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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

82. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




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XII       O Espiritismo, revelação divina que é, testemunha a ação de Deus, por seus mensageiros, nos destinos do mundo. O Consolador, ou Espírito de Verdade, prometido pelo Cristo. Necessidade de uma renovação religiosa. Os três aspectos fundamentais, do Espiritismo. O Brasil e a nova era.


            Do que ficou exposto nos precedentes capítulos resulta que a vida, em sua tríplice expressão - física, intelectual e moral, ou planetária, mental e espiritual - se desdobra, não decerto ao sabor do acaso, ou de forças inconscientes e cegas, como em última análise o pretendem as escolas negativas c materialistas, mas segundo um plano preconcebido e majestoso que - já o dissemos - pode ser expresso nesta palavra: evolução. Do zero ao infinito da escala, os seres com as suas formas e os mundos com as suas humanidades, todas as coisas visíveis como o substrato invisível que as anima, tudo progride, se transforma e evolui, sempre no sentido de uma perfectibilidade cada vez mais alta e tendo como final objetivo reunir-se a sua Causa, que é Deus, de quem tudo procede, em quem tudo vive e, em cuja eterna glória são chamados a confundir-se todos os espíritos, sem perda contudo da individualidade, como nas páginas finais deste trabalho nos reservaremos demonstrar.

            Uma só é assim a fonte da vida física de que se alimentam os seres, uma única a Inteligência, que em todas as inteligências fracionarias se reflete, uma finalmente a Bondade perfeita em que bebem e hão de perpetuamente haurir estímulos e exemplos as aspirações de bondade, latente ou patenteada em toda criatura . Partindo, pois, da vida física, preparatória inicial, em contado com as forças vivas que nela operam, o que os seres buscam imediatamente é o desenvolvimento da inteligência, solicitada pelo espetáculo da fenomenalidade exterior; mas o objetivo superior, definitivo, a que são encaminhados é - não precisamos recordar que percorrendo ciclos graduais, sucessivos e ascendentes - a realização da bondade, em que culmina a evolução. Na primeira fase, despertam e afirmam-se os instintos, propriamente inferiores tendentes à conservação do indivíduo, como da espécie:
na segunda, predomina a inteligência que, à medida que se esclarece, os vai retificando e submetendo ao império da razão, e por último a natureza divina desabrocha e, mediante a conveniente educação e disciplina, acaba por absorver e transmudar no instinto superior do bem moral as capacidades precedentes.

            Ora, se a ação divina, como o procuramos anteriormente demonstrar, se faz sentir por seus órgãos próprios, isto é, pelos espíritos prepostos, em todas as esferas da criação e em todas as manifestações da vida, de que é o oculto e supremo propulsor; se, no referente às conquistas da civilização e do progresso, no duplo sentido material e intelectual, se exerce com o concurso de todos os homens de boa vontade, consoante a vocação de cada um, no domínio das letras, das artes, das ciências, em suas modalidades e aplicações variadíssimas, é sobretudo no domínio moral e religioso que, por mais importante, prepondera.

            É por isso que, enquanto os progressos em todos os ramos da atividade intelectual humana se efetuam com uma espécie de continuidade que lhes não permite separar e distinguir as fases, a evolução religiosa, posto que lenta e a intervalos, se afirma acentuadamente, cada Revelação dessa natureza assinalando uma época e não somente marcando o início de uma nova ou renovada civilização, mas suscitando os ideais que lhe vão constituir os fundamentos e em torno dos quais serão daí em diante chamados a gravitar os esforços e aspirações das coletividades com o seu anúncio beneficiadas. Mais ainda: em cada um desses períodos cíclicos de revelação religiosa, como a dar ostensivo testemunho da intervenção da Providência -em tal sentido, surge sempre um grande missionário, pregoeiro das eternas verdades que, da parte de Deus, veio a tornar-se necessário transmitir aos homens .

