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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Finados



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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Epitáfio Reencarnacionista



Epitáfio Reencarnacionista
Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)
Reformador (FEB)  Janeiro 1963

            Benjamim Franklin foi um homem extraordinário. Teve papel preponderante em sua época, foi um dos fundadores da independência dos Estados Unidos, embaixador a quem coube negociar com Luís XVI a aliança de seu país com a França. Além disso, foi físico e publicista, tendo sido o inventor do para-raios. Poder-se-ia discorrer mais demoradamente sobre a personalidade desse homem admirável, otimista e crente no bom destino do homem que sabe respeitar seu semelhante e cumprir os seus deveres com dedicação e eficiência. Outras invenções deixou como atestado da sua inteligência e do seu grande poder de imaginação.

            Era dado também a estudos filosóficos e acreditava piamente na reencarnação, num tempo em que se tornava perigoso admitir ou defender ideias contrárias ao dogmatismo ultramontano.

            Deixou para que pusessem na lápide de seu túmulo as seguintes palavras, que constituem, não apenas uma definição, mas, sobretudo, uma profissão de fé:

EPITÁFIO
Aqui jaz, entregue aos vermes,
como um livro roído pelas traças e
já sem as Iombadas lavradas de sua
capa, o corpo de Benjamin Franklin,
livreiro, que há de voltar em
edição nova e melhorada.

            Examinemos, ainda que perfunctoriamente, esse epitáfio simples e profundo em sua significação, claro e extenso em seu sentido espiritual.

            Realmente, o corpo humano, gasto, velho e ineficiente, depois de anos e anos de lutas e provações terrenas, parece, realmente, um livro roído pelas traças. A fisionomia enrugada e sem o brilho da juventude, a boca desfalcada de dentes, os olhos murchos e embaciados, são como que a lombada ricamente lavrada da capa esfacelada pelo uso.

            Benjamim Franklin, genial em outras manifestações do seu espírito, o foi também ao escrever esse epitáfio reencarnacionista. Tão reencarnacionista que ele afirma que "há de voltar", mas "em edição nova e melhorada", isto é, com o seu espírito mais fortalecido e aprimorado pela experiência adquirida na encarnação que se extinguia.

            Não parou, todavia, aí, a notável expressão de beleza moral desse homem magnífico e magnânimo. Em vez de lembrar a sua condição de homem de Estado, de físico eminente, ele apenas mencionou "Benjamim Franklin, o livreiro". Modestamente, o "livreiro"... Isto demonstra mais uma faceta da sua personalidade forte e espiritualizada.


domingo, 13 de abril de 2014

Emoção e Raciocínio


Emoção
e Raciocínio
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Maio 1962

            Para distrair-se, ao longo da praia, o viajante se contenta com leve e frágil canoa de madeira; contudo, na travessia do mar, requisita o concurso do aço, na sustentação dos grandes navios.

            A fim de tão somente alfabetizar-se, o estudante roga apenas algumas semanas; no entanto, para senhorear os recursos especializados de uma profissão liberal, gasta quase toda a existência.

            Para alimentar-se, no espaço de algumas horas, a criatura pode valer-se da alface de poucos dias; mas, se deseja apoiar a oficina em que se educa, solicita o favor da peroba que exige muitos anos para desenvolver-se.

            A fim de brincar num circo, o homem utiliza estacas, à flor da terra, em galpões de emergência; entretanto, ao erguer a casa de moradia, recorre ao prestígio da pedra, na garantia dos alicerces.

            Viver bem, segundo a emoção, na superfície das coisas, é atividade comum.

            Viver para o bem, na profundeza do raciocínio, é obra de raros.

            Arma-te de energia, se aspiras a vencer a sombra em ti mesmo.

            Ninguém constrói caminhos de paz e luz, sem a firmeza da fé sobre a constância da paciência. 

sábado, 5 de abril de 2014

O Pensamento de Hermínio Miranda



Extratos do artigo ‘Lendo e Comentando’ de

Hermínio Miranda
publicado em Reformador (FEB) em Setembro 1963



            "A essência da verdade espiritual ... está em que ela é sempre aprovada no teste da razão." "Nada do que se origina das mais altas fontes da vida, seja recebido através do misticismo ou da mediunidade, é um insulto à inteligência. Essa tem sido, na verdade, a marca da sua origem divina."

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            "A teologia, tão amiúde confundida com a religião, leva a amargas disputas e até a conflitos fratricidas, nos quais os participantes demonstram tudo, menos o amor que proclamam ser a essência de sua religião." E o pior é que "ambos os contendores apontam para a mesma Bíblia, mas citam textos que se opõem, em apoio de suas doutrinas individuais".

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            ... nada mais indicado para enfraquecer uma organização religiosa que a dissensão interna, pois que, se não se podem entender e conciliar-se intramuros, como é que terão serenidade e segurança para responder aos argumentos contrários que vêm de fora?

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            ... o campo da teologia é árido e estéril. Tem uma superestrutura que recobriu a inspiração originária e a sepultou de maneira irreconhecível."

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            ... onde estão os William Crookes de hoje? Há realmente muita pesquisa de interesse a fazer e a Ciência, de modo geral, parece ter assumido uma atitude de universal indiferença pelo problema transcendental da existência do Espírito e sua sobrevivência. A atitude oficial é a de que essas questões já se acham de muito resolvidas e nada mais existe nelas que possa interessar a um cientista digno do seu nome. Vemos, entretanto, da experiência do passado, que muitas vezes a Ciência tem retomado questões que pareciam inteiramente resolvidas. Foi preciso, por exemplo, a tenacidade de Galileu para sacudir o tranquilo conformismo dos "sábios" da época, para os quais a Terra, além de fixa, era o centro incontestável do Universo. Para aqueles "cientistas" o problema estava encerrado e nada mais havia nele que pudesse ser reexaminado.

