O temor do Inferno
Djalma Matos
Reformador (FEB)
Janeiro 1943
A crença na existência do inferno... O temor
do inferno, como mansão de penas eternas, como lugar destinado a sofrimentos
horríveis, que jamais tem fim, para as desditosas almas que nele, por suprema
desgraça, chegam a ingressar, - se em outras eras, de maior atraso moral e
intelectual, teve sua utilidade, para refrear instintos perversos de consciências
endurecidas no crime e na impiedade, já agora, na nossa época, em que predomina
o livre pensamento, o livre exame e a livre manifestação da ideia, malgrado ao
sangrento esforço dos fazedores de guerra, é de todo ineficaz e
contraproducente.
Causa estranheza que os sacerdotes
se empenhem, com tanto zelo, em propagar tal crença, como se fosse ensinamento
cristão, quando, evidentemente, não há nada mais contrário ao espírito do
Cristianismo, quando evidentemente, não há nada mais contrário ao espírito do
Cristianismo, que se inspira no amor e no perdão, pregados e exemplificados
pelo seu excelso fundador.
Esse dogma, incompatível com o grau de
evolução mental e espiritual a que chegamos, não pode mais ser aceito sinceramente
por quem tenha a faculdade de raciocinar.
Se a uma criança, que vive num meio
em que ainda não penetraram os melhoramentos da civilização, alguém quiser assustar
com o papão, é bem possível que consiga o seu intento. Usar, porém, do mesmo
expediente com um menino ou menina, que se acostumou a andar de automóvel, a
ouvir rádio, a assistir cinema e a ver aviões cruzarem os ares quase que
diariamente, o efeito será negativo, porque, dispondo de elementos para
raciocinar e esclarecer-se, compreenderá logo o absurdo da ameaça.
Acontece, não obstante, que muitas
crianças ladinas fingem acreditar no papão, para não parecer que estão
convencidas de que os maiores – quase sempre os pais – não estão falando a
verdade, e se esforçam, a seu turno, por convencer aos mais pequenos da real
existência do papão.
O mesmo fenômeno mental, ou
psicológico, observa-se nos pregadores e fiéis das igrejas cristãs, em relação
à existência do inferno, com a condenação eterna e Satanás. São, por via de
regra, bastante inteligentes e sensatos para intimamente não aceitarem tais
absurdos, incompatíveis com a noção que se deve ter da justiça de Deus,
equânime e misericordiosa, mas, fingem acreditar – os pregadores, por amor à
intangibilidade dos dogmas, que juraram defender, e os fiéis, porque se sentem
no dever de proclamar como verdade indiscutível
tudo que sai da boca dos sacerdotes de sua infalível religião.
Jesus jamais
se referiu a inferno como mansão circunscrita de penas eternas, e sim como
planos, ou diversos estados, em que as almas pecadoras se encontrarão pelos
sofrimentos e expiações: as trevas exteriores, onde haverá “choro e ranger de
dentes”, para as criminosas, endurecidas, impenitentes, e o “fogo”, fogo das
más paixões e dos desejos impuros, para as viciosas de toda espécie.
Amai a Deus sobre
todas as coisas – Amai o próximo como a vós mesmos – Amai-vos uns aos outros –
Não façais aos outros o que não quereis que vos façam – Perdoai para serdes
perdoados – Perdoais não sete vezes, mas setenta vezes sete – Não julgueis para
não serdes julgados... Estes ensinamentos que se confirmam e se completam uns
aos outros, repetidos, quase todos, várias vezes, no Evangelho de Jesus, consubstanciam
os fundamentos de sua santa e consoladora doutrina, como ninguém poderá negar.
E, assim
sendo, porque querer obscurece-los, dando mais importância a frases isoladas,
aribuídas ao meigo Nazareno, que falam do inferno, condenação e satanás, e que,
se realmente proferidas por Ele, se não rferiam a estados transitórios das
almas pecadoras, só podem ser levados à conta de força de expressão?
Como admitir
que o Divino Messias fosse incoerente e contraditório, certificando da bondade
e misericórdia do Pai e, ao mesmo tempo, ameaçando com a vingança extremada
desse mesmo Pai, com a condenação eterna e satanás?
Oh! Cegueira
dos homens! Dizem-se cristãos, mas, como
não encontram em seus corações a predisposição para o amor e o perdão, que o
Cristo pregou e exemplificou, querem ver, de preferência, nas suas palavras, o
inferno e satanás, à previdente sabedoria e misericórdia do Pai, que elas
revelam – a condenação e a intolerância, ao “perdoai setenta vezes sete vezes”
o exclusivismo da seita, ao “amai-vos uns aos outros” – a hostilidade em nome
da fé, ao “não façais aos outros o que não quereis que vos façam” o o direito
de julgar emnome do Cristo, à sua formal declaração de que não veio para julgar
o mundo e sim para salvá-lo, e ao conselho de não julgarmos para não sermos
julgados. Como não querem reformar-se, para adaptar os atos aos preceitos
evangélicos, lidam por moldar o Cristianismo ao sabor de suas mentes e
sentimentos.
Nós,
espíritas, temos a convicção de que não existe inferno com condenação eterna,
nem diabo nem satanás, rival ao mesmo tempo que carcereiro de um Deus vingativo
e cruel. Para nós, Deus é pai de amor e misericórdia, que não quer a perdição
de nenhuma de suas criaturas, e nenhum poder contrasta à sua vontade onipotente
e sabedoria infinita.
Sabemos que
nas consequências do nosso modo de agir neste mundo – em pensamento, palavras e
atos – estão a punição e a recompensa.
Os crimes
que cometemos, os vícios que adquirimos, as imperfeições que conservamos,
aderem à nossa personalidade e, ao desencarnarmos, levamos no perispírito – no
corpo espiritual a que se referia S. Paulo – esse lastro indesejável, que
mantém o nosso ser preso à pesada atmosfera da Terra, impedindo-o de elevar-se
e de evoluir. É possível que, não sendo a carga muito pesada, ainda no estado
de desencarnados possamos dela livrar-nos, por um vigoroso e persistente
esforço da vontade. O regular, porém, - e que por via de regra acontece, é
termos que reencarnar na Terra, algumas ou muitas vezes para, expirimentando o
mal que fizemos aos outros, padecermos, sofrendo com aquilo que antes nos deu ilícito
prazer, e nos irmos corrigindo e depurando.
Neste
processo de depuração, mais ou menos doloroso, mais ou menos prolongdo,
conforme as imperfeições a corrigir e a força de vontade empregada, constate o
inferno aceito e reconhecido pelos espíritas, o qual, por não ser eterno, mas
transitório, condicionado às circunstâncias de cada caso e consentâneo com a
bondade e sabedoria do Criador e com as esperanças da criatura, é tomado mais a
sério, concorrendo muitíssimo mais para a regeneração da humanidade do que o
temor absurdo das penas eternas.
Perdoemos 70x7vezes!
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