            Aludimos - é claro - a épocas relativamente próximas, de cujo movimento de iniciação religiosa subsistem documentos escritos; porque, se houvéssemos de remontar às origens desse movimento, em busca de uma primitiva Revelação natural, surgida no berço das primeiras raças povoadoras do planeta, sobre excedermos os limites deste trabalho e de nossas possibilidades pessoais, teríamos que renunciar a toda pesquisa de cunho positivo, perdidos que se acham na bruma das idades os vestígios de remotas civilizações conjecturais, que uma vaga tradição localiza no continente africano. Recorrendo mesmo às fontes eruditas, nenhum documento se encontra anterior aos Vedas, cujos livros sagrados, em forma ele hinos, são os mais antigos de que há notícia.

            Para o fim, bem mais modesto, que nos propomos, baste-nos mencionar as grandes figuras de fundadores e reformadores de religiões: a cujo aparecimento e atuação no cenário do mundo bem se pode aplicar a palavra do inspirado apóstolo no sentido de que "Deus jamais se deixou sem testemunho." Tais foram, por exemplo, Çakia-Muni, ou Gautama (o Buda), e Krishna na Índia, Confúcio na China, Zoroastro na Pérsia e Moisés entre os hebreus, sobre esses eminentes vultos pairando, com soberano relevo, pela absoluta pureza e santidade de toda a sua vida, a doce e inconfundível figura do Cristo, no dizer dos próprios orientalistas, "o Divino Instrutor dos anjos e dos homens. "

            Recentes pesquisas e trabalhos de vulgarização, tendentes a tornar conhecidas no ocidente as doutrinas filosóficas e religiosas professadas no oriente, sob os nomes de Vedanta e Induísmo, posterior fusão do Budismo e Bramanismo antigos, e sobretudo a propaganda, com intuitos de proselitismo e mediante um largo programa de aproximação, empreendida pela Sociedade Teosófica, vieram pôr em evidencia, com os pontos de similitude ou de contato existentes entre essas várias doutrinas, a unidade de pensamento que a todas parece haver presidido, o que é tanto menos de admirar quanto não somente uma única é a Fonte da eterna verdade absoluta, de que derivam todas as verdades parciais cognoscíveis pelos homens, como sendo um mesmo, de sempre, o Instrutor do mundo, as sucessivas revelações que, sob a sua direção, a ele tem baixado, haviam de forçosamente guardar, pelo menos em suas linhas gerais, o cunho de identidade originária.

            Sem desconhecer a utilidade das tentativas de aproximação a que aludimos, quer no sentido de favorecer o estudo comparativo das religiões, quer no de contribuir para a grande obra de unificação, que se aproxima, das crenças religiosas da humanidade, na qual, pela amplitude e tolerância de seus objetivos, vem colaborar o Espiritismo, não nos deteremos contudo em analisar esse paralelismo doutrinário, tarefa que cedemos de bom grado aos eruditos, para nos cingir, consoante o plano desta obra, a estabelecer a filiação direta, por assim dizer, histórica do Espiritismo, buscando os elos por que se prende às revelações que o precederam.

            Para isso não precisamos nos afastar do ponto de vista em que se colocou Allan Kardec, não porque desconhecesse a anterioridade do movimento religioso operado no oriente, mas, porque, considerando a limitação de sua órbita expansiva, circunscrita àquela região, entendeu que, sendo o Espiritismo a terceira das grandes revelações destinadas a influir ostensiva e decisivamente na civilização ocidental, não havia necessidade de remontar além daquela que se caracteriza, na ordem de sucessão progressiva, como o seu ponto de partida.

            Assim apreciando o assunto - e esse é também o critério que preferimos adoptar - estabeleceu ele (1) na fórmula Moisés - o Cristo - o Espiritismo o desenvolvimento gradual dessas revelações, cada uma das seguintes contendo a ampliação e, ao mesmo tempo, a retificação da precedente, naquilo que houvesse porventura sido adulterado pela colaboração dos homens.

