensinava sobre o significado do aposento da alma, do templo interior, do altar do coração e do valor da humildade para que soubéssemos transformar as nossas almas em repositório de luz e entendimento, paz e equilíbrio, harmonia e fé.

            3. Pedi e se vos dará; buscai e achareis; batei e se vos abrirá; porquanto, quem pede recebe, quem procura acha e àquele que bate se abre. (Lucas, 11:9 e 10)

          “Pedi, buscai, batei...
            Estes três imperativos da recomendação de Jesus não foram enumerados sem um sentido especial.
            No emaranhado de lutas e débitos da experiência terrestre, é imprescindível que o homem aprenda a pedir caminhos de libertação da antiga cadeia de convenções sufocantes, preconceitos estéreis, dedicações vazias e hábitos cristalizados. É necessário desejar com força e decisão a saída do escuro cipoal em que a maioria das criaturas perdeu a visão dos interesses eternos.
            Logo após, é imprescindíveI buscar.
          A procura constitui-se de esforço seletivo. O campo jaz repleto de solicitações inferiores. (...) É indispensável localizar a ação digna e santificadora. Muitos perseguem miragens perigosas, à maneira das mariposas que se apaixonam pela claridade de um incêndio. Chegam de longe, acercam-se das chamas e consomem a bênção do corpo.
            É imperativo aprender a buscar o bem legítimo.
            Estabelecido o roteiro edificante, é chegado o momento de bater à porta da edificação; sem o martelo do esforço metódico e sem o buril da boa vontade, é muito difícil transformar os recursos da vida carnal em obras luminosas, de arte divina, com vistas à felicidade espiritual e ao amor eterno.
            Não bastará, portanto, rogar sem rumo, procurar sem exame e agir sem objetivo elevado.
            Peçamos ao Senhor nossa libertação da animalidade primitivista, busquemos a espiritualidade sublime e trabalhemos por nossa localização dentro dela, a fim de converter-nos em fiéis instrumentos da Divina Vontade.
           Pedi, buscai, batei!.. esta trilogia de Jesus reveste-se de especial significação para os aprendizes do Evangelho, em todos os tempos.” (Emmanuel, Francisco Cândido Xavier, “Pão Nosso”, Três Imperativos, Cap. 109, Ed. FEB).

           4. Não se expulsam os demônios desta espécie sendo por meio da prece e do jejum. (Mateus, 17;21.)

            Os discípulos haviam tentado livrar o lunático daquele processo obsessivo, sem êxito. Recomenda-lhes, para tanto, a prece, para que se estabelecesse o vínculo deles com as forças superiores da Vida, estas sim capazes de deslocar os algozes de sua vítima. Revela-lhes que a fé concede vitalidade à prece e a transforma em recurso terapêutico. No entanto, Jesus liberta-o da possessão, ordenando ao obsessor que o deixasse sem utilizar a oração e revela-nos outro ensinamento: a prece ativa e permanente dos atos da vida praticados com o pensamento em Deus, numa aspiração incessantemente dirigida ao Criador, guiando a criatura na prática da verdade, da caridade e do amor, a bem do seu progresso intelectual e moral e do progresso de seus irmãos, aspiração que o liberta das condições humanas limitadas, fazendo reinar o Espírito sobre o que lhe é vibratoriamente inferior. A prescrição do jejum completa suas diretrizes, do jejum dos erros e vícios morais, da abstenção dos pensamentos culposos e dos sentimentos primitivistas.

            5. Disse ainda o Senhor: Simão, Simão, Satanás vos reclamou a todos para joeirar-vos como se faz ao trigo. Eu, porém, roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. (Lucas, 22: 31 e 32).

            Naquela ocasião, nenhum o compreendeu, tanto que nenhum recorreu a esse cordial da alma, pelo que todos faliram, no momento do perigo. Foi uma lição para o futuro. Quando Jesus diz que Ele rogara por Pedro, era porque sabia antecipadamente da negação do pescador de Cafarnaum e dos demais, quando estes seriam testados, o que seria motivo de sofrimento, decepção e talvez defecção do apóstolo da primeira Casa do Caminho e pedra angular da edificação cristã, após a ascensão do Mestre. E o fizera a fim de sustentar lhe a fé para os cometimentos que estavam por vir. Demonstra a prece intercessória dos Espíritos Superiores pelos seus tutelados! Especialmente nos momentos mais difíceis dos testemunhos que os aguardavam, e de resto a toda a Humanidade, no presente e no porvir. Cabe ressaltar ainda a ameaça que o Cristo lhes revelara, de que estariam visados pelos Espíritos inferiores, e apesar da advertência, não se utilizaram dos antídotos da oração e O negaram.

