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terça-feira, 18 de setembro de 2012

Supremo Anseio



Supremo
Anseio

   Ser livre, inteiramente livre, é o supremo anseio do homem. Essa aspiração congenial ele a traz de milenário passado, herança ancestral que aumenta com o desdobramento dos anos. A liberdade integral é um lindo sonho azul que a humanidade persegue, mas que não alcançará senão quando estiver convenientemente preparada para conquistá-la. Quanto mais escravo mais sedento de liberdade. Disse Rousseau, pela boca do seu Emílio, que "o homem verdadeiramente livre deseja apenas o que pode". Aí está enunciado o segredo da felicidade humana. O homem, porém, não sabe querer somente o que pode: quer sempre mais do que merece ou do que lhe é devido. Sem disciplinar-se jamais será livre: "A liberdade exige disciplina, solicita consciência, sugere cautela, institui medida - escreveu João Lira Filho. Quanto mais livre, mais retraído o homem em face dos homens. Quanto maior a consciência, menos provável que se erre por omissão." O egoísmo é a sombra do homem que quer, mas não sabe querer. E não sabe querer porque não sabe o que quer. Despreza a realidade dura, decepcionante muitas vezes mas sincera, preferindo a ilusão, a aparência, porque, cansado de sofrer, reclama algo que se lhe apresente como oportuno derivativo para suas dores e desenganos. Vive, por conseguinte, artificialmente. Esquece-se de que os outros homens também têm direitos respeitáveis mas na ânsia de atender às suas necessidades descura as de outrem. Daí as lutas, os conflitos, o entrechoque de paixões, as guerras: sangue, sofrimentos, lágrimas, desespero, incompreensão, loucura, morte!.. 

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            E o Emilio rousseauniano pontifica: "É preciso crer em Deus para ser salvo" esclarecendo que esse dogma, por ser mal assimilado tem dado ensejo a manifestações de sanguinária intolerância, golpeando de morte a razão humana. Preferiríamos dizer: "É preciso crer em Deus para ser livre", desde que essa crença pudesse significar compreensão profunda. Para crer o homem terá de ser simples, bom, sincero. Sem tais predicados, jamais crerá em Deus, ainda que julgue possuir fé inabalável. O homem que crê é amigo dos outros homens. Não tem preconceitos, não se enreda no cipoal das prevenções pessoais; exerce a tolerância, cultiva o altruísmo, educa-se na prática constante da renúncia, fiel ao preceito cristão do "amai-vos uns aos outros" . "Confúcio, no Lun-Yu ("Passatempos Filosóficos”), que completa os quatro livros sagrados de filosofia moral e política da China sabiamente ensina: "O filósofo está completamente livre de quatro coisas: amor-próprio, preconceitos, obstinação e egoísmo". E Mencio ajunta: "É um grande homem aquele que não perde a inocência e a candura de sua infância." Em vez de procurar desenvolver-se moralmente o homem se estiola no vício dos maus pensamentos e das ações más. E para cúmulo da heresia ainda há quem pregue que ele foi feito à imagem de Deus! ...

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         O homem será livre quando quiser ser livre. Para querer ser livre, precisa criar em torno de si um ambiente propício à liberdade, respeitando os outros homens., ajudando-os, esquecendo-lhes os agravos, porque  ninguém conseguirá a liberdade sem pagar pesados tributos à dor. A redenção do homem tem de ser obra do próprio homem. Quando ele se vencer a si mesmo terá mais facilidade em encontrar o caminho da vitória definitiva. Mas é preciso crer em Deus para ser livre. Sua presença na Terra não é obra do acaso, nem mera consequência dum acidente" biológico. Isso seria rebaixar muito a dignidade humana. Portanto, deve o homem realizar o sonho máximo do seu espírito: a libertação. Quanto mais evolvido, mais liberto. O "conhece-te a ti mesmo", do pórtico de Delfos, é o "abre-te, Sésamo!" da tranquilidade humana. O homem que pode dominar seus impulsos inferiores, é um forte e, consequentemente, um liberto. Essa atitude mental é de grande importância para o seu futuro, porque todos vivemos sob o guante de ferro de uma lei inexorável: a de causa e de efeito. Ela é que dispõe do "amanhã" de cada indivíduo. As dores de hoje podem ter tido como origem os erros e excessos de ontem, e geralmente o têm. Nada, porém, de desespero nem desânimo. A vida não para, o tempo corre célere. Os indecisos, apáticos ou desanimados, ficam para trás. É preciso sacudir o torpor do espírito, alegrar-se com a vida, com a lembrança de que o homem tem em si mesmo os elementos para triunfar! Os pensamentos alegres e elevados ajudam a transpor barreiras. Forre-se do bom humor de Pangloss, a genial criação do finíssimo Voltaire, quando, em Candide, dialogando placidamente com o derviche e, contrariado em certa pretensão objetara: “Esperava ter o prazer de conversar um pouco com o senhor sobre causas e efeitos, sobre o melhor dos mundos possíveis, sobre a origem do mal, a natureza da alma e a harmonia pré-estabelecida.” Nada como ver a vida através dos vidros cor de rosa dos nasóculos do doutor Pangloss.

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            O otimismo é indispensável para se apreciar os altibaixos da vida humana. O mitológico Prometeu simboliza o homem desvairado pelas paixões inferiores. Encadeado no cimo do Cáucaso por Hefaisto, sofria o atroz suplício de ter o fígado dilacerado por voraz abutre, até que Hércules, dele compadecido, libertou-o. Como o filho do Titã Japeto, o homem também está encadeado, mas às suas inferioridades, vitima dos próprios impulsos, sentindo as inelutáveis consequências da lei de causa e de efeito, à qual tudo está subordinado no Universo. Sua falta de educação moral, seu esquecimento dos deveres sagrados de fraternidade, bem como a volubilidade do seu caráter, são o abutre que lhe rasga com avidez as entranhas, impondo-lhe torturas pavorosas. E ele continuará sofrendo, debatendo-se em aflições imensas, alucinado por pesadelos que parecem eternizar-se, enquanto se processam os efeitos de outra lei inflexível: a da evolução. Sua liberdade será tanto mais rápida quanto mais depressa ele se desvencilhar dos vícios e erros que o têm deprimido. O livre arbítrio será sua bússola. Então, sabendo já desejar somente o que pode e sabendo querer, o homem fará consigo mesmo o que Hércules fez com Prometeu.

            Poderá assim regozijar-se perante Deus, numa exclamação de felicidade:

            - SOU LIVRE!


por José Brígido (Indalício Mendes)



in Reformador (FEB) Janeiro 1946


Grifos do Blogueiro!

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