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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Oposições e dissidências




Oposições e dissidências
A Redação 
Reformador (FEB) 1º de Novembro de 1929

            Se o Espiritismo é a doutrina dos Espíritos traduzida em comércio de ideias e sentimentos com os encarnados, a processar-se indefinida e progressivamente sob desígnios providenciais, é licito indagar até que ponto se justificaria uma centralização de esforços e vontades, meramente humanos, com programas fixos, determinativos e absolutos.

            E, se o comércio de encarnados e desencarnados, por força de lei insofismável se processa por ordem de afinidades e pendores, é licito cogitar de como e até que limites poderia um homem, ou um grupo de homens, reivindicar primados de orientação e disciplina moral.

            Em nosso país, logo de início, medrou a ideia da constituição de núcleos fortes pela coesão moral, tanto quanto pela amplitude intelectual, capazes de sistematizar o estudo e, pela própria experiência, irradiar os melhores métodos de trabalho espírita.

            Dessa ideia, acolhida e patrocinada por irmãos nossos, dignos a todos os respeitos, de acatamento, já por sua enfibratura moral, já por sua posição social, originou-se esta associação de crentes, que vem mantendo há quase meio século e não sem lutas, vezes acerbas, o patrimônio do seu programa doutrinário, em substância.

            Em substância, dizemos, porque, com o evolver dos tempos e das ideias, providências e reformas se impuseram, necessárias à manutenção de sua atuação
como entidade coletiva, a justificar, assim, a improcedência dos atributos que gratuitamente lhe emprestam, de um conservantismo dogmático.

            Mas a verdade é que a Federação tendo em vista, “ab initio”, atrair todas as entidades úteis e capazes de corresponder aos fins precípuos da Revelação, sempre teve no seio do próprio proselitismo adversários e dissidentes a lhe atribuírem propósitos de uma hegemonia que seria ridícula se não fora simplesmente inviável, por colidente com a índole da própria doutrina.

            Essa oposição, essa hostilidade de caráter permanente, pode-se assim dizer - visto que a experimentaram e sentiram todos quantos a esta instituição têm dado o esforço de sua atividade - não pode nem deve impressionar, senão aos que observam superficialmente e de um modo restrito a obra complexa e demorada da graduação das consciências para a integração do problema: em suas finalidades coletivas.

            Por agora, o que nos cumpre assinalar é que ela - essa oposição - filia-se a dois fatores por assim dizer - naturais e os removíveis com o tempo, ao critério dos Espíritos superiores, sob a égide daquele que - Pastor do rebanho - como governador e protetor do Planeta, encaminha e dirige a sua evolução.

            Um desses fatores radica-se à natureza humana, está na tendência do maravilhoso, que, aliado à ignorância, se desentranha em ânsias de autonomia individualista, num racionalismo singular, rebelde a quaisquer métodos e disciplinas fora da sua mentalidade, ou da mentalidade do seu círculo.

            E não há como lhes modificar convicções e atitudes, porque se as manifestações vêm a todos e para todos, eles estão dentro da lei e com a lei.

            Não importa que a lei seja também, e principalmente, de progresso moral, de esforço mental e mesmo de sacrifício material. Os Espíritos aí estão, com eles, para lhes dar parcelas de verdade e até toda a verdade, ao sabor de seus desejos e conveniências.

            O outro fator, de ordem espiritual, por mais sutil, não deixa de ser mais resistente e temeroso: este não se filia nem se conjuga à ignorância e à indolência propriamente humanas, antes, pelo contrário, procura tirar partido da boa vontade, da atividade, da inteligência humana, insinuando-lhe realizações grandiosas, atitudes destacadas, benemerências singulares, que pouco a pouco, insensivelmente, conduzem o crente a um personalismo radical, como donatário, senão único de toda a Verdade, ao menos de sua maior parcela baixada ao mundo para a época que transcorre.

            Para esses não há, não pode haver outras verdades, outros princípios, outras leis que as compendiadas nos livros que leem e com a interpretação que lhes dão. 

            Os seus centros, os seus métodos de trabalho, as suas ideias são a doutrina mesma e toda a doutrina, e a quem não concorde com as suas práticas e teorias - anatema sit (que ele seja).

            Aos assinalados na primeira corrente, não haverá que lhes falar da Federação, cuja existência não lhes interessa nem preocupa; aos segundos, falar-lhes da Federação seria lhes exacerbar lhes o ânimo para definirem o chamam candidamente – o papado.