            6. Assim, vigiai e orai todo o tempo, a fim de que mereçais evitar todas as coisas que hão de acontecer e possais comparecer diante do Filho do homem. (Lucas, 21:36.)

            Exortava os discípulos a se manterem em contínuo alerta, na expectativa de todas aquelas previsões sobre o que estava por suceder para a depuração e transformação do nosso planeta e que Ele se punha a revelar lhes. Queria o Mestre forçá-los a uma vigilância incessante sobre si mesmos, a um ardor constante no progredir e a depositarem inabalável esperança nas promessas do Senhor. Ainda assim, alertava-os sobre como procederem para evitar reencarnações sucessivas, sem se retardarem na caminhada de progresso. Com vistas ao porvir, Jesus concitava os homens a trabalharem pelo seu progresso, vencendo as tendências de estagnação espiritual que nos caracterizam a marcha e fruto de condicionamentos e atavismos milenários de almas fatigadas pelos erros e transgressões à lei divina. A prece verbal e a das boas obras, da conduta reta e das realizações íntimas, a gerar progresso pessoal e a todos que partilham conosco as sendas da evolução; estas, se o desejarmos, podem ser uma realidade diuturna. Comparecer diante do Filho do Homem é previsão para um futuro, quando a Humanidade redimida e purificada reencontrará seu Divino Amigo, recebendo-o no altar de seu coração e Este se poderá mostrar sem véus, no fulgor de sua condição estelar e majestosamente crística.

            7. E tudo que pedirdes a meu Pai, em meu nome, eu o farei, a fim de que o Pai seja glorificado no filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei. (João, 14:13 e 14.)

            Jesus seguia orientando seus discípulos para o período após Sua ascensão, eles que seriam os continuadores e encarregados da difusão da Boa Nova nas primeiras décadas do Cristianismo primitivo. Governador Espiritual da Terra, acompanharia todas as realizações deles. O pedir em nome Dele ficaria memoravelmente eternizado nas páginas dos Atos dos Apóstolos. Quando Pedro e João encontram um coxo na porta Formosa do templo de Jerusalém a pedir lhes uma esmola, estes o fitam fazendo-o perceber que receberia alguma coisa. Pedro, porém, lhe disse: “Ouro e prata não os tenho, mas o que tenho isto te dou: Em nome de Jesus-Cristo, o Nazareno, anda!.. E este, sentindo-se penetrar de força os pés e as mãos, de um salto se põe de pé, entra com eles no templo, correndo, saltando e louvando a Deus. O que glorifica o Pai é o progresso que os homens realizam e ao qual Jesus preside como protetor e governador da Terra. Para o futuro ficaria a mensagem de recomendação a pedirmos ao Pai em nome do Mestre, sob um impulso, pois, de um pensamento puro e santo, objetivando o progresso individual e coletivo, tudo aquilo que concorresse verdadeiramente para este progresso e que as nossas almas se apercebessem, possibilitando-nos interagir com os desígnios do Alto e nos tomarmos “o sal da terra e a luz do mundo”.

            8. É por eles que rogo, não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. (João, 17:9.)

            Os discípulos tinham ainda rudes provas a suportar. É para fortalecê-los que Jesus profere essas palavras. A prece pode e deve ser considerada de diversos pontos de vista. Ao ouvido do homem ela ressoa como a promessa de um amparo, de uma proteção divina. Do ponto de vista espiritual a prece é uma emanação dos mais puros fluidos, por meio da qual amparo e força recebem, mesmo a seu mau grado, aqueles a favor de quem ela é feita. É uma magnetização moral que se opera a distância. Jesus distinguia os apóstolos naquela ocasião, haja vista que “não eram do mundo”, por serem, pelos seus sentimentos, Espíritos mais elevados do que os outros então encarnados, os quais, mais atrasados do que eles, os “odiavam”, não por suas personalidades, mas por causa da palavra de Deus que eles haviam recebido do Mestre que, também e com muito mais forte razão, não era do mundo, porquanto era Espírito de pureza perfeita e imaculada, a desempenhar uma missão superior e que se destinava àquela e às demais futuras gerações.

