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quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Espírita perante a Lei

               
A Lei, em termos humanos, é força atuante, representada por um complexo de normas do procedimento, segundo um mínimo ético - que seria a Moral - visando à disciplinação da própria pessoa (espírito), segundo moldes lógicos e necessários ao bem-estar coletivo.

            Em ângulo mais aberto, a lei previne e reprime; é profilaxia e terapêutica; age antes,
durante e depois do fato que, em alguns casos, nela se enquadra plenamente. Com bastante convicção e tranquilidade, podemos mesmo afirmar que ela é elemento indispensável à ordem da sociedade, "stricto sensu", e do Universo, "lato sensu". Sem a Lei, rolaríamos definitivamente no abismo da desordem completa.

            Como comportar-se o espírita diante de realidade mais que verificada, amplamente comprovada? Em quem acreditar? .. Nas vozes de uma pretensa liberdade ou em verdadeiras promessas de "trabalho, suor e lágrimas", necessários ao burilamento íntimo? Será bom lembrarmos, para que se arrefeçam dúvidas, que liberdade absoluta é utopiaassim como igualdade total. Há hierarquia no Universo do Pai... Sempre houve e haverá. Galgamos posições as mais diversas na longa caminhada que nós mesmos escolhemos com nossas falhas, nossos erros e nossa teimosia. Pretender o contrário é invocar recurso surrado e desgastado, carecedor de correções prementes. Liberdade absoluta pressupõe desordem e arbitrariedade, sinônimos de anarquia. E a boa interpretação da Lei vem auxiliar-nos no entender de semelhantes verdades. Isto porque estamos condicionados a uma série de DEVERES impostergáveis para com o próximo e para com nós mesmos. Nós, espíritas, principalmente, precisamos imbuir-nos de um sentimento cada vez mais nobre e altruísta, esquecendo DIREITOS e cultuando DEVERES. O dia em que o homem pensar em termos de DEVER NATURAL o Direito despontará não mais como coerção, ainda necessária, mas como único educador, como termômetro seguro, apontando tensões e necessidades, estatuindo estágio mais feliz no campo das humanidades.

            O papel da Doutrina Espírita no terreno legal é, assim como em todos os demais, dos mais vastos e significativos, uma vez que, sendo o Cristianismo redivivo, fornece os subsídios indispensáveis a uma fiel compreensão dos problemas do mundo. De outro modo, aliás, não poderia ser, uma vez que o Espiritismo é também Ciência e Ciência marcha de acordo com infinito número de Leis. Todos os dias novas perspectivas são descortinadas por nossos olhos deslumbrados; a cada dia damos mais um passo em direção ao conhecer. Abreviemos semelhante processo pela prática do bem incondicional. Do mesmo modo, o Universo não é senão um conjunto de leis sublimes e atuantes, a gerar harmonia em todos os sentidos. Encarando a Lei Universal, afigura-se nos tão majestosa a obra do Pai de Misericórdia que, sem o menor embargo, podemos sentir ORDEM naquilo que, exteriormente, toma aparência de DESORDEM; é tudo uma fase preparatória ao advento do equilíbrio. Tudo, é necessário convir, segue um processo inadiável e irreversível de aprimoramento, de caminhar constante em direção à perfeição.

            Para o verdadeiro espírita, Deus é a perfeição única, a Lei das leis, Lei essa que se projeta concentricamente por todo o espaço, gerindo, criando sempre e transformando. A Lei Divina é eterna e imutável porque dela depende o equilíbrio de todo o Cosmo, da própria vida em todos os graus de evolução. E para que exista ou venha a existir felicidade em nosso mundo será necessário que as leis humanas, estruturadas, codificadas de acordo com as pálidas e anêmicas luzes de que nos fazemos portadores (quando não somos a própria treva), sejam fiéis interpretações, projeções autênticas da Lei Natural ou Divina. Semelhante entendimento, no entanto, encontra-se basicamente orientado por uma das facetas da Lei Divina e geral: a Lei do Progresso ou da Evolução. Nenhuma criatura foi gerada para permanecer estacionária, seja onde for. Dinâmica, movimento... são situações do próprio Universo! ... Nada para, nada cai em marasmo... tudo caminha, tudo prossegue e progride. Passando pelos reinos inferiores, pelas etapas intermediárias - aquele(s) elo(s) perdido(s) que procuramos -, somos, finalmente, racionalizados, investidos do livre arbítrio que, mal utilizado, nos leva à falência, à encarnação primeira, de acordo com a gravidade da falta cometida. Entender ao contrário seria renegar a própria Lei Divina que exaltamos diariamente, seria contra senso. Não pudemos seguir em linha reta, como o Cristo de Deus, mas, nem por isso a Lei do Progresso foi derrogada... Continuamos a seguir em ziguezagues, é bem verdade, mas sempre. O estágio em que nos encontramos não nos permite captar a Lei Divina senão extremamente deformada, desvirtuada. Por isso, por não compreendê-la sequer satisfatoriamente, surgem as legislações falhas, que fogem à realidade e à solução dos reais problemas do mundo.

            É a lei humana atuando segundo a lei do progresso que, a seu turno, funciona embasada na lei Divina.

            Concordamos, é bem verdade, em que aquela longe está da projeção divina e que, ao mesmo tempo, tal imperfeição - como já ficou patente - é produto de nosso estágio evolutivo. Mas, do mesmo modo, há que convir na impossibilidade de convivência sem o domínio da autoridade constituída por lei e em favor da observância da própria Lei, o que não implica acatamento cego, sem raciocínio e sem garantias afastadoras do próprio abuso legal.