            Arguição insubsistente e injusta, na verdade, para quem acompanha intimamente a nossa vida social e a nossa vida doutrinária, adstritas a um programa libérrimo (extremamente livre) e susceptível de eficiência para todas as cooperações bem entendidas, programa de princípios, não de pessoas.

            Em sustentar esse programa, os que lhe têm dado o melhor do seu tempo e da sua atividade não pretendem renome nem galardões, como jamais pretenderam os que aqui o serviram no passado, firmando tradições de humildade, abnegação e disciplina moral.

            Também por isso, cônscios da magnitude da tarefa, que não visa lisonjear ideias e interesses mundanos e oportunistas, porque visa, antes de tudo, cristianizar as almas ao serviço de si mesmas, no ciclo de provações em que se encontram, não leva em conta a Federação aplausos e adesões convencionais, a não ser aqueles movidos por ditames de uma espontânea afinidade de vistas e sentimentos.  

            As oposições e dissidências - valha-nos o poder dize-lo à face de Deus e dos homens - são, pois, assim a pedra de toque desta nova existência coletiva, desde os seus primórdios.

            Elas são naturais e porventura necessárias à comprovação da nossa fé. Baseadas na incompreensão do nosso escopo, incompatíveis substancial ou formalmente com os processos adotados por atingir esse escopo ou simplesmente assopradas pelos que do mundo espiritual em conhecer a magnitude desse escopo presumem poder diminui-lo ou aniquila-lo, de qualquer forma, não as malsinamos, a essas oposições e dissidências. 

            A um proselitismo heterogêneo, numeroso e rumoroso preferiremos, sempre, um proselitismo homogêneo, modesto e consciente de que toda a reforma social decorre da reforma individual, à revelia da qual todos os tentames e realizações, por mais grandiosos que pareçam, são efêmeros, transitórios e até contraproducentes. A obra dos nossos irmãos católicos, grandiosa em seus aspectos materiais, aí está para atesta-lo. Feita principalmente de feição a avultar aos olhos da humanidade, acabou por minguar nos corações. Imposta por força ou por astúcia às consciências, acabou por inanimar as consciências, a produzir essa religiosidade automática de parada, mas incapaz de viver os princípios de salvação que são os postos e não impostos no evangelismo d'O Cristo e Senhor.

            Com este ficaremos nós, sem temores de isolamento, desse isolamento com que nos acenam os dissidentes deste nosso programa, velho de quase meio século, mas na verdade, sempre novo e renovado pelos nossos Guias, a proporção que chegam os tempos e a luta cresce para todos os chamados de boa vontade.

            Aos que de boa-fé por ajudar-nos, venham espontaneamente ao nosso encontro, aqui estamos para os receber de braços e corações abertos; aos dissidentes de todos os matizes nada impomos e também não os desestimamos, porque exercem um direito intangível - o da liberdade de pensamento.

            E ainda que os pudéssemos considerar inimigos, dado que o fossem, ainda assim, lícito não fora desconhecermos o preceito que manda amar os inimigos e orar pelos que nos perseguem e caluniam.

            E se o Espiritismo é, como de começo afirmamos, a Doutrina dos Espíritos a traduzir-se em comunhão de encarnados e desencarnados, indefinida e progressivamente, é claro que a nenhuma entidade individual ou coletiva se pode atribuir direitos de suserania para pontificar a verdade. Os Espíritos manifestam-se por toda parte, onde e como querem e lhes é permitido, por força de lei imanente, providencial, que a ninguém é lícito infirmar.

            Estudando teoricamente a doutrina compendiada, a Federação procura, praticamente afeiçoar os homens a esses princípios regeneradores por excelência, a fim de que possam eles, homens, tirar maior e melhor partido da lei, para si e para o seu próximo.

            Não é assim, como se vê, nem obra catedrática nem obra de um momento para uma geração, mas obra vivida, obra de sentimentos, de todos e para todos os instantes, demorada e difícil, portanto, porque de transformação profunda do próprio ser e para
todas as gerações.

            Que na prossecução (prosseguimento) desse ideal haja lacunas e falhas próprias dos homens que o interpretam, é natural. Que haja falências e deserções, também se justifica e compreende. Mas, que esse ideal não corresponda em altitude e na essência aos ditames da Revelação em suas finalidades superiores e à consciência universal, isto é que se não pode conceber nem explicar, a não ser por leviandade dos homens e malícia dos Espíritos da treva, argutos e filauciosos (arrogantes), quanto prontos a explorar as fraquezas e misérias humanas.

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