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            "As dificuldades são parte integrante da experiência terrena; é banal, mas verdadeiro, que a maneira pela qual você as enfrenta é o que importa, e não as dificuldades em si mesmas. É o modo pelo qual a alma encara o problema que é importante, não o problema. Este passará, mas a alma permanecerá para sempre."

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             Num artigo destinado a discorrer sobre a grandeza de Deus, que é, na sua feliz expressão, a essência de tudo quanto existe, introduz o Major Ripley Webb um conceito que, pelo menos para mim, pareceu inexato. Diz ele: "Sem Deus, somos incompletos - o que está certo - e sem nós, Deus é incompleto" - o que, em minha opinião singela, é inteiramente falso. A aceitar essa ideia, teríamos um Deus limitado em seus poderes, irremediavelmente dependente da sua própria criatura. Basta isso para retirar-Lhe atributos inalienáveis à ideia de Deus. Essa história de discutir Deus e procurar defini-lo é muito arriscada e acaba fatalmente no que se chama em inglês um "dead end", isto é, um beco sem saída.

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            Que adiantaria a Einstein - ainda que estivesse para isso preparado - ensinar a teoria da relatividade ou a do campo unificado, ao tempo de Demócrito? A Humanidade caminha por estágios suaves e lógicos, assentando cada avanço sobre as bases das conquistas já consolidadas. Esse processo de amadurecimento é lento mas seguro, e se somente agora atingimos um estágio de maturidade que nos credencia a receber verdades mais profundas é porque, no passado mais ou menos distante, estávamos numa espécie de infância espiritual, em que apenas éramos solicitados a crer, mas ainda não tínhamos alcance intelectual para raciocinar sobre os pontos principais da nossa fé, nem mecanismo cultural e cientifico para investigar lhe as origens e sua validade filosófica.

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            O que interessa, para o foro íntimo de cada um, não é seguir a opinião da maioria, nem dobrar-se ao desejo ou à imposição dos grupos e sim aceitar livremente aquilo que lhe parece aceitável e recusar sistematicamente aquilo que sua razão não pode admitir. Do contrário, não seremos criaturas pensantes, dotadas de livre arbítrio, isto é, de capacidade de escolha: apenas nos deixaremos levar pela correnteza que melhor condiz com a nossa maneira de ser, por comodismo, por indiferença, por medo de investigar a verdade e topar com uma resposta que não seria a que melhor conviesse aos nossos próprios interesses.

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            Afinal de contas, somos Espíritos e não simples figuras animadas de matéria densa, com uma vaga sensação ou esperança de sobrevivência. Sobrevivemos de verdade, como está abundantemente provado. Não só isso; também preexistimos e renascemos. Essas noções não podem mais ficar na obscuridade, porque a ignorância, acerca da sua própria natureza espiritual, está levando o ser humano a um ponto morto na escala evolutiva: a criatura que desconhece o mecanismo do seu próprio Espírito, como pode situar-se nesse imenso plano divino que é a Criação? Como pode crescer espiritualmente, entender os objetivos da vida, ajustar-se aos problemas que se lhe atravessam no caminho, vencer as dificuldades que surgem?







quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Universo da Alma



O Universo da Alma
(Pequenos aspectos de nossa psicologia profunda)
Manuel Pedro Victorino do Rosário
Reformador (FEB)        Abril 1978

            No recesso mais íntimo do nosso ser oculta-se a plenitude da vida. Essa vida, da qual pouco sabemos, transcende a tudo o que os meios sensoriais nos facultam imaginar. Tem algo assim como o contínuo quadridimensional einsteiniano, onde os acontecimentos se sucedem em meio diferente, fora da nossa esfera habitual de percepção. Isto não parecerá estranho se atentarmos para o fato de que somos observadores imperfeitos da Criação, sobretudo em seu setor maior, ou seja, no terreno das coisas espirituais.

            Com efeito, o quadro do desconhecido aí se desdobra em amplitudes muito mais vastas.

            Quase todos os psicólogos modernos são acordes em afirmar a estreiteza das percepções conscientes, ao mesmo tempo em que não hesitam em proclamar o subconsciente como o repositório infinito da alma. É ele o prodígio da natureza humana e, quiçá, da sabedoria divina. O subconsciente não precisa pensar porque já sabe. A segurança dos seus atos revela a inexistência de qualquer esforço imaginativo. Não consome espaço nem tempo para se manifestar porque atua fora dos meios físicos e são estes, justamente, que nos proporcionam tais sensações. Não ocupa lugar algum porque isto é atributo exclusivamente material e o subconsciente é a fina essência do psiquismo. Não tem uma extensão propriamente dita e, no entanto, ultrapassa os limites de todo o concebível quando se manifesta em rasgos de genialidade sublime.

            Tais são alguns dos atributos dessa faculdade sem tamanho e sem forma, mas onde tudo cabe e tudo existe desde tempos imemoriais, quer admitamos a herança psíquica através do plasma germinativo ou apelemos para o velho e mais lógico conceito reencarnacionista, que dá à individualidade um cunho todo independente, evoluindo e se aperfeiçoando na matéria.

            Dir-se-á que tudo isto é absurdo, que uma coisa, desde que exista, tem que ocupar lugar, possuir tamanho, mover-se no espaço e no tempo, etc. Isto é verdade, sim, mas do ponto de vista puramente nosso, para a nossa perceptibilidade tacanha e imperfeitíssima. Hoje, todavia, sabe-se que o nosso raciocínio é falho quando tenta explicar certos aspectos da criação, chegando-se, como consequência, à conclusão de que o universo físico é muito diferente do que pensávamos. Que este, em sua contextura real, complica-se extraordinariamente em dimensões espaciais que exorbitam as três que conhecemos. E estudos recentes deixam entrever que complexidade ainda maior possui o meio interno onde atua, vibra e sente a personalidade, ou seja: o universo da alma.

