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quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Universo da Alma



O Universo da Alma
(Pequenos aspectos de nossa psicologia profunda)
Manuel Pedro Victorino do Rosário
Reformador (FEB)        Abril 1978

            No recesso mais íntimo do nosso ser oculta-se a plenitude da vida. Essa vida, da qual pouco sabemos, transcende a tudo o que os meios sensoriais nos facultam imaginar. Tem algo assim como o contínuo quadridimensional einsteiniano, onde os acontecimentos se sucedem em meio diferente, fora da nossa esfera habitual de percepção. Isto não parecerá estranho se atentarmos para o fato de que somos observadores imperfeitos da Criação, sobretudo em seu setor maior, ou seja, no terreno das coisas espirituais.

            Com efeito, o quadro do desconhecido aí se desdobra em amplitudes muito mais vastas.

            Quase todos os psicólogos modernos são acordes em afirmar a estreiteza das percepções conscientes, ao mesmo tempo em que não hesitam em proclamar o subconsciente como o repositório infinito da alma. É ele o prodígio da natureza humana e, quiçá, da sabedoria divina. O subconsciente não precisa pensar porque já sabe. A segurança dos seus atos revela a inexistência de qualquer esforço imaginativo. Não consome espaço nem tempo para se manifestar porque atua fora dos meios físicos e são estes, justamente, que nos proporcionam tais sensações. Não ocupa lugar algum porque isto é atributo exclusivamente material e o subconsciente é a fina essência do psiquismo. Não tem uma extensão propriamente dita e, no entanto, ultrapassa os limites de todo o concebível quando se manifesta em rasgos de genialidade sublime.

            Tais são alguns dos atributos dessa faculdade sem tamanho e sem forma, mas onde tudo cabe e tudo existe desde tempos imemoriais, quer admitamos a herança psíquica através do plasma germinativo ou apelemos para o velho e mais lógico conceito reencarnacionista, que dá à individualidade um cunho todo independente, evoluindo e se aperfeiçoando na matéria.

            Dir-se-á que tudo isto é absurdo, que uma coisa, desde que exista, tem que ocupar lugar, possuir tamanho, mover-se no espaço e no tempo, etc. Isto é verdade, sim, mas do ponto de vista puramente nosso, para a nossa perceptibilidade tacanha e imperfeitíssima. Hoje, todavia, sabe-se que o nosso raciocínio é falho quando tenta explicar certos aspectos da criação, chegando-se, como consequência, à conclusão de que o universo físico é muito diferente do que pensávamos. Que este, em sua contextura real, complica-se extraordinariamente em dimensões espaciais que exorbitam as três que conhecemos. E estudos recentes deixam entrever que complexidade ainda maior possui o meio interno onde atua, vibra e sente a personalidade, ou seja: o universo da alma.

            De fato, ninguém até hoje conseguiu explicar o mecanismo da dor e da tristeza, do ódio e do amor, da virtude e da inveja. Esses sentimentos, como todos os outros que fazem da alma humana o mais variegado de tudo quanto existe, dizem, povoam o nosso mundo interior, jazem nas profundezas do subconsciente, que é considerado a zona instintiva do ser, sede dos impulsos automáticos e das criações espontâneas, que grava com fidelidade indefectível as impressões recebidas. O passado, o presente e o futuro existem intactos nesse universo anímico, mas de modo imaterial, isto é, sem ocupar lugar. Sim, também o futuro, pois fatos observados têm revelado que a mente humana possui faculdades supranormais com poderes de observar acontecimentos porvindouros, ainda não ocorridos!

            Sabe-se que tudo isto é verdade inconteste, mas até hoje, repitamo-lo, ninguém conseguiu explicar satisfatoriamente o mecanismo psíquico de tais coisas, ou melhor, de que maneira elas ocorrem no espírito.

            Dizer que cada uma das nossas faculdades situa-se em regiões determinadas do cérebro é verdade equivalente à função do instrumento musical, em que cada chave representa uma nota, não sendo, porém, a nota, em si, a chave do instrumento, nem se encontrando onde a chave do instrumento está.

