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sexta-feira, 9 de outubro de 2020

O manjar de Jesus

 


O Manjar de Jesus

por Amaral Ornellas

Reformador (FEB) Abril 1919

             Quando os apóstolos, com Pedro à frente e Judas à retaguarda contemplando a bolsa cheia das moedas de Cesar, em troca das quais lhes foram dados os alimentos que tinham ido buscar à cidade, voltaram à herdade de Jacó, onde se achava Jesus, e, sentando-se em torno do Mestre abriram os seus farnéis para fazerem um ligeiro repasto, o meigo filho de Maria lhes disse com aquele sereno sorriso de bondade que sempre lhe pairava nos lábios: “Para comer tenho um manjar que vós não sabeis”.

                       Entreolharam-se admirados os discípulos e algum deles sussurraram para os outros: “Porventura alguém lhe trouxe de comer?” E Jesus, compreendendo a admiração de todos, deu uma forma mais completa à ideia que apenas tinha esboçado: “A minha comida é fazer a vontade d'Aquele que me enviou para cumprir a sua obra”. E mais uma parábola de ouro jorrou dos seus lábios para ilustrar a literatura dos evangelhos. Reflitamos sobre essas palavras que não foram compreendidas por Pedro, que causaram pasmo a todos, deixando Judas, como sempre, desatento e indiferente, imerso naquela frieza que o induziu à traição e ao desespero.

             Que manjar era esse que os discípulos ignoravam e que ele tinha para comer?

             Era a frutificação das boas noções praticadas na Terra, ações que subiam nos céus para serem cosidas pelo Pai, e de lá voltavam para o alimento da sua alma. Se nos  lembrarmos que Jesus, na ausência dos seus apóstolos, sentado à borda do poço de Jacó, confabulava com aquela mulher samaritana, mostrando-lhe que a verdadeira água viva é aquela que se bebe nas cisternas do Bem, veremos que o manjar que ele tinha para o sustento do seu espírito, era a conversão daquela ovelhinha desgarrada que balindo junto ao grande rebanho da Samaria, ia conduzi-lo pelos Campos do Senhor, onde também pasciam (pastavam) as outras ovelhas irmãs - os judeus - separadas do aprisco comum pelas constituições políticas.

             Ele próprio nos afirma quando conclui o seu pensamento; “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou para cumprir a sua obra”.

             Segue-se a parábola:

             “Levantai os vossos olhos e olhai para estas terras que já estão branquejando próximas à ceifa.”    

            Erguei os olhos para a humanidade, em cujo seio, plantando a semente da verdade, fiz brotar o amor que se vai preparando para sega (ceifa).

             “E o que sega recebe galardão e ajunta fruto para a vida eterna; para que assim o que semeia, como o que sega, juntamente se regozijem.”

             Aquele que colher o Amor e souber conserva-lo nos vasos dourados da sua alma, terá alcançado essa virtude para sempre, terá conseguido a bem-aventurança para a sua vida imperecível. E quem semeou essa graça, quem conduziu a ignorância ao tabernáculo da verdadeira ciência sentirá o seu coração inundado de felicidade vendo a frutificação dos seus esforços.

             “Enviei-vos a segar o que vós não trabalhastes; outros foram os que trabalharam e vós entrastes nos seus trabalhos.”

             Homens! não pudestes plantar porque não tínheis o segredo da semente que eu lancei sobre a infertilidade do solo, depois de adubado pela revelação de mim próprio. Mas podeis segar, podeis colher os frutos por mim semeados. Outros foram os que trabalharam por vós: fui eu, foi o Batista, depois de ter passado pela fase da ignorância e pelo cadinho da purificação, pondo o livre arbítrio em auxílio da moral e em caminho do progresso da ciência que nos dá o perpétuo conhecimento de todas as coisas.

             Lembremo-nos de que Jesus, falando aos discípulos, falava para a humanidade inteira, porque eles eram o espelho onde se refletiam os raios de luz que se tinham de projetar pelos anos em fora.  

             Depois da colheita, plantai o que colhestes para que outros possam gozar dos vossos trabalhos. Um planta e outro colhe, porém ambos se regozijam, porque a humanidade é uma grande cadeia, em cujos elos se prendam desde o homem das cavernas - uma das primeiras manifestações do espírito consciente - até o Espírito dos Espíritos, o Elo dos Elos, que é Deus.

             O alimento da carne são as múltiplas modalidades da carne, mas a luz é o pão único da alma. Fortalece-se o espírito nas lutas intelectuais em demanda da moral reparadora e em busca da ciência que revela os mistérios do Todo.

             Trabalha-se para o bem comum, para que outros se completem com o produto do nosso engenho. Mas esses que de nós aprenderam, que por nós souberam caminhar, levam aos outros que mal ensaiam os primeiros passos, o segredo do equilíbrio da vida.

             Assim tem sido e assim continuará a ser pelos séculos afora. Os homens bebem a luz nas gerações do passado e lançam novas luzes à geração do futuro.

             E aquele que jornadeia pela Terra, inspirando-nos no Bem e empunhando o facho da verdade para iluminar as tortuosas veredas da existência, aclarando os caminhos para os outros que lhe seguem os passos, recebe, por certo, a esperança que alimenta a alma, o manjar que Jesus tinha reservada para o seu repasto divino.

             Os apóstolos não compreenderam as palavras do Mestre, mas talvez as tivessem adivinhado pelo coração.

             Nós, porém, refletimos sobre elas à luz do século XX e iluminados por esses dois grandes sóis que são Kardec e Roustaing.


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