            9. Quando vos aprestardes para orar, se tiverdes qualquer coisa contra alguém, perdoai-lhe, a fim de que vosso Pai, que está nos céus, também vos perdoe os vossos pecados. (Marcos, 11:25.)

            Coração sem ódio para sintonizar-se com a luz. Estímulo aos homens de todas as épocas à prática do perdão, como elemento vivo de libertação espiritual, a dissolver os liames escuros e densos que nos atrelam às circunstâncias cármicas e nos tornam pesados os corações. Se buscamos o exercício da fé, no sentido de fidelidade ao Cristo, se agora ansiosos pela luz e pelas verdades eternas imutáveis, precisamos nos despojar destes vínculos para substituí-los, porque se faz necessário, por aqueles que caracterizam os homens de bem, as virtudes da alma ao alcance do esforço de cada um.

            10. Dois homens subiram ao templo para orar, um era fariseu, publicano o outro. O fariseu, conservando-se de pé, orava assim, consigo mesmo: Meu Deus, rendo-vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos, e adúlteros, nem mesmo como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana; dou o dízimo de tudo o que possuo. O publicano, ao contrário, conservando-se afastado, não ousava, sequer, erguer os olhos ao céu; mas, batia no peito, dizendo: Meu Deus, tende piedade de mim, que sou um pecador.
            Declaro-vos que este voltou para sua casa justificado, e o outro não; porquanto aquele que se eleva será rebaixado e aquele que se humilha será elevado. (Lucas, 18:10 a 14.)

            Parábola que nos remete à situação do orgulho que, de qualquer espécie, turva o coração, aprisiona a alma que anseia por reiniciar a sua ascensão espiritual e obstaculiza qualquer desprendimento e sintonia com as fontes sagradas da Vida Superior. Estimula-nos à dificílima conquista da humildade, que muitas vezes só nos chega através de dolorosos episódios expiatórios e provacionais.

            11. Orai assim: Pai nosso que estás nos céus... (Mateus, 6:9 a 15.)

            Repetidas vezes, referem os Evangelhos que Jesus, ao anoitecer, retirava-se às alturas dos montes ou à solidão dos desertos e lá, a sós com Deus, passava horas, por vezes noites inteiras, absorto em profundíssima comunhão com o Eterno, o Infinito, o Absoluto, ou na linguagem poética dele, em comunhão com o Pai celeste. Tinha o Mestre uma predileção especial por esses silenciosos santuários de Deus. Ninguém sabe o que acontecia nessas longas horas que passava a sós com Deus, nas inspiradoras alturas das montanhas e matas da Galileia ou na vasta solitude dos ermos da Palestina, sob o misterioso brilho das estrelas longínquas e o discreto sussurro das brisas... Certa manhã, ao clarear do dia, ainda estava Jesus imerso nessa comunhão com Deus, no deserto, quando discípulos o surpreenderam para o levarem novamente ao meio das turbas que o procuravam. Deve ter sido profunda e intensa a impressão que tiveram do aspecto de Jesus em oração, porque, arrebatados pelo espetáculo, prorromperam nessas palavras: “Mestre, ensina-nos a orar!” Os apóstolos, como filhos de Israel, eram acostumados à oração e já haviam aprendido muito com o próprio Mestre. Mas, diante do que presenciavam, sentiam-se ignorantes ainda e despreparados para estes cometimentos. Cheios de encantamento e sagrada reverência assistiram, a seguir, a uma das mais belas e profundas lições, sublime legado inscrito nas páginas dos Evangelhos, comparável ao Sermão do Monte, em síntese religiosa e sublimidade, para a inscrição do amor, definitivamente, nos corações humanos.
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Obras pesquisadas: “0 Evangelho segundo o Espiritismo” de Allan Kardec, edição FEB; “Pão Nosso”, de Francisco Cândido Xavier, edição FEB; “A Metafísica do Cristianismo”, de Huberto Rohden, edição União Cultural Editora Ltda.

Nota do autor: Trabalho em parte compilatório, em parte inspirado em “Os Quatro Evangelhos, Revelação da Revelação”, de J.-B. Roustaing, edição FEB.



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