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sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Profissão de Fé - Parte 4



Profissão de Fé – parte 4
por Gustavo Macedo
Fonte:  Reformador (FEB) a partir de 15 de Abril de 1905


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                Crede-me... Trata-se de uma transformação análoga a que teve lugar a dezoito séculos;
 o pressentimento disto está por toda parte. (Lamennais).

            Em 5 de setembro de 1857 faleceu o papa da nova religião, ficando o seu corpo exposto durante sessenta horas no leito mortuário, como havia determinado em seu testamento.

            Lamartine disse “causa lastima ver o talento arcando com o impossível.”

            Augusto Comte empreendeu uma obra para a qual não havia sido predestinado. A ciência e a vaidade o inflaram de orgulho ao ponto de querer se substituir a Deus.

            “A ciência - disse ele - já aposentou o pai da natureza agradecendo-lhe os serviços provisórios de que não mais precisa.”

            Hoje, contudo, em estado de espírito, o filósofo está arrependido de sua obra, como sabemos por comunicação de um irmão que, presidindo um trabalho prático, ouviu de um discípulo de Comte, em sua presença, a falsidade completa das teorias positivas.

            O que o chefe da nova religião teocrática pretendia encontrar, só 26 anos depois foi revelado a um espírito científico, porém humilde, o Sr. Denizard Hippolite - Léon Rivail - Allan Kardec, nascido a 3 de outubro de 1804 e falecido em 31 de março de 1869.

            Augusto Comte bem sabia: os dogmas bolorentos das religiões produziam o vômito da descrença. O método científico, qualquer que fosse, estava sempre em conflito com os ensinos dogmáticos. Era preciso, no entanto, dar uma sanção à moral, e a ciência materialista não era de molde a fornecer alicerces para isso.

            O nosso amado mestre Allan Kardec teve para sua obra a prova experimental, dela socorreu-se, e auxiliou a ciência, condensando em cinco volumes a revelação cristã- que outra coisa não é o Espiritismo - nas obras que passamos a mencionar:

            O Livro dos Espíritos - parte filosófica; O Livro dos Médiuns - parte experimental; O Evangelho segundo o Espiritismo - parte moral; O Céu e o Inferno, ou a justiça divina segundo o Espiritismo - parte doutrinária; A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo - parte científica.

                                                                         *

            Augusto Comte é para nós, espíritas, um objeto de estudo, pela sua natural mediunidade vidente.

            Ouçamos o seu biógrafo Lonchampt, referindo-se ao mestre após a morte de Clotilde de Vaux:

            “Um dia em que imóvel, os olhos fixos em suas santas relíquias, Augusto Comte se achava imerso em sua dor, viu de repente a sua Clotilde: ela tinha a palidez da morte e o vestuário da hora suprema; estava aí, deitada, tal como a tinha ele visto pela última vez, quando já sem movimento e sem voz, os seus olhos exprimiam ainda os sentimentos do seu coração. Cai de joelhos, chama-a e a abençoa; fala-lhe da sua dor, do seu desespero; suplica-lhe que venha em seu socorro, porque só ela lhe pode fazer suportar a vida, só ela lhe pode restituir a coragem.
            O enternecimento do filósofo foi imenso, mas cheio de delícias. Reergue-se enfim mais calmo e mais resignado; sente-se menos só e menos abandonado. Foi tal o amparo que encontrou nessa emoção, que resolveu renova-la. Tentou se invocar a visão que de súbito tinha brilhado a seus olhos, repleta de recordações da sua amante, quis produzir voluntariamente o que a imaginação por acaso fizera nascer.
            Na hora matinal, em que Paris ainda não saiu do seu curto sono, em que tudo repousa nas ruas e nas casas, Augusto Comte levanta-se e vinha ajoelhar-se na sua sala de visitas diante da poltrona em que, raras vezes infelizmente, descansara a sua Clotilde; com os olhos fechados, invocava em sua poderosa memória a câmara mortuária de sua amiga; com paciência relembrava o conjunto, e depois os mais insignificantes detalhes. Quando a visão se tornava clara e precisa, colocava no quadro a agonizante imagem, determinando com cuidado a postura e o vestuário. Então via distintamente a sua Clotilde; então rompiam os soluços; em seguida renovava em voz baixa a sua resolução de viver para ela e, por ela, para a humanidade.
            A invocação da manhã repetia-se à noite e depois ao meio dia; essas efusões, primeiros espontâneas, tornaram-se depois orações cujos termos eram fixos. Assim surgiram verdadeiras práticas religiosas.
            A prece revestiu neste caso todos os caracteres que doutores católicos lhe tinham dado.[1]

            Antes de conhecer o Espiritismo não podíamos compreender nada do que ficou exposto. Sá a doutrina espírita realmente nos dá a chave das anomalias desse grande homem, agitado entre opostas correntes, preso de um lado ao materialismo em que baseava o seu sistema, e de outro lado atraído para as ideias e sentimentos da imortalidade do espírito, da qual as visões da sua Clotilde foram uma prova de que não soube aproveitar-se.

