Pesquisar este blog

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

'A Pluralidade das Existências'


A Pluralidade
das Existências
Mário Rinaldini
Reformador (FEB)  Fevereiro 1961

            A pluralidade de existências equivale à possibilidade de nascer novamente neste mundo ou em outros mundos onde as condições de vida o permitam. Independentemente da crença que sobre este assunto predomina há milênios no Oriente, já o célebre Camilo Flammarion, ao publicar a sua primeira obra, em meados do século passado, a intitulou "Pluralidade de vidas na pluralidade de mundos", postulado que veio a ser adotado por Allan Kardec, o Codificador do Espiritismo. Mas o vocábulo vida, como tantas vezes tem acontecido, pode ser interpretado simplesmente como natureza, sem que faça específica alusão à existência, que define com maior rigor a que assume o homem que participa da consciência dela.

            Aplica-se, então, a sucessão de existências exclusivamente ao ser humano, porque se subentende nele uma alma e que esta é imortal (1). Por outro lado, sem mundos habitados não poderia efetuar-se essa sucessão ou repetição de nascimentos. Estão em jogo, assim, os problemas fundamentais que a Filosofia e a Religião têm intentado sempre resolver, e vemos até que ponto mundos e existências são inseparáveis, até que ponto estão indissoluvelmente unidos.

            (1) O Autor certamente não quis, a fim de não se estender em explicações, referir-se à reencarnação de outros animais, igualmente possuidores de alma individual e imortal. - (Nota de "Reformador")

            Convém esclarecer que, frequentemente, a palavra mundo é empregada para designar o Universo, o cosmos, o orbe, o céu, etc., quando, a rigor, devia circunscrever-se à Terra. Por outro lado, planeta indicaria com toda precisão as condições de mundo habitado. Utilizaremos, então, preferentemente, o vocábulo planeta habitado, sem excluir o de mundo, que pareceria mais sugestivo. Outro tanto sucede com o nome de Alma e de Espírito. Para o Espiritismo se denomina Alma ao espírito que está unido ao corpo que representa o homem; é Espírito ao separar-se do corpo pela morte, recuperando a liberdade. Não obstante, empregaremos indistintamente ambas essas denominações.

               A Astronomia foi justamente designada "Mãe da Ciência" e é oportuno chamar-lhe agora rainha dos domínios em que as almas se forjam, pelas razões que a seguir apresentaremos.

            Até há precisamente meio século se acreditava que os vários centenares de milhões de sóis descobertos constituíam todo o Universo; mas, a partir de uns trinta anos a esta parte, graças à genial inventiva de esforçados investigadores e à utilização de telescópios mais poderosos, foi possível dispor de instrumentos que permitiram elevar essa soma, que parecia extraordinária, à impressionante cifra de, pelo menos, cem bilhões de sóis, que, em seu conjunto, representam, incluindo o nosso Sol, o que é denominado Via-Láctea, que constituiu precisamente uma Galáxia. Essa estupenda e insuspeitada quantidade reduziu a débeis balbucios as velhas concepções que nutriram tantas gerações desde o mais remoto da História, sobre o que era o céu e os astros. Todo corpo celeste é um astro, mas ocorre que, apesar do maravilhoso aperfeiçoamento de seu instrumental, os astrônomos não podem registar, fora dos que compõem o nosso sistema solar, outros corpos além das estrelas. Os planetas que possam existir ainda estão fora de seu alcance visual. Nem se pode saber ainda se os tem a estrela mais próxima. Não obstante, isso não quer dizer que algum dia, em virtude de um genial dispositivo, não se possa desvendar a incógnita. Em que pese a esse inconveniente, insolúvel por enquanto, outras razões militam para induzir eminentes astrônomos, cujo número, aumenta continuamente, a declarar que "não existe nenhuma razão de valor que impeça admitir que cada sol ou grupo de sóis seja o centro de um sistema planetário".

