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terça-feira, 19 de abril de 2011

'Apologia da Verdade'


Apologia da Verdade
por  Gilberto Campista Guarino
Reformador (FEB) Fevereiro 1974

         ‘Então vieram ter com ele os discípulos de João e lhe perguntaram: por que os fariseus e nós jejuamos e os teus discípulos não jejuam? Jesus então lhes respondeu: Podem acaso chorar os filhos do esposo quando o esposo está com eles? Dia  porém virá em que o esposo lhes será tirado; eles, então, jejuarão. Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, por isso que aquele esgarçaria uma parte da roupa e lhe aumentaria o rasgão; e não se deita vinho novo em odres velhos, porque os odres se quebram, o vinho se derrama e os odres ficam perdidos; ao passo que, deitando-se vinho novo em odres novos, um e outro se conservam’. (Mateus IX, 14-1)
            
              As palavras do Cristo de Deus encontradas nos Evangelhos expressam a mais absoluta lucidez – como, aliás, não podia deixar de ser – face a um dos mais angustiantes  problemas com que se depara o homem: a necessidade da reforma íntima, com vistas à compreensão da verdade pura, bem como à internalização das grandes carências em todos os campos do conhecimento humano.

            Em realidade, a reforma íntima exterioriza-se como objetivo de difícil alcance, se lembrarmos um de seus pressupostos, no sentido de cada um vencer a fera que está dentro de si, conhecendo-a pela auto-observação e guerreando contra ela, vencendo-a, afinal, pela auto-crítica, pelo autocontrole e, acima de tudo, pela real vontade de despir o homem velho, de olvidar as hipocrisias e as ortodoxias prejudiciais, as dogmáticas cerceadoras, procurando vibrar com a Espiritualidade Superior na aplicação do ‘conhece-te a ti mesmo’.

            ‘O campo é o mundo’, disse Jesus (Mateus 13:38), reavivando em nós a imperiosidade da luta no mundo material – como espíritos falidos que somos – relembrando-nos as noções imperecíveis do progresso ininterrupto, mostrando-nos os diversos campo que apenas aguardam a passagem do arado, no trabalho estimulador, como único meio de marcharmos pelos caminhos que escolhemos.

            No entanto, não podemos esquecer que a reforma do ser humano é problema eminentemente pessoal, próprio, inerente a cada um, terreno sagrado que não nos cabe violentar, nem mesmo por pensamentos. O processo grandioso é o do burilamento de cada parcela, que forma o conjunto desarmônico, mas amanhã plenamente integrado na concepção esclarecida do espírito imbuído da verdade absoluta.  

            Assim pensando, fica óbvio o fato de não sermos apologista do açodamento em qualquer atividade que empreendamos, simplesmente por considerarmos a precipitação como a maior inimiga da verdade. Por outro lado, e com não menos razão, jamais se justificaria uma atitude de perfeita displicência para com a difusão da verdade, de patenteado descaso pelo exemplo franco do engajamento que nos demonstrou Jesus, o Mestre de Nazaré. A atitude crística sempre foi a de teorizar para executar, a de dinamizar o que se apresentava como estático.

            Mas, como síntese da perfeição, símbolo de todas a verdade, o Mestre jamais procedeu contra a lógica, tendo primado pelo discernimento absoluto elevado à mais expressiva e sublime gradação da moralidade. Cometem a mais grave injúria contra a própria Lei aqueles que mistificam a doutrina de Jesus, tachando-o de livre-atirador, de vulgar revolucionário. Não... Justamente por haver sido – e, em realidade, ainda o é e o será sempre – a perfeição momentaneamente materializada, aconselhou-nos a não deitar vinho novo em odres velhos, a despir o homem velho e a deixar surgir o homem novo, progressivamente, nos moldes do caminhar evolucionista.

            Não restam dúvidas que o pano velho, bem como o odre velho são os próprios homens ‘que ainda hoje existem; são-nos os interesseiros, os que bebendo em mananciais impuros e difundindo uma doutrina falsificada, se constituem estorvo à obra da regeneração humana, cuja execução procuram de todo modo embaraçar, como se estivesse na possibilidade dos homens obstar a que se cumpra uma lei absoluta, qual a do progresso’ (in ‘Elucidações Evangélicas’, págs. 220-221, 5ª Ed. FEB, Antônio Luiz Sayão).

            Como se vê, aí se encontram vinhos novos e odres velhos, panos novos e roupas velhas, assim como vinhos novos e odres novos com panos novos e roupas novas. No campo que é o mundo acham-se igualmente convivendo inovadores verdadeiros – progressistas com Jesus - e prodigiosos livre atiradores, CAD um tentando constituir-se em ‘o mais comentado Robinson Crusoé doutrinário’. Negadores dos emissários do alto, preocupam-se não em assimilar conhecimentos, paralelamente à evangelização necessária, mas, outrossim, em propalar os mais esdrúxulos absurdos, evidenciando às influenciações sadias do Alto. Preocupam-se em citar as palavras do Cristo, em recordar Emmanuel e André Luiz, endeusando as figuras de Bezerra de Menezes e de Kardec, sem que compreendam uma só palavra daquilo que os companheiros queridos asseveram sempre.

