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sexta-feira, 3 de abril de 2020

A inexistência do inferno



A inexistência do inferno
Oswaldo Mello
Reformador (FEB) Setembro 1929


            Em “O Estado”, um dos diários de Florianópolis, número de 23 de Julho último, publicou o nosso estimado confrade Oswaldo Mello, presidente ali do Centro Espírita “Amor e Humildade do Apóstolo”, sob o título acima, o artigo que se vai ler, como resposta a um sermão pregado na catedral daquela cidade, pelo respectivo arcebispo, e divulgado, com retumbância, pelo “República”, outro diário da mesma capital.
                Transcrevendo-a nestas colunas, aliás, muito prazerosamente, o que pretendemos sobretudo, não é exalçar o bom trabalho do nosso confrade, nem o novo serviço que assim prestou à causa da verdade, porém, antes, evidenciar, ainda uma vez, quanto de mais em mais difícil se vai tornando, ao romanismo, sustentar os seus dogmas, com apoio na “letra que mata”, desde que haja de defrontar-se com a inteligência, em espírito e verdade, das palavras do divino Mestre, palavras que Ele próprio o disse, são espírito e vida e que, portanto, não podem valer para exprimir condenação e morte.

                É este o artigo:

            Não sei se haverá necessidade de fazer sentir, aqui, a todos quantos vão ler estas linhas, que elas são uma resposta, ao “pé da letra”, ao sermão do sr. arcebispo, pronunciado na catedral desta cidade e veiculado pelo “República”, na sua primeira página, em duas colunas, a 20 e 21 do corrente, S. Reverendíssima pregou a existência do inferno, firmando-se, como sempre, na “letra”, que é “morta”; eu provarei a inexistência desse inferno, tirando da letra “o espírito que vivifica”.

            E o faço, não pelo prazer de provocar uma polêmica; mas, tão somente, porque s. revdma, naquele sermão que fez publicar, e referiu, embora à pressa, a “supostas reencarnações”, falseando o verdadeiro sentido dessa lei divina e confundindo reencarnação com “castigo de Deus”, coisa que, por não ser verdade, não pode passar, assim, sem que se lhe ponham os pingos nos iis. Além disso, pensando S. revdma, que “em terra de cegos quem tem um olho é rei, cita, do Livro dos Espíritos (13ª edição, em português, p. 405) a resposta que um Espírito dá a quem o interroga, sobre as supostas “penas eternas”. E cita um trecho da resposta: “Porém a mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem remissão.” S. revdma. grifou quase tudo, só não grifou aquele “pensarem”. E, concluindo sua lógica, remata assim: “Além disso, quem mais insuspeito para julgar da justiça ou injustiça das penas do inferno, do que os próprios réprobos que lá estão e tiveram ensejo de manifestar-se?”

            Desse baralhar de ideias esdrúxulas e descompassadas resulta, pelo menos, que essa história de que aqueles que para o inferno entram não saem mais e lá ficam per secula seculorum, não passa de uma ficção, porque, se os condenados, aos quais S. revdma. chama cristãmente de réprobos, têm ensejo de se manifestar, é porque não ficam lá “eternamente.” São palavras de S. revdma. e não minhas, graças a Deus. Deixemos, entretanto, tais considerações, para tratar do assunto com mais clareza.

            O inferno pregado pelo Sr. arcebispo, se existisse, seria a negação completa da tão apregoada infinita misericórdia de Deus. Os pagãos tiveram os seus infernos, ora no tonel das Danaídes, ora na roda de Íxion, e, mesmo, no rochedo de Sísifo. O inferno católico ultrapassa todos aqueles pela perversidade e pelas torturas que comporta, em nome de uma Misericórdia e de um Amor que sabemos Perfeitos.

            Já na própria Bíblia encontramos, em Ezequiel, cap. XXXIII, v. 2, o seguinte: “Dizei-lhes estas palavras: Eu juro por mim mesmo que não quero a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta, que abandone o mal caminho e que viva.”

            S. revdma fala em Geena e dá dois sentidos, para que se apliquem à palavra.         
            Geena, como qualquer pessoa de mediana cultura sabe, era um jorrar nos arredores de Jerusalém, um monturo onde se despejavam as imundícies da cidade. Era, assim, uma daquelas figuras fortes de que se valia Jesus, no seu tempo para impressionar as massas.

            Uma Geena espiritual, como a entende o Sr. Arcebispo?

            Ela existe dentro da consciência de cada um daqueles que erram, porque o inferno não é outra coisa, senão a consciência do mal e as torturas morais que daí advém.

            O que acontece, porém, como diz o Livro dos Espíritos, citado muito mal pelo arcebispo, é que esses Espíritos, que acreditaram no inferno e que, desconhecendo o seu estado de Espíritos, sofrem a consequência de seus erros, julgam ou pensam que estão, verdadeiramente, suportando os suplícios de que lhes haviam falado na Terra.

            As passagens citadas do Evangelho pelo Sr. arcebispo foram por ele mesmo interpretadas à letra.

            Ora, Jesus disse positivamente – “Minhas palavras são espírito e vida.” Necessitamos entender, assim, as palavras do Mestre e, nunca, a “letra”. Sabemos que, certa vez, o apóstolo Pedro pretendeu que Jesus esmorecesse na sua missão; e, quando Jesus se referia aos suplícios por que devia passar, o apóstolo disse que tal não sucederia. Qual foi a resposta de Jesus? Esta: “Retira-te de mim, Satanás.”