            Há, ainda, para legitimar a coordenação logicamente feita por Allan Kardec, uma dupla circunstância indicativa do vinculo de similitude e, mais que isso, de solidariedade que prende essa mutuamente confirmativa trilogia doutrinaria. Não é apenas o fato de, em cumprimento das profecias que o anunciavam, ter sido entre os hebreus que baixou pessoalmente o Cristo, conforme a sua palavra, "não a destruir a Lei, senão a dar-lhe cumprimento," do mesmo modo que o Espiritismo surge entre os povos cristãos, a cumprir as promessas de Jesus, restabelecendo e confirmando os seus ensinos: é em primeiro lugar a intervenção ostensiva do mundo espiritual, isto é, dos seres de diferentes categorias que o povoam, quer em toda a acidentada história dos israelitas, assistindo e inspirando desde Moisés aos últimos profetas, quer operando em torno e sob as ordens do Cristo, em todo o curso de sua missão messiânica e, mesmo depois, junto aos apóstolos e discípulos, médiuns que eram de várias aptidões ou faculdades, quer finalmente no Espiritismo, em que essa colaboração do Alto adquire, com a máxima plenitude, o cunho de uma universalidade e constância que vem a constituir a sua feição preponderante e, em segundo lugar a índole eminentemente democrática dessas revelações, dirigidas ao povo e não aos privilegiados de qualquer categoria, caracterizando-se por isso os seus ensinamentos pela simplicidade e clareza que os torna acessíveis aos de menos culta e desenvolvida inteligência.

            É certo, no que se refere ao Mosaísmo, que nem sempre foi mantida a instrução religiosa do povo dentro dos rígidos e singelos preceitos do Decálogo, em seus desenvolvimentos naturais, nem foi a doutrina preservada de modificações tendentes a despojá-la de seu cunho originário, antes, à medida que declinava o "profetismo," e sobretudo nos dois séculos que precederam o advento do Messias, uma doutrina esotérica, sob o nome de Cabala, se foi paralelamente instituindo, reservada unicamente a iniciados e contendo a filosofia religiosa dos hebreus; mas não é menos certo que o ensino popular subsistiu sempre, ministrado nas sinagogas, com a modalidade particular do livre comentário, como se evidencia do fato de ter sido Jesus, aos doze anos, admitido a ler, no Templo, as Escrituras e as discutir com os mestres de Israel, fato que se repetiu, já no curso de sua missão, quando em Nazaré, penetrando na sinagoga, leu e comentou o livro do profeta Isaías, na passagem referente à sua própria vinda (1) .

            (1) Lucas, IV, 16 a 21.

            E se, por outro lado, esse mesmo ensino das verdades religiosas viera a declinar, sobrepondo-se-lhe as práticas materiais do culto, que os escribas e fariseus se empenhavam em desenvolver - tal qual ocorre em nossos dias - pelos proventos que daí lhes resultavam, a vinda de Jesus teve exatamente por fim, com a libertação do povo desse jugo obscurecedor, o restabelecimento da Lei na pureza original de seus preceitos, a que viera trazer a oportuna ampliação.

            A cerca também do Cristianismo, pretendem certos exegetas atribuir a Jesus um duplo ensino, esotérico para os discípulos e iniciados, exotérico para as multidões. Sem dúvida, o Divino Mestre empregava frequentemente as alegorias e parábolas, adaptando assim a sua linguagem ao imaginoso estilo oriental, antes, porém, com o intuito, de um lado, de tornar mais acessíveis, por objetivos e, de alguma sorte, materializados, os seus ensinamentos à inteligência popular, do que no de lh'os subtrair, a não ser nalguns casos restritos e por um certo tempo, e do outro para estimular os estudiosos a um maior esforço meditativo e de compreensão.

            Os que afirmam essa instituição de uma doutrina secreta, que, entretanto, não podia estar nas intenções d' Aquele que viera anunciar, de preferência, o Evangelho aos pobres (1), e que a uma simples mulher do povo, como a Samaritana, renegada da ortodoxia judaica, ensinava abertamente um dos mais altos princípios - a natureza espiritual de Deus e a universalidade do culto que identicamente lhe deve ser prestado - pretendem basear-se em algumas passagens do Evangelho, como por exemplo aquela em que, interrogado pelos discípulos acerca do motivo por que falava em parábolas à multidão, tendo precisamente acabado de referir a do Semeador (2), lhes respondeu: "Porque a vós outros vos é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é concedido. "

            (1) MATEUS, XI, 2-6; LUCAS, VII, 18-23.
            (2) MATEUS, XIII, 10-12 e segs.