            Nessas visões, muitos não quererão ver senão um caso de alucinação. Sem dúvida a imaginação exaltada do filósofo poderia ter gerado em seu cérebro imagens alucinatórias. Mas nada impede - e o Espiritismo nos explica - que o espírito de Clotilde se tivesse realmente apresentado uma ou mais vezes, com a permissão de Deus, para que o fundador do positivismo voltasse em tempo do seu erro.

            Não o quis ou não o pode. Mas esse erro, essa religião ‘da humanidade’, sem Deus e sem a sanção de uma justiça divina e imutável não permanecerá por muito tempo.

            Admirávamos e admiramos ainda o homem de talento, que lhe dirige, entre nós, o culto. Temos veneração pela figura de asceta, mas, ouvindo-o e admirando-o, nunca se deu conosco o mesmo que com Santo Agostinho ouvindo os sermões de Santo Ambrósio: longe de nos convertermos, cada vez mais achávamos menos razão de ser na religião da humanidade, que deixa a alma desolada.

            É nossa convicção que a vida dessa seita no Brasil reside em torno do homem excepcional que a dirige; ela agonizará no dia em que ele desencarnar.

            A descrença da nossa alma, não a modificou, pois o positivismo. Tivemos então uma nova curiosidade, e fomos de visita ao protestantismo.

[1] Lonchampt, págs. 123
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            E todas essas seitas, todas essas seitas se detestam, se agridem, se atassalham com frenesi; não tem para seus adversários senão brados de cólera e vociferações do anátema. “Por isso se reconhecerá que sois meus discípulos” disse o Mestre, “se vos amais uns aos outros”. 
(A renovação religiosa. Vide Reformador nº 2 de 1905.)


            O mesmo intuito que tivemos em voltar ao templo da humanidade, para avivar nossa memória, nos levou no primeiro domingo de fevereiro à igreja presbiteriana da travessa da Barreira. Força, porém, é confessar: não fizemos pequeno sacrifício em aturar, durante três longas horas, a maçante e inexpressiva cerimônia.

            A casa não tem bem um estilo determinado.

            É uma sala quase quadrada, amplamente iluminada e ventilada, com três entradas: uma na frente e duas laterais. Ao fundo uma grande tribuna, destinada ao pastor, descansa sobre estrado que acomoda três ou quatro pessoas. Por trás da tribuna têm-se as seguintes inscrições:

            “Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos!
            Deus é espírito, e em espírito e verdade é que o devem adorar os que o adoram.
            Pregamos a Cristo, virtude de Deus e sabedoria de Deus.”

*

            Antes de entrar no templo, ouvíamos grande algazarra: o pastor, auxiliado por homens e senhoras, procedia à lição da escola dominical, que antecede ao culto público, o qual tem lugar ao meio dia.

            O ambiente era positivamente de fanáticos; um homenzinho, assim com um ar de jacobino do protestantismo, agarrou-nos pelo braço, dizendo-se contente por nos ver ali. Satisfazendo a nossa curiosidade, teimava em nos levar aos pastores, que, como casta à parte, têm lugares distintos na Igreja, e nos afirmou convictamente: a cerimônia da ceia que se devia realizar, era a verdadeira instituída por Cristo; os católicos dizem que não; a verdadeira é a deles.

            Por nossa parte deixamos a questão ser dirimida por ambos, e nos preocupamos com alguma coisa mais importante do que fórmulas materiais, já hoje sem razão de ser.

            Ao meio dia os pastores ocupam o lugar de honra; ao lado da tribuna uma senhora magra, espiando através de vidros de pincez-nez, arrancava do harmonium a música que constituía a ouverture do culto. O pastor lê um hino do batismo, convidando os crentes a cantá-lo; o canto pode ser muito bonito; como, porém, as nossas funções não são de crítico musical abstemo-nos de manifestar nossa opinião sobre esse e outros motivos secundários.

                                                                                      *

            Anunciada a profissão de fé de duas pessoas, foram estas convidadas a comparecer ante o púlpito. Chamava-se uma delas Cândida, a outra Maria.

            O celebrante interroga as neófitas se se acreditam concebidas em pecado nos livros do antigo e novo testamento, e bem assim se abjuram “as doutrinas falsas e perigosas, todas as doutrinas e cerimônias contrárias à Bíblia, e todos os usos e costumes acrescentados à simples lei do Evangelho”.[1]

            Recebendo resposta afirmativa, o pastor mergulha os dedos em um vaso de água colocado ao lado da tribuna pronunciando, com a mão na cabeça das recipientes, a fórmula usual do batismo.

            Já o leitor percebeu: trata-se em tudo isso de simples questão de forma: o batismo deve ser o mesmo quer se trate do católico, quer do protestante. É apenas uma questiúncula de mais ou menos água, de maior ou menor aparato.[2]

            Também os missionários jesuítas, quando pretendiam batizar os prisioneiros indígenas, levavam um lençol embebido em água, para espreme-lo sobre a cabeça dos penitentes, pronunciando a fórmula sacramental.

            Tudo isso é pueril; e custa a crer como o fanatismo e o apego à letra do Evangelho façam homens cultos acreditarem que o perdão de Deus e a salvação da criatura humana dependam de uns simples borrifos de água, ou imersão.

            Depois, seguiu-se o sermão, sempre recheado de lugares comuns, onde o Evangelho não tem, não pode ter, a sua explicação racional, tomando o terror o lugar do raciocínio, e a conclusão sendo sempre a mesma: cada igreja é a verdadeira e possuidora única da verdade, o que absolutamente não provam.