            Três vezes não!... Aqueles que lançam mão do Evangelho e da Doutrina com vistas à auto-promoção e à falsificação não poderão por muito tempo vestir a cada de santas criaturas, imensos perturbadores da tão almejada paz, aliás por eles constantemente decantada.

            Em realidade, estruturas viciadas, personalidades mergulhadas no oceano do culturalismo, não se acham aptas a discernir nos moldes da lógica, a rever posições no intuito de coibir abusos e exageros, logrando alcançar o meio-termo que os Espíritos amigos não se cansam de indicar. Vivenciando há séculos uma esquemática altamente sofisticada e pedante, já sobejamente obsoleta, procuram, a todo custo, prorrogar os estertores de uma lastimável e lamentosa agonia, como renomados masoquistas, vivendo os mais complexos e cruciantes problemas.

            Na realidade, toda mudança deve ser medida, pesada, remedida e repesada, estudada e pesquisada, tendo-se sempre presente o elemento teleológico ou finalístico, somente compreensível através de acurada análise conceptual, sem o que estaríamos mudando por mudar, propondo por propor. Não obstante, doutrinariamente falando, havemos de convir na necessidade de agir com o Mestre  e pela acusa do Mestre, que deve ser a nossa, contra a qual toda e qualquer argumentação se esboroa. Em Doutrina Espírita nada há, ou deve haver, que contrarie a lógica. Mas, de início, o que vem a ser a LÓGICA?

            Compulsando alguns volumes, dentre os quais ‘A ordem dos Conceitos’, de Jacques Maritain, colhemos as seguintes elucidações: ‘A lógica estuda a razão como instrumento da Ciência ou meio de adquirir e possuir a verdade’. Será, como se compreende, a arte que dirige o próprio ato da razão, aquela que nos permite chegar, com ordem, facilmente, ao próprio ato de razão.

            Assim esclarecidos, cabe-nos, ainda a nós, espíritas, estabelecer uma dicotomia de caráter prático que nos impulsione ainda mais no rumo do conhecimento da Verdade|: a verdadeira lógica, aquela do Cristo é imbatível, mas, como realidade legada aos homens, passa a ser – como eles mesmos – passível das mais distorcidas interpretações. Assim, há a Lógica Real e a Lógica Aparente. Preferimos ficar com a primeira. Mas aqueles que assim não pensam, ou que assim não conseguem raciocinar e compreender, principiam a dissertar sobre ‘a lógica dos médicos’, ‘a lógica dos advogados’, ‘a lógica dos professores’, ‘a lógica do espírita kardecista’, e assim por diante. Esquecem-se, semelhantes inovadores – esses sim, verdadeiros livre-atiradores -, de que a Lógica, tomada como realidade e, portanto, aquela do cristo, é simplesmente uma e única, absoluta e indivisível.

            Personalidades extremamente pressionadas pelas mais diferentes provações, testes de fé e de fidelidade à Causa maior, procuram auto afirmar-se num campo que – já pela essência infinitamente superior – exclui quaisquer personalismos, quaisquer imediatismos e autopromoções. Como calar diante do erro nem sempre implica sabedoria, a própria Espiritualidade Superior corrobora nossos pareceres por intermédio das mais positivas e seguras orientações, exaltadoras não de vultos espíritas (desencarnados ou não), mas da verdade acima de qualquer outro critério.

            Odres, panos e vinhos velhos há os que se assemelham a enxames de gafanhotos pestilenciais, na angustiosa tentativa de escapar a uma reformulação que significaria o término de viciações corrosivas, viroses que ameaçam sem contudo, lograrem desabar a verdadeira Doutrina. Misólogos, negam toda pesquisa com vistas à renovação por saberem-se odres velhos, primeiros carecedores das mais urgentes reformas, porque totalmente alienados das realidades evolucionistas. Se, ao menos, lograssem êxito no esquecimento temporário de si mesmos, passando a preocupar-se  um pouco com a coletividade, poderiam ser considerados como elementos em franca reorganização, buscando com mais objetividade os braços do Senhor Jesus, almejando gravitar em planos mais esclarecidos. 

            É bem verdade que grandes luzes estonteiam e, às vezes, causam cegueira em olhos despreparados para os esplendores da vida maior. Mas, concomitantemente, a misericórdia divina é tão incomensuravelmente lógica que a cegueira momentânea serve como ‘musa inspiradora’ de novas atitudes, novas perspectivas de vida, mais lógicos procederes como co-herdeiros com o Cristo. Assim aconteceu a Paulo, o Apóstolo da Gentilidade, que, despertado pelas luzes maiores, mergulhou nos liames do sofrimento regenerador, assimilando e aceitando a doutrina crística. Aliás, o próprio Paulo, em sua Epístola aos Filipenses, nos asseverou, em 3:2: ‘Guardai-vos dos maus obreiros’.

