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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Jesus não é Deus II


VI[1]

            Está limpo o terreno – a nossa arena.
            A sua igreja desceu às condições humanas do sacerdócio hebreu – e o Espiritismo subiu a emparelhar com ela, pelo modo como fizeram os apóstolos com a doutrina do Sacrificado.
            Tanto vale a sua crença como a minha, com a diferença, porém, de que a minha assenta sobre a última palavra do céu, que veio a reformar a sua; como a sua foi a última palavra a reformar a lei escrita, pela qual se batia contra ela o sacerdócio, firmado nos mesmos princípios em que se firma hoje o clero católico, para se bater contra a minha.
            A igreja, pela lei de progressividade da revelação religiosa e científica – por sua falibilidade, que já foi demonstrada e que não pode deixar de ser diante da lei do progresso, também demonstrada – e principalmente pelas promessas que foram feitas por Nosso Senhor Jesus: de mais ampla revelação, cujos sinais se encontram no Espiritismo; a igreja é uma seita, como ela qualifica o Espiritismo – seita tão veneranda diante desta nova, como era o sacerdócio diante da cristã.
            Podemos, pois, bater no mesmo terreno – com as mesmas armas – sem superioridade de qual de nós; porque, afastados os preconceitos, nós e vós não somos senão campeões que procuram a verdade à luz da razão[2] - e de conformidade com o critério infalível de toda a verdade.
            Discutido o primeiro ponto que nos nivelou, pela perda do caráter de infalibilidade, que se arrogava a vossa doutrina – e pela exibição do caráter divino da nossa, passemos a outras provas do nosso arrerto[3]: o Espiritismo veio limpar de erros o ensino da igreja, como o cristianismo limpou deles o ensino mosaico.
            Empregando esta linguagem, precisamos defini-la. Nem o cristianismo limpou todos os erros da lei escrita: pois que, para isso, fora preciso ensinar todas as verdades, o que o próprio Jesus categoricamente declarou que não fizera, nem o Espiritismo limpará todos os da igreja, filhos de sua interpretação literal das sagradas letras; pois que o ensino espírita também é progressivo – e a última verdade só será dada ao mundo quando este tiver atingido o último grau de progresso de que é capaz o homem terreno[4].
            Entretanto, a revelação espírita, no grau em que se acha, já põe à mostra inúmeros erros, que a igreja guarda como verdades eternas.
            É destas que vamos tratar, bom amigo, para provar-lhe: que nossa crença tem o mesmo caráter divino que a sua, que o senhor pôs em discussão: Jesus é Deus?
            Está claro, e esta é a dedução do estudo que temos trazido até aqui, que nenhum de nós pode recorrer a argumento de autoridade; porque a autoridade de sua lei é a mesma da nossa, firmando-se no Evangelho, de que ambos tiram sua razão de ser.
            A razão é o divino critério, aquela baseada na observação e na experiência – e este servindo de farol em meio das cerrações que nos envolvem; eis nossas armas – e eis os instrumentos que a nova revelação recomenda como meio de distinguir a verdade do erro.
            Deus não pode querer uma fé passiva (crer porque mandam crer) – uma fé que não dá mérito – que tolhe a liberdade: condição imprescindível para que o ser humano possa ter responsabilidade e dê razão de ser à justiça soberana.
            Deus só pode querer fé raciocinada, acorde e com a liberdade, que dá mérito e demérito, bases essenciais do julgamento.
            Como punir o Senhor a alma, que desertou da fé imposta por ser ela em tese e com relação a certos princípios, contrária a essa razão, que é uma luz, por Ele posta em nós, para nos guiarmos no exercício de nossa liberdade?[5]
            A igreja, por motivos puramente humanos, sujeita a razão à sua autoridade, que, pelos mesmos motivos, vestiu da infalibilidade divina.
            O Espiritismo, não aspirando as glórias e os poderes do mundo – e partindo do princípio da justiça eterna, cuja razão de ser é a responsabilidade do ser humano, indevidamente, porque “cada um segundo suas obras” [6] – e seguro de que não há responsabilidade sem liberdade efetiva, em todas as relações daquele ser, chega à conclusão de que o Pai, dando livre arbítrio ao filho, deu-lhe necessariamente a luz para servir-se dele.
            O contrário seria o mesmo que confiar um instrumento mortífero a quem não tem a ciência de utilizar-se dele.
            O homem é responsável pelos atos de sua liberdade, porque teve de Deus a razão, para guiar-se na prática de tais atos, a que não seria, se fosse arrastado por imposições de quem quer que seja, ainda que fosse o próprio Deus[7].
            Assim, pois, liberdade sujeita a uma autoridade indeclinável, não é liberdade – não provoca responsabilidade, que autorize a justiça de Deus.
            Só a liberdade livre de peias, que não sejam as da razão, pode arrastar responsabilidade – e juízo.
            Com isto, não varremos a igreja, nem sua legítima autoridade, apenas combatemos-lhe os excessos.
            A igreja ensina – e seu ensino tem a autoridade do saber e a experiência, fundamentos da mais respeitável competência; mas o ensino da igreja não pode ser imposto, porque assim anular-se-ia a liberdade e a responsabilidade do homem.
            A lei posta pelo espiritismo é esta:
            A igreja, com a sua competência ensina: o homem, com sua liberdade, esclarecida por sua razão, raciocina e aceita ou não o ensino da igreja, assumindo a responsabilidade de seu juízo.
            É como se diz em todos os ramos do exercício da atividade e da inteligência humana.
            O prático, o mestre ensina os meios que tem por melhores – a moral; o discípulo é livre de aceitar ou não os conselhos e as instruções, ou de seguir seu alvedrio, carregando por isto com a completa responsabilidade do bom ou do mal que lhe sobrevier.
            Acabe com sua infalibilidade e com a fé passiva, duas coisas repugnantes à razão universal – e Roma será a cabeça da religião de Jesus.
            Vamos adiante.                 

Livro:       ‘Jesus não é Deus’
(série de 20 artigos publicados no ‘Jornal do Brasil’ em 1895)
Autor:  Bezerra de Menezes (Max)
Coordenação e Notas: Jorge Damas Martins
           


[1] Ineditoriais; Espiritismo; Estudos Filosóficos;
  11.Março.1895, pág.2, Segunda-feira, “Jornal do Brasil”
[2] Ver II Cor. 3:17.
[3] Essa palavra não existe. Deve ser asserto, a mais próxima do contexto, e que quer dizer asserção, ou seja, afirmação, alegação, proposição sustentada como verdadeira. (Comentário de Luciano dos Anjos).
[4] Ver a opinião de Max, sobre a progressividade da revelação espírita, no Apêndice III
[5] Ver “LE” perg. 621: “Onde está escrita a lei de Deus?” – “Na vossa consciência.”
[6] Ver Mt. 16:27.
[7] Ver “LE” perg. 262.

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