                                                                                  *

            Seguiu-se a cerimônia da ceia, que profundamente nos impressionou pelos anti-higiênicos motivos que passamos a expor: os pastores desceram da tribuna, tomando lugar a uma mesa coberta com alvas toalhas, onde estavam colocadas pequenas salvas, cheias de pedacinhos de pão de Petrópolis, grandes cálices e jarros com vinho do Porto.

            Depois de outro sermão por um dos ministros, que pretendeu dar a criação de Adão como fato e não como alegoria, leu-se o trecho do Evangelho referente a ceia pascal, e deram começo à cerimônia.

            Uns seis crentes, entre eles o pastor, saem com as salvas a distribuir pedacinhos de pão, unicamente aos membros da igreja.

            Finda a distribuição, outro pastor lê a parte do Evangelho referente ao vinho, e do mesmo modo saem a distribui-lo pelos membros da comunidade, bebendo todos pelos mesmos vasos!

            Foi isso o que mais nos horrorizou, e por tal grifamos as linhas acima. Há pouco tempo, na Itália, examinando as pias de água benta, o Dr. F. Abba, da Inspetoria de Higiene de Turim, recomeçando em 1899 um estudo que apenas iniciara em 1891, com o professor Bordoni Uffreduzi, verificou que a quantidade de gérmens da água benta, tal qual se subministra habitualmente aos fiéis, era considerável. O Dr. Abba examinou as pias de 34 igrejas, encontrando além do número prodigioso de micróbios em todas elas, um bacilo com todos os caracteres do de Koch, de cuja presença não suspeitava. Examinando ao microscópio o sedimento encontrado no fundo das pias, o higienista italiano deparou uma infinidade de corpúsculos, figurados e amorfos, de natureza vegetal, animal e mineral, a mais rica flora bacteriana que se pode imaginar, infusórios vivos, etc.

            Ora, se nas pias de água benta há tal perigo, e nelas somente se imergem os dedos, o que não acontecerá com a transmissão de lábio a lábio, de resto a resto, onde, além dos humores próprios, há enfermidades perigosíssimas e transmissíveis como o cancro, a tuberculose, a morfeia, etc.

            O homenzinho que nos queria apresentar ao pastor, obteve o que desejara, e, amavelmente recebido em seu gabinete de trabalho, onde fomos ter, aí nos foram gentilmente ofertados diversos folhetos, sermões e um manual do culto.

            E de lá saímos mal impressionado, triste, acabrunhado, por verificar ainda uma vez que o Evangelho é torturado pelas seitas dissidentes, que se agarram à letra e por isso morrem.

            Nós ficamos com o espírito que vivifica; e quando, por motivo de nossas práticas singelas, que semelham as reuniões dos primitivos cristãos, somos injuriados e perseguidos, temos, para os que nos odeiam, preces em nome de Jesus; e ao chegar a hora de sairmos com a palma do triunfo definitivo, teremos como, já temos, as mãos carregadas de flores para aqueles que inconscientemente nos apedrejam.

[1]  Vide Manual do Culto, págs. 55.
[2]  A seita dos Batistas mergulha o batizando em um tanque de água, quando junto do templo não há um rio.
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       “As escrituras são de pouca utilidade para os que as tomem como foram escritas.  A origem de muitos males reside no fato de se agarrarem à sua parte carnal e exterior. Procuremos, pois, o espírito e os frutos substanciais da Palavra, que estão ocultos e misteriosos.”   Orígenes (Vide ‘Cristianismo e Espiritismo’, pág. 257).

            Depois da impressão local, a doutrina.
            O protestantismo se subdivide em inúmeras seitas rivais, tal qual assinalamos, quando tratamos das rivalidades entre as ordens religiosas do catolicismo.

            O seu credo é o católico atenuado. Creem na Bíblia como regra de fé: aceitam apenas dois sacramentos: o batismo e a ceia.

            Não acreditam no purgatório e nos sufrágios.

            Admitem a justificação pela fé, rejeitam o papado, substituem o rito teatral e exterior do catolicismo por outro mais simples e puramente interior, isto é, dentro dos templos. 

            Em lugar de concílios, têm os sínodos, a reunião de pastores, o seminário, a sua hierarquia, etc.

       Têm o mesmo fanatismo dos católicos, o mesmo método de propaganda e o mesmo antipático dogmatismo farisaico.

            Quanto às origens históricas das seitas, o fato pertence ao domínio da história universal e, como em outra vez já o dissemos, não entra nos planos desses modestos escritos.

            Para dar uma ideia da desunião que reina em seu seio, demos a palavra ao pastor da igreja evangélica brasileira, em documento público firmado por ele, e estampado no Jornal do Commercio de 20 de janeiro do corrente ano, em resposta ao colega presbiteriano, sobre uma questão da aliança das igrejas evangélicas:

            “A Igreja Evangélica Brasileira não quis fazer parte de uma aliança heterogênea de pastores que não se podiam sentar com as suas congregações à mesma Mesa.

         A circunstância de manter a Igreja Batista comunhão restrita, só serve para corroborar a minha asserção da heterogeneidade dos elementos da Aliança.

