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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

83. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




83


            Não nos propomos rememorar aqui as múltiplas vicissitudes advindas ao Cristianismo através a selva espessa dos preconceitos, resistências e hostilidades que se lhe opuseram e, na sucessão dos tempos, vieram por fim a deturpa-lo, desde que “no átrio do templo assentou seu pé o espirito de seita e no presbitério o interesse passou a residir(2), até chegar desfigurado aos nossos dias, o que reclamaria um longo trabalho de crítica histórica demasiado complexo e, mesmo, exorbitante do plano, bem mais restrito, desta obra. Limitar-nos-emos, por isso, a assinalar a largos traços que, do mesmo modo que o Mosaísmo, em sua feição imperativa e exclusivista, sobrecarregado ao demais de obsoletas práticas exteriores, se tornara insuficiente para impulsionar o novo ciclo de civilização, que se ia pronunciar do oriente ao ocidente - e daí a necessidade do rejuvenescimento doutrinário trazido pelo Cristo - assim também, para desembaraçar da extensa vegetação parasitaria, de que enferma, e restabelecer em sua pureza originaria o ideal cristão, frustrado em suas mais belas promessas e fecundas possibilidades pelos erros, secularmente acumulados, dos que assumiram o encargo de o defender e propagar, um novo ensino, de que é portador o Espiritismo, veio a tornar-se complementarmente necessário.

            (2) , José Amigó y Pellícer, ROMA E o EVANGELHO. Ditado de João Evangelista, págs . 186 (edição de 1913 da Federação Espírita Brasileira).

            Nisso ainda uma vez se patenteia a solicitude providencial de Deus por suas criaturas e a intervenção que, ora oculta, ora ostensiva, não cessa de, por seus mensageiros, exercer nos destinos do mundo, sobretudo no que se refere ao alimento espiritual, representado nas verdades religiosas, mais que tudo necessário aos homens.

            Quando uma religião, depois de ter produzido seus frutos, como solitamente acontece de sua fase inicial ao apogeu, ele desloca do seu centro de gravitação, que é sempre aquela Verdade absoluta, aquela Bondade suprema, de que todas procedem e que em todas, mais ou menos parcialmente, se reflete, para se transformar num instrumento de materialidade, isto é, de obscurecimento e decadência, como a humanidade não pode, em sua ascensão evolutiva, prescindir desse farol que lhe orienta a rota e lhe ilumina a vida interior, uma nova doutrina religiosa vem substituir a que se extingue. Assim aconteceu à Revelação dada a Moisés, que apenas subsiste em suas formas ritualísticas o que importa dizer, em sua parte inerte, propriamente sedimentária, nas tradições do povo outrora "eleito ", hoje disperso, transfundidos os seus princípios básicos - falamos do Decálogo - na Revelação cristã que a substituiu; assim estamos vendo que sucede ao Cristianismo, com a diferença, todavia, de que, longe de extinguir-se, religião definitiva que é em sua essência e fundamentos, evolutiva por natureza e, por esse fato, susceptível de infinitos desenvolvimentos é uma opulenta revivescência que de seus elementos vitais se está operando em nossos dias, pelo advento da Revelação espírita, em que se realiza a promessa de Jesus, não somente feita aos seus discípulos de então, mas aos que no futuro, e particularmente na era nova, que alvorece, tais se tornariam, no sentido de enviar o Consolador, ou Espírito de Verdade, que – lhes disse ele- "vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito (1) . "

            (1) João, XIV, 26.

            Aos discípulos de então e do futuro, dizemos, porque é indubitável que o Cristo, Guia e Instrutor do mundo e não apenas de uma fração da humanidade, não poderia limitar, definitivamente e para sempre, o seu ensino a uma determinada época da história ou a um certo povo nem ainda, neste, a um reduzido núcleo de discípulos, com exclusão de quantos à dignidade da mesma excelsa investidura viessem mais tarde a aspirar por seu mérito e virtudes incessantemente adquiridas, mas havia de forçosamente, Espírito sempre vigilante pelos destinos do rebanho que o Pai lhe confiou, graduar e proporcionar as revelações ao estado espiritual da humanidade e aos progressos no domínio da civilização por ela efetuados. Mais ainda: em sua divina presciência, que devassava a bruma dos séculos remotos, de antemão sabia que o seu Evangelho, em contato com as fraquezas e paixões dos homens, longe de ser integral e religiosamente transmitido de geração a geração, até a época do seu prometido complemento, viria a ser desfigurado pela obra dos concílios, ora segregando-o estes do conhecimento popular, ora instituindo práticas e dogmas que fariam esquecer, por seu espírito reacionário, o liberalismo e a humildade fundamental de seus ensinos.

