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sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Profissão de Fé - Parte 7



Profissão de Fé – parte 7
por Gustavo Macedo
Fonte:  Reformador (FEB) a partir de 15 de Abril de 1905


33
                A sua doutrina excede às de todos os santos; quem tenha seu espírito nela acha um maná escondido. E é por falta desse espírito, que muito poucos se movem, ainda com a audição frequente do Evangelho. Quem pretende a plena inteligência e gosto das palavras de Cristo, esmere-se em conformar sua vida toda com a vida do mesmo Cristo. (Imitação do Cristo, cap. I, L. I)

            No interrogatório a que Jesus foi submetido no pretório de Pilatos, este lhe perguntou “Sois o rei dos Judeus?” Jesus lhe respondeu: “Meu reino não é deste mundo.”

            Apegados por demais às ideias terrestres, os judeus, na interpretação literal das escrituras, esperavam um messias, rei e conquistador, que lhes proporcionasse os bens da terra. O reinado de Jesus, entretanto, é todo espiritual, pelas suas condições de pastor do rebanho humano, e governador do planeta Terra, a cuja formação presidiu.

            A expressão empregada pelo divino Mestre: “Há muitas moradas na casa de meu Pai” refere-se ao universo, cujas moradas são os mundos que circulam no espaço infinito, e para os quais vão as almas, conforme o estado de adiantamento ou atraso moral. 

            A Terra pertence ao número dos planetas de expiação e de prova. Há planetas mais atrasados, onde a vida é mais penosa, mas há também esferas cujas condições de felicidade são superiores.

                                                                         *

            Era crença corrente entre os judeus a reencarnação, que, porém, na confusão natural de coisas, para eles obscuras, chamavam ressurreição.

            Os Evangelhos nos fornecem provas irrecusáveis dessa verdade, em passagens que não deixam dúvida.

            Quando Jesus estava em Cesaréia de Filipe, perguntou a seus discípulos o que diziam dele.

            Responderam-lhe: “Uns dizem que sois João Batista, outro Elias, outro Jeremias, ou algum dos profetas .”

            A crença popular é confirmada por Jesus no trecho que passamos a transcrever da obra que noticiamos:

            Depois da transfiguração os discípulos o interrogaram e lhe disseram: “porque razão os escribas dizem que é preciso que Elias venha primeiro?” E Jesus lhes respondeu: “É verdade que Elias deve vir pra restabelecer todas as coisas; mas eu vos declaro que Elias já veio e eles não o conheceram e o trataram como lhes aprouve”. É assim que eles farão sofrer o Filho do homem. Então os discípulos compreenderam que era de João Batista que ele lhes falava.”

            O Divino Mestre, que devassava os sentimentos mais íntimos do coração alheio, e muitas vezes corrigia os pensamentos errôneos de seus discípulos, não deixaria de esclarecê-los sobre assunto de tanta magnitude, se errado fosse o juízo dos apóstolos.

            Quando ele disse: - “Aqui está o pão que desceu do céu”, seus discípulos, tomando ao pé da letra as suas palavras, o abandonaram, dizendo:

            “Duro é este discurso, e quem o pode ouvir?” Jesus mostrou-lhes o sentido espiritual das suas palavras, dizendo: “O Espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita: as palavras que vos digo são espírito e vida.”

            A conferência noturna entre o Cristo e Nicodemos, a respeito da reencarnação, é de tal importância para esclarecimento dessa verdade, que não resistimos ao desejo de transcrevê-la:

            “E havia um homem entre os fariseus chamado Nicodemos, senhor entre os judeus. Este veio a Jesus, de noite, e lhe disse: - Rabi, sabemos que és mestre, vindo da parte de Deus, porque ninguém poderias fazer esses milagres que tu fazes se Deus não estivesse com ele. Respondeu Jesus e disse: Em verdade, em verdade te digo que quem não renascer de novo não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe Nicodemos: - Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura pode voltar ao ventre de sua mãe e nascer outra vez? Respondeu Jesus: - Em verdade, em verdade te digo que não pode entrar no reino de Deus senão aquele que renascer da água e do Espírito. Não te maravilhes de eu te dizer: Importa-vos nascer outra vez. O espírito sopra onde quer, e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do espírito.