            Como se vê, na propagação da verdade ninguém jamais nos aconselhou a conivência com o erro ou com a mentira. Se compreendermos a imperiosidade da reformulação como único meio plausível de manutenção pureza doutrinária e de se progredir sempre, será tolice ratificar posições retrógradas e impermeáveis, pelo simples prazer de alegar ‘a personalidade forte’ (?) que somos. Em outras palavras, com que sentido insistiríamos em desempenhar o papel ridículo das criancinhas caprichosas ou os inveterados turrões, que se negam a ‘dar o braço a torcer’ tentando a auto-afirmação absolutamente improdutiva? Foi isso o que o cristo nos aconselhou, ao ressaltar a necessidade da tolerância?...

            Procurar a verdade não implica destruir tudo o que se acha construído, renegando o arcabouço do conhecimento humano!... Jamais afirmamos semelhante estultice. E se assim houvéssemos procedido estaríamos renegando toda uma infra-estrutura que já operou ativamente, mas que, simplesmente, consideramos não mais atender aos misteres doutrinários.  Quem ousaria negar o progresso como lei divina?... E quem assim agisse poderia arrogar-se a condição de verdadeiro espírita?... Cremos que não.

            Aí está, meus amigos. Chegamos ao ponto essencial, não sem muito lutar, sem muito orar e meditar, refletindo intensamente nas necessidades da Doutrina, a árvore amiga, de copa verdejantemente plenificada, produzindo sempre, fortalecendo-se e – ‘cotidie magis’ – enterrando suas raízes no solo fértil do Evangelho do Mestre e Senhor Jesus... Foi ele mesmo quem afirmou: ‘Pedi e se vos dará; buscai e achareis, batei e se vos abrirá; porquanto quem pede recebe, quem procura acha e àquele que bate se abre’ (Mateus VII, 7-11).

            Que há de vergonhoso ou de ilógico em pesquisar para renovar, e renovar com Jesus?... Será pedado buscar novas luzes, procurando contatar com a Espiritualidade Superior na busca da elucidação maior?... Ora, convém raciocinar para compreender. De nada adianta negar por negar, negar sem conhecer, sem discernir, sem assimilar. Camille Flamarion, um dos grandes missionários e cooperadores de Allan Kardec, frequentemente nos incita ao estudo para novas descobertas, para a instauração da regeneração humana. Negar por negar, combater o que se desconhece é agir frontalmente contra a Ciência. ‘Pronunciar a palavra IMPOSSÍVEL fora das matemáticas puras’, diz-nos o astrônomo do Juvisy, ‘é negar toda a ciência, todo o progresso’.

            Principalmente na atualidade, momento em que novos estudos dão origem a novas e aprimoradas resoluções e relatórios, como o Relatório da UNESCO a respeito do problema do ensino, com vistas a novas concepções sobre os mais variados temas, precisamos estar atentos para a realidade dessas pesquisas, porque elas vêm aclarar os nossos pensamentos sobre as mais atuais problemáticas, sentidas na própria Doutrina e necessitando de novas e urgentes abordagens. Não há que alegar destruição do que já se acha estabelecido, uma vez que nós mesmos somos os primeiros a compulsar semelhantes documentos, analisando-os à luz da Doutrina Espírita, selecionando o que nos serve, nos moldes da mais cerrada lógica e do mais absoluto critério. Ninguém está jogando novidades sobre a coletividade espírita com o fito de aturdi-la. Isto precisa ficar bem claro. Procedemos à filtragem de semelhante material com o intuito de complementar uma obra que não é nossa, mas do Cristo e, em suma, de Deus.

            Quando afirmamos ser necessário pesquisar à luz da Doutrina para que se renove com Jesus e por Jesus, a maioria grita como multidão enfurecida, esquecendo que o Mestre jamais pregou o marasmo. Quando fitamos a abóbada celeste sem compreendermos a grandiosidade do sistema universal, aturdidos pelo que não logramos assimilar, simplesmente culpamos a Criação, procedendo como negadores de nós mesmos, difusores de mentiras.  Mas, ao mesmo tempo, relendo Shakespeare, encontramos a resposta \á nossa falta de vigilância: ‘A culpa não está nas estrelas mas em nós mesmos’.

            Como Usbek – o persa das ‘Lettres Pensannes’, de Montesquieu – deslumbrado com as paisagens  ocidentais, mais especificamente com as belezas de Paris, alguns espíritas já conseguem lançar-se ao campo sério e promissor do entendimento com Jesus. Aos que ainda insistem em dablaterar alucinadamente, negando as verdades do Alto, seja por não compreendê-las ou por não desejar entendê-las, desejamos muita humildade, muita resignação e também muita paz..

            A estes queremos apenas relembrar alguns trechos da introdução de ‘Divina Epopéia de João Evangelista’, de Bittencourt Sampaio, edição FEB, páginas 17 e seguintes:
           
            ‘Abri o seio vosso à luz divina.
            Bem como ao sol as inocentes flores,
            Oh! Almas que viveis no mundo das trevas!

            Pedi, pedi a graça ao Pai Celeste
            E Ele vos dará; mas, sede humildes,
            Limpos de orgulho, de ambição despidos.’

            ‘Escutai as palavras do Evangelho,
            A boa-nova, que o discípulo amado
            Por ordem de Jesus ditou aos homens.’

            A verdade, meus amigos, sempre a verdade. 
            

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