            De fato, ninguém até hoje conseguiu explicar o mecanismo da dor e da tristeza, do ódio e do amor, da virtude e da inveja. Esses sentimentos, como todos os outros que fazem da alma humana o mais variegado de tudo quanto existe, dizem, povoam o nosso mundo interior, jazem nas profundezas do subconsciente, que é considerado a zona instintiva do ser, sede dos impulsos automáticos e das criações espontâneas, que grava com fidelidade indefectível as impressões recebidas. O passado, o presente e o futuro existem intactos nesse universo anímico, mas de modo imaterial, isto é, sem ocupar lugar. Sim, também o futuro, pois fatos observados têm revelado que a mente humana possui faculdades supranormais com poderes de observar acontecimentos porvindouros, ainda não ocorridos!

            Sabe-se que tudo isto é verdade inconteste, mas até hoje, repitamo-lo, ninguém conseguiu explicar satisfatoriamente o mecanismo psíquico de tais coisas, ou melhor, de que maneira elas ocorrem no espírito.

            Dizer que cada uma das nossas faculdades situa-se em regiões determinadas do cérebro é verdade equivalente à função do instrumento musical, em que cada chave representa uma nota, não sendo, porém, a nota, em si, a chave do instrumento, nem se encontrando onde a chave do instrumento está.

            O cérebro, esse aparelho complicadíssimo, é órgão de manifestação do Espírito e não o mesmo Espírito, mais complicado ainda. E quando sabemos que por meios puramente introspectivos se chegou à descoberta de leis universais, produto do gênio quase sempre após um período mais ou menos longo de inquirição interior, compreendemos que o nosso conteúdo anímico é bem mais vasto do que supúnhamos e que em nossa natureza profunda, subconsciente ou ultraconsciente, tudo já existe, de forma perfeita e acabada, inclusive fatos que ainda estão por acontecer. Isto já bem sabia o Dr. Serge Voronoff ao afirmar que a mente humana contém, potencialmente, todo o segredo do universo. Ampliando, poderíamos acrescentar que existe uma identidade perfeita entre o mundo interior e a realidade externa. O que se encontra por dentro é como o que está por fora, diríamos ainda numa linguagem profana.

            Por certo, voltamos a insistir, não entendemos semelhante verdade. Difícil, porém, seria negá-Ia.

            É muito habitual, numa hora qualquer, num desses dias comuns em que o vazio enche a nossa existência, querermos, para quebra da monotonia, escrever ou criar alguma coisa. Às vezes, tudo será em vão porque a nossa mente, de uma relutância única, resiste tenaz e até furiosamente a todo e qualquer esforço criador. Sobre a mesa, lápis e papel esperam inutilmente que de nossas mãos saia alguma frase, algum período coordenado. É provável que lá fora soprem brisas primaveris e cantem regatos cristalinos. Nossos ouvidos, porém, nada nos dizem da conexão melódica tecida a cada instante, a toda hora, pela amena protofonia da Natureza. Tudo em nós é apatia, languidez, mal-estar. Mas eis que, de repente, nas profundezas do ser, alguma coisa se agita, invade e domina a personalidade
externa. Vibram os centros nervosos e, em borbotões, sem esforço, numa fração mínima de tempo, afluem as ideias com impetuosidade tal que força alguma poderá detê-las. Mudou-se o quadro dos acontecimentos, a vida é bela porque, nesse momento, está sendo observada em seu prisma real pelo homem divino, transcendente, que é o homem real.

            Quando isto ocorre, por absurdo que pareça, mergulhamos nas profundezas das coisas e a Natureza, que era tão obstinada e ciosa de seus segredos, entrega-nos, com suave meiguice e incrível docilidade, uma parte do seu mistério. Todos os gênios conheceram bem tais momentos de plenitude interior. Dobrados sobre si mesmos,
contemplaram, por via inversa, as grandes realidades cósmicas que trouxeram à tona sob a forma de criação artística ou equação matemática.

            Todavia, para escrevermos sobre assunto como este, faltam-nos conhecimentos maiores. Carecemos ainda de meios próprios para exprimir o que se passa. Na verdade, não sabemos o que realmente se passa.

            Assim e para não alongarmos por demais um tema que, por sua própria natureza, é tão vasto e exaustivo, poderíamos apenas dizer, terminando, que o tempo e o espaço são percepções relativas, atinentes à esfera consciente em que nos movemos. E que, para além dessas dimensões, outras surgem, de índole absoluta ou presumivelmente absoluta, pertencentes ao domínio exclusivo do nosso eu superior - subconsciente ou ultraconsciente, o nome não importa - ainda pouco explorado e muito ignorado.

            A meditação sobre esses fatos, embora esboçados toscamente, leva-nos a conceber a alma como a síntese de algo excelso, maravilhoso, incomparável, talvez a mais extraordinária de todas as coisas existentes.

            "Conhece-te a ti mesmo" foi a fórmula que nos deu o velho Sócrates como fonte de todo o saber. E até agora parece não existir outra melhor. Quando soubermos o que realmente somos, é bem possível que o universo deixará de ser um eterno mistério.


(Extº de "Aspectos Fenomenológicos da Natureza e do Homem...")  

O Começo da História sem fim




O Começo da
História Sem Fim
Lino Teles 
(Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Abril 1978

            Na noite de 28 de março de 1848, nas paredes de madeira do barracão de John D. Fox, começaram a soar pancadas incomodativas, perturbando o sono da família, toda ela metodista. As meninas Katherine (Katie ou Kate) , de nove anos de idade, e Margaretta, de doze anos (1), correram para o quarto dos pais, assustadas com os golpes fortes nas paredes e teto de seu quarto.

            (1) Há, com relação a essas Idades, pequenas diferenças entre os autores, seja para menos, seja para mais. As Idades que anotamos são devidas a Robert Dale Owen, e parecem ser as corretas. (Veja-se a obra "Katie Fox", de W. G. Langworthy Taylor, 1933, págs. 47-48.)