            Outro argumento de peso é a segurança que se possui de que o Sol não apresenta nenhuma característica excepcional que o distinga do resto, nem em tamanho, luminosidade, cor, nem elementos que o compõem e menos, ainda, por sua posição dentro do conjunto, pois esta não pode ser mais desvantajosa para as observações mais importantes que os abnegados investigadores querem realizar dentro da Via-Láctea. Portanto. é preciso rejeitar a existência de algo que justifique o privilégio de ser o nosso Sol o único ou um dos poucos que regem a vida de um sistema planetário. Explica-se, assim, a tendência atual de atribuir a cada sol ou grupo de sóis a função de dirigir sistemas planetários parecidos ou diferentes do nosso. (2)

            (2) Veja-se a concretização desta possibilidade no artigo "Descoberto novo satélite da constelação do Cisne", inscrito na pág. 242 de "Reformador" de 1958.  (Nota de "Reformador")




            Tem sido possível estabelecer, atualmente, que pelo menos a metade dos sóis formam em grupos de dois, três e até de quatro deles, e também que os há em maior número, uns poucos, os famosos cúmulos globulares e os irregulares, não passando
de cem os primeiros, integrados por dezenas e mesmo centenas de milhares de refulgentes estrelas. A outra metade é composta de sóis simples como o nosso. Se calcularmos, por mera prudência, que os sóis em grupos não possuem nenhum sistema planetário e que, em média, esses grupos se compõem de três sóis cada um, concluiremos que três quartas partes dos cem mil milhões de sóis carecem de sistema planetário e a quarta parte, ou sejam vinte e cinco mil milhões, os têm. Mas, guiados por um excesso de prudência, se considerarmos que cada dezena de sóis possui um sistema planetário com um planeta habitado como o nosso, então haveria dois mil e quinhentos milhões de mundos habitados, apenas em uma das unidades estelares ou Galáxia. 

              Parece-nos impossível tanta beleza, que nos enche de assombro. Entretanto, talvez mais nos assombre o sabermos que, se deduzirmos os dois mil e quinhentos milhões de sóis com um planeta habitado, da totalidade de cem mil milhões de estrelas, ficarão noventa e sete mil e quinhentos milhões de sóis sem aplicação e também sem explicação plausível o inconcebível desperdício da precisa energia que emitem para dissipar-se em radiação isubstancial nas profundezas do espaço.

            Recusamos admiti-lo; contudo, falar de milhares de milhões de residências planetárias somente em um dos centenares de milhões de outros enxames estelares que transpõem as profundidades do infinito, provoca uma admiração que promove as mais fecundas inquietudes. Entretanto, isso confere uma sólida base à teoria da pluralidade de existências. Cabe-nos agora fazer referência ao problema que consolida mais fortemente os fundamentos da lei da pluralidade de existências, isto é, ao protagonista que as encarna: a alma ou espírito.

            Sua realidade tem sido sustentada pelos maiores criadores de sistemas filosóficos e foi sua chama divina e terrena que guiou os fundadores das grandes religiões. Por conseguinte, o material acumulado por tão altos espíritos e seus sucessores é abundante e de valor inestimável, mas o rumo da História tem querido, especialmente no século passado, que se prescindisse e se negasse Deus e a alma.

            Tão grave situação, cujas consequências estamos vivendo, requeria provas que sintonizassem com o sombrio signo dessa época, que criava dilema de tão angustiante magnitude. E elas chegaram, umas após outras, produzidas por mãos invisíveis do mundo espiritual, alçadas como pendão de boa nova pelos integrantes do movimento espírita ou espiritualista em quase todos os países do Ocidente. Bastará citar o famoso caso do insigne físico William Crookes, que, depois de cuidadosa e prolongada experimentação, ao abrigo de toda suspeita, pode comprovar de maneira definitiva a realidade da presença, momentaneamente corporificado, de um Espírito vindo do Além, Podemos mencionar igualmente as incomparáveis publicações efetuadas pelo professor Ernesto Bozzano, que dispunha de um arquivo com mais de cinquenta mil casos de fatos fenomênicos e experiências da mais variada ordem, devidamente comprovados, que demonstram indefectivelmente a realidade da sobrevivência da alma. A documentação no campo do Espiritismo é tão abundante que já não resta a menor dúvida de que a prova decisiva foi alcançada, apesar dos conservadores do sentimento religioso o haverem condenado e as autoridades e instituições guardiãs da Ciência a repelirem, Essa prova decisiva se apresentou por um meio inesperado, o da via mediúnica, mas o rumo dos acontecimentos adquiriu tão acelerado ritmo que não duvidamos de que o reconhecimento mundial não tardará muito a chegar e esse dia será de autêntica alegria para todos, porque seus inegáveis benefícios a todos alcançarão.