            É neste sentido que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967, de acordo com a redação que lhe conferiu a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, apresenta, em seu artigo 153, caput, bem como nos trinta e seis parágrafos que se seguem, tudo no Capítulo IV do Título II, os Direitos e Garantias Individuais, asseguradores de uma segurança a todos os que se encontrem no país. Assim se apresenta a Lei Magna:

            "Art. 153 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança (Direitos da Personalidade) e à propriedade (Direito Real), nos termos seguintes:"

            ...E seguem-se os trinta e seis parágrafos. Os parêntesis são nossos.

            Como o espírita deve encarar semelhante dispositivo da Lei humana Maior, somente comparável - dentro da jurisdição doméstica - à "grundnorm" "pacta surit servandado Direito Internacional?.. Continuamos a afirmar ser tudo uma questão de evolução, uma vez que horizontes mais amplos e mais esclarecidos são efeito de passos igualmente mais corajosos, de defeitos vencidos, que um dia nos conferirão a certeza e a tranquilidade do espírito seguro de si.

            Com efeito, ainda que precisemos estender nossa visão em um esforço para mais além, no intuito de assimilarmos a "mens legis" (o cerne da lei), somente descobrimos para nós DIREITOS e, para os semelhantes, DEVERES. Achamos sempre, em explosões de egocentrismo descabido, que a Lei nos assegura garantias, direitos contra todos, olvidando que A e B - nossos companheiros de jornada evolutiva - merecem tanto respeito, carinho e tolerância quanto nós mesmos. Mas, mesmo assim, nossa cegueira é tão extrema, tão assustadora que temos o poder (que lástima! ... ) de subestimar os valores de terceiros, não reconhecendo direitos e garantias a ninguém. Do ponto de vista do personalismo que ainda nos vergasta, dizemos sempre Direito à vida, Direito à honra, Direito à paz, Direito à liberdade, nunca recordando o Dever de assistência, o Dever de honrar, o Dever de dar paz, enfim, o Dever de acatar os direitos do semelhante!... Falamos sempre em Direito Natural, esquecendo o Dever Natural.

            É bem verdade que Direito sem Dever, assim como Dever sem Direito são posições exacerbadas, polos extremos que não produzem satisfatoriamente. Mas, é bem verdade também que, se somente pensarmos em termos de Eu, Eu e Eu, estaremos colaborando para o definitivo assentamento do império do egoísmo!.. Precisamos, paulatinamente - porque nada se realiza às pressas -, substituir a primeira pessoa do singular pela terceira para que, futuramente, alcancemos a primeira do plural: Nós. Precisamos pensar antes em DEVERES, depois em DIREITOS, até que alcancemos a posição ideal da perfeição com o Mestre e Senhor Jesus.

            O espirita perante a Lei deve ser o homem que tem como DEVER o acatamento dos DIREITOS de terceiros, daí aparecendo sua garantia; deve ser aquele que, em resumindo, ama ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.

            Se a legislação humana é falha em alguns pontos, é bastante lógica em outros... Consideremos as imperfeições que temos conosco, procurando extirpá-las pela vivência do preceito do auxílio mútuo e da caridade com o Mestre. Não entendamos com isso que devamos ser fanáticos, anulando o raciocínio que é dádiva de Deus, "batendo no peito" diariamente, repetindo o erro de outras religiões, igrejificando-nos, encastelando-nos em supostas torres de marfim. Procedamos justamente ao contrário: entendamos a Lei como elemento necessário ao equilíbrio nosso, como conjunto de normas imprescindíveis ao bom andamento da situação geral. E se achamos que a Lei deve aperfeiçoar-se ainda mais - e certamente isso ocorre diariamente -, acatemo-la mais ainda, porque assim estaremos pacificando um dos pontos fracos de nós mesmos: a intolerância... a impaciência.

            Não digamos que a Lei é ineficaz, que de nada serve... Nunca!... Se já somos tão insubordinados, com a Lei, que dizer sem ela?!..

            Para terminarmos entendendo plenamente a situação, imaginemos certos matizes de vocabulário, necessários a uma plena compreensão. Atualmente, distinguimos na Lei dupla função: a preventiva e a repressiva, com predominância desta. Futuramente, predominará a finalidade preventiva, porque a maioria deixará de agir insubordinadamente, pelo simples prazer de conturbar. E em épocas ainda mais remotas, em futuro muito distante, achamos, a Lei será tão-somente neutralizante; ninguém duvidará mais da verdade, da necessidade da fraternidade, porque, Espíritos redimidos, já estaremos na Terra vivendo a felicidade de Mais Alto. Mas, nem mesmo então permaneceremos na contemplação beatífica, porque Trabalho também é Lei Universal, projeção da Lei Divina ou Natural. Alhures em algum lugar do espaço, a Lei ainda estará na fase repressiva... e nós, que já compreenderemos a, Ordem Universal, envidaremos esforços máximos no sentido de amainar a desordem e infelicidade em que ainda gravitarão irmãos nossos, isso porque a LEI também é Cooperação, Fraternidade, Sacrifício e Compreensão!. .. Agiremos com eles tal como os mentores da Espiritualidade Maior, hoje, agem conosco.

            Seremos então um só com o Pai!..  E isso porque a LEI é AMOR!... Pacifiquemo-nos.

O Espírita perante a Lei
Gilberto Campista Guarino

Reformador (FEB) Fevereiro 1973

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