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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Profissionalismo religioso


Profissionalismo religioso
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Maio 1947

            O capítulo XXVI de "O Evangelho segundo o Espiritismo" é um dos menores em extensão e foi escrito só por Allan Kardec: não tem, como quase todos os outros, “Instruções dos Espíritos”. No entanto, é um dos mais profundos e que mais força dá à Doutrina.

            O homem tende a explorar economicamente todas as coisas, de tudo fazer profissão, meio de vida, rebaixando tudo a objeto de compra e venda. Nem o Cristianismo escapou! Organizou-se em Igrejas e surgiram os profissionais religiosos, poderosas organizações econômicas que mataram o espírito da Doutrina primitiva e conquistaram materialmente o mundo. O profissionalismo religioso está enraizado por tradições multimilenárias e parece natural num mundo materialista, cujas relações são todas de base econômica. Abrir luta contra tal profissionalismo e proclamar novamente com o Cristo: “Dai de graça o que de graça recebestes”, exigia bravura muito especial; mas, felizmente, Kardec, a teve e com ela salvou a Terceira Revelação.

            No Brasil, onde predomina o Espiritismo evangélico, o profissionalismo não medra entre os espíritas; raras vezes é tentado por algumas pessoas, mas a imensa maioria o repele e ele morre por insulamento.

            Não só os serviços mediúnicos são prestados gratuitamente, mas até outros serviços doutrinários, como a direção de instituições, a redação de livros e jornais, traduções e revisões, a pregação, são realizados gratuitamente, quase sempre por pessoas pobres que penosamente poupam o tempo para prestar tais serviços e ainda pagam mensalidades a associações e ajudam a necessitados. Não queremos dizer que nós os espíritas sejamos melhores do que os outros homens, mas devemos ressaltar as vantagens de não existir profissão de espírita.

            O profissional não é livre, está preso pela necessidade à sua profissão, mesmo quando ela lhe desagrade; porque é sempre difícil mudar de profissão depois de alguma idade. O sacerdote de uma religião está na contingência de continuar até a morte em sua Igreja, mesmo que perca a fé religiosa e se torne materialista e ateu, o que não é raro. Noutros casos, e ainda mais frequentes, o sacerdote perde o respeito por um ou alguns dos seus votos, por exemplo, pelos votos de castidade e de pobreza e constitui família ilegal ou luta por enriquecer-se. Desde então perde ele toda a autoridade religiosa e passa a ensinar pelo exemplo princípios opostos aos que prega pela palavra. Torna-se pedra de tropeço para os fiéis, porque o exemplo é mais forte que a palavra. Não existisse a dependência econômica e tudo se resolveria muito bem: o sacerdote deixaria de exercer suas funções religiosas no momento que quisesse e contrairia matrimônio legítimo, com todas as vantagens para a prole e a sociedade e benefícios imensos para a Religião, porque não se tornaria pedra de tropeço para os crentes.

            Precisamente o mesmo se daria com o profissional espírita, se este existisse: seria um escravo da sua profissão e continuaria nela, ainda que perdesse o entusiasmo, o fervor ou até a crença.

            Se de um ponto de vista puramente humano o profissionalismo seria grande mal para o Espiritismo, do ponto de vista espiritual seria sua morte inevitável; porque os Espíritos superiores não se submetem a trabalhar para exploradores da religião e abandonam toda pessoa - em qualquer corrente religiosa - que pretenda fazer deles um degrau para se elevarem economicamente. Uma vez privado do convívio dos Espíritos superiores, o homem entra para a sociedade dos inferiores que nada podem produzir de proveitoso para a regeneração da Humanidade, mas, ao contrário, só fazem mal: engendram dissenções e animosidades, lançam a dúvida e abalam a fé, alimentam paixões, insuflam vaidade e orgulho, animam o egoísmo e anulam as boas intenções.           

            Os Espíritos superiores colaboram dedicadamente, sem espírito algum de seita, fora ou dentro do Espiritismo, mas somente com pessoas desinteressadas que se sacrifiquem pelos seus irmãos por amor, com abnegação e singeleza, dando de graça quanto possível seu tempo e seus bens para servir às pessoas e aos ideais superiores. Dizemos “fora ou dentro do Espiritismo”, porque realmente tudo quanto representa progresso tem apoio dos Espíritos superiores e é planejado por eles; portanto, na ciência, na política, na religião, nas artes, na técnica, indústria, há pessoas que cumprem humildemente um apostolado e são auxiliadas pelos grandes Espíritos, como há utilitários, argentários, egoístas sem o apoio dos Espíritos elevados e em afinidade com os atrasados. Em Espiritismo, porém, essa intervenção se torna mais clara e compreensível, porque os espíritas são iniciados no Assunto.

            Não só naquele capítulo acima mencionado Allan Kardec insiste pelo desinteresse material. Em muitos outros trabalhos voltou ele ao assunto, dando-lhe o relevo que merece. Na obra de Roustaing, igualmente, os Espíritos são enfáticos nessa recomendação. Hoje vamos começando a perceber quão profundo alcance tem esse ensino sempre repetido há mais de oitenta anos pelos Espíritos superiores.

            Não é demais, pois, refletirmos muitas vezes sobre a necessidade de defendermos sempre esse princípio doutrinário em nossos escritos e pela divulgação dos livros que tragam o mesmo ensinamento.

            Não temos nem desejamos ter concílios, sínodos ou outras congregações que decidam em matéria de fé. Nosso ideal religioso é que cada espírita seja um juiz severo de seus próprios atos e pensamentos e possua as necessárias luzes para distinguir entre o bem e o mal. O único elemento de que dispomos é o livro. O livro opera prodígios. A divulgação sempre crescente dos bons livros é a nossa grande tarefa, na qual temos sido generosamente auxiliados pelos Espíritos que dirigem o nosso movimento.

            Quanto mais cresça o nosso movimento, tanto maior se torna a missão do livro em geral e de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, em especial. Até hoje, por mercê de Deus, tem-se conservado puro o grande princípio do “dar de graça” no movimento espírita brasileiro e, pela constante divulgação e estudo dos bons livros em nossos grupos, espalhados por todo o território nacional, é de esperar-se que se conserve o santo escrúpulo contra o profissionalismo religioso.

            Conservado esse desinteresse, não nos faltará a assistência dos Espíritos superiores e as nossas instituições progredirão sempre; se tivéssemos a desgraça de mudar de rumo, poderíamos talvez ter um movimento materialmente forte, humanamente bem organizado, mas seria apenas o cadáver do Espiritismo, porque nos faltaria a força interna que vem dos Espíritos elevados, e teríamos todas as fraquezas dos Espíritos inferiores. Dizemos “talvez”, porque o mais provável seria o esboroamento completo das nossas instituições.

            Não admitamos, porém, o pensamento pessimista de que o profissionalismo religioso venha a invadir o nosso movimento espírita.

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