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sábado, 9 de abril de 2011

47/50 'Crônicas Espíritas'


47CM
A Pastoral      (F1)


            Sob o título “O Culto à Virgem” publicou o “Jornal do Comércio” a anunciada pastoral de Sua Em. o Sr. Cardeal, exclusivamente dirigida contra o Protestantismo e o Espiritismo.
            Quanto à parte que nos toca, nada teríamos a dizer se não fosse o modo curioso da cotação, isto é, de sermos dignos de só receber três novenas, 
enquanto os nossos irmãos protestantes receberão meia dúzia.
            Algumas das ovelhas de S. Em. tem-se visto em apuros para 
cumprir fielmente as prescrições da pastoral, 
visto que só tiveram notícia dela no dia 4 de tarde e
 só no dia 5 é que ela foi publicada, 
sendo-lhes assim impossível rezar desde o dia 1º de Outubro.
            S. Em. recomenda a recitação do rosário ou ao menos do terço, 
como um grito de protesto contra as religiões que ele chama heréticas.
            Ora, S. Em. sabe muito bem que rezar um rosário ou um terço, 
da maneira por que geralmente é feita, 
é o mesmo que tocar uma chapa de gramofone, porque, 
na maioria dos casos, as palavras vêm somente dos lábios 
e não recebem o impulso do coração que as eleve até ao sólio 
daquele a quem são dirigidas. 
O coração nada sentindo, nulo será o resultado.
            Para demonstrar a nossa boa vontade e desejo de bom êxito à S. Em., 
aconselhamos às suas ovelhas e mesmo ao clero que, orando, 
procurem sentir a prece, pois sabemos por experiência 
o valor do pedido sincero de intercessão dirigido à rainha dos anjos, 
com fé e humildade. Muitas graças temos assim recebido, 
mesmo sendo espíritas, daquele Espírito amoroso, 
sempre pronto a socorrer os desgraçados.
            Não nos leve a mal S. Em. este conselho que oferecemos 
às suas ovelhas e ao clero. Pode Sua Em. ficar certo de que 
ele apenas representa o sentimento de fraternidade, pois que, 
a despeito do rancor que transparece na pastoral contra nós, 
Sua Em. há de convencer-se um dia de que todos somos irmãos, 
filhos do mesmo Pai -- Deus – nosso Criador, e, 
segundo os ensinos de Jesus, devemos amarmo-nos uns aos outros, 
e mais, amar os nossos inimigos.
            Quanto ao valor da prece, para atrair sobre o “Soberano Pontífice” 
Pio V as graças da Virgem, aí pedimos licença 
para discordar de S. Em., pois é público e notório que o dito pontífice 
foi inquisidor mor, e os sentimentos da Virgem não se coadunam
 com os atos por ele praticados durante ou mesmo antes do seu papado.
            Como muitos podem pensar que o Pio V foi um santo, 
desconhecendo a história dos diversos pontífices citados por S. Em., 
cito aqui um pequeno trecho referente a Pio V, tirado da “História dos Papas”:

            “Para dar uma idéia exata da ferocidade de Miguel Ghisléri, antes de ser papa, citaremos textualmente algumas passagens das instruções 
que ele dirigia ao inquisidor de Veneza: 

“O inspetor geral dos tribunais do Santo Ofício ao 
venerável Montalto, inquisidor de Veneza. 

Caríssimo irmão... Que nenhuma consideração humana ou divina 
vos faça parar no caminho em que entrastes: 
lembrai-vos de que o nosso divino Mestre disse: “Aquele que amar o 
seu pai e sua mãe, o seu filho ou a sua filha mais do que a mim, 
não pode ser meu discípulo. – O homem deve ter por inimigos 
os da sua própria casa; porque eu vim para separar o esposo da esposa, 
o filho do pai, a filha da mãe. – Não penseis que vim trazer 
a paz à Terra; vim trazer a espada; combatei, 
pois, por mim, sem trégua e sem temor, 
porque aquele que conservar a sua vida perdê-la-á 
e aquele que a tiver perdido por amor de mim recuperá-la-á.”
            Que estas santas palavras sejam a regra do vosso proceder: 
torturai sem piedade, dilacerai sem misericórdia, 
queimai sem dó nem compaixão vosso pai, vossa mãe, 
vossos irmãos e vossas irmãs, se não estiverem submetidos 
cegamente à Igreja Católica Apostólica Romana.”