            Consolidadas as duas bases que fundamentam a pluralidade de existências, ampliaremos um aspecto da primeira para estabelecer que, se a razão dos sóis são os sistemas planetários, a destes é, pelo menos, como em nosso caso, a de um planeta habitado, e a razão dessa habitabilidade são as almas em procura de reabilitação ou aperfeiçoamento e a razão de ser dessa imensa epopeia é o cumprimento da ingênita aspiração até aos mais altos pontos, o que demonstraria que o Universo está a serviço dos Espíritos.

            Esta sensata e deslumbrante interpretação, que fazemos de acordo com os ensinamentos do Espiritismo, outorga sentido esclarece dor de como se exerce realmente a justiça divina, conciliando a ideia de seu amor e bondade infinitos, e que, em lugar de absurdos castigos depois de fugaz existência, proporciona todas as oportunidades necessárias em sucessivas vidas que se realizarão em uns e outros planetas habitados, dos incontáveis que integram cada unidade estelar, para que no vaivém dos sucessos se reabilitem, reconheçam suas culpas e arrependidos, retomem a senda do bem, do amor e da perfeição. Portanto, a repetição de existências no mesmo mundo ou a pluralidade delas em outros planetas nabitados requer a presença de humanidades. O conceito de humanidade é algo esquivo, inacessível, porque viver é estar inexoravelmente sujeito ao precário, a continuar caminhando para as fronteiras do Além. Mas, como se nasce para viver a vida, se não fosse real o estupendo panorama que agora temos à vista: se a morte fosse o Nada, a existência se converteria em irremediável desespero, carecente por completo de estimulante finalidade. Seguindo o curso desta exposição, devemos reparar no que a humanidade continua sendo ao transpor os limites do outro mundo, para se achar novamente existindo e revelando apego à sorte da que ficou na Terra. São como duas esferas, uma no mesmo nível da Terra, outra no mesmo nível do Céu. A primeira com um raio, de ação limitado, .a segunda como um raio de ação ilimitado. Ambas se complementam e são solidárias em espontânea reciprocidade de influências, intimamente unidas por tudo quanto constitui poema, drama ou tragédia, de cuja história compartilham. Em virtude de suceder o mesmo com as outras humanidades, as almas que estão na esfera do ilimitado, quando podem faze-lo, estabelecem abundante intercâmbio de ideias, sentimentos, apreciações que promovem estados de efusão, admiração, gratidão, para nós desconhecidos. Ao tornar extensiva a todas as humanidades de nossa Galáxia essa atividade tipicamente espiritual, é relativamente fácil representar-se essa espécie de festa das almas envoltas em torrentes de pensamentos que estimulam os mais elevados propósitos, e, talvez, em muitos casos, esse abarcamento pretenda alcançar outras e outras galáxias; porém estamos ainda muito distantes dessa maravilhosa possibilidade, porquanto, atentando para a nossa extraordinária pequenez, primeiro faz-se preciso despojar-nos das misérias morais.

            Outro aspecto intimamente relacionado com o que acabamos de expor, que não podemos deixar de mencionar, é o das migrações que se efetuam de uns a outros mundos. Essas migrações de almas, numerosas ou reduzidas, chefiadas por Espíritos de alta hierarquia, são reveladoras desse sopro de renovação que reina nos domínios das humanidades, em suas duas fases de existência e que obedecem ao mesmo princípio da pluralidade de vidas, isto é, as almas continuam em busca de uma felicidade autêntica, de um sonho de beleza ou perfeição que amiúde se desvanece no meio das lutas e da adversidade que devem enfrentar em cada experiência existencial. Nosso mundo convulsionado tem sido definido pelos Espíritos como um mundo de prova e expiação. Passa por uma etapa de grandes transformações e nas últimas décadas vem experimentando um aumento de população inusitado. Em grande parte, esse aumento provém das medidas de higiene e das conquistas da técnica; mas, conforme a nossa teoria, cada habitante é tanto espírito como o organismo biofísico de que dispõe para as suas manifestações e ele justifica a fluência de migrações em maior ou menor quantidade. E o que nos importa consignar é que as migrações são mais numerosas onde as condições oferecem melhores perspectivas para a sua instrutiva experiência. Isto indicaria que estamos às vésperas de surpreendentes realizações em todos os campos da atividade humana, o que, por seu turno, seria garantia de que a guerra, a temida guerra que, pela possibilidade de assumir horrendas proporções, ninguém deseja, será para sempre desterrada.