            Esse barracão, na aldeia de Hydesville, no Condado de Wayne, perto de Nova lorque, era construído em terreno pantanoso. Os alicerces eram de pedra e tijolos até à altura da adega e daí para cima surgiam paredes de tábuas. Seus últimos ocupantes haviam sido os Weekmans, que posteriormente também confessaram ter ouvido ali batidas na porta, passos na adega e fenômenos outros inexplicáveis.

            No dia 31 de março de 1848 a família Fox deitou-se mais cedo do que de costume, pois havia três noites seguidas que não podiam conciliar o sono. Foi severamente recomendado às crianças, agora dormindo no quarto dos pais, que não se referissem aos tais ruídos, mesmo que elas os ouvissem.

            Nada, porém, obstou a que pouco depois as pancadas voltassem, tornando-se às vezes em verdadeiros estrondos, que faziam tremer até os móveis do quarto.

            As meninas assentaram-se na cama, e o Sr. John Fox resolveu dar uma busca completa pelo interior e pelo exterior da pequena vivenda, mas nada encontraram que explicasse aquele mistério.

            Kate, a filha mais jovem do casal, muito viva e já um tanto acostumada ao fenômeno, pôs-se em dado momento a imitar as pancadas, batendo com os seus dedos sobre um móvel, enquanto exclamava em direção ao ponto onde os ruídos eram mais constantes: "Vamos, Old Splitfoot, faça o que eu faço." Prontamente as pancadas do "desconhecido" se fizeram ouvir, em igual número, e paravam quando a menina também parava.

            Margaretta, brincando, disse: "Agora, faça o mesmo que eu: conte um, dois, três, quatro”, e ao mesmo tempo dava pequenas pancadas com os dedos. Foi-lhe plenamente satisfeito esse pedido, deixando a todos estupefatos e medrosos.

            Estava estabelecida a comunicação dos vivos com os mortos e assentada uma nova era de mais dilatadas esperanças, com a prova provada da continuidade da vida além do túmulo.

            Naquela mesma noite de 31 de março várias perguntas foram feitas pelos donos da humilde casa e por alguns dos inúmeros vizinhos ali chamados, obtendo-se sempre, por meio de certo número de pancadas, respostas exatas às questões formuladas. O comunicante invisível forneceu ainda a sua história: fora um vendedor ambulante, que antigos moradores daquela casa assassinaram, havia uns cinco anos, para furtar-lhe o dinheiro que trazia; seu corpo se achava sepultado no porão, a dez pés de profundidade.

            No barracão havia residido, em 1844, o casal Bell, sem filhos, e que só tinha uma criadinha, Lucretia Pulver, que não raro dormia fora, em casa dos pais. Feito um inquérito, foi ela ouvida, pois o casal já havia desaparecido do lugar. Lembrava-se de um vendedor ambulante que certo dia aparecera no barracão, e que os patrões a mandaram dormir na casa dos pais, para que o hóspede pernoitasse no quarto dela. Pela manhã compareceu ela em casa dos patrões e soube que o vendedor partira muito cedo.

            Diante do depoimento obtido pelos golpes do batedor invisível, foram feitas escavações no porão, mas era tempo de chuvas e, como a água enchia logo a fossa que se abria no terreno pantanoso, resolveram realizar a busca em época propícia. No verão, continuaram a escavação e, a cinco pés de profundidade, foram encontrados carvão, cal e alguns ossos humanos. Por ser muito incompleto o achado, os incrédulos teceram suas dúvidas sobre a verdade da revelação.

            As pancadas continuavam, tendo-as testemunhado várias centenas de curiosos. A pouco e pouco foram estabelecendo uma convenção para receberem respostas mais detalhadas às perguntas que se faziam aos autores invisíveis. Convencionou-se um alfabeto em que cada letra representaria determinado número de batidas: o A seria uma, o B seria duas, o C, três, e assim por diante.

            As meninas Fox viajaram, e também em outras casas, onde se hospedavam, ouviam-se as tais pancadas, travavam-se novas conversações com os Espíritos, processando-se ainda outros fenômenos interessantíssimos. Notou-se que possuíam elas uma faculdade especial, e pouco depois se observou que outras pessoas eram dotadas de semelhantes faculdades: ao contato de suas mãos uma mesa se levantava, dava pancadas com os pés, e essas pancadas respondiam com inteligência a perguntas. Nomes de respeitáveis personalidades já falecidas assinavam belas mensagens anunciadoras de uma revolução no campo moral das criaturas humanas, dizendo que afinal os tempos eram chegados para que novos horizontes se descortinassem aos destinos do homem.

            Surgiu a época das mesas girantes que se tornou epidemia no mundo, como se pode ver da interessante obra de Zêus Wantuil, "As Mesas Girantes e o Espiritismo".

            Foram as mesas girantes, e depois falantes, que chamaram a atenção do Prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail para os fenômenos espíritas.

            Depois das mesas surgiu a escrita com o lápis preso a uma cestinha de vime e, finalmente, com a mão do médium. Servindo-se desses últimos meios, Rivail elaborou a grandiosa Codificação do Espiritismo.

            Outros casos de depoimentos pessoais de mortos foram registrados e alguns confirmados posteriormente. Os "rappings" e "knockings" não mais se usaram na transmissão de notícias e informações de além-túmulo. O barracão de John Fox envelheceu e desmoronou em parte (2), esquecido de todos, visto que surgiram fenômenos muito mais expressivos, formas de identificação de Espíritos comunicantes muito mais convincentes que levaram os estudiosos à certeza da continuação da vida "post mortem".

