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sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Bens Materiais

 

Bens materiais

W.

Reformador (FEB) 1º Abril 1918

 

            Assim pois, aquele de vós que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo.” Lucas XIV. 33.

 

            A nova revelação trazida por intermédio de Roustaing, isto é, o comentário dos Evangelhos feito pelos próprios Evangelistas, servindo de médium aquele escritor francês, pouco fala a respeito de semelhante versículo de Lucas. Apenas sete linhas.

            Essas sete linhas, porém, dizem tudo.

            E, se forem bem meditadas, nenhuma palavra se faria mister acrescentar-lhes.

            O espírito humano, entretanto nos é, em geral, muito amigo de meditações. Exige que se fale longamente, repetindo cada dia os casos já sabidos, para poupar-lhe esse trabalho e inspirar no ânimo certos princípios, que devem nele estar gravados salientemente, como o código ao qual lhe cumpre obedecer. 

            Daí a necessidade de comentários mais extensos em se tratando de quem não gosta de meditar.

            Será difícil, no entanto, acrescentar alguma coisa de fundamentalmente novo ou de valioso a estas palavras da obra de Roustaing, a propósito do versículo que encima estas linhas:

             “Para seguir a estrada do progresso, da caridade universal, é preciso desapegar-se dos bem materiais, não lhes criar afetos, mas SOMENTE servir-se deles, como meio de beneficiar-se e aliviar seus irmãos; RENUNCIAR AO QUE SE TEM, não é atirar fora, desfazer-se de tudo, mas só ligar-lhe valor quando ao bom emprego que lhe pode dar.”  

             Encerram tais palavras a moral mais sublime com relação a conduta, que devemos ter, no que concerne ao uso e ao amor aos bens materiais, ao dinheiro.

            Essa moral é a mais alta expressão do que as religiões adiantadas ensinam e abrange os ensinamentos sociológicos mais elevados de qualquer das escolas, colocando-se numa altura independente de qualquer deles.

            Porque a filosofia espírita não entrando na apreciação dessas escolas econômico-sociais, por outra ser a sua tarefa, contém os princípios da lei divina, no qual devem subordinar-se todas as humanidades, em todos os planetas, quaisquer que sejam as reformas sociais apuradas no meio delas.

 ***

             Se há pontos do Evangelho que mereçam a mais ampla divulgação, a fim de ir polindo as arestas dos nossos sentimentos ainda pouco purificados - esse que citamos é certamente um deles.

            A humanidade atravessa um período de duras provações. Os sofrimentos aumentam. As dificuldades de vida crescem para quase todas as classes. E, sem falar na desgraça máxima representada pela contingência de pegar duma carabina para matar por grossos os semelhantes ou inutiliza-los, antes de morrer também ou ficar inutilizado – o mundo apresenta, no momento atual, o aspecto mais doloroso que se possa imaginar, tal o acúmulo de males e desventuras que tendem agravar-se em vez de minorar.

            Em face disto, é dever do homem estudar a causa de todas essas desgraças, a fim de remediá-las, em vez de estudar a causa de todas pelo seu aspecto superficial.

            Não se pode negar que a fonte de todos os males sociais reside, juntamente com outros fatores, no amor exagerado aos bens materiais.

            É essa única ocupação incessante de aumentar os lucros, de acumular dinheiro, seja unicamente pela satisfação de guarda-lo, de procurar fontes de gozo material, requintes de prazer, além do que normalmente o homem pode e deve desfrutar, é essa preocupação incessante a origem do mal estar geral que se nota hoje, com mais veemência talvez do que em todas as épocas passadas.

            Seria inexato, porém, afirmar que é a causa exclusiva.

            Há outras que entram como fatores de primeira ordem: o orgulho, a inveja, a falta de amor.

            Mas o egoísmo é sempre um fator respeitabilíssimo nesse vasto laboratório universal de sofrimentos.

            E se o egoísmo deve ser estudado em múltiplos aspectos, não há dúvida que pode e devo ser começado por esse dos bens materiais e é por isto que a ele se refere de modo tão frisante a palavra do Cristo.

            É bem verdade que a caridade mais valiosa é a que se dirige ao espírito; que aquele que procura satisfazer a necessidade moral do seu semelhante lhe presta maior benefício do que com o dar-lhe uma esmola monetária; que o desejo do progresso espiritual dos nossos irmãos e a cooperação para ele é mais benéfica do que o desejo de aliviar as necessidades materiais e o que, neste sentido, se possa fazer.

            É bem verdade tudo isto. O que, todavia, não é menos verdade é que quem se não interessa pelo minorar os sofrimentos corporais do próximo, menos se incomodará com seus sofrimentos morais, com as necessidades do seu espírito. -

            Não falta quem diga, (e com isto exprimirá uma verdade consagrada na ciência espiritualista) que todos os sofrimentos do homem tem origem na reparação, que lhe  compete, de atos passados: que o sofrimento, a miséria, as dores, as necessidades, representam cenas já anteriormente preparadas, que devem desenrolar-se, a fim de, com isto, o homem resgatar as culpas que sobre ele pesam.