            As apreciações que fizemos a respeito da reciprocidade de pensamentos entre umas e outras humanidades, em sua fase ao nível do Céu, se aplicam igualmente às migrações, embora com outra impressão, destinadas a penetrar em cheio na espessura da convivência terrena, pois as inovações que promovem concorrem de outro modo para o progresso geral. De qualquer maneira, porém, demonstram que a solidariedade e a colaboração constituem as ações que dirigem as relações entre as almas, em uma ou em outra das fases de sua existência, no estupendo concerto da vida universal.

            A astrofísica sustenta que cada estrela, ao irradiar luz, perde quantidades colossais de sua massa por minuto, e essa energia radiante é aproveitada numa parte mínima (uma parte em duzentas mil no caso do Sol) pelos planetas que porventura tenham. O resto se dissipa no espaço. Por conseguinte, a energia radiante do fabuloso número de sóis que nos rodeiam junta-se no espaço, convertendo-o no reservatório da massa das estrelas transformadas em luz. Dispõe-se hoje em dia de instrumentos que já registram alguma coisa do que se passa com essa abundantíssima energia, o que tem reforçado a opinião de que, ao fundir-se, repelir-se ou juntar-se, dá origem a combinações que depressa terminam na formação de sistemas estelares destinados a substituir os que se vão extinguindo. Se nos referimos a esse aspecto é porque se deve excluir a crença de que o espaço é algo vazio, apavorante, e de que só chega até nós o inanimado. Esta imagem é imputável à maneira pela qual à percebe o nosso sistema sensório.

            Também nesse terreno o Espiritismo dá valiosa contribuição. Desde as primeiras, comunicações era assinalado que o espaço é o Grande Laboratório Universal. Por acréscimo, é a residência das almas, das mais atrasadas às mais luminosas. Sem cessar, essas regiões invisíveis são percorridos por inumeráveis legiões de Espíritos dedicados ao bem e à caridade, que velam pelos que sofrem ou que se encontram em erro, e, com elas e sobre elas, por extensas comunidades de almas refertas de amor sublime, resplandecentes de saber e beleza, que controlam a marcha dos sistemas de sóis com suas humanidades, as quais se desenvolvem em seus respectivos sistemas de planetas habitados. A nova cosmovisão reduz a míseras tentativas todas as concepções que do Universo vinham sendo ensinadas desde as primeiras idades. Afeta de fato todas as esferas do saber, seja religioso, científico e filosófico, lançando insuspeitada claridade sobre os problemas fundamentais do destino humano.

            A pluralidade de existências, que estudamos em rápido esboço, levou-nos a destacar o seu verdadeiro alcance, podendo agora chegar-se à conclusão -de que sendo o Espírito a verdadeira existência, .a sucessão de vidas é o espontâneo desenvolvimento de sua atividade essencial, que é vida de vida, e, por seu intermédio, verifica-se que essa pluralidade é possível porque há também lares planetários onde ela pode efetuar-se. Por esse caminho, pudemos chegar à convicção fundada de que o Universo, o extenso e maravilhoso Universo, em toda a gama de sua riqueza dinâmica, energética e biológica, existe para servir de pedestal, de oficina, de crisol, de aula ou de cenário aos Espíritos inexperientes ou prevaricadores, que terão de ocupá-los para realizar sua grandeza imperecível.

            Não desejamos incorrer na imperdoável omissão de silenciar acerca do autor de tanto prodígio. A diversidade de nomes com que ele tem sido designado não tem conseguido defini-lo. Podemos sentir Deus, mas só o sentiremos verdadeiramente quando houvermos alcançado a justa proporção do grau de pureza e o nível de compreensão necessária a esse fim.

            Todas as imensidades que, no mundo estelar a Astronomia revelou, e o profundo sentido humano, coerente e luminoso, com que o Espiritismo atende a essa totalidade alvoroçada de almas e humanidades, assinalam indefectivelmente a majestade do Supremo Concessor de todo o Bem.

            Sóis e Universo, almas e humanidades exaltam o poder de Deus, e Ele é em todo o magnífico esplendor de sua infinita grandeza, e nós somos, na mais insignificante parte de nossa pequenez, não obstante "estarmos feitos em espírito à sua semelhança" .


(Transcrito de "La Idea", número de Junho- Julho de 1958.) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário