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terça-feira, 13 de outubro de 2020

Os espíritas e a política

 Leopoldo Cirne

Os espíritas e a política (1)

por Leopoldo Cirne         Reformador (FEB) 16 Outubro 1918

             Do livro, em preparo (à época), “DOUTRINA E PRÁTICA DO ESPIRITISMO” Capítulo IV da 2ª parte (final).                  

                (1) O capítulo completo abrange os seguintes assuntos, que lhe servem de epígrafes: Programa de trabalhos. -- Cursos públicos doutrinários, - Imprensa espírita.- Institutos de beneficência e de instrução.- Ação social do Espiritismo.- Os espíritas e a política. - Legionários do Cristo.- O novo abolicionisrno.”

             Esta sentença de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores pois ou há de aborrecer a um e amar o outro, ou há de unir-se a um e desprezar o outro” (Mateus VI, 24), completada com a advertência aos seus discípulos, “vós não podeis servir a Deus e as riquezas”, não se aplica unicamente ao antagonismo entre a solicitude pelos bens materiais e o serviço divino, que requer um coração livre de toda mundana servidão, mas a tudo aquilo que represente um sério estorvo a essa liberdade interior.

            Assim, por exemplo, a esta questão que se tem frequentemente suscitado “devem os espíritas envolver-se na política?” - a solução pelo menos atual, tem que ser forçosamente procurada consoante aquela sábia advertência do Divino Mestre.

            Atual, dizemos, porque, enquanto a política, em lugar de um instrumento ao serviço exclusivo do bem público, for uma corrida às posições, um entretecido de interesses pessoais de que os princípios são apenas a máscara e o pretexto, o ambiente moral em que se envolve, de pequeninas intrigas e ambições, torna-se por natureza, não apenas inadequado, mas incompatível aqueles que, fazendo da retidão a sua norma inflexível de conduta, não somente aí se sentiriam deslocados, mas correriam o risco ou de ver anulados seus esforços, reduzidos que seriam à posição de meros clamadores no deserto, ou ter que submeter-se às injunções do meio, transigindo com os princípios e atraiçoando a própria consciência, tanto vale dizer, incorrendo numa verdadeira falência espiritual.

            Dir-se-á que, para moralizar os costumes políticos, é que se faz precisamente necessária a intervenção de indivíduos como todo espírita o deve ser, portadores de uma irrepreensível autoridade e inspirados num ideal superior de abnegação e de desinteresse. Pode mesmo acrescentar-se que, não cessando de propagar-se o Espiritismo por todas as camadas sociais da - mais obscuras às mais altas, a influência de suas benéficas doutrinas terminará por se fazer sentir mesmo nas classes administrativas e políticas e, nesse caso não devem os que tais funções exercem renuncia-las a pretexto de se haver tornado espiritas, nem seria justo privar a coisa pública de uma colaboração assim tornada preciosa. Nem tal absurdo pretendemos sustentar.

            Sem dúvida, no futuro, que não se pode saber a que distancia esteja, mas que seria temerário acreditar imediato, dada a lentidão com que se opera a modificação dos costumes e a resistência que ao seu melhoramento opõe a corrente dos interesses e paixões, sempre vivazes, quando o Espiritismo houver penetrado fundo as consciências, os seus moralizadores efeitos se refletirão na própria esfera política, tornada então, mas somente então, acessível aos espíritas. Até lá, porém, melhor a estes convirá se absterem de tentar uma experiência que sobre expô-los a um regresso desiludido quando não - o que seria infinitamente pior - a uma funesta absorção pelo meio corruptor, os desviaria do apostolado que são chamados peculiarmente a exercer.

