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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

4. 'Fenômenos de Materialização'

(Esta não é uma foto de uma materialização e sim de uma imagem comum.)




4
Fenômenos de Materialização
por Manoel Quintão
 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
 1942


            No desempenho deste dever de consciência e com a serenidade que deve caracterizar os escravos da Verdade, diremos com o ilustre historiador Eugene Bonnemère: Eu também me ri dos fenômenos espíritas, eu também desdenhei o Espiritismo, mas o riso que eu supunha de Voltaire, era o riso do idiota, muito mais vulgar do que aquele outro. 

            Apóstrofe? Mas, senhores, não é nossa, é de um profundo pensador. Na sua esteira e de outros tantos sábios e filósofos eminentes, fomos candidato ao conhecimento do Espiritismo, há mais de vinte anos, e de sua realidade nos convencemos; não por um desses fatos concretos de que vamos  aqui tratar, mas por uma prova indireta que, para nós, bem jovem naquela época, já valia mais e mais eloquentemente falava que todos os fatos concretos.

            Porque, senhores, mercê de Deus (sem ufania o dizemos) somos daqueles que, meditando o Evangelho, compreendem o espírito desta passagem: - Tu viste, Tomé, e creste; felizes os que não viram e creram. (1)

            (1) João, Cap. XXI, V. 29.       

            Sim, porque verdade é que a crença não se improvisa. Bem ponderada, ela não é, tão pouco, resultante da educação ou do meio, embora não deixe de lhe sofrer as influências. E a prova aqui está, somos nós mesmos, os que aqui acorremos transfugidos de outros credos.

            A crença é, sim, patrimônio substancial do Espirito; mas não se forma, nem se consolida, nem se dilata arbitrária, tumultuariamente, no transcurso de uma existência singular, fugacíssima, ao embate de paixões e vicissitudes só por só humanas. A crença é dádiva da Suprema lnteligência, que a criatura conserva, desenvolve, acumula em etapas sucessivas no mundo real da espiritualidade sem fronteiras, porque infinito como o próprio Deus.

            Daí, o não crer quem quer, mas quem pode.  Dai, os matizes policromos das crenças religiosas, que correspondem, à luz de superior critério e no dizer dos Espíritos elevados, ao nível moral e intelectual das épocas em que abrolham para a Terra.

            Consenti vos falemos de nós, relatando a nossa conversão ao Espiritismo, ainda porque este fato tem aplicação de atualidade, precisa ser divulgado neste momento em que, para os corifeus da ciência oficializada, parece constituir crime o procurar aliviar ou levar por meios não oficiais a cura aos enfermos.

            Ignora essa gente, no seu misoneísmo (repulsa a tudo o que é novo ou contém novidade) clássico, o que diz o Dr. Gustavo Geley da mediunidade curadora ... (1)

            "La médiumnité curative mérite d'être serieusement étudiée. Certains sujets semblent capables d'exterioriser partie de leur propre dynamisme vital pour reforcer le dynamisme vital défaillant des malades. De Ià des cures surprenantes et qui dépassent même, peut être, Ie cadre das maladies nerveuses." (*).

            (1) ‘Do Inconsciente ao Consciente’, pág. 261.

            (*) A mediunidade curadora merece ser estudada a sério . Há indivíduos que parecem capazes de exteriorizar uma parte de seu próprio dinamismo vital para reforçar o desfalecente dinamismo vital dos enfermos. Daí, as curas surpreendentes, que ultrapassam, talvez, o quadro das moléstias nervosas.

            E ultrapassam. Nós - afirmamo-lo à fé do nosso passado e desafiando todos os teoristas a que nos desmintam - nós fomos desenganados da medicina oficial, dessa ciência que presume curar e cura, mas que também pode matar e mata, às vezes, sem peias nem responsabilidades definidas.

            Admirador incondicional, então, dessa ciência orgulhosa e cética, corrosiva das melhores energias da alma, depois desse desengano cruel, em plena floração de mocidade aberta a todas as esperanças da vida, não encontramos, nem poderíamos encontrar mais que uma solução logica e digna - o suicídio, o aniquilamento absoluto, o nada enfim.

            À mesma conclusão chegou Schopenhauer, por tudo atribuir á vontade. Era a vontade que criava a representação; era a representação que criava o mundo: portanto, aniquilamento da vontade, finalidade do mundo: - finis coronat opus. (os fins justificam as obras)

            Mas, dizíamos, estávamos na iminência de cometer o maior dos crimes perante Deus e perante nós mesmo. Agora de sobra o sabemos. Eis senão quando, encontramos um amigo (Antonio Gabriel Ferreira, hoje na espiritualidade) que, compadecido da nossa ruína orgânica, nos aconselhou recorrêssemos a um médium...

            Um médium?! Era o espanto e era o riso do idiota de que fala Bonnemère, e não trepidamos em tachar como tal o portador ocasional da esmola divina, que haveria de trazer-nos a salvação relativa do corpo e a cura definitiva da alma.

