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domingo, 18 de outubro de 2020

A Reencarnação e o esquecimento do passado

 

A reencarnação 

e o esquecimento do passado”

por   Carlos Imbassahy 

 Reformador (FEB) Janeiro 1924

             Escrevem-nos, perguntando: - “Por que o espirito que volta à Terra, isto é, que se reencarna, há de pagar por faltas cometidas em vida anterior, se não se lembra da coisa alguma?”

            O consulente muito delicadamente nos pede desculpas do incômodo que supõe nos dar, e declara que, assediado por amigos que lhe fazem perguntas que tais, não sabe como responder-lhes.

            Também não o saberíamos, se os espíritos que nos vieram trazer a Nova Revelação,  já nos não tivesse dito alguma coisa a respeito, como que prevendo essas interrogações e dúvidas.

            O esquecimento das vidas anteriores é uma necessidade.

            Se não olvidássemos o passado, as novas gerações, tendo na lembrança os rancores com que se foram, conservando, vívidas, as imagens de antigas inimizades, viriam continuar na nova existência as mesmas lutas, engolfar-se nas mesmas contendas, praticar as mesmas iniquidades; seria uma nova existência com os mesmos ódios, existência, por consequência, ainda de fel e de crimes.

            E não é só.

            A lembrança das faltas passadas, caso o indivíduo tivesse o propósito de regenerar-se, trar-lhe-ia uma vida de remorsos e de vergonha. Teria ele que viver se escondendo daqueles a quem ofendera ou maltratara. Suplício ingente seria esse, e a que poucos poderiam resistir. E se ele, o indivíduo, soubesse que teria que pagar essas faltas, a expectativa contínua do momento da prova, ser-lhe-ia suplício ainda maior que a maldade humana até agora não soube inventar.

            Espere a criatura uma desgraça e essa desgraça tornar-se-á um castigo inominável.

            Deus, porém, na sua bondade, escondeu aos homens a previsão do futuro, como lhes tirou a memória do passado. Assim, eles passam pela Terra, esquecidos do que fizeram e inconscientes do que lhes vai suceder. É essa a lei, lei de benignidade, para a qual só deveríamos ter agradecimentos e louvores.

            Depois de passadas as nossas provas; depois de termos na nossa vida de relação, nos aproximado de pessoas outrora desafetas e inimigas, e extinto, por novos atos, por favores, pela convivência e pela amizade que então se forma, os antigos ressentimentos, é que, tornando ao espaço, vemos voltar a pouco e pouco as reminiscências das várias existências que percorremos. Mas aí, já as provas fizeram os seus efeitos; já os inimigos estão amigos, já os sentimentos de rancor estão apagados.

            Deus assim fez para que os homens não prolongassem indefinidamente as suas raivas, os seus ciúmes, fugindo à lei divina - que é a da estima, da fraternidade, do amor.

            Amai-vos uns aos outros - é o grande princípio de direito divino; e para que nós nos amemos, força é que se apaguem, nas sombras do passado, os sentimentos de azedume que nos traziam desunidos.

 ***

             - Por que há de pagar o espírito, se não se lembra, pergunta o amigo.

            O fato de se não lembrar tira-lhe, porventura, a responsabilidade? Deixa ele de ser o criminoso, porque o crime se lhe apagou da memória?

            Muitas vezes, o tempo faz com que a justiça humana considere prescrito o delito.

Mas, nem por isso, deixa de ser o seu autor, um delinquente. E a justiça divina, que não pode deixar impune o culpado, o traz de novo ao cenário de suas iniquidades para que ele pague o mal que fez.

            Não se conta o tempo no além; para as coisas do além ele é como se não existisse. As vidas são solidárias umas com as outras, e como o SER é o mesmo, qualquer que seja a sua vestidura carnal, uma segunda vida para ele é continuação da primeira, a sua consequência inevitável.