         Contradizendo-me, o Sr. Álvaro diz o seguinte, que copio ipsis verbis da Tribuna, conservando a ortografia e gráfica das palavras: - “O caso é outro, Sr. Redator, é que ali houve Ministros que peremptoriamente declararam que não podiam sentar-se à sagrada mesa da comunhão com pessoas cuja vida conjugal não fosse lícita.”

            Safa! o redator da Tribuna deve dar uma retificação, porque com certeza o informante não imaginava alguma referência a Romanos (I: 26-27).

            Agora que os fatos são passados e que, segundo a Palavra do Divino Mestre, também citada pelo Sr. Álvaro - “a árvore se conhece pelos frutos”- vamos ver quais foram os frutos imediatos e subsequentes da Aliança.

            Dois ou três dias depois, a grande Igreja Presbiteriana foi rasgada escandalosamente de alto a baixo com a questão da maçonaria, passando a formar parte separada, sob a chefia do Sr. Eduardo Pereira, a Igreja Presbiteriana independente.

            Na mesma denominação arvoram-se dois estandartes antagônicos - independentes sinodais - que, desde então e até agora, se digladiam encarniçadamente, atribuindo, uns aos outros, atos pouco honrosos ao caráter do homem e inteiramente inaceitáveis no campo evangélico.

            O jornal das missões e o estandarte são dois gladiadores que se não perdoam.

            No campo metodista os pastores das alianças se acusam, em pontos essenciais de doutrina, sobre a inspiração ou revelação da Bíblia, apesar de que não se trata da revelação atual, mas da primitiva.

            Os Fluminenses, a propósito da discussão sobre o cálice uno ou múltiplo, coletivo ou individual, na santa Ceia, abriram grande brecha nas suas fileiras, condenando os da rua Larga aos do Encantado a uma separação odienta, com a supressão imediata do honorário do Pastor, que ali apascenta com zelo o pequeno rebanho de Cristo que lhe estava confiado.

            É verdade que os Batistas ainda não mostraram o seu fato, mas não poupam ocasião de desprezar as outras congregações, cujos membros são classificados como - quase cristãos - não no sentido rigoroso da palavra, mas como pretendentes discípulos de Cristo que ainda não foram batizados.

            A demonstração dessas asserções se encontrará facilmente na linguagem apaixonada dos órgãos de publicidade dessas diferentes denominações. Com esses frutos, “que são antagônicos às verdades puras do Evangelho pode bem ser reconhecida a árvore da Aliança.”

                                                                                     *

            As lutas que a igreja católica há sustentado, nos países onde tem dominado, tem o seu símile, mais ainda, sua reprodução, nos anais da igreja protestante.

            Os sínodos da Alemanha quiseram impor-se ao poder civil; a igreja dos Países Baixos à casa de Orange, a de Calvino à sociedade e governo de Genebra.

            Castellar assim se expressa com relação à igreja na Inglaterra:

            “Não vos digo mais, senhores deputados; não vos quero dizer nada da igreja anglicana, pois não conheço nada mais reacionário, nem mais oposto ao movimento de ideias e da civilização. Estudai os quatro grandes fatos, a reforma eleitoral, a lei dos cereais, a emancipação dos católicos e a separação da igreja da Irlanda; estudai-os. Quem se opõe com tanta tenacidade a todas essas reformas? Quem quer que a Inglaterra durma e feneça ao pé do feudalismo? Quem? O clero anglicano.”[1]

                                                                              *

            No Brasil, como nos países latinos, nos ocuparemos mais do catolicismo, por nos ser mais familiar. Porém, no fundo, as duas religiões se equivalem. Os ministros de ambas são parasitas defensores de interesses. O padre católico ganha por dia; o pastor protestante ganha por mês. Nessa luta inglória de fanatismo soez, os ministros das respectivas procuram no recrutamento dos crentes os esteios que os ajudam a viver.

            Com espírita, apreciamos dentre algumas conquistas feitas pelo protestantismo em nossa sociedade, e cujo valor não deve ser obscurecido, a difusão do Antigo e do Novo Testamento, que facilita a leitura da letra da lei, o que é um passo dado no caminho espiritual.

                                                                               *

            Nunca pudemos simpatizar com a igreja protestante; ao menos o catolicismo tem certa arte que delicia os sentidos. Talvez por isso, Castellar dizia no célebre discurso que citamos:

            “Eu, Srs. Deputados, não pertenço ao mundo da teologia e da fé; pertenço, creio pertencer, ao mundo da filosofia e da razão. Mas, se alguma vez tivesse de voltar ao mundo de que parti, não abraçaria certamente a religião protestante, cujo gelo seca a minha alma, seca o meu coração, seca a minha consciência - essa religião protestante, eterna inimiga da minha pátria, da minha raça e da minha história; voltaria ao formoso altar, que me inspirou os maiores sentimentos de minha vida; voltaria a prostrar-me de joelhos diante da Virgem Santa, que serenou com seu sorriso as minhas primeiras paixões; voltaria a impregnar o meu espírito do aroma do incenso, da nota do órgão, da luz coada pelos vidros de cores e refletida pelas asas douradas dos anjos, eternos companheiros da minha alma na sua infância; e, ao morrer, pediria um asilo à cruz, debaixo de cujos braços sagrados se estende o lugar que mais amo e mais venero sobre a face da terra: o túmulo de minha mãe.
             Tínhamos, portanto, razão quando no artigo desta série, inserto no número 14, do ano passado, escrevemos:
             “Procurei a igreja protestante esterilizada na letra que mata. Ao menos o catolicismo tem a poesia do seu culto pagão.”