            Perguntou Nicodemos, dizendo: -Como se pode isto fazer? Respondeu Jesus e lhe disse: Tu és mestre em Israel e ignoras estas coisas? Em verdade, em verdade te digo que o que sabemos, dizemos: e do que vimos damos testemunho, e nem por isso recebeis o nosso testemunho. Se, quando eu vos tenho falado das coisas terrenas, vós não me credes, como me crereis se eu vos falar das celestiais?” (S. João, cap. III, vv. 1 a 12).

            A palavra água não é, como entende a igreja, o batismo.

            Os conhecimentos dos antigos sobre ciências físicas eram muito incompletos; acreditavam eles que a terra havia saído das águas, e por isso encaravam a água como elemento gerador absoluto; e tanto é assim que o Gênese narra: O Espírito de Deus era levado sobre as águas; - seja feito o firmamento no meio das águas; as águas estão que estão debaixo dos céus se reúnam em um só lugar e o elemento árido apareça: - produzam as águas animais vivos que nadem na água e pássaros que voem sobre a terra e sob o firmamento.

            Além disso o próprio Jesus afirma que João Batista é Elias, quando diz; - “e se quereis compreender o que vos digo, é Ele mesmo que é Elias que deve vir.”

            É falso que o batismo tenha sido instituído pelo divino Mestre: era uma prática dotada pelos essênios. Como prova de humildade, o Cristo se deixou batizar por João Batista, e nunca batizou ninguém.

            Seus discípulos batizaram o povo, é certo, porém, era uma prática exterior, significando adesão às doutrinas evangélicas. Dado o estado material daquele tempo, era uma inscrição no Cristianismo, como se faria hoje no registro de qualquer associação civil ou religiosa.

            Porém, dirão, Jesus depois de ressuscitado mandou aos seus discípulos que batizassem.
            É certo: o povo de então só se consideraria cristão, com o uso daquela mesma formalidade, entretanto sem valor espiritual algum.

            A igreja julgou mais acertado condimentar mais a água, e por isso lhe adicionou sal, cera, óleos e cuspe sacerdotal nos batizados.

                                                                                  *

            As bem-aventuranças, tão citadas pelas seitas ditas cristãs, podem consolar e incutir paciência, mas nada explicam com relação às anomalias morais que presenciamos.

            Se o céu é o termo de todas as vidas, não se compreende que se o obtenha de modos injustamente desiguais: uns com sofrimentos e lágrimas, outros com risos e alegrias.

            Ora Deus não age por capricho; por isso disse mui sensatamente o nosso mestre, resumindo a opinião dos espíritos reveladores:

            “-Se é soberanamente justo e bom, não pode agir por capricho nem com parcialidade. As vicissitudes da vida têm, portanto, uma causa, e sendo Deus Justo, essa causa deve ser justa”.

            As causas do nosso sofrimento residem ou nas faltas da nossa vida atual, ou nas da vida anterior. Ninguém sofre sem razão.

            Não sendo o mundo capaz de curar as chagas que na criatura humana abriu; sendo impotente para consolá-la nas dores físicas e morais, Jesus mostrando a leveza do seu jugo, convida os homens a tomá-lo sobre si, dizendo: “Vinde a mim, vós todos quantos vos achais aflitos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.”

            Prometera também o Consolador - O Espírito de Verdade - que aos homens ensinaria todas as coisas, até então encobertas, ou sobre as quais o Divino Mestre apenas fizera uma alegoria ou parábola.

            A humildade sempre foi uma condição indispensável para a aprendizagem: o orgulhoso julga tudo saber e por isso mesmo se torna relativamente ignorante.

            Contra esse escolho advertiu Jesus quando chamou bem-aventurados aos pobres de espírito, o que não quer dizer seres desprovidos de inteligência, mas simples e despretensiosos.

            Contra os perigos e as quedas do orgulho, o Cristo, além do exemplo de seu viver singelo e modesto, juntou discursos ilustrativos, como no exemplo do menino que pela sua singeleza é o símbolo do maior no reino dos céus.

            Na lição dada a ambição materna, quando a mãe de Tiago e João pedia que seus filhos tivessem assento ao lado de Jesus no seu trono de glória, Ele lhe declarou que o que quisesse ser o maior fosse o servo de todos, como nos dera o exemplo, vindo servir aos outros e não ser servido - ensinamento reproduzido no jantar na casa do fariseu, em que condenou a sofreguidão com que os convidados procuravam os primeiros lugares, recomendando que de tal se abstivessem, antes procurassem os últimos lugares: “porque aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado.”