            Ora, esse apostolado requer preliminarmente, a título preparatório, exercícios espirituais de iniciação e adestramento, que se não compadecem com a simultaneidade da política, em que pretendessem operar os catecúmenos (noviços; aquele que se instrui e se prepara para receber o batismo);- seja-nos lícito usar desta expressão – e, uma vez assumida aquela investidura, exige a absorvente aplicação de todas as capacidades e energias individuais, que seriam necessariamente prejudicadas se houvessem que dispersar-se no desempenho cumulativo de um mandato de tão oposta índole. O ideal, numa palavra, para o espírita ao serviço de Jesus é repartir a sua atividade entre os misteres da profissão, que lhe assegure a subsistência, e os seus encargos nas coisas da doutrina, fugindo quanto possível ao tumulto do século e às posições de evidência, estimuladoras de vaidade e ambições para buscar, na obscuridade e na modéstia, propícias condições de em si mesmo realizar o modelo de renúncia que lhe é pelo Mestre oferecido.

            Quantos espiritas, presumindo-se talhados para grandes feitos no cenário do mundo ou não sabendo resistir à sedução dos seus aplausos e gloríola, mal dissimulada sob o pretexto de simultaneamente servir à pátria e à doutrina, propugnando a a obtenção de leis assecuratórias da realização de seus humanitários ideais - como se o Espiritismo, portador de Lei que a todas sobrepuja, necessitasse do favor dos homens - se têm esterilizado na carreira política, não colhendo mais que decepções para os seus ilusórios propósitos e nada produzindo de verdadeiramente útil à causa de si mesma - insistiremos nisto - indiferente e sobranceira a tais cogitações!

            Um caso, horrivelmente significativo em seu desfecho, poderia ser invocado como exemplo da rematada inconveniência, para os espíritas militantes, de pretenderem conciliar com a serenidade, em que se deve exercer o ministério apostólico, a agitação, tantas vezes tumultuária, de um mandato político. É o do nosso ilustre e malogrado confrade mexicano Dr. Francisco Madero, até há poucos anos uma das mais laboriosas e eminentes figuras da propaganda espirita no México e que, tendo interrompido essas funções para assumir a presidência, num dos primeiros governos que sucederam à deposição e expatriação do velho Porfirio Diaz, não tardou por sua vez a ser deposto por um contragolpe revolucionário, terminando por sucumbir barbaramente arcabuzado, ao ser transferido da prisão a que fora recolhido para responder a julgamento dos seus adversários. Resgatou indubitavelmente uma dívida do passado, pois que um sucesso dessa natureza, como tudo ao demais não ocorre sem motivo, mas nem por isso é menos eloquente, em sua crudelíssima lição, esse fato, que privou as nossas fileiras de um membro proeminente, cujos serviços à causa se vinham afirmando de real valor.

            Sem mesmo a perspectiva de um trágico desfecho dessa ordem, as posições políticas, em épocas normais ou agitadas - pouco importa - devem tanto menos seduzir a atividade dos espiritas quanto, além da apontada incompatibilidade, não constituem uma profissão de que, por força da necessidade, houvessem de auferir a subsistência. O mandato político, eletivo em sua outorga, qualquer que seja a natureza das funções a exercer é, com efeito, sempre temporário nas democracias, assim não havendo sequer para os que o ambicionem a justificativa daquela necessidade, posto que haja, aqui e em toda parte, uma classe denominada de políticos profissionais, isto é, de indivíduos que por vocação ou, não raro, por interesse e hábito adquirido se obstinam em pleitear a indefinida renovação dos mandatos em que, desse modo, se vão perpetuando.

            Entre esses profissionais da política alguns haverá que tenham aceitado, ou venham a aceitar o Espiritismo sem com isso, todavia, modificarem os seus hábitos nem promoverem a tão salutar e imperiosa reforma dos próprios sentimentos, permanecendo o que se pode classificar de adeptos externos, cujo número é considerável e que, reconhecendo embora a verdade dos fenômenos e admirando a beleza da doutrina, podem ostensivamente professá-la, mas estão muito longe daquela conversão, cujo profundo significado oportunamente explanaremos.