            É por isso que, dirigindo àquele punhado de espíritos por ele escolhidos como fieis e dignos continuadores de sua missão, a promessa do Consolador, Jesus abrangia em seu pensamento a humanidade, a que era extensiva, e a época atual, em que somente seria possível realiza-la integralmente, indispensável que se faria, para a perfeita compreensão de um certo número de ensinos, como por exemplo os referentes à pluralidade de mundos e de existências da alma, que os progressos da ciência e a emancipação, para o espírito humano, de certos preconceitos lhes viessem proporcionar sólido esteio.

            Não o declarou ele abertamente?  "- Eu tenho ainda muitas coisas que vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora. Quando vier, porém, aquele Espirito de Verdade, ele vos ensinará todas as verdades, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos há de anunciar as coisas que estão para vir (1)."

            (1) João, XVI, 12-13.

            Ora, "se o Espirito de Verdade - como, no EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, comenta com irrefragável poder de raciocínio Allan Kardec - havia de, mais tarde, vir ensinar todas as coisas, é porque o Cristo não revelara tudo; se viria lembrar o que dissera o Cristo, é porque o esqueceriam ou não o teriam bem compreendido."

            Pretendem sem dúvida certos críticos, empenhados sobretudo em contestar ao Espiritismo a função, que legitimamente assume e lhe foi pelos próprios espíritos reveladores outorgada (1),de continuador histórico e doutrinário do Cristianismo, que não há razão para o cumprimento d'essa promessa do Consolador a uma distância de dezenove séculos, uma vez que - alegam eles - for a imediatamente depois da Ascensão, realizada pelo Cristo em seus discípulos, na imponente manifestação do Pentecostes, em que, sob a aparência de "umas como línguas de fogo, e em meio de um estrondo como de vento que soprava com ímpeto e encheu toda a casa onde estavam assentados (2)," denunciando - a explicação agora é nossa - uma ostensiva e ruidosa intervenção espírita, se lhes desenvolveram as mediunidades, que dai em diante lhes permitiriam uma frequente comunhão com os poderes superiores do invisível.

            (1) Quando preparava Allan Kardec a primeira edição do EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, por um de seus eminentes Guias espirituais lhe foi comunicado:  ''Aproxima-se a hora em que deverás abertamente declarar o que é o Espiritismo e mostrar a todos onde está a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo ." (OBRAS PÓSTUMAS, de Allan Kardec, págs. 273, edição do Centenário. Não há nisso, em verdade, uma formal consagração?
           
            (2) ATOS DOS APÓSTOLOS, II, 2 e3.

            Não sentimos, por nossa parte, nenhuma hesitação em admitir, cingindo-nos literalmente aos textos evangélicos e tendo em consideração que se tratava de espíritos consideravelmente evoluídos, aptos assim para o sagrado ministério a que eram, por escolha do próprio Cristo, destinados, que neles se houvesse imediatamente cumprido, mas na medida compatível com os conhecimentos humanos do seu tempo, a promessa do Consolador. Porque, de fato, além dos já citados, e entre outros grandes, comovedores ensinamentos que constituem o seu testamento de amor, na derradeira prédica, por ocasião da Ceia Pascoal, terminante e positivamente lhes assegurava o Mestre (João, XIV, l5 a 17) :

            "Se me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco: o Espírito de Verdade, a quem o mundo não pode receber, porque o não vê nem o conhece; mas vós o conhecereis, porque ele ficará convosco e estará em vós. "

            Ora, a não ser que se queira, por absurdo, atribuir ao Cristo a intenção de burlar deliberadamente a expectativa confiante dos apóstolos, forçoso é admitir uma primeira realização pessoal dessa promessa, em nada incompatível, todavia, com o seu desdobramento e confirmação ulterior. A mesma distinção, ali enunciada, entre a incapacidade do mundo, isto é, dos que na técnica sagrada são chamados "filhos do século." ou indivíduos exclusivamente preocupados com as coisas materiais, indiferentes às do espírito, para as quais se lhes conserva fechado o entendimento, e a capacidade dos discípulos para conhecer o Espírito de Verdade, em cuja intimidade eram dignos de permanecer como fieis receptáculos de suas efusões, torna evidente a possibilidade a breve trecho para eles de, quando a presença visível do Mestre lhes fosse retirada, entrar na comunhão divina, interior e mística, traduzida naquela simbólica expressão. 