            É como se uma criatura, na mocidade, comete-se uma falta, que viesse a pagar anos depois. Ninguém acharia isso injusto. Todos diriam: pagou o que fez, - inda mesmo que o faltoso houvesse esquecido a falta.

            Pois uma segunda existência, é uma dilação no tempo, dilação que não é nada perante o Supremo Juiz e diante da Eternidade.

 ***

             Temos inúmeras provas da sobrevivência, da solidariedade das existências, da justiça do Criador.

            Platão dizia: aprender é recordar. Os casos de precocidade, os gênios, as aptidões extraordinárias, nada mais são que a armazenagem de conhecimentos anteriores. E isso vem demonstrar que nem sempre a memória do passado jaz completamente mergulhada em trevas. Mozart é um exemplo. Foram outros tantos exemplos. Paganini, Thereza Milanollo; Liszt, Beethoven, Rubinstein, que, antes dos dez anos de idade, já se faziam admirar.

            Pascal aos 12 anos descobriu a Geometria plana.

            Jacques Chrichton, aos 15, discutia qualquer assunto em latim, grego, hebreu ou árabe.

            Henrique de Heinecken falou quase ao nascer; aos dois anos já sabia três idiomas.

            Mezzofanti conhecia setenta línguas e atualmente o Sr. Trombetti parece passar, em conhecimentos poliglóticos, o ilustre cardeal. Ele consegue aprender uma língua em poucas semanas.

            O prof. Richet, no Congresso Internacional de Psicologia, de Paris, apresentou uma criança, que sem saber ler, nem conhecer música, aos 3 anos de idade, improvisava vários trechos musicais muito interessantes.

            George Stephenson, o inventor da locomotiva a vapor, nunca entrou numa escola. Aprendeu a ler e a escrever já na maturidade.

            Donde teriam vindo esses conhecimentos?

            A hereditariedade não pode explicar o gênio. Nem sempre os pais inteligentes produzem filhos prodígios; nem os filhos prodígios são sempre nascidos de pais inteligentes.

            Os filhos de Péricles, o grande Péricles, que deu nome a um século, eram dois tolos. E o de Cícero, de Carlos Magno, de Goethe, de Napoleão?

            E quem eram os pais de Mozart, de Newton, de Shakespeare, de Dante?

            Quem nos diz, ainda, a nós, que as pessoas se não recordam das vidas anteriores?

            Lamartine, na sua viagem à Palestina, antes de chegar a certos lugares, descrevia os como se já houvesse passado por eles. Era, no entanto, a primeira vez que os visitava.

            São muitas as pessoas notáveis que declaram parecer-lhes ter vivido uma outra vida, de cujos episódios se recordam.

            É muito comum, em algumas crianças, ouvi-las dizer que já viveram em outras regiões, que já tiveram outros pais, que já possuíram outro nome.

            Tem-se mesmo procurado verificar se o que elas dizem é verdadeiro, quando mencionam nomes e circunstâncias que ninguém conhece, e, por várias vezes, conseguiu-se averiguar que tudo era de exatidão surpreendente.

            Enfim, os livros sagrados nos falam dessas vidas sucessivas, doutrina que já vem de remota antiguidade.

            Virgílio nos diz que a alma, mergulhando no Letes, perde a lembrança de suas existências passadas.

            Assim é. E feliz daquele que, mesmo nesta vida, pode mergulhar no Letes do esquecimento, e assim amortece na memória os dias que mal empregou, as injustiças que praticou, as más doutrinas que pregou, o que ruim aconselhou, todas as maldades que engendrou.

            Feliz seria se tudo pudesse esquecer, como nos esquecemos dos fatos de uma existência para outra.

            Mas a voz da consciência nos acompanha às portas da morte e mesmo depois da morte, até que um arrependimento profundo a faça calar. Transpomos, então, de novo o espaço, acalentados pela esperança da redenção e mergulhamos de novo no Letes da vida, onde vimos saldar as nossas contas, sem o peso temível das recordações do passado.

            É essa a Lei.


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