            A igreja, que não liga grande importância aos ensinamentos do Divino Modelo, resolveu cristãmente praticar o contrário; é assim que seus ministros se fizeram papas, coisa que S. Pedro nunca foi, e se fizeram cardeais e criaram uma série de títulos honoríficos e até aristocráticos.

            O pontífice romano é conduzido em uma cadeira gestatória[1], para cujo mister se transformam alguns homens em besta de carga. À humanidade oferece o pé a beijar, ou, se quiserem, a cruz, escolhendo, entretanto, o pé como sítio mais próprio para trazer a cruz, considerada símbolo de redenção.

            Os cardeais cobrem-se de púrpura e trazem longos hábitos talares; os bispos e arcebispos têm docel e trono nas suas igrejas; são recebidos ao som do Ecce Sacerdos Magnus, e penetram no templo abençoando a multidão que os recebe de joelhos.

            Para mostrar que são os verdadeiros anti-Cristo, basta citar entre outros os versículos 46 e 47 de Lucas Capítulo XX: “Guardai-vos dos escribas, que querem andar com roupas talares e gostam de ser saudados nas praças e das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos primeiros assentos nos banquetes; que devoram as casas das viúvas, fingindo largas orações. Estes tais receberão maior condenação.”

            O orgulho os cega: por isso as coisas ocultas são reveladas “aos simples e aos pequenos”.

            Se esses homens orgulhosos e rancorosos são de fato os depositários do poder de Deus, usem dessa faculdade para curar os enfermos, pois aos doze apóstolos Jesus deu tal poder. (Lucas IX, v.1).

            Mas não o fazem,  porque?

            Por que abandonaram a fé viva de Jesus, que de todos é “o caminho, a verdade e a vida” e substituíram-na pela fé no papa, que, no dizer de um grande poeta, é “um Deus inventado à socapa.”

[1]  Espécie de andor em que o papa é carregado.

34
                               Não dependa tua paz da boca dos homens; de ti pensem bem ou mal, ficas sempre o homem que és. Onde está verdadeira paz, a glória verdadeira? Não está em mim? Grande paz gozará quem não apetece o agrado dos homens, nem seu desagrado teme.
(Imitação de Cristo, Liv. III, cap. XXVIII.).


            Para simbolizar a pureza de coração que é inseparável da simplicidade e humildade, Jesus tomou como tipo uma criança, que lhe fora apresentada, a despeito da má vontade dos discípulos em consentir a sua aproximação ao Divino Mestre, que declarou, ao recebe-lo carinhosamente: “O reino do céu é para os que se assemelham à criança.”

            Em regra o ato reprovável é uma resultante do mau pensamento: Jesus, querendo que tivéssemos o coração puro, advertiu-nos resistíssemos aos desejos pecaminosos, dizendo:  Não cometereis adultério.

            Porém eu vos digo que quem olhar para uma mulher cobiçando-a, já em seu coração adulterou com ela. O termo adultério não tem uma acepção tão restrita como geralmente se pensa: ele designa os hábitos viciosos em geral, e por isso Jesus chamou adúltera e pecadora a raça dos fariseus.

            Já o vimos, esta seita era minuciosa na observância das práticas exteriores; representantes seus fizeram reparo a Jesus, por não lavarem os seus discípulos as mãos antes das refeições, e Jesus lhes fez sentir que eles violavam a lei divina por causa das tradições; que deles dissera Isaías - honravam a Deus com os lábios e não com os corações; que o beber e o comer sem lavar as mãos não manchava o homem e sim o que de seus lábios saía; não importava limpar exteriormente o copo e o prato, e sim o coração, cheio de rapina e iniquidades.

            Não resistimos a comentar estas passagens, mostrando a sua reprodução nos tempos modernos, com os fariseus ditos cristãos, que têm nos lábios o mau e o ódio no coração.

            Existem nas sacristias de todos os templos pias destinadas às abluções para os sacerdotes, antes e depois da missa.

            Como se vê, os padres não são passíveis das censuras farisaicas no capítulo referente às lavagens das mãos.

            Quanto aos cálices, força é confessar: limpam-se escrupulosamente com paninhos apropriados chamados - sanguíneos - porque ficam manchados com o sangue de Jesus, na operação química no laboratório da missa, quando o sacerdote na consagração muda a substância do vinho em sangue!

            Depois vêm, com o nome de Deus nos lábios, vomitar dos púlpitos as mais agressivas calúnias e injúrias contra os espíritas, que preferem, ao invés de lavar as mãos, cumprir os preceitos cristãos do amor, do perdão e do desinteresse.