            Sem embargo do conceito estulto, quem sofre sofre, e a dor ainda é o melhor patrimônio do espírito, neste planeta de reparação.

            Diderot já o dizia: "Só vivemos entre dores e lágrimas", Mas Diderot não apreendia, certo, os benefícios dessa dor que pule, faceta, burila a inteligência; que molga (molda?), quebranta (quebrar, abater, arrasar), aniquila o orgulho e prepara a criatura para a compreensão dos seus destinos superiores.

            Foi assim que, tangido pela dor, procuramos o Dr. Dias da Cruz, (este ainda entre nós) porque ouvíramos dizer que ele era espírita. E monologávamos: se nos não curar como espírita, poderá fazê-lo como médico homeopata, posto que já houvéssemos também recorrido ao grande Joaquim Murtinho - grande médico, porque grande médium intuitivo, e que por isso detinha aquela precisão no diagnosticar.

            Ao consultório do Dr. Dias da Cruz chegamos na impetuosidade do desespero, qual náufrago que tenta a última tábua de salvação, e lhe dissemos: - Doutor, não sei o que tenho. Não quero exame, nem diagnóstico, que os tenho e muitos - cada cabeça, cada sentença...  O que eu quero é tratar-me pelo Espiritismo.

            Austero mas bondoso, o facultativo sorriu iluminadamente e respondeu: - Meu amigo, sou médico e espiritista, trato pela medicina e creio em Deus; mas, uma vez que se quer tratar pelo Espiritismo, o que lhe cumpre é recorrer a um médium idôneo.

            - Mas o senhor fala-me grego: que vem a ser "médium"?

            - Um homem que tem a faculdade de receber as receitas dos Espíritos.

            E nos indicou, então, desinteressadamente, aquele benemérito e saudoso companheiro, que também respondeu a processo da Saude Pública - o caridoso, o modesto, o abnegado ser que entre os homens se chamou Domingos de Barros Lima Filgueiras. Fomos procura-lo à rua Álvaro nº 6, levando-lhe o nosso papelucho (uma dessas tiras que tanto incomodam e sobressaltam o academicismo oficial).

            Recordemos: Filgueiras habitava mais que modesta vivenda. A frente, um terreno raro pontilhado de raros arbustos. Nesse terreno, ao cair do crepúsculo, premiam-se vinte ou trinta pessoas humildes, gente do povo, os coxos e estropiados do Evangelho, seriam...

            Eram os consulentes do taumaturgo e nós (oh! vergonha das vergonhas) colgados à nossa cegueira moral, roídos da gafeira (doença dos olhos) da alma, que é o ceticismo, ao vermos aquele punhado de criaturas, rotas umas, descalças outras, grandes, porém todas, na sua fé, monologamos pedante:

            - E é isto o Espiritismo! Triste coisa a bruxaria ...

            Enfim, ali estávamos. Entregamos o papelucho. Filgueiras não aparecia aos consulentes. Tinha dois filhos que se encarregavam de arrecadar as receitas e distribuí-las com os medicamentos, porque também os dava a quem pedia.

            Após meia hora de duvidosa expectação, ouvimos gritarem nosso nome e recolhemos o papelucho, confessemos, envergonhado de ali nos encontrarmos naquela patuleia (gente pobre).

            Mas, oh surpresa! (e vede como é grande tudo isto) é possível que a outras inteligências e a outros corações estas coisas não abalem, mas a nós elas falaram definitivamente: Fosse o diagnóstico dos males de que sofríamos, fosse a indicação da data da infecção que os originara, ficamos assombrado. Todos os nossos castelos filosóficos, todas as nossas teorias monísticas ruíram fragorosamente! Como poderia aquele homem que não nos viu, que nos não conheceu, saber os antecedentes, precisar detalhes da nossa vida?

            Excogitamos o mistério e acabamos por concluir que devíamos conhecer o super-homem, cujas virtudes miríficas cresciam na proporção das melhoras que experimentávamos com suas aguinhas.

            Calculai, agora, o dobrado espanto quando, logrando aproximar-nos desse homem, em vez de um douto encontramos um simples, em vez de um sábio um bom, mas dessa bondade que transluz e edifica, porque é essência de fé, não simulacro de fé.

            E quando pretendíamos relatar-lhe a odisseia da nossa terapêutica falida, enaltecendo -lhe os méritos de apóstolo, respondia:

            - Não; está enganado, eu nada sou, nada sei, nada valho; agradeça a Deus a sua cura ... Senhores! hoje, o tuberculoso, o cardíaco, o hepático, o sifilítico, o condenado de há vinte e tantos anos está diante de vós para afirmar a veracidade deste fato e de muitos outros que hão de mau grado a filaucia (amor próprio; egoísmo;  vaidade), as presunções escolásticas, aos interesses contrariados, fazer a felicidade do homem na Terra.

            Temos de falar de fenômenos que vimos, ouvimos e palpamos; mas fenômenos que aberram, por transcendentes e invulgares, de todas as teorias clássicas e correntes.



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