               (2) Em 1916, Benjamlm F. Bartlett adquiriu os restos do velho barracão, reconstruindo-o na cidade de Lily Dale, N. Y., onde é conservado até os dias atuais. (Veja-se o "Grand Souvenlr Book of the World Centennial  Celebratlon of Modern Spiritualism", obra publicada nos Estados Unidos, em 1948, pág. 12.)

            Passou meio século de esquecimento sobre Hydesville. Eis senão quando, alguns escolares da aldeia, brincando no local das ruínas do barracão, notaram que havia caído parte de uma parede interna, junto do alicerce, deixando visível um esqueleto humano quase inteiro e um baú de ferro. Reconfirmava-se, assim, a declaração do Espírito do vendedor ambulante feita havia cinquenta e cinco anos. O casal Bell ocultara o cadáver e o baú junto da parede da adega e construíra pelo lado interior outra parede. O fato foi consignado pelo "Boston Journal" de 23 de novembro de 1904, que disse terem ficado assim desvanecidas as últimas sombras de dúvida ainda existentes.

            Ao que tudo indica, o cadáver fora enterrado no centro do porão. Depois, conforme argumenta Sir Arthur Conan Doyle, alarmado o criminoso pela facilidade que havia em ser descoberto o crime, exumou o corpo para junto do muro. Ou porque a transferência se verificasse com muita precipitação, ou porque a luz era escassa, ficaram vestígios da inumação anterior.

            Hoje, esses ossos e o baú se acham em Lily Dale, em um museu, registrando a triste história da inferioridade humana, e recordando o nascimento de uma Nova História para a Humanidade.

            Um mundo de novos fenômenos mediúnicos, que se seguiram ao episódio de Hydesville, abriu outros caminhos aos estudiosos. Allan Kardec dilatou ainda mais os conhecimentos a esse respeito, sabiamente coordenando-os para uma compreensão menos imperfeita e mais justa do todo. Posteriormente, célebres trabalhos, devidos a homens notáveis, trouxeram subsídios importantes à obra do Codificador, muitos deles incorporando-se à Codificação, pois que esta não poderia ficar estática em determinado tempo, tendo de viver e crescer sempre, confirmada e apoiada por novos fatos bem verificados e inteligentemente interpretados.

            O começo da História do Espiritismo é a noite de 31 de março para 1º de abril de 1848, mas o nascimento da Codificação é o dia 18 de abril de 1857. Houve nove anos de estudos e observações dos fenômenos, antes de aparecer o livro primeiro de Allan Kardec.

            Essa história teve começo, mas não terá fim.


Andrew Jackson Davis


Andrew Jackson Davis

Zeus Wantuil
Reformador (FEB) Abril 1978

            Andrew Jackson Davis, cognominado O "Pai do Espiritualismo Moderno", o "Allan Kardec americano", filho de pais humildes e incultos, nasceu, em 1826, num distrito rural do Estado de Nova Iorque (EUA), às margens do rio Hudson, entre gente simples e ignorante.            

            Era um menino pouco atilado, falto de atividade intelectual, corpo mirrado, sem nenhum traço que denunciasse a sua excepcional mediunidade futura.

            Tal como sucedeu com Francisco Cândido Xavier, o célebre médium brasileiro dos dias atuais, Jackson Davis começou a ouvir, nos derradeiros anos de sua infância, vozes agradáveis e gentis, seguidas de belas clarividências, nele se desenvolvendo ao mesmo tempo os dons mediúnicos - com aplicação em diagnósticos médicos.

            Em 6 de março de 1844, provavelmente em corpo perispirítico, foi transportado da pequena localidade de Poughkeepsie, onde morava, às montanhas de Catskill, quarenta milhas distantes. Nestas montanhas encontrou dois anciães, que lhe revelaram ser seus mentores, posteriormente identificados como os Espíritos de Galeno e de Swedenborg. Foi este o primeiro contato que o rapazinho teve com os chamados mortos.

            Com o tempo, sua mediunidade ganhou novos rumos. Quando em transe, falava várias Iínguas, inclusive o hebraico, todas dele desconhecidas, expondo admiráveis conhecimentos de Geologia e discutindo, com rara habilidade, intrincadas questões de Arqueologia histórica e bíblica, de Mitologia, bem como temas linguísticos e sociais - apesar de nada conhecer de gramática ou de regras de linguagem e sem quaisquer estudos literários ou científicos. De tal modo eram as respostas, que "fariam honra- segundo o Dr. Jorge Bush, professor da Universidade de Nova. Iorque - a qualquer estudante daquela idade, mesmo que, para as fornecer, tivesse consultado todas as bibliotecas da Cristandade" .

            Sua pessoa chamou logo a atenção do Dr. Lyon, do Rev. Guilherme Fishbough e de muitos homens sérios e cultos, entre os quais sobressai o nome de Edgar Allan Poe.

            Durante dois anos Davis ditou, em transe inconsciente, um livro sobre os segredos da Natureza, dado a público, em 1847, sob o título "Os Princípios da Natureza". A ele Conan Doyle se referiu, dizendo ser "um dos livros mais profundos e originais de Filosofia" e conta, nos Estados Unidos, com dezenas de edições.

            Fato semelhante mais tarde se passaria, aqui no Brasil, com o médium atrás citado, o qual, nascido em meio igualmente pobre e inculto, e sem conhecimentos à altura, psicografou, aos vinte anos, a notável e originalíssima obra poética - "Parnaso d. Além-Túmulo".

            Como este médium, Davis também recebeu muitos outros livros, cerca de trinta, em parte editados com o título geral de "Filosofia Harmônica", a ele transmitidos pela entidade espiritual Swedenborg. Dezenas de edições foram publicadas nos Estados Unidos, o que bem mostra o interesse que suas doutrinas reveladoras despertaram, conquistando milhares de prosélitos.