          E agora tem cabimento repetir o que dizíamos nós e um camarada, ao sairmos de um culto protestante:

       - Demaistre classificou bem os pastores protestantes: “São uns homens de preto que dizem coisas honestas.”

[1] Castellar, Discursos Parlamentares, págs. 311.
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                               O absurdo não pode dar outro fruto que não seja a negação. O absurdo religioso conduz, primeiro, à divisão, ao cisma, e conclui pela indiferença e pelo ateísmo.
 (‘Roma e o Evangelho’, págs. 25)

            É o momento mais difícil da nossa empresa. Arrastando o peso da descrença, os nossos dias corriam tristes, tristes como os dos condenados ao degredo, que contam os minutos que lhes restam viver entre os entes queridos. O tempo ia-se escoando, e cada passo que dávamos na vida nos ia aproximando à voragem do túmulo que traga insaciável o justo e o pecador.

            - Porque nasci? Porque hei de morrer? Porque uns prosperam no meio da maldade, a felicidade parece correr ao encontro de seus desejos, ao passo que a outros, verdadeiros tipos de bondade, a cujo regaço se recolhem sempre os desgraçados, a sorte ingrata responde com a injúria da dor implacável?

            Mas, se há uma Providência divina que tudo provê e prevê, como existem ao lado do homem que se extasia ao contemplar o panorama da natureza, outros que olham e não veem, e de cujo órgão visual só pode gotejar o pranto?  Ai! Que tristeza tão grande ver, ao lado de criancinhas que risonhas brincam no seio maternal, outras que não tiveram na fronte uma revoada de beijos maternos!

            Ouvi um instante um grande poeta português:
           
“Não ter mãe, nem ter amada!
                Ai, que tristeza tamanha,
                Que dura sorte funesta!
                Nem a urze da montanha,

                E é coisa bem desgraçada,
                Teve sorte igual a esta!
                Vir ao mundo e não ter mãe!

                Sem um lábio maternal
                Que nos diga ‘filho vem !’
                É como ser forasteiro
                Na própria terra natal.

                E dizer que, havendo Deus,
                Fonte de imensa piedade,
                Há criancinhas sem berço
                E almas sem caridade ![1]

            Se Deus existia, com certeza não se ocupava com a sorte das criaturas. No entanto, Deus criou o homem somente para sofrer?

            Dos males sociais e individuais não nos faltam sínteses soberbas.

            Manoel Bernardes, o primoroso clássico, assim descreve o mundo:

          “Se alguém visse, desde um ponto eminente, todas as mudanças que no mundo sucedem em espaço de meia hora, que admirado ficara de ver a fúria com que esta roda se revolve! Veria aqui prantos, acolá festas; aqui banquetes, acolá brigas; agora casórios e logo enterros; por uma parte exércitos batalhando, por outras navegando armadas; estes edificam, aqueles outros destroem; estes sobem pelos degraus da honra, aqueles outros descem: eis ali pede esmola quem há pouco tempo foi rei, acolá tiram a outro a mão do cajado para meterem o cetro. Veria (reparando no mesmo homem) como nunca permanece no mesmo estado, sucedendo-se como revoluções na roda, a saúde e a enfermidade, o trabalho e o descanso, a honra e o desprezo, o tormento e o deleite, o temor e a esperança. Então admirado diria consigo: Isto é mundo ou é mar? São homens, ou são ondas? É a vida humana ou é roda?
            Tudo é, irmão, porque sua perpétua instabilidade tornou o mundo em mar e os homens em ondas, e em rodas a vida humana”.

            Mas porque tudo isso?

            Todo esse efeito não teria uma causa?

         - Não sabemos de nada senão da matéria, responde a ciência enfatuada. Eu sou Deus; mas, se quiserdes um Deus secundário, ide ás religiões.

        - O Deus que procurais, responde a religião, deu-me procuração para governar e falar em seu nome. Não podeis compreender as desordens aparentes da natureza. O dogma é a sabedoria; crê ou morre no crepitar das chamas!

            E os punhais assassinos dos sectários religiosos fizeram jorrar do corpo humano sangue, que, para apagar as sinistras fogueiras, correu em rio durante trinta anos pela Europa, levando à flor da sua corrente gemidos despedaçados de esposas, gritos lancinantes de órfãos, esperanças e amores que o fanatismo cortou...

            Não temos provas, responde a filosofia; do outro mundo ainda não voltou viajante algum. Pode ser verdade, pode não ser, o que dizem as religiões.

            Neste caso, se a luta, se a disputa das religiões não tem fim nem provas, e no entretanto há coisas misteriosas no mundo que ignoramos, melhor será não afirmar nem negar, e ir vivendo entre os afetos da família e a incerteza do futuro.

            Mas há uma religião que pretende dar provas! É no entanto perigosíssima, seus adeptos são em geral malucos, ou tendem a isso, diz a prudência humana!