                                                                       *

            “Ai do mundo por causa dos escândalos; pois é necessário que sucedam escândalos; mas ai daquele homem por quem venha o escândalo.”

            O escândalo consiste no ruído que o mau ato produz, incitando e fazendo desfalecer o fraco que procura seguir o caminho reto.

            O mal é consequência da imperfeição humana; existindo os homens na terra, naturalmente se darão escândalos, pois infelizmente ainda são imperfeitos. Tempo virá em que deste planeta o mal será banido e, portanto, o escândalo, como já acontece nas esferas superiores.

            - Estirpemos de nós o vírus do orgulho, e muitas ações más, dele decorrentes, não existiriam.

            Infelizmente esta compreensão ainda não é geral, mesmo entre os progenitores, que muitas vezes ensinam a seus filhos a repulsa de toda a leviandade, que assume a seus olhos proporções de ofensas à honra.

            Jesus ensinou e exemplificou ser mais nobre e heroico o desprezo da injúria do que a sua vingança.

            Ensinou a misericórdia e chamou bem-aventurados aos misericordiosos, aconselhando-nos a reconciliar-nos com os adversários antes de ofertarmos a Deus os nossos sacrifícios, por ser este o mais agradável aos olhos de Deus, que “quer misericórdia e não sacrifícios.”

            O orgulho humano nos leva a censurar em nossos irmãos os mesmos defeitos que temos, quando muitas vezes temos outros piores do que os censurados; foi o que o Divino Mestre condensou nestas palavras: “Vedes um arqueiro no olho de vosso irmão e não vedes a trave no vosso.” Tal o exemplo da mulher adúltera, pecadora, é certo, porém não menos que ela os seus acusadores.

            Iludidos pelas aparências, são os homens por falso critério levados a más ações cujo fundo revela verdadeiros atos de heroica virtude; por isso disse o Nazareno: - Não julgueis, e não sereis julgados, pois sereis julgados conforme houverdes julgado os outros; sereis medidos como houverdes medido.”

            Confunde Jesus aos fariseus proclamando o amor de Deus e do próximo como o maior mandamento e o resumo da lei divina, o que é perfeitamente compatível com o respeito ao poder civil, pois César e Deus têm direitos.

            Ainda hoje o sentimento de vingança é uma das chagas da humanidade. O rancor engendra as perseguições mais implacáveis e tem dado causa aos crimes mais atrozes. O ponto de vista mesquinho em que a criatura se coloca lhe faz responder à injúria com a injúria, a ofensa com a ofensa, o ódio com a vingança. Jesus no-lo ensinou: há mais mérito e superioridade em desprezar a injúria que em retribuí-la com a mesma moeda; por isso disse: “amai os vossos inimigos, fazei o bem aqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem e caluniam.” Não quer isto dizer:  amemos com o carinho de amigos aos que nos votam o ódio entranhado; e sim não devemos alimentar para com eles sentimentos de vingança mesquinha, para que “a nossa justiça seja maior e mais perfeita que a dos escribas e fariseus.”

            Antes sofrermos a injustiça do que pratica-la, é a consequência lógica da recomendação de darmos a face direita ao que nos ferir na esquerda. Mas como o mérito da boa obra consiste na pureza da intenção, ao contrário do estardalhaço do reclame, nos ensina o divino Jesus que a mão  esquerda ignore a esmola, isto é, o bem que faz a direita, e não utilizar-se dos pobres e necessitados, humilhando-os, para favonear a vaidade de doadores orgulhosos, que muitas vezes dão menos, muito menos que a viúva do Evangelho, a qual, dando da sua indigência, mereceu os louvores de Jesus.

                                                                       *

            No tecido de hipocrisias da sociedade, assinalam-se de um modo especial as relações de interesse. Quanto mais elevado é o indivíduo, mais forceja para a ele chegar o adulador, daí o verdadeiro esforço para se tornar comensal, e ter a honra proveitosa de recebe-lo em casa. Jesus nos ensina a convidar para os nossos festins, ao invés dos ricos e poderosos, que nos podem retribuir as finezas recebidas, os pobres e os simples, que nos retribuirão com a amizade desinteressada e a gratidão que atrai sobre o benfeitor as bênçãos de Deus. É a parábola do convite aos pobres e estropiados.

            O Divino Mestre, que nos recomendou a piedade filial, e estendeu o amor fraterno a todos os homens, afirmando que os cumpridores da vontade de Deus eram os seus parentes e irmãos, fez consistir a religião e a virtude na prática exclusiva da caridade - “fora da qual não há salvação”.

