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sexta-feira, 3 de abril de 2020

Dia dos Mortos



Dia dos Mortos
Leopoldo Machado
Reformador (FEB) Novembro 1929

            O 2 de Novembro é o Dia dos Mortos. Os corações cristãos, cheios de piedade e de fé, contritos e saudosos, tiveram flores, lágrimas e preces para os seus defuntos. E
pelas necrópoles, e pelos lares, e pelas igrejas, perpassou um forte sopro de saudade e devoção; devoção para com Deus, a cuja guarda se entregavam, pela prece, as almas religiosas da Terra; saudade dos que se foram para nunca mais voltarem, segundo alguns credos religioso-filosóficos; para voltarem metidos noutras vestes carnais, pela reencarnação, realizando a perfectibilidade humana, conforme o Espiritismo, esta doutrina lógica, toda consolação e amor.

            Dois de Novembro, como Primeiro de janeiro, são datas atestantes do interesse, embora ainda vacilante, valendo mais pela intenção, que a Humanidade começa a ter pelas coisas espirituais: a primeira vale por um pouco de sua gratidão para aqueles que no passado, lhe fizeram o bem, preparando-lhe facilidades para a Vida; a segunda, lhe vale, ao menos como ensaio do sentimento de fraternidade universal, que a todos nós deve unir um dia, embora num futuro longínquo para a confirmação do “Amai ao próximo como a vós Mesmos”, do Cristo.

            É pois, Dois de Novembro, o dia da gratidão, o dia do reconhecimento para os que, célebres ou obscuros, grandes ou pequeninos, viveram antes de nós, contribuindo, no passado, para as maravilhas desse progresso material intelectual-moral que, de qualquer forma, hoje, nos beneficia. A recordação dos mortos é, para todos os credos religioso-científico-filosóficos, um culto que se impõe à preocupação constante dos vivos. Augusto Comte, o gênio criador do Positivismo, confirmou uma grande verdade quando estabeleceu, como princípio filosófico, que os vivos hão de ser, sempre, governados pelos mortos. Não há uma grande obra de progresso, um sistema científico, uma revelação Pujante de beleza lítero-artística, uma concepção filosófica, por onde não passasse a inspiração, o trabalho, a mão, em suma, de um finado. Desde o ateísmo-científico, (para Lamark a morte é o recomeço das fases evolutivas da agregação biológica) até os espiritistas, para quem a morte é, apenas, o regresso à verdadeira vida, ainda que tenha, mais vezes, de ingressar à matéria, a memória dos mortos impõe-se ao respeito, àá veneração dos vivos.

            Consagra-se mais o Dia de Finados àqueles que, obscuros pela humildade de bens materiais, de poder mundano ou de inteligência, não deixaram a efígie esculpida no mármore das estátuas; não deixaram o nome perpetuado na História, no livro, na obra de arte.

            O culto dos mortos vem da mais longínqua antiguidade. Os druidas, primitivos sacerdotes bretão-gauleses ouviam, a certas ocasiões, gemer o espírito de seus mortos nas folhas farfalhantes dos carvalhos. No Egito, consagravam-se aos defuntos ilustres um culto sagrado perante suas múmias; instituíram, mais tarde, o Dia dos Mortos, quando faziam a análise de suas vidas, numa justa espécie de gratidão para com eles e de exemplo educativo para os presentes. Adornavam as casas onde haviam nascido, ou viviam e, na praça pública, apregoavam à mocidade que se educava, as suas virtudes, os seus feitos. Os romanos levavam-lhes os retratos, as imagens, os bustos pelas ruas até o Forum, onde se lhes oficiava o Epicedio, salientando suas qualidades todas. Os gregos faziam a seus grandes mortos exéquias suntuosas, diante de suas ossadas, se eram vítimas de guerras. Péricles mesmo, no esplendor máximo de suas glórias, orou na praça pública pelos mortos na guerra do Peloponeso, assim como o grande Demóstenes pelos valentes sacrificados nas batalhas de Chersoneso. Ainda hoje, no China, sepultam-se cadáveres em jardins floridos, em cujas sepulturas ficam, em certos dias, os chinos (chineses?) em contato espiritual com os mortos, Os japoneses consideram o Dia de Finados o melhor, o mais belo do ano: festejam-no a banquetes, a danças e cantos, que se prolongam por toda uma semana do mês de Agosto.

            Atualmente, quem passa pela Avenida dos Campos Elíseos, em Paris, lá para o fim, sob o Arco do Triunfo, vai dar com o túmulo do Soldado Desconhecido, homenagem que as nações empenhadas na hecatombe mundial prestam aos heróis e pequeninos que, pela humildade de sua posição, não puderam sobressair, mas que, sem eles, não haveria glória  para os Alexandres, para os Napoleões. Que soldado é esse? Em que país nasceu? Não é ninguém, porque é parcela valiosa de todos os exércitos; não é filho de país algum, porque é o de todas as nações; é um elemento útil da Humanidade; sua pátria é o Universo. No seu túmulo não há uma ossada; na lápide, apenas isto: Ao Soldado Desconhecido.

            Eis aí uma bela homenagem absolutamente espiritual, como deviam ser, de resto, todas as que se fazem no Dia de Finados.

            O Catolicismo, com Felix I e Paulo II, estabeleceu se comemorasse a memória dos mortos a 2 de Novembro. Os chineses, que não são católicos, comemoram-na a 3 de Março, e com a ceia lauta, precedida de longo jejum.

            Para os gregos ortodoxos, seu dia de finados é a 14 de Novembro. A Argentina, além de 2 de Novembro, consagra o último dia de Outubro aos seus heróis, tirando daí motivos para a educação dos moços.

            Para nós, consagrou-se, por lei, o Dia de Finados com o decreto nº 155 B de 14 de Janeiro de 1890, mandando a lei se estendesse a solenidade desse dia, à família, à pátria, à humanidade.

            Pena é que se não dê a esta solenidade o cunho essencialmente espiritual, expurgando-a de toda a materialidade a que, parece, ela mais se refere. O homem não é a carta putrefata, que está na sepultura; não são as ossadas, que jazem nos cemitérios; é o elemento vital, inteligente, que animava a matéria envolvente daquelas ossadas; e este elemento vital é imperecível: atravessa, num crescendo sempre de perfeições e conhecimentos, as gerações, as idades. Os iogues, da Índia, têm razão quando, para distinguir a matéria do que, para eles, é, a rigor, a criatura, dizem, exprimindo qualquer necessidade fisiológica: Meu corpo tem fome, meu corpo tem sono.

            Só empregam – Eu – a respeito de qualquer necessidade de caráter espiritual porque o homem é, para sua compreensão, aliás, lógica a seu tanto, o espírito, que não sente necessidades materiais, que é imortal.  

            De futuro, quando esta religião amor e verdade - o Espiritismo - tiver aberto todas as consciências, tiver esclarecido todas as inteligências, comemorar-se-ão os que se foram antes de nós, para o outro lado da vida, não mais à beira de sepulcros, que guardam, apenas imprestáveis despojos, mas em espírito, pela prece, pelo pensamento de amor, ungidos de espiritualidades...


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