            O cérebro, esse aparelho complicadíssimo, é órgão de manifestação do Espírito e não o mesmo Espírito, mais complicado ainda. E quando sabemos que por meios puramente introspectivos se chegou à descoberta de leis universais, produto do gênio quase sempre após um período mais ou menos longo de inquirição interior, compreendemos que o nosso conteúdo anímico é bem mais vasto do que supúnhamos e que em nossa natureza profunda, subconsciente ou ultraconsciente, tudo já existe, de forma perfeita e acabada, inclusive fatos que ainda estão por acontecer. Isto já bem sabia o Dr. Serge Voronoff ao afirmar que a mente humana contém, potencialmente, todo o segredo do universo. Ampliando, poderíamos acrescentar que existe uma identidade perfeita entre o mundo interior e a realidade externa. O que se encontra por dentro é como o que está por fora, diríamos ainda numa linguagem profana.

            Por certo, voltamos a insistir, não entendemos semelhante verdade. Difícil, porém, seria negá-Ia.

            É muito habitual, numa hora qualquer, num desses dias comuns em que o vazio enche a nossa existência, querermos, para quebra da monotonia, escrever ou criar alguma coisa. Às vezes, tudo será em vão porque a nossa mente, de uma relutância única, resiste tenaz e até furiosamente a todo e qualquer esforço criador. Sobre a mesa, lápis e papel esperam inutilmente que de nossas mãos saia alguma frase, algum período coordenado. É provável que lá fora soprem brisas primaveris e cantem regatos cristalinos. Nossos ouvidos, porém, nada nos dizem da conexão melódica tecida a cada instante, a toda hora, pela amena protofonia da Natureza. Tudo em nós é apatia, languidez, mal-estar. Mas eis que, de repente, nas profundezas do ser, alguma coisa se agita, invade e domina a personalidade
externa. Vibram os centros nervosos e, em borbotões, sem esforço, numa fração mínima de tempo, afluem as ideias com impetuosidade tal que força alguma poderá detê-las. Mudou-se o quadro dos acontecimentos, a vida é bela porque, nesse momento, está sendo observada em seu prisma real pelo homem divino, transcendente, que é o homem real.

            Quando isto ocorre, por absurdo que pareça, mergulhamos nas profundezas das coisas e a Natureza, que era tão obstinada e ciosa de seus segredos, entrega-nos, com suave meiguice e incrível docilidade, uma parte do seu mistério. Todos os gênios conheceram bem tais momentos de plenitude interior. Dobrados sobre si mesmos,
contemplaram, por via inversa, as grandes realidades cósmicas que trouxeram à tona sob a forma de criação artística ou equação matemática.

            Todavia, para escrevermos sobre assunto como este, faltam-nos conhecimentos maiores. Carecemos ainda de meios próprios para exprimir o que se passa. Na verdade, não sabemos o que realmente se passa.

            Assim e para não alongarmos por demais um tema que, por sua própria natureza, é tão vasto e exaustivo, poderíamos apenas dizer, terminando, que o tempo e o espaço são percepções relativas, atinentes à esfera consciente em que nos movemos. E que, para além dessas dimensões, outras surgem, de índole absoluta ou presumivelmente absoluta, pertencentes ao domínio exclusivo do nosso eu superior - subconsciente ou ultraconsciente, o nome não importa - ainda pouco explorado e muito ignorado.

            A meditação sobre esses fatos, embora esboçados toscamente, leva-nos a conceber a alma como a síntese de algo excelso, maravilhoso, incomparável, talvez a mais extraordinária de todas as coisas existentes.

            "Conhece-te a ti mesmo" foi a fórmula que nos deu o velho Sócrates como fonte de todo o saber. E até agora parece não existir outra melhor. Quando soubermos o que realmente somos, é bem possível que o universo deixará de ser um eterno mistério.


(Extº de "Aspectos Fenomenológicos da Natureza e do Homem...")  

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