                                                                           *

            Em uma noite de sexta-feira fomos assistir a uma sessão magna na Federação Espírita Brasileira.

            - Não vá lá, sei o que digo, já acompanhei uns homens de talento neste negócio e desviei-me a tempo. Vá para casa, é melhor.

            O homem que assim nos falara, há pouco tempo não nos falou mais assim. Recebeu um número do Reformador que lhe demos, e leu um artigo desta série. Seguimos, porém, o rumo que nos havíamos traçado. Bisbilhotamos a casa, tomamos assento em uma das últimas cadeiras. Pensávamos ir ver maravilhas ou sinais sobrenaturais, e não víamos nada disso.

            Pareceu-nos tudo ridículo, e mais que todos o presidente da sessão. Ignorante e presumido, decretávamos o título de louco para os outros.

            Mal sabíamos que a misericórdia de Deus é maior que a nossa mesquinhez, e que naquela sala havíamos de voltar para fazer a nossa profissão de fé, e dizermos: “irmãos, éramos cegos, o Espiritismo nos deu a luz. Dai-nos um lugarzinho ao vosso lado, para combater ‘os bons combates do Senhor’.

            Retemperai nossas forças gastas no lodo da descrença, ao contato da vossa fé pura.

            Irmãos, não conhecíamos Jesus, esmagado e escondido na pompa farisaica.

            Irmãos, éramos morto, o Espiritismo nos ressuscitou.”

[1]  O grifo é do autor desses artigos.
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                Um fisiologista francês, Magendie, costumava dizer que não há nada mais teimoso do que um fato. Quando o fato é verdadeiro, podem os fazedores de teorias e os fornecedores de explicações 
esbofar-se para aumentar-lhe ou diminuir-lhe a importância: o fato continua a ser o que sempre foi, tal qual, sem a mínima alteração...    Medeiros de Albuquerque

            O Espiritismo se impôs ao mundo pelos fatos. Remontando-se à mais alta antiguidade, a história os registra esparsos e desconexos; não era chegada a hora prometida do revelador anunciado.

            Os médiuns receitistas são os melhores apóstolos da nossa doutrina: convencem pelo fato. Convencem e produzem a gratidão nos curados.

            Andávamos enfermos de há muito, tínhamos recorrido à ciência de dois afamados esculápios, sem lograr melhoras para incômodos depauperadores.

            Quando já desanimávamos de encontrar a cura, amigo nosso, de simpatias espíritas, nos convidou a recorrer a um médium receitista.

*

            Quase ao canto de certa rua de Botafogo, existe uma modesta casa comercial, onde o irmão Ignacio Bittencourt, exerce sua faculdade mediúnica, em benefício dos enfermos.

            Ao lhe sermos apresentado, dissemos:

            -Não negamos nem afirmamos a verdade do Espiritismo.

            E o Espiritismo não faz milagres, meu amigo, respondeu o referido irmão, acrescentando:

            - Se os fizesse, iríamos de bordão em punho, pelo mundo, curar a humanidade.

            Declarou-nos mais: a moléstia era antiga e curável.

            Levamos conosco a receita e a curiosidade de conhecer a doutrina. E nas trevas da nossa razão, da podridão da descrença, o fogo fátuo da curiosidade queria rasgar a treva, que só o facho de fé, partido da crença racional, havia de aclarar.

            “A ignorância de si e do mundo é, no menino, uma coisa graciosa, no velho uma coisa tremenda; no menino é a escuridão em que se esconde o gérmen da alvorada; no velho é a primeira treva da noite que de minuto para minuto se engrossa, se esfria, se povoa de medos e fantasmas.”[1]

            A conversação entretida a miúdo com o irmão Bittencourt e as objeções refutadas por ele nos avivaram ainda mais a curiosidade, e por seu intermédio nos veio às mãos a obra que nos era mais própria - O Evangelho segundo o Espiritismo.

*

            Estes artigos são placas fotográficas: recebem e transmitem os estados da nossa alma.

            Hoje pesa-nos dize-lo:

            Jesus era para nós uma figura secundária.

            Sua doutrina se nos afigurava dissolvente e anti social; a vida cristã só era possível longe do bulício do mundo, no interior de uma clausura.

            Porque a vida? Para que a religião?

            A misericórdia divina despejou alguns raios sobre a nossa fronte e o nosso coração, o livro que vimos de citar transformou o fogo fátuo em crepúsculo, o Evangelho nos era familiar, e, sem sentir, nos íamos transformando em espírita, gravando na alma as luzes mais vivas de Kardec, e repetindo como prenúncio:
            O Espiritismo é a religião que melhor se explica - Jesus nos era desconhecido.

            O dogma e o ritual apresentaram-no deformado.

            Só se ama o que se conhece. O Evangelho segundo o Espiritismo no-lo principiou a revelar.