            Davis não era um místico nem um religioso no sentido vulgar, e nem aceitava a revelação bíblica na sua interpretação literal. Todavia, era honrado, sério, incorruptível, amante da Verdade e sinceramente compenetrado de sua responsabilidade naqueles acontecimentos renovadores. Na sua pobreza material, jamais esqueceu a justiça e a caridade para com todos.

            Suas faculdades medianímicas chegaram a maior desenvolvimento depois dos 21 anos de idade, e ele pode então observar mais claramente o processo desencarnatório de várias pessoas, narrando o em todas as minúcias. Suas descrições estão concordes com inúmeras outras feitas por médiuns de diferentes países, adquirindo na obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier complementação assaz relevante.

            Antes de 1856, Jackson Davis profetizou o aparecimento dos automóveis e dos veículos aéreos movidos por uma força motriz de natureza explosiva, como também as máquinas de escrever e, ao que tudo indica, as locomotivas com motores de combustão interna. É extraordinária, pasmosa mesmo, a riqueza de detalhes que acerca desses inventos futuros Davis deixou estampados em sua obra "Penetralia", hoje centenária.

            Afora isso, ele também predisse, em 1847, a manifestação ostensiva dos Espíritos com as criaturas humanas, frisando que não levaria muito tempo para que essa verdade se revelasse numa exuberante demonstração.

            Sua obra inicial, de grande luminosidade, foi uma preparação para o aparecimento do Espiritismo, e numa de suas notas, datada a 31 de março de 1848, lê-se este significativo trecho:

            "Esta madrugada um sopro fresco passou pelo meu rosto, e ouvi uma voz, suave e firme, dizer-me: "Irmão, foi dado inicio a um bom trabalho; contempla a demonstração viva que surge." Pus-me a cismar no significado de tal mensagem."

            Muito longe estava ele de supor que, justamente na noite do citado dia, as irmãs Fox, em Hydesville, conversariam, por meio de batidas, com o Espírito de um morto, inaugurando o grandioso movimento espiritista mundial.

            Por causa desse fato, Jackson Davis passou a ser citado por alguns escritores espiritas como "o profeta da Nova Revelação".

            A série de livros sob o título geral de "Filosofia Harmônica", livros de alto nível moral e intelectual, seguiram-se as "Revelações Divinas da Natureza", cuja recepção absorveu os anos seguintes de sua vida.

            Mediante suas visões espirituais do Além, deste apresentou descrição bem aproximada da que os Espíritos forneceriam em diversos países, inclusive no Brasil, aqui pela mediunidade de Francisco Cândido Xavier, nos livros do Espírito de André Luiz.

            Davis viu por lá uma vida semelhante à da Terra, vida a que se poderia chamar semimaterial, com gostos e objetivos adaptados às nossas naturezas, que a morte não modifica. Viu que, nesse vasto Além, o trabalho científico, o artístico, o literário e o humanitário não cessam. Viu as várias fases e graus do progresso espiritual, referindo-se às causas que retardam a evolução humana.

            A bem da Verdade, diga-se que os numerosos livros que ele deu a lume, de alto alcance doutrinário, diferem, em vários pontos, dos ensinos kardequianos, sem, contudo, estar com eles em contradição, salientando-se a lei das reencarnações, que Davis apresentou como não obrigatória para o progresso do Espírito, entendendo que o Espírito pode e deve progredir no Espaço, sem necessidade de reencarnar.

            Jackson Davis avançou mais do que Swedenborg no levantamento dos véus que encobrem os mistérios da Vida, mas o emérito pedagogo Allan Kardec, missionário posterior, complementou-lhe e ampliou-lhe a obra, baseado nas comunicações de muitos Espíritos Superiores, sob a égide do Espírito da Verdade.

            Esta justa ressalva não empana e nem desmerece a real importância dos ensinos legados pelo grande médium norte-americano, a respeito dos quais o notável crítico E. Wake Cook disse serem capazes de reorganizar o mundo.

            Nas viagens que, desprendido do corpo, fez ao Mundo dos Espíritos, Davis presenciou, num lugar a que chamou "Summerland", a educação harmoniosa das crianças desencarnadas, reunidas, por grupos, em grandes e belos edifícios, nos quais se lhes administrava instrução e cuidados especiais, tudo de acordo com a idade e os conhecimentos delas.

            Davis ficou tão maravilhado com o sistema ali adotado e sua engenhosa organização que buscou concretizá-lo no plano terrestre. Daí nasceu o primeiro Liceu Espiritista, por ele fundado em 25 de janeiro de 1863, em Dodsworth Hall, Broadway, Nova Iorque. Esse movimento liceano ramificou-se nos Estados Unidos e propagou-se à Inglaterra, ao Canadá, à Austrália, etc.

            O célebre vidente americano sofreu acusações caluniosas e críticas acerbas, contra ele assacadas pelos eternos malversadores da Verdade. Homem superior, a tudo se sobrepunha com tolerância evangélica e larga compreensão.

            Nos últimos anos de vida, Andrew Jackson Davis dirigiu uma pequena livraria em Boston, e aos 13 de janeiro de 1910, com a idade de 84 anos, desencarnava na sua residência de Watertown, no Estado de Massachusetts, legando à Humanidade o exemplo dignificante de sua frutuosa existência.

Literatura Espírita


Literatura Espírita
Editorial
Reformador (FEB)   Abril 1978


            Se é grande a responsabilidade de quem fala, muito maior é a de quem escreve ou edita livros. A palavra escrita, além de guardar imenso potencial de sugestão, possui o poder da permanência, porque resiste indeterminadamente ao tempo. Todas as grandes ideias que influíram decisivamente na vida e na evolução da Humanidade se firmaram e se alastraram através da escrita. Foi assim desde o Código de Hamurabi, editado já faz 4.000 anos.