            Que esses políticos profissionais se não resignem a abandonar as sedutoras posições a que, por um motivo ou outro, se têm afeiçoado, é o seu direito. Não é a eles que se dirigem as nossas observações mas aos espíritas militantes que de par com as ocupações de que aufiram a subsistência, alimentando na vida um ideal mais alto, necessitam com o seu serviço repartir o tempo e a atividade. A estes, que seriam cúmplices de uma verdadeira calamidade, se pretendessem constituir um partido político no seio do Espiritismo, ou enreda-lo na trama dos interesses partidários, esquecidos das desastrosas consequências que para o ideal cristão acarretou o extravio da igreja nesse rumo, é que e aplica a imperativa restrição: não podem servir ao Cristo e à política.

            Porque, nessa obra de renovação religiosa que se vem há mais de meio século, operando, é preciso não esquecermos a natureza do mandato que assumimos, não de campeões do mundo, mas de legionários do Cristo, sob cuja suprema direção se está vitoriosamente afirmando esse movimento, para cujo serviço não é possível nos apercebermos sem de vez nos despojarmos dos sentimentos, tendências e paixões que representam em no homem velho, para os substituirmos pelas cristalinas virtudes que, únicas, nos tornarão merecedores da excelsa investidura.

            Há cerca de 38 anos mergulhava o século em seu último quartel - o nosso Brasil foi teatro de uma fecunda agitação, perpetuamente memorável em seus anais de povo livre. Dir-se-ia que subitamente desperta aos clamores de uma raça trisecularrnente aviltada, a consciência nacional, em sua quase unanimidade, somente então - nunca pelo menos com tamanho vigor e extensão o fizera em tal sentido - se resolvera a considerar na ignomínia com que a escravidão de três milhões de humanos seres maculava os foros de civilização em que se presumia. Assistimos então aquela inolvidável campanha abolicionista que, nas colunas dos jornais, nos comícios populares e no Parlamento, pelo verbo dos mais inspirados tribunos e apóstolos, tanto como pelos feitos de obscuros jangadeiros, transportando para a “terra da luz”, em que se tornara o Ceará, os míseros cativos, arrebatados à tirania liberticida dos senhores devia, sacudindo o torpor das consciências, em pouco mais de um lustro, derrubar a execrada instituição e integrar aqueles milhões de proscritos na livre comunhão dos brasileiros, em meio de festas delirantes, como jamais, com o mesmo alvoroço e a mesma efusiva e entusiástica intensidade, se hão de talvez reproduzir em nossa pátria.

                Pois bem, mais importante que a liberdade civil outorgada em 13 de Maio de 1888 aos nossos irmãos negros há uma campanha abolicionista em que andamos empenhados os espíritas. Como disse o espírito do grande Luiz Gama desencarnado pouco antes daquele vitorioso desenlace, numa comunicação transmitida a um grupo de crentes, por ocasião daquelas festas, “libertados os corpos, trata-se agora de libertar os espíritos”.

            Sim, é uma cruzada pela emancipação das trevas da ignorância e da maldade, em que jazem os homens sepultados, que se trata de levar por diante, e é preciso que em sua prossecução ponhamos o mesmo apostólico fervor, a mesma dedicação exclusiva, absorvente e inquebrantável que os heróis do abolicionismo liberalizaram, até verem consumada a obra, com que se haviam espiritualmente identificado, da redenção dos cativos.

            Como eles, e melhor que eles, pois que Jesus é o nosso inspirador e o nosso chefe concentremos os máximos esforços em quebrar os grilhões da escravidão moral que oprime as almas, começando por dela nos emanciparmos a nós mesmos, e sem desfalecimentos, sem nos determos nas seduções com que o mundo nos acena, induzindo-nos a atraiçoar o sagrado ministério, mostremo-nos fieis à investidura do Mestre recebida, renunciando a tudo mais, se queremos ser contados entre os legítimos e diligentes operários da renovação religiosa, em que fomos chamados a intervir, e participar das aleluias com que se prepara a humanidade para saudar o novo dia que no horizonte do planeta não tarda a alvorecer.


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