            Ele e a doutrina espírita, no seu conjunto, nos explicaram a seguinte passagem inspirada de Renan:

            “Jesus fundou o culto puro, sem data, sem pátria, o culto que todas as almas elevadas hão de celebrar até ao final dos tempos.
            Não só a sua religião foi a boa religião da humanidade, mas foi a religião absoluta; e se outros planetas têm habitantes dotados de razão e moralidade, a religião deles não pode ser diferente da que Jesus proclamou à beira do poço de Jacó. O homem não tem podido segui-la, porque ninguém segue o ideal senão um momento. A palavra de Jesus foi um relâmpago numa noite escura. Foi mister que decorressem mil e oitocentos anos para que os olhos da humanidade (não; de uma porção infinitamente pequena da humanidade) se pudessem habituar com seu fulgor. Mas o relâmpago virá a ser dia claro, e depois de ter percorrido todos os círculos de erros, a humanidade voltará a essa palavra, expressão imortal da sua fé e das suas esperanças.”[2]

*

            Os leitores desta série não são somente espíritas. Há os de todos os matizes: livre pensadores, positivistas, protestantes e até católicos fanáticos, sem exclusão de sacerdotes.

            Não pensamos, por isso, que estes escritos sejam importantes, porém, sabemo-los curiosos, pela revelação das futriquinhas religiosas, que amesquinham um sentimento tão nobre.

            Por esse motivo até literatos nos têm pedido números do Reformador, um deles mesmo nos declarando que pretendia escrever uns contos, baseando-se nesta série.

            Vamos agora entrar em pequenos detalhes da doutrina, pois tais espíritos não repelem a luz, apenas não a conhecem; e a luz não foi feita para jazer debaixo do alqueire.

            Ao invés de começarmos como pretendíamos pelo Evangelho, vamos principiar pelo Livro dos Espíritos, seguindo a ordem respectiva.

            Que a inspiração do nosso amoroso guia desça sobre nós, que a nossa história; toscamente esboçada, induza à meditação os conscienciosos, e daremos graças a Deus, que faz sempre baixarem suas misericórdias sobre aqueles que o buscam.


[1]  A. F. de Castilho, Vida e Obras e M. Bernardes, págs. 272 e 286.
[2]  E. Renan, Vida de Jesus, cap XIV, págs. 183.
22
                Infelizes degradados, que ficastes chorando nas praias de Sta. Cruz, quando Cabral seguia sua derrota para as Índias, adoçai um pouco a força de vossa mágoa. Sabei que aqueles bárbaros, 
a cuja voracidade ficáveis expostos, estão civilizados; que aquelas matas melancólicas  que tiranizavam vossos olhos  já se transformaram em campanhas  risonhas, em searas floridas; que do seio daqueles ermos emaranhados, que denegriam vossos corações, têm nascido vilas e cidades florentes. 
(Joaquim Nabuco - Do Centenário Anchietano.)

            As palavras de Fr. Francisco de S. Carlos, que acudiam a Joaquim Nabuco, quando conferente do Centenário Anchietano, têm inteira aplicação aos desolados do ermo da descrença, sepultados nas trevas da tristeza moral, quando, ressuscitados pela palavra pura de Jesus, erguem-se para os esplendores da luz espiritual e acham, na senda árida e espinhosa da vida, os rebentos das flores da esperança, a explicação única da dor, dos fatos tristes e dos sofrimentos que nos cruciam.

            Mas do mesmo modo que, ao fazermos uma síntese da doutrina positivista a, começamos por dar os traços biográficos de Augusto Comte, vamos igualmente dar ligeira biografia do nosso mestre Allan Kardec. Assim a apreciação será melhor em seu conjunto.

            “Foi em Lyon que a 3 de Outubro de 1804 nasceu, de uma antiga família lionesa com o nome de Rivail, aquele que devia mais tarde ilustrar o nome de Allan Kardec e conquistar para ele tantos títulos à nossa profunda simpatia, ao nosso filial reconhecimento.

            Eis aqui a esse respeito um documento positivo e oficial:

            “Aos 12 do vindimiário de ano XII, auto do nascimento de Denizard Hyppolite-Léon Rivail, nascido ontem às 7 horas da noite, filho de Jean Baptiste-Antoine Rivail, magistrado e juiz, e Jeanne Duhamel, sua esposa, residentes em Lyon, rua Sala nº 76.
            O sexo da criança foi reconhecido masculino.

            Testemunhas maiores:      

            Syriaque-Fréderic Dettmar, diretor do estabelecimento das águas minerais da rua Sala, e Jean François Targe, mesma rua Sala, à requisição do médico Pierre Radamel, rua Saint Dominique, nº 78.

            Feita a leitura, as testemunhas assinaram, assim como o maire da região do Meio dia.

            O presidente do tribunal,

            (Assinado): “Mathiou[1]

            O filósofo cognominado ‘a encarnação do, bom senso’ fez os seus primeiros estudos em Lyon e os completou na Suíça, com o célebre professor Pestalozzi ao qual muitas vezes substituiu no encargo de fundar estabelecimentos de educação reclamados pelos governos.

            Era bacharel de letras e ciências, doutor em medicina*, tendo defendido brilhantemente a sua tese.
            Lingüista, falava corretamente alemão, inglês, italiano, espanhol e holandês.

            Casou-se com a Senhorita Amélie Boudet, professora de 1ª classe, nove anos mais velha que o filósofo, porém fisicamente aparentando menor idade.