            Quem pode avaliar com justeza o grau de influência que exerceram e ainda exercem no mundo o "Pentateuco", de Moisés, o pérsico "Avesta", o indiano "Bhagavad-Gitâ" e o árabe "Alcorão"? Que dizer no "República", de Platão, e das obras de Aristóteles, que dominaram o pensamento humano no decurso de séculos? Como estabelecer os limites de repercussão, através do tempo, da legislação espartana de Solon? Como medir as consequências das obras literárias de Agostinho de Hipona, ou da "Suma Teológica", de Tomás de Aquino, ou das 95 teses de Lutero? Será possível, mesmo agora, definir o que representou, para o gênero humano, a obra enciclopédica dos franceses D' Alembert, Diderot, Voltaire, Montesquieu, Rousseau e Jaucourt, editada pelo inglês Chambers? Ou até que ponto o livro de Darwin, "Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural", revolucionou o campo dos conhecimentos humanos? E os escritos científicos de Copérnico, Galileu, Newton, Freud, Descartes, Pasteur e Einstein? De que modo averiguar até onde os romances de Júlio Verne inspiraram feitos gloriosos à inteligência humana?

            Por outro lado, dificilmente teria surgido o Nazismo, de Hitler, sem as teorias racistas do Conde de Gobineau e sem as ideias de Nietzsche e de Schopenhauer; ou o Fascismo, de Mussolini, sem o arcabouço ideológico de Giovanni Gentile e de Giuseppe Prezzolini. O Príncipe", de Maquiavel, e os "Exercícios Espirituais", de lñigo de Oñez y Loyola, causaram mais danos aos povos do que muitas guerras sangrentas. Lembremo-nos de que o Comunismo ateu de nossos dias nasceu da obra filosófica de Karl Marx.

            Iríamos longe, se fôssemos alinhar aqui outros exemplos do poder das ideias escritas, do papel do livro na História. Bastar-nos-á recordar o que o Evangelho de Jesus já fez pela Humanidade. Diz, a esse respeito, Emmanuel, no livro "Roteiro" (FEB, 3ª edição, pp. 91/93): "Quando o Mestre confiou ao mundo a divina mensagem da Boa Nova, a Terra, sem dúvida, não se achava desprovida de sólida cultura. Na Grécia, as artes haviam atingido luminosa culminância e, em Roma, bibliotecas preciosas circulavam por toda parte, divulgando a política e a ciência, a filosofia e a religião. Os escritores possuíam corpos de copistas especializados e professores eméritos conservavam tradições e ensinamentos, preservando o tesouro da inteligência. Prosperava a instrução, em todos os lugares, mas a educação demorava-se em lamentável pobreza. O cativeiro consagrado por lei era flagelo comum. A mulher, aviltada em quase todas as regiões, recebia tratamento inferior ao que se dispensava aos cavalos. Homens de consciência enobrecida, por infelicidade financeira ou por questiúnculas de raça, eram assinalados a ferro candente e submetidos à penosa servidão, anotados como animais. Os pais podiam vender os filhos. Era razoável cegar os vencidos e aproveitá-los em serviços domésticos. As crianças fracas eram, quase sempre, punidas com a morte. Enfermos eram sentenciados ao abandono. As mulheres infelizes podiam ser apedrejadas com o beneplácito da justiça. Os mutilados deviam perecer nos campos de luta, categorizados à conta de carne inútil. Qualquer tirano desfrutava o direito de reduzir os governados à extrema penúria, sem ser incomodado por ninguém. Feras devoravam homens vivos nos espetáculos e divertimentos públicos, com aplauso geral. Rara a festividade do povo que transcorria sem vasta efusão de sangue humano, como impositivo natural dos costumes. Com Jesus, entretanto, começa uma era nova para o sentimento. Condenado ao supremo sacrifício, sem reclamar, e rogando o perdão celeste para aqueles que o vergastavam e feriam, instala no ânimo dos seguidores novas disposições espirituais. Iluminados pela Divina Influência, os discípulos do Mestre consagram-se ao serviço dos semelhantes. Simão Pedro e os companheiros dedicam-se aos doentes e infortunados. Instituem-se casas de socorro para os necessitados e escolas de evangelização para o espírito popular. Pouco a pouco, altera-se a paisagem social, no curso dos séculos.

            ( ... ) Doentes encontram remédio, mendigos acham teto, desesperados se reconfortam, órfãos são recebidos no lar. Nova mentalidade surge na Terra. O coração educado aparece, por abençoada luz, nas sombras da vida. A gentileza e a afabilidade passam a reger o campo das boas maneiras e, sob a inspiração do Mestre Crucificado, homens de pátrias e raças diferentes aprenderam a encontrar-se com alegria, exclamando, felizes: - meu irmão."

            Todas essas considerações vêm a propósito de mais um aniversário da publicação de "O Livro dos Espíritos", de AIlan Kardec, em 18 de abril de 1857. Surgiu, com ele, a literatura espírita, responsável pela inauguração da nova era que marcará a redenção da Humanidade. Desde então, o Livro Espírita vem realizando sublime semeadura de esclarecimentos superiores, de luz verdadeira, de consolação e de esperança. É necessário preservar-lhe a dignidade, a pureza doutrinária e a construtividade moral, porque, para o bem ou para o mal dos homens, são verdadeiras as palavras do poeta: "O livro, caindo n'alma, é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar."


Morselli e os fenômenos espíritas

Ernesto Bozzano

Morselli e os fenômenos espíritas

Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Novembro 1958

            Foi baseado sobre a mediunidade física de Eusápia Paladino que o Dr. Henrique MorseIli firmou sua convicção de que os Espíritos dos mortos - na existência dos quais descria - não intervinham na produção dos fenômenos.

            As manifestações subjetivas que observou com Eusápia foram pouquíssimas e sem importância, e esta circunstância infeliz foi que o impediu de mudar de ideias. Como escreveu o Professor C. Moutonnier, "há outras mediunidades que o Prof. MorseIli deveria ter estudado, pois não se pode ser juiz ou árbitro de uma causa, a menos que se examine tudo e tudo se conheça".

