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domingo, 19 de abril de 2020

O lema da vitória





O lema da vitória
Redação 
Reformador (FEB) 16 Maio 1929

            A perspectiva da reforma do Código Penal e a intensificação de atividades clericais na hora que passa, preocupam e agitam os meios espiritistas, chegando alguns de seus expoentes mais zelosos e não menos autorizados a conjecturar destes sintomas, a possibilidade de uma questão religiosa em nosso país.

            Por nossa parte, e sem com isso abstrairmos da causa em apreço os valores específicos que porventura possam acionar, dirimir e decidir-lhe da sorte, diremos desde logo que não admitimos o seu triunfo senão a título precário e transitório, e nunca, jamais, com o caráter absoluto e violente que a história regista nos conflitos dessa origem.

            Antes de tudo, é força convir que a índole pacifica do nosso povo é avessa a paixões extremadas de fanatismo. Não temos a bem dizer, a estratificação tradicional e secular de uma consciência religiosa coletiva, muito menos de uma religião terrorista e compulsória, sustentada a golpes de espada e a tiros de canhão.

            E a não ser a explosão isolada de um que outro grupo sertanejo, eivado antes de superstição e misticismo grosseiro que de convicção ou ideal religioso, propriamente dito, a nossa comunhão político-social tem, pacífica e liberrimamente, correspondido à sua finalidade histórica de povo jovem, na formação de um novo continente e quiçá de uma nova civilização, sem prejuízos sectários.

            Fossem mais argutos, mais psicólogos e menos imperialistas ou visionários os corifeus deste reacionarismo exótico e intempestivo, e veriam que as necessidades vitais do nosso ambiente prescindem e até proscrevem o monstruoso anacronismo de uma crença oficial, por significativo de servidão moral, intelectual e política substancialmente  incompatível com a natureza humana, e contrário a todos os surtos de progresso. O Brasil de nossos dias não é o Brasil de cinquenta anos atrás, dividido entre senhores e escravos, sem massa burguesa e sem massa proletária conscientes a pesarem, a influírem e refletirem na vida política as suas necessidades morais e materiais.

            E não há de ser, certo, com os seus setenta por cento de analfabetos, fanatizados ou fanatizáveis - esses que constituem de direito e de fato a tão proclamada maioria católica - que a Egreja se arrogue o direito e o dever de pleitear, para restabelecer, a oficialização do seu credo.

            O Brasil dos nossos dias, a pátria que estremecemos e queremos livre, pacífica e grande, não nas linhas arquitetônicas dos seus templos nem na pompa material dos seus cultos mas na consciência evangélica, que tanto vale dizer nos atos de seus filhos, é a mocidade inteligente sem atávicos preconceitos de casta, de raça e de escola; é o estrangeiro operoso e independente que conosco colabora alheio e indiferente a princípios religiosos; é o operário que faz da oficina o seu templo; é o trabalhador agrário que comunga na terra e com a terra por fecunda-la, são todos quantos à sombra das nossas leis benignas e tolerantes vão realizando a sua missão sem atritos nem violências à lei maior - Lex legum - do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com a a si mesmos.

            Depois, é bem de ver, não há antecedentes que justifiquem perante o bom senso universal a excelência do Catolicismo sobre os demais credos e confissões religiosas.

            Mussita-se (mover os lábios, sem articular palavras); por aí que o desregramento dos nossos costumes, a perversão moral e social dos nossos evos (antepassados) são fruto lídimo da falta de princípios religiosos...

            Argumento cerebrino (irreal) e inconsistente, na verdade, porque a verdade é que, tomada a religiosidade em sentido católico exclusivo, a separação da Igreja jamais lhe tolheu as prerrogativas, nunca lhe cerceou atividades, antes pelo contrário - as estimulou e favoreceu. Por outro lado, o que se pode facilmente comprovar é que o mal é geral, e quiçá mais grave e mais vultoso nos países oficial e oficiosamente católicos.

            Os homens públicos que a Providência suscita a tempo para conduzir os povos, têm, no que pesem os seus foros de livre arbítrio, deveres maiores a que não podem furtar-se impunemente.

            Instrumentos da Providência, só os cegos e ignorantes dessa Providência podem supô-los capazes de ultrapassar de uma linha ou de um minuto, os seus desígnios.

            E como para nós outros se prefigura que os tempos chegados o são realmente para o ajuste de contas, impossível sem índices de liberdade relativa, não acreditamos que os nossos homens de governo queiram e possam, em consciência; contrariar e subverter uma evolução que vimos afirmando, senão de direito, ao menos de fato, desde que existimos como entidade política independente.

            A mentalidade dos nossos dias já não se conforma com essa ortodoxia exclusivista e dogmática, fundada em princípios de direito divino, de uma evidente caducidade. Nem se justificam organizações políticas quaisquer, com tutelas teocráticas por manter a
imanência de Deus em codificações terroristas e pueris, que são, em última análise, as verdadeiras, as legítimas fontes de descrença e fanatismo.

            Que Deus ilumine, pois, os corifeus (chefes religiosos) dessa reação extemporânea e lhes dê, a tempo, a noção das próprias responsabilidades, como sacerdotes que se inculcam (impregnam) do Divino Mestre.

            Que a nós outros, em busca-lo e tentar servi-lo dentro dos Evangelhos, isto é, em espírito e verdade, só nos cumpre aguardar com serenidade de ânimo, que em nós se cumpra a vontade do Senhor!

            Valendo a nossa causa por centenas de milhar, senão por milhão de crentes e valendo, ainda mais, pela integridade da nossa consciência, - unida a de nossos irmãos protestantes, teosofistas e, finalmente; todos os espíritos liberais que propugnam pela emancipação moral da humanidade, não recusamos desde logo a atitude que nos compete,
mas, entenda-se também, com as únicas armas que se nos permitem - a da Fé esclarecida no cristianismo d'O Cristo, que manda dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus.

            Seja de Cesar “capa e mesmo a túnica”, mas a Deus e só a Deus pertença a nossa consciência intangível, na consciência da própria vida que d'Ele promana.

            Há cinco séculos, precisamente, a Pucela de Orleans, hoje canonizada pela Igreja, era levada a fogueira pelo bispo de Beauvais por ouvir aquelas vozes que lhe ordenavam a libertação da França.

            Se os Beauvais brasileiros tentassem, não diremos queimar vivos, mas encarcerar quantos ouvem, hoje, as mesmas vozes proclamarem a morte do Syllabus para maior glória de Deus e do gênero humano na libertação de todas as pátrias, haveríamos, então, de ver como falariam por eles as próprias lajes das masmorras, se masmorras houvesse para os deter a todos.

            A revide, toda a revide violenta, é indigna de nossa causa, de vez que só os pacíficos serão chamados filhos de Deus. Coloquemo-nos com serenidade de ânimo acima de todas as ciladas, porque também dito foi que nas armadilhas de lobos só caem lobos; sejamos, finalmente, grandes na humildade e saibamos esperar mais de Jesus que dos homens, a realização das suas promessas.

            Não recusemos jamais o testemunho da nossa Fé, mas em o fazermos, sejamos coerentes, pois O Cordeiro de Deus, ao triunfar na cruz nos deu o paradigma de todas as vitórias - Perdoai-lhes Pai, porque não sabem o que fazem.



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