            Tendo-se associado a um tio para a fundação de um estabelecimento de ensino, a paixão do jogo de seu sócio o deixou arruinado. O pouco que lhe restou da liquidação do estabelecimento foi recolhido a uma casa comercial que, falindo, nada pagou aos credores.

            Rivail, como todos os grandes missionários talhados para a luta, realizava em si o conselho do tamoio:

            “Viver é lutar.
            A vida é combate,
            Que os fracos abate
            Que os fortes, os bravos,
            Só pode exaltar.”[2]

            Não desanimou o amado mestre. Passou a encarregar-se da contabilidade de três casas comerciais, e a empregar os serões em fazer gramáticas, aritméticas, livros para estudos pedagógicos e superiores, além de traduções de livros de diversas línguas.

            Organizou em sua residência, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, física, astronomia e anatomia comparada, que eram muito frequentados.

            “Dentre suas numerosas obras convém citar por ordem cronológica: Plano apresentado para o melhoramento da instrução pública, em 1828; em 1829, segundo o método Pestalozzi, ele publicou, para uso das mães de família e dos professores, Curso prático e teórico de aritmética; em 1831 fez aparecer a Gramática francesa clássica; em 1846, Manual dos exames para obtenção dos diplomas de capacidade, soluções racionais das questões e problemas de aritmética e geometria; em 1848 foi publicado o Compêndio gramatical da língua francesa; finalmente em 1849 encontramos o Sr. Rivail professor no Liceu Polimático, em que rege cadeiras de fisiologia, astronomia, química e física. Em uma obra muito apreciada resume seus cursos, e depois edita: Ditados normais dos exames na Municipalidade e na SorbonneDitados especiais sobre as dificuldades ortográficas.”[3]

            A situação financeira do ilustre pensador solidificou-se, graças aos sucessos das edições das suas obras, tendo algumas das edições das suas obras, tendo sido adotadas pela Universidade da França.

            A honestidade de sua vida, a pureza de seus costumes, sua justa nomeada como cientista e literato preparavam o espírito público para o peso das afirmações do emérito educador, quando se entregasse ao estudo de fenômenos mais importantes.

            Guizot tinha horror a um inimigo terrível do homem - o preconceito -; o homem deve ter maior horror ainda ao maldito orgulho que o corrói.

            A criatura se exalta com o pouquíssimo que sabe: porém não se assombra com o infinito que ignora, mesmo no domínio dos fenômenos que caem debaixo dos sentidos.

            As levianas sensações dos pretensos sábios os têm feito representar os papéis mais tristes, pela vitória das afirmações científicas ontem negadas e hoje triunfantes.

            Grande culpa cabe ao ridículo privilégio acadêmico e suposta infalibilidade da ciência oficial.

            ‘Se nunca a ciência se houvesse enganado, sua opinião neste sentido (o Espiritismo) teria grande peso na balança; infelizmente a experiência prova o contrário.

            .....................................................

            Não foi a um parecer do nosso primeiro corpo sábio que a França deveu o ter sido privada da iniciativa do vapor?

            Quando Fulton veio do campo de Bolonha apresentar seu sistema a Napoleão I, que confiou seu exame imediato ao Instituto, não decidiu este que aquilo era uma utopia, com que não se deviam ocupar?

            .......................................................

            Se Newton não tivesse prestado atenção à queda da laranja; se Galvani tivesse repelido sua criada, e lhe chamasse visionária e louca, quando esta lhe falou das rãs que dançavam na caldeira, talvez ainda estivéssemos por conhecer a admirável lei da gravitação universal e as fecundas propriedades da pilha elétrica
            .........................................................

            Cristóvão Colombo não foi repelido, sobrecarregado de desgostos, tratado como insensato?”

            O nosso mestre não podia escapar a essa lei comum. Feita sua apresentação, vamos deixar o Sr. Rivail preclaro professor, para irmos ao encontro de Allan Kardec - o codificador da doutrina espírita.

            “Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu pela primeira vez falar nas mesas giratórias, a princípio ao Sr. Fortier, magnetizador, com o qual mantinha relações, em razão de seus estudos sobre magnetismo. O Sr. Fortier lhe disse um dia: “Eis aqui uma coisa que é bem extraordinária: não somente se faz girar uma mesa, magnetizando-a, mas faz-se-a falar. Interroga-se e ela responde.

            -Isso, replicou o Sr. Rivail, e uma outra questão: eu o acreditarei quando o vir e quando me tiverem provado que uma mesa tem um cérebro para pensar, nervos para sentir, e que se pode tornar sonâmbula. Até lá, permita-me que não veja nisso senão um conto de dormir de pé.

            Tal era a princípio o estado de espírito do Sr. Rivail, tal encontra-lo-emos muitas vezes, não negando coisa nenhuma parti pris, mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer; tais devemos nos mostrar sempre no estudo tão atraente das manifestações do além.”[4]

[1]  Vide Memória Histórica do Espiritismo, v. I, págs. 59.
[2]  Gonçalvez Dias, Poesias, V. I, págs. 59.
[3]  Vide Obra citada, pág. 12.
[4]  Vide Memória Histórica.

* A informação de que Kardec teria sido médico nunca foi confirmada. Vide Zêus Wantuil e Francisco Thiesen em obra editada pela FEB sob título 'Allan Kardec'. Nota do blogueiro.

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