            Que horror! E este é um dos santos da Igreja! 
Mas isto está perfeitamente de acordo com a 
doutrina católica que aceitou o lema dos jesuítas: 
“os fins justificam os meios”.
            Aplicou certas passagens do Evangelho, 
aumentando o que lhe convinha para o fim em vista, 
deturpando o sentido, e quer o Sr. Cardeal que se 
louve um homem e o recomendem à Virgem; 
um desalmado da mais baixa espécie, 
um desclassificado que não trepidou em aproveitar os textos
 evangélicos para dar força às suas ordens ferinas.
            S. Em., por certo, não pensou bem, ao escrever a 
sua pastoral sobre os atos dos papas citados.
            Estou crente de que o único desejo de S. Em. é 
que ao menos as ovelhas ainda não contaminadas 
não se desviem da Santa Madre Igreja, e desde que 
o processo para consegui-lo é tão somente a preparação das novenas, 
a reza dos rosários e prática das boas obras pelos fiéis, é de crer, 
se sinceramente orarem e pedirem à Virgem luz para os seus espíritos, 
que a Virgem lhes apontará o caminho que lhes convém seguir. E S. Em. 
deve conformar-se com o resultado.
            S. Em. o Sr, Cardeal começa a sua pastoral avisando 
os Rev. Srs. Padres de que ele tem o imperioso dever de 
zelar pela conservação da doutrina católica e que lhe cabe 
a relativa obrigação de usar dos meios que a isso conduzem. 
Nós estamos de pleno acordo com a S. Em. pois, quem é pago 
para zelar uma coisa qualquer, zelando-a, não faz, por certo, favor.
            Mas para zelar pela doutrina católica, parece-nos
 inútil mandar fazer pregações com o fito único de acirrar 
ódios contra as religiões discordantes. O único resultado 
que a sua pastoral produzirá, será aumentar as nossas 
fileiras como sucedeu por ocasião da pastoral 
dos bispos reunidos em Friburgo.
            O que o homem procura, hoje em dia, é uma religião que
 lhe fale à alma e não uma que o empolgue tão somente pelos sentidos. 
Ele já compreendeu que as pomposas igrejas não mitigam 
a sua dor nem respondem à sua pergunta “por que sofro se 
nada fiz nesta existência que mereça as torturas por que passo?” 
E ele não aceita mais o ensino da doutrina católica “que os filhos 
sofrem pelos pais”, visto que um pai da Terra é incapaz de 
castigar um filho pelo que o outro fez.
            Ele pergunta: que religião é essa que explora o homem 
desde o berço até a sepultura? Desde o batismo até a 
encomendação do corpo, e que a despeito dela apodrece e 
desaparece como o corpo de um animal qualquer? 
Deus teria dado ao clero o poder de vender sua justiça 
e dispensar, à revelia, suas graças? São estas as 
conjeturas que afloram à mente do homem, forçando-o a procurar a verdade.
            Quem o pode impedir de procurá-la no 
Evangelho ou condená-lo por achar o Espiritismo de acordo com 
os ensinos de Jesus? O Espiritismo lhe revela um Deus justo e 
misericordioso que a cada um dá de acordo com as suas obras.
Mostra-lhe que cada um tem o seu livre arbítrio e que é 
responsável pelo uso que dele faz, e que só a Deus tem 
que dar contas dos seus atos; que o progresso é uma 
lei e que toda criatura atingirá a perfeição pelas sucessivas reencarnações.
            S.Em. deve estar farto de saber que palavras, 
sem exemplos, não produzem efeito algum e que o
 velho chavão “fazei o que vos digo e não o que vos faço” 
já redeu a sua força. A Humanidade está muito 
esclarecida do que o foi na Idade Média.
            Os Espíritos, devido às constantes reencarnações,
 têm progredido, e mesmo que estejam sem instrução,
 raciocinam e seguem o caminho que a razão lhes aponta, sem olhar para trás.
            Se S. Em. quer, de fato, que a sua pastoral produza 
o desejado efeito, só um caminho lhe resta a seguir: 
aquele aconselhado por Jesus ao moço rico:
            Vender o palácio episcopal e todos os bens da
 Igreja e distribuir o produto entre os pobres; tomar 
um bastão de peregrino e, imitando os apóstolos, 
pregar os santos Evangelhos. Verá quão grande 
será o rebanho que seguirá as suas pegadas.
            S. Em. diz que lhe é doloroso ver tantas almas resgatadas
 por Jesus Cristo, arrancadas ao seio da Igreja pelos 
erros que grassam, especialmente pelo Espiritismo 
e pelo Protestantismo que assombrosamente se propagam. 
Mas S. Em. deve saber, porque Jesus o disse, 
“que não cai um cabelo da nossa cabeça sem que Jesus o queira”. 
Se, pois, Jesus falou a verdade, os espíritas o são 
porque Deus o quer, e se Deus o quer, poderá o terço 
ou a devoção do santo rosário impedir que o Espiritismo 
continue a propagar-se, mesmo entre o clero católico; 
como já o fez entre o clero anglicano, na Inglaterra?
            Mais difícil do que para um católico, 
é para um israelita tornar-se espírita, 
visto que ele tem que tornar-se cristão e, no entanto, 
em Londres, há um grande centro espírita israelita.
            Orem, pois, como manda S. Em., mas orem com
 sinceridade à Virgem, nossa mãe, pedindo que dos páramos 
onde habita faça baixar a sua luz sobre a pobre 
Humanidade e que interceda perante o nosso Criador e Pai 
para que a sua santa paz baixe sobre o mundo; que tenha 
misericórdia de toda a Humanidade sofredora e especialmente 
daqueles que trilham o caminho errado, e esperem pelo resultado, 
A prece é a maior alavanca que a Humanidade possui: 
se ela a usasse constantemente, quantas desgraças se evitariam! 
E aos nossos confrades reiteramos o pedido de nunca 
se esquecerem de pedir a Deus misericórdia para 
os nossos inimigos e da Doutrina Espírita, especialmente 
para o clero católico da Terra e do Espaço, 
e assim cumpriremos o nosso dever.

            Um parênteses:

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