Pesquisar este blog

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O Dogma e a Fé



O Dogma e a Fé
A Redação
Reformador (FEB) 1º Abril 1918

            O dogma é a negação de Deus, a fé no dogma é a negação formal da essência mesma do espírito - a inteligência.
            Nada há oculto que não deva ser desvendado, nada há secreto que não deva ser conhecido,” disse Jesus, a suma sabedoria relativamente ao nosso planeta.
            Nessa fórmula, tão concisa na sua estrutura, quanto profunda no conceito que encerra, não se nos patenteia, em toda a sua grandiosidade, a lei absoluta do progresso indefinido, abrangendo, de modo claro e preciso, o pensamento e o sentimento, o intelecto e o coração?
            Que é, afinal, o dogma em religião? Um pesadelo inacessível à inteligência, mas, que, por isso mesmo, se tem que aceitar sem discussão, nem análise.  
            Ora, não é evidente que a existência de semelhantes postulados colide abertamente com a sentença do Cristo por nós acima exarada? Certo que sim.  
            Como pode ter o Cristo declarado, sem incorrer numa afirmação inexata, “nada haver de coreto que não deva ser conhecido”, uma vez que, com a presciência decorrente da sua altíssima perfeição, não lhe era lícito ignorar que de futuro surgiriam os dogmas criando barreiras intransponíveis à inteligência?
            Se nada há oculto que deva ser conhecido claro é que por nenhum lado a inteligência encontrará muralhas que não escale um dia, óbices que não vença, barreiras que não transponha. Se assim não fora, a que ficaria reduzido o progresso intelectual, cuja realidade aquela fórmula proclama, sem lhe por limitações, o que nos força a admitir que ele será indefinido para cada ser?
            Não é exato que as ideias humanas apenas variem, como ainda há pouco alguém o disse. Eles variam progredindo. A variação que lhes notamos não se produz desordenadamente em todos os sentidos. Semelhante desordem é meramente aparente. Origina-se na incapacidade, que ainda nos é peculiar por efeito do nosso grande atraso intelectual e sobretudo moral, para apreendermos as insensíveis graduações por que elas vão passando no seu lento mas constante evoluir, no seu progressivo alteamento.  
            Existisse tal desordem e impossível seria aceitar-se como perfeitos os atributos divinos, como absoluta a sabedoria do Criador.
            A variação das ideias humanas, exprimindo exatamente a atividade da inteligência na via do progresso, só se nos afigura desordenada quando a observamos através da lente defeituosíssima do dogma, seja este científico ou religioso.
            A variedade extrema das formas, dos aspectos, das modalidades, debaixo da unidade absoluta da lei que a todos preside encadeando a origem à finalidade, tal a característica da obra universal da criação, correspondendo à característica suprema do Criador - a de Ser uno e único.
            Pretender que dentro desse variar constante de formas, colimando um único objetivo - o aperfeiçoamento contínuo e ilimitado de tudo e de todos, alguma coisa possa conservar-se por todo o sempre inalterável - o dogma, é pretender que a lei divina comporte a exceção.  
            Nessa mesma inalterabilidade do dogma está a sua condenação. Dogma inalterável é estacionamento e o estacionamento absolutamente não existe e não pode existir em ponto algum do universo, da obra de Deus, que foi sempre, é e sempre será a atividade criadora. Ele a todos os instantes criou, cria e criará por toda a eternidade. Se nos fosse lícito supô-lo inativo durante uma fração, ainda que infinitesimal do tempo, teríamos que admitir uma limitação do seu poder. Ora, quem diz limitado diz finito e Deus é em tudo e por tudo infinito.
            O estacionamento não existe, dissemos. E de fato: mesmo onde nos parece que o vemos, a atividade demonstra, porquanto o estacionamento é morte e morte é apenas transformação evolutiva.
            Por isso mesmo é que o dogma representa para o credo que o instituiu – a morte. Esse credo morre pelo dogma, mas, morrendo, se transforma, evolui.
            O absurdo do seu dogmatismo feriu de morte a fé que ele pregava. Mas, como morrer é transformar-se, é evoluir, já a vemos renascer, emergir no sepulcro do dogma, onde deixou para sempre enterrado o – credo quia absurdum, empunhando nova bandeira em que se lê: “Creio porque sei, porque conheço, porque entendo”.
            E assim, obedecendo à lei da atividade universal, à lei do progresso constante e perene dos destroços da esbordoada igreja dos homens, vai surgindo e elevando-se a verdadeira igreja, a igreja do Cristo, dentro do qual este nico preceito, inteligível, compreensível, insofismável, fará o que não fizeram, nem o farão todos os dogmas de que a religião e a ciência se têm socorrido precisamente por não quererem obedecer-lhe: “Amar a Deus acima de tudo e amar, como a vós mesmos, o vosso próximo, seja este amigo ou inimigo, sectário das vossas crenças ou adversário delas.
            Tentar a revivescência, ou seguir a conservação do dogma vale por querer derrogar a lei divina, opor obstáculos à execução dos desígnios divinos daquele que não criou o ser para ficar estacionário, nem mesmo na beatitude, mas para evoluir, elevar-se, aperfeiçoar-se eterna e ilimitadamente.
            E semelhante tentativa equivale a pretender barrar o curso da torrente que, manando de insondáveis origens se precipita para o imenso oceano, realizando a sua obra de fecundação e purificação.


Nenhum comentário:

Postar um comentário