            Não temos, assim, dúvida em concordar que por suas condições de pureza e elevação espiritual, pela fé que os animava e o entusiasmo que não tardaram a desenvolver, desde que foram solenemente investidos no ministério da Palavra, a promessa do Consolador se cumpriu
pessoalmente nos apóstolos, do mesmo modo que sentimos do nosso dever advertir aos que hodiernamente acodem à renovação do seu anúncio, que não é o simples fato de acreditar no Espiritismo, ou professar mais ou menos abertamente os seus ensinos, que lhes pode conferir a assistência, interiormente iluminadora, do Espírito de Verdade. Para isso, necessário se faz, como na segunda parte o desenvolveremos a propósito da iniciação dos crentes, sobretudo no que se refere à sua "conversão," que um longo aprendizado e adequados exercícios os venham, pelo cultivo das virtudes e o desenvolvimento do Ego divino, que em quase todos jaz ignorado, a colocar em condições de fruir a mesma graça.

            Mas, se o Consolador, em fiel cumprimento à promessa de Jesus, permaneceu outrora em seus discípulos, porque que eram dignos de sua santificadora comunhão - e dai os assombros que produziam, tanto na iluminada e persuasiva eloquência, em línguas que desconheciam, por toda parte suscitando a multiplicação dos adeptos, como nas curas que operavam de toda a sorte de enfermidades, a exemplo do Mestre, cuja virtude os inspirava - que motivo pode razoavelmente ser invocado contra o advento do mesmo Espírito em nossos dias, tanto mais que - seja-nos licito insistir - as promessas de Jesus, tinham sempre um duplo alcance e aplicação, imediato e ulterior?

            Já estará porventura de tal modo convertido o mundo a sua doutrina, e os que dela se inculcam depositários serão portadores das mesmas virtudes e poderes dos apóstolos, como eles culminando no esplendor da mesma fé e caridade, que se torne dispensável uma nova efusão daquele Espírito divino?

            Longe disso, em presença da anarquia que lavra nas inteligências, desorientadas à míngua de um ideal superior, nesta hora sombria que atravessa o mundo, em que um tremendo cataclismo, desencadeado pela preponderância ,que vieram a adquirir as ideias negativas e materialistas, assinala a maior crise que jamais a história registrou, quem será capaz de contestar, a menos que feche os olhos aos sinais dos tempos, ao demais preditos no Evangelho, a necessidade de uma renovação religiosa?

            Porque só o sentimento religioso, que tem como pedra angular a certeza da existência de Deus, de que decorre a consciência dos deveres e a noção das responsabilidades, é capaz de incutir nos homens a obediência às leis divinas e humanas e servir de norma guiadora às suas instituições, como às relações fraternas, fundadas na justiça, que lhes importa cultivar. E é porque, impotentes para dominar, ou sequer apaziguar, com suas vaniloquas (Que diz frases pomposas mas sem conteúdo) exortações, o tremendo conflito, que ameaça, em suas vortigens, subverter as mais preciosas conquistas da civilização (1), as velhas religiões, não tendo sabido ou podido evita-lo, confessam implicitamente a irremediável falência dos seus métodos, que se torna urgente fazer ouvir de novo a voz do Cristo, não apenas em sua eloquente e persuasiva singeleza, como outrora, mas robustecida pelo cortejo de provas, sob a sua invisível e suprema direção trazidas pelo Espiritismo, por cujo veículo falam não somente as altas entidades, prepostas à instrução espiritual da humanidade, como os seres de diferentes categorias que, tendo deixado a Terra, vem por toda sorte de fenômenos, por assim dizer, palpáveis fornecer aos homens o testemunho da sobrevivência e adverti-los da necessidade de se preparar para a outra, verdadeira vida.

            (1) Eram escritas estas linhas em 1917.

            Surgindo no momento preciso em que os progressos intelectuais realizados, dilatando consideravelmente a órbita dos conhecimentos dessa natureza, haviam preparado o mundo ocidental para uma efusão mais ampla do Espírito de Verdade, que - aduzamos aqui uma definição - deve ser entendido como o conjunto dos espíritos puros, sob a chefia do Cristo, arautos do pensamento e do amor de Deus, o Espiritismo reúne os característicos apropriados às necessidades contemporâneas do espírito humano e, assim, da era nova que vem inaugurar.

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