            Esquecem, porém, tais exegetas, em primeiro lugar, que o Evangelho é um todo unido e solidário e que, assim, para o seu perfeito entendimento é indispensável buscar, pela aproximação, a concordância das passagens que se completam, elos que são de um mesmo pensamento, em lugar de o mutilar pelo isolamento fracionário, e em segundo que Jesus não se podia contradizer, pois que, se de um lado e em determinado momento fez intencionalmente restrições como a que acabamos de indicar, do outro, ao dar instruções aos discípulos para o exercício do ministério de que os investia, expressamente lhes recomendava (MATEUS, X, 27): "O que eu vos digo às escuras, dizei-o às claras, e o que se vos diz ao ouvido, publicai-o dos telhados."

            Não está aí evidente o cunho de vulgarização e de clareza que o Cristo estabelecia para a sua doutrina, sob essa condição destinada a perpetuar-se e evoluir indefinidamente? 

            Cumpre, em terceiro lugar, não esquecer que a função didática do Cristo, dada a exiguidade do tempo em que a exerceria - não mais que três brevíssimos anos - era por natureza sintética e que assim, podendo apenas instruir previamente os discípulos, espíritos adiantados por ele escolhidos para tal fim, como os mais aptos depositários do seu pensamento, a estes caberia ser os continuadores de sua missão, transmitindo aos povos os ensinos do Mestre, não somente em sua forma alegórica e figurada, mas acompanhados das explicações que a todos tornariam possível o seu claro entendimento. Não é assim que vemos,  no mesmo corpo doutrinário do Evangelho, que ulteriormente veio a circular, por cópias, nas comunidades cristãs, como objeto de estudo e meditação dos novos convertidos, ao lado das parábolas, em que Jesus falara ao povo, a explicação complementar que as esclarece, toda vez que, solicitada pelos discípulos, como o haviam feito em relação a essa mesma do Semeador, lhes fora ministrada pelo Mestre?

            Por isso vínhamos dizendo que as restrições, em alguns casos estabelecidas por Jesus, o foram por um certo tempo, isto é, até que, despertado pelo anúncio da Boa Nova o gosto das coisas espirituais, afluíssem as legiões de crentes ao estudo dos ensinamentos que enfeixava e que, portentosa luz do Alto projetada, não deveriam ser postas "sob o alqueire (1)," mas publicados para edificação de todos .

            (1) Mateus, V, 15.

            Nesse estudo, feito nas comunidades cristãs e acompanhado dos exercícios de recolhimento e prece que comporta, sob a vigilância e direção das elevadas entidades
do invisível com o fim de proporcionar aos adeptos o domínio da mente e o desenvolvimento da intuição, tal como vem, a seu turno, renovar o Espiritismo, é que consistiam as práticas ou métodos iniciáticos destinados a facultar um conhecimento dos princípios transcendentes da doutrina, tanto mais profundo quão mais se fossem adiantando em perfeição os seus cultores, não porém mediante a instituição de hierarquias convencionais entre eles, nem dividido em esotérico e exotérico o ensino, mas ao contrario mantido em sua feição democrática, sem arbitrárias  exclusões.

             Foi o que não compreenderam e, menos (ainda  se dispuseram a fielmente observar os posteriores depositários do divino legado (1), que as vicissitudes trazidas pelos séculos, sobretudo após a invasão, na Europa, dos bárbaros do norte, e a intromissão do espírito de orgulho e de domínio no ministério sacerdotal terminariam por converter num amontoado de práticas devocionais e suntuárias, que são a antítese completa da espiritualidade e singeleza que, em seu berço e nos primeiros séculos de apostolado humilde e pobre, o caracterizaram.

            (1) Referimo-nos propriamente à igreja católica, abstendo-nos de apreciar aqui as tentativas de ecletismo ou, melhormente, de aristocratização do Cristianismo, representadas nos sistemas que, sob os nomes de Gnosticismo e de Neoplatonismo, floresceram de fins do 1º ao VI século e de cuja tradição doutrinária ainda subsistem vestígios em algumas seitas filiadas ao Ocultismo .


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