            Pergunta-se: - Pedro era Satanás? A palavra Satanás, pronunciada pelo Mestre, se referia à tentação. Caía por terra, destarte, a figura que o simbolismo criara e que figura como um dos dogmas da igreja católica de hoje, neste século das glórias positivas e das conquistas formidáveis, até então na penumbra pela tirania da Inquisição.

            Diz Kardec, na sua obra: “O Céu e o Inferno”, pág. 75, 7ª edição portuguesa: -

            “Admitindo-se que uma ofensa temporária pudesse ser infinita, Deus, vingando-se, por um castigo infinito, seria, logo, infinitamente vingativo; e, sendo infinitamente vingativo não pode ser ao mesmo tempo infinitamente perfeito, bom e misericordioso, visto que um destes atributo exclui o outro. Se não for infinitamente bom, é imperfeito e, sendo imperfeito deixa de ser Deus.

            “Se Deus é inexorável para o culpado que se arrepende, não é misericordioso, não é infinitamente bom.

            “E porque daria aos homens uma lei de perdão, se Ele próprio não perdoasse? Resultaria, daí, que o homem, perdoando ao seu semelhante, seria melhor do que Deus, o que é impossível!

            “Achando-se em toda parte e tudo vendo, Deus deve ver, também, as torturas dos condenados e, se Ele se conserva insensível aos gemidos por toda a eternidade, será, também, eternamente impiedoso; ora, sem piedade não pode haver bondade infinita.”

            E digo eu: - Havendo o inferno e tendo sido nele sepultados todos os que morrem em completo desacordo com o que manda a igreja católica, de que valem missas e todos os demais ofícios religiosos que, sabemos têm sido feitos em favor de inúmeras pessoas que, segundo a igreja, estão irremissivelmente condenadas”?

            Ficará sem resposta, por qualquer outro interesse, esta minha pergunta? Talvez, entretanto, os fatos que tenho registrado digam coisa muito diferente.  

            Para combater o dogma das penas eternas e a consequente existência do inferno, temos a nosso favor: primeiro, o nosso próprio raciocínio, que nos diz coisas que nenhuma teologia, por mais perfeita que queira ser, pode afirmar com maior força de convicção e lógica; temos, depois, no terreno da filosofia e da moral, razões sólidas, irrecusáveis, que não admitem contestações; e, por fim, os fatos positivos, que estão no domínio da observação.

            Pergunta-se: - a alma progride, ou não?

            Se, verdadeiramente, progride, a eternidade das penas é impossível. Comenta neste sentido, ainda, Kardec, na obra citada, O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo: “A alma progride ou não? E poder-se-á duvidar desse progresso, vendo a variedade enorme das aptidões morais e intelectuais existentes sobre a Terra, desde o selvagem ao homem civilizado, aferindo a diferença apresentada por um povo de um e outro século? Se se admite não ser devido aos progressos das mesmas almas, é forçoso admitir que Deus criou almas em graus de adiantamento, segundo os tempos e lugares, favorecendo a umas e destinando outras a uma perpétua inferioridade, o que seria incompatível com a justiça, que, aliás, deve ser igual para todas as criaturas. É incontestável que a alma atrasada, moral e intelectualmente, como a dos povos bárbaros, não pode ter os mesmos elementos de felicidade, as mesmas aptidões para gozar dos esplendores do infinito, como a alma cujas faculdades estão largamente desenvolvidas. Se, portanto, estas almas não progredirem, não podem, em condições mais favoráveis, gozar na eternidade senão de uma felicidade, por assim dizer, negativa. Para estar de acordo completo com a mais rigorosa justiça, chegaremos, pois, à conclusão de que as almas mais adiantadas são as atrasadas de outros tempos, com progressos realizados.”

            E, neste ponto, Sr. arcebispo, chegamos, afinal, ao magno problema e teremos de entrar no terreno por onde s. revdma. não quer pisar, o da “pluralidade das existências”, que, para s. revdma. é a doutrina das supostas reencarnações, ou castigo de Deus, segundo as palavras mesmas de S. revdma., em seu sermão publicado.

            E porque, exatamente, s. revdma. Não quer entrar “por esta porta estreita” não pode compreender um Deus como o entendo, bom, sábio, justo, infinitamente amoroso e perfeito em todos os seus atributos; Deus, que não deve ser temido, mas amado, de todo o nosso coração, de todo o nosso entendimento e de toda a nossa alma, segundo palavras da Lei, confirmadas por Jesus.

            E para que esse Deus seja assim amado, adorado, entendido, tem que ser o “Deus dos vivos e não dos mortos”, o Deus que se não adora aqui ou ali, nem no monte, nem em templo algum, mas que deve ser adorado em espírito e verdade, ainda segundo a palavra do Mestre. E, para isso, se faz mister que tal Deus não seja uma figura inexpressiva, barbada, qual se encontra pintada nas cartilhas religiosas católicas, como S. revdma. sabe.

            Um Deus, enfim, que não haja nunca criado um inferno para nele fazer sofrer, “eternamente”, uma alma que Ele criou na sua onisciência, sabendo, pois, de antemão, qual seria o seu destino.          

Observações deste blog:

Do blog: eventosmitologiagrega.blogspot.com  A expressão “tonel das Danaides” passou a significar, figuradamente, o esforço infindável porque nunca termina; o trabalho feito repetidamente sem que nunca apresente um resultado proveitoso. Assim são as manias, obsessões patológicas que causam sofrimento e significativa queda no rendimento pessoal e perda de tempo.

Da mesma fonte: Íxion foi o primeiro homem a assassinar um de seus parentes sobre a Terra.

Da Wikipedia: Sísifo foi condenado a, por toda a eternidade, rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido

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