            é assim que na parábola do julgamento final, o prêmio é reservado para o que acudiu ao pobre, ao enfermo e ao encarcerado, recebendo o Cristo, como se a ele mesmo fossem feitos, os benefícios recebidos pelos necessitados, e fazendo recair todo o rigor da justiça sobre os infratores da lei da caridade.

            Condenação absoluta às igrejas, que postergam os ensinamentos do Nazareno, substituindo-os por um conjunto de práticas supersticiosas e ridículas, as mais das vezes, senão sempre, produtivas só para os seus ministros.

            Na parábola do homem saqueado e ferido no caminho de Jericó pelos ladrões, e abandonado pelos levitas e sacerdotes da religião oficial da Judéia, e socorrido misericordiosamente pelo cismático samaritano, mal olhado pelos judeus, que se consideravam os religiosos perfeitos, o Divino Mestre nos ensina que a Deus só é agradável a caridade, classificando-a de - maior mandamento - no qual consiste a religião, porque só da falta de piedade para com os outros teremos que dar contas à Divindade.

            Embora tenha a criatura muitos dons estimáveis, nada será se não tiver caridade, afirma o grande apóstolo S. Paulo.

            No mancebo que retirou-se triste de Jesus, por não se querer desapegar das riquezas, e no lavrador que amontoa nos celeiros toda a colheita, com o fito de entregar-se aos prazeres materiais - Jesus nos exemplificou quanto o egoísmo, contrário à caridade, é obstáculo para o homem se tornar seu discípulo.

            Não é a riqueza que é condenável e sim o egoísmo; Zaqueu, publicano e tido como homem de má vida, recebeu em sua casa com o Divino Mestre a salvação, porque deu a metade dos seus bens aos pobres e prontificou-se a indenizar no quádruplo aqueles que lesara.

            No rico, duro e impiedoso, que se banqueteava diariamente, desprezando o miserável Lázaro, que gemia à sua porta, vemos a riqueza como instrumento de males, pelo mau uso dela feito, e a lição da parábola do rico estorcendo-se nos sofrimentos e angústias.

            A caridade, porém, não é unicamente o ato material de dar dinheiro. Sem dúvida é esta uma das formas da beneficência; mas deve-se ter sempre em vista a caridade moral, que se revela pelo bom conselho, pela indulgência, perdão, ensino aos ignorantes, cabendo-nos a obrigação de fazer frutificar os dons de Deus, o que Jesus nos ensinou na parábola dos talentos.

            Assim alcançaremos a perfeição, com a prática da caridade moral e material, coroada pela humildade mais perfeita, e a mais completa justiça, que consiste em orar e querer bem aos que nos caluniam e perseguem, para sermos “perfeitos como nosso Pai celestial é perfeito”.

                                                                                   *

            As belezas da doutrina cristã não são todas assimiladas: uns conhecem-na e vão-se embora sem se importar mais; outros detém-se um pouco a praticarem-na pelos proventos da riqueza, até que outros a guardam e observam e se fazem cristãos.

            É o que Jesus nos ensina na parábola do semeador, que tem o seu complemento na do festim de núpcias, na qual se vê homens endurecidos recusarem-se a tomar parte no banquete espiritual da doutrina cristã.

            Há criaturas atufadas nos prazeres dos sentidos, que só percebem os gozos da matéria; são os que, no dizer de S. Paulo, fazem do seu ventre Deus. - Sem dúvida a prática da doutrina cristã, ou espírita, o que vem a ser a mesma coisa, é difícil; por isso disse Jesus: “Entrai pela porta estreita, porque a da perdição é larga.”

            Não basta, pois, que o indivíduo se dê a práticas exteriores de devoção, que bata ao peito quando tange a campainha, que leve em charola imagens mais ou menos grotescas, e faça coro laudatório em ladainhas e quejandas práticas, porque disse o Divino Mestre: “Nem todos os que me dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus, mas somente quem fizer a vontade de meu Pai que está nos céus.”

            Sem dúvida, a responsabilidade não é igual para todos; em relação aos que são viciados por não conhecerem a virtude ou a doutrina, haverá toda a condescendência proporcionada; mas aos que o forem a despeito do conhecimento professado da doutrina, e que deliberadamente se atirem às ocasiões do mal, serão aplicados todos os rigores da pena, porque Jesus o disse: “Pedir-se-á muito, a quem muito se houver dado".


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