            Bozzano e Lombroso, sábios companheiros de Morselli nas experiências com Eusápia, rebateram, com provas seguras e incontestáveis, o ultranegativismo do eminente psiquiatra italiano. Ernesto Bozzano deu a público um trabalho intitulado - "A propósito da obra "Psicologia e Espiritismo do Prof. Henrique Morselli", no qual analisou os improcedentes e incompletos argumentos de que lançou mão o estudioso médico para se opor à tese espiritista. O Prof. César Lombroso, criminalista mundialmente admirado, escreveu, também a respeito da citada obra de Morselli, um artigo no periódico "Luce e Ombra", de Milão, em Junho de 1908, artigo em que alude à materialização que, por intermédio de Eusápia, obteve do Espírito de sua mãe, com o qual ele se entreteve por alguns instantes.

            Todavia, cumpre destacar a firme convicção do Prof. MorseIli na realidade dos fenômenos objetivos ou físicos conseguidos com a mediunidade eusapiana, inclusive os de materialização parcial ou total, fenômenos estes considerados fraudulentos pelos novos "profetas" do hipnotismo e da letargia.

            Eis, então, o que o sábio neurologista escreveu nas colunas do jornal italiano "Corriere della Sera" do ano de 1907, pouco antes de ser dado a público o seu livro "Psicologia e Espiritismo":

            “Aquele que me pergunta, e são numerosos os que até o momento me têm interrogado sobre esta questão, o que penso dos fenômenos físicos atribuídos a Eusápia, e se eu os creio reais, autênticos, verdadeiros, respondo: Sim! Tais fenômenos, cuja aceitação me pareceu a princípio baseada sobre o erro ou sobre a ingenuidade, sobre a fraude ou a ilusão dos sentidos, sobre a boa-fé ou sobre o “parti-pris”, são, em elevadíssimo número, verdadeiros e reais; e quanto aos que formam o “pequeno número”, a respeito dos quais não me certifiquei, de forma alguma eles infirmam a existência de uma categoria extraordinária ou ultranormal de fatos que dependem de organismos especiais e de atividade particular."

            Noutro ponto deste seu escrito, MorseIli, com a mesma independência de vistas, afirmou abertamente:

            “Confesso que não mais posso negar a realidade e a autenticidade da maior parte desses fenômenos que a princípio tomei por um efeito de pura imaginação: refiro-me às materializações tangíveis e às aparições."

            E, mais adiante, tornou a frisar:

            “Os fenômenos produzidos pela poderosa mediunidade de Eusápia adquiriram para mim a consistência dos ‘fatos positivos’, porque eu os vi, toquei, pus à prova, com os sentidos em boas condições de receptibilidade, com os mais perfeitos centros cerebrais de percepção, de conhecimento crítico e raciocinado, e em circunstâncias tais que excluíam a fraude e a ilusão."

            Diante de tudo isto é que um crítico do "Corriere d'Italia", de Buenos Aires, ao analisar a obra de MorseIli, retromencionada, não pode deixar de estranhar a atitude do famoso psiquiatra, conforme se lê no trecho final de sua crônica publicada em 30 de Junho de 1908:

            “Seria ridículo da minha parte qualquer intuito de empenhar polêmica com o ilustre cientista, que me esmagaria com a autoridade de seu nome e de sua doutrina. Limitar-me-ei, por isso, a uma simples observação: cabeças e corpos que são apalpados e examinados, a fim de se reconhecerem as particularidades de sua conformação; rostos diversos que são vistos perfeitamente, e de que se observa até a expressão do olhar; outros que aos olhos de todos se prestam obedientes a um desejo manifestado, e se põem a mover-se, a sorrir e a saudar; mãos que são vistas e tocadas, e que muitas vezes são de gigante e, outras, de criança, - constituem um conjunto de fenômenos singularmente assombroso. Confesso, porém, que em minha opinião há outra coisa muito mais singular, muito mais assombrosa: é afirmar com plena consciência que esses fatos são verdadeiros... e não acreditar no Espiritismo.”

            E tem razão o cronista argentino! 

Melquisedec


Melquisedec
Mínimus (A. Wantuil)
Reformador (FEB) Abril 1947

            Diz-nos Gênesis (XIV -18 :20) que Melquisedec, rei de Jerusalém e sacerdote do Deus AItíssimo, abençoou a Abraão, deu-lhe pão e vinho e dele recebeu o dízimo.

            Em seu Salmo CX-4, David profetizou a vinda do Messias, apresentando-o como sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

            S. Paulo; em sua Epístola aos Hebreus (V a IX), repetidamente nos fala sobre Melquisedec, comparando-o ao Cristo e dizendo que muitas outras coisas não poderiam ser explicadas a respeito, porque os homens ainda não as poderiam ouvir, afirmando, porém, que Melquisedec não teve genealogia, sendo sem pai, sem mãe, e que não teve princípio de dias nem fim de vida, porque foi feito semelhantemente ao Cristo.

            Mais tarde, surgiu a seita dos Melquisedecianos, cujos teólogos o tinham como um ser extraterreno, um anjo, opinião esta posteriormente apoiada por vários autores católicos.

            Ora, diante da resposta do Espírito de São Luiz a Allan Kardec (*), de que existiam na
Bíblia exemplos de agêneres, lembramo-nos de que, além do fato relatado no "Livro de Tobias", também Melquisedec tivesse sido um agênere, e, pelo que dele consta, um agênere de altíssima categoria espiritual.

            Os fatos aí estão. Diz-nos Paulo que só os compreenderemos quando nos tornarmos menos negligentes. Esforcemo-nos, pois.


            (*) V. Revue Spirite, Fevereiro' de 1859, páginas 36 a 41, ou Reformador, Janeiro de 1947, páginas 1 a 4.