            Numa palavra, todos os portadores da nova revelação cristã, afirmam que o sofrimento e a miséria de cada um é consequência e ao mesmo tempo o remédio de faltas anteriores equivalente e realmente o enunciado deste princípio fundamental foi a maior razão da luz até hoje projetada no domínio dos conhecimentos e a crença da humanidade.  

            Isto, porém, implicará nosso indiferentismo ou permitirá que cruzemos os braços diante dos sofrimentos e das privações materiais dos nossos companheiros de degredo, sob o pretexto de que estão cumprindo o seu destino e de que tal sorte lhe é imposta, com todos os merecimentos, pelos executores da justiça divina, soberanamente justa?

            De modo algum.

            A lei da reparação se cumpre com a justiça absoluta, bem o sabemos.

            Mas com esta justiça só tem a preocupar-se os seus executores, que não são, certo, os homens.

            Com a explicação dessa - não diremos “pena”, que esse conceito assim como foi varrido da concepção do moderno direito moderno penal, também o foi pelo neo-espiritualismo racional - com aplicação aos homens desse remédio desagradável, melhor assim se exprimirá, só tem que ver os espíritos prepostos à execução das leis divinas, os quais naturalmente preparam a situação em que cada um tem de nascer na Terra, situação matematicamente correspondente aos seus atos e pensamentos na vida ou nas vidas anteriores.

 *

             Nós aqui, na Terra, não teremos de entrar nessa tal apreciação.

            Ao lado dessa lei de justiça, cuja execução é dirigida no mundo espiritual, existe a lei da solidariedade e e do amor, cuja observância nos é imposta, em progressão sempre crescente, de conformidade com os surtos de nosso desenvolvimento moral.

            Achamo-nos, todos os homens recolhidos a uma vasta penitenciária ou hospital (que outra coisa não é a Terra, sob o ponto de vista neo-espiritista) e nossa tarefa não é a de indagar se tal pena de “A” ou “B” é merecida e sim de procurar, por todos os meios ao nosso alcance, tratar de minorar a situação aflitiva dos que estão em piores condições que nós.

            Este o dever fundamental do homem: todo os outros deveres-lhe são subordinados.

            Se alguém sofre provações, objeta-se, é porque assim o merece.

            Também não é menos verdade que se, de qualquer modo, o favorecemos é porque assim ele a isto fez jus, pois tudo quanto acontece é merecido.

 *

             Voltando à letra do Evangelho – nunca será demasiado soletra-lo e é mesmo necessário que esse tema seja incessantemente esclarecido e repetido para ir fazendo brecha nas duras trincheiras do egoísmo humano - voltando à letra do Evangelho, é mister reconhecer que os homens, em geral, ainda pouco tem feito que concerne ao desapego dos bens materiais e consequentemente à tarefa de, com eles, minorar os sofrimentos e as provações dos necessitados.

            Ninguém deseja, com uma tal afirmação, que os capitalistas e os homens arranjados venham para a praça pública distribuir a fortuna pelos desocupados ou pelos enfermos nas choupanas, ou pelos indigentes sem abrigo.

            Não se trata da dissolução da fortuna: trata-se da sua boa aplicação. Não se trata de dar cegamente: trata-se de dar de modo inteligente, direta ou indiretamente.       

            Não há dúvida que é uma responsabilidade bem grande para o capitalista, para o homem economicamente independente não cuidar de minorar as necessidades materiais dos mártires do dinheiro.

            E se o próprio fato de ter amor - exagerado aos prazeres trazidos pela posse da fortuna, prejudica extraordinariamente o desenvolvimento moral, ocasionando em outra vida de regresso à Terra, uma situação justamente contrária, isto é, de privação de bens, - que diremos dos homens de fortuna que não só se deixam embriagar pela comodidade do conforto material, mas, além disto, não tratam de empregar uma parte uma parte do supérfluo na mitigação da miséria dos semelhantes?

 *

             É difícil imaginar como possa dormir um sono tranquilo o habitante de um palácio, que rega com vinho espumante as suas refeições, sabendo que a mesma hora milhares de irmãos seus se contentariam com uma côdea de pão que lhes falta e com uma beirada de zinco para abriga-los da intempérie?

 *

             Até hoje, pondo de parte as raras exceções de filantropia e desprendimento, o mais que o homem comum faz é privar-se de uma parte mínima do que, na sua fortuna, lhe é supérfluo.  

            Já também nos não referiremos a essas expansões deploráveis de avareza, por não estar isto, felizmente, na generalidade dos homens.

            Lançando um relance d'olho pela obra até hoje realizada, é bem de ver a dolorosa realidade do que muito deixa ainda a desejar.

            Cuidamos, ainda, demasiadamente, do nosso conforto.

            Preocupamo-nos demasiadamente com o nosso futuro e pensamos pouco no mal estar social, na privação dos nossos semelhantes.

            Praticamos pouco o pensamento contido na doutrina cristã.

            O homem de governo, o homem de finança, o homem do alto comércio, o grande proprietário pouco pensa ainda no sofrimento dos semelhantes. Há-os que pensam um tanto. Chegou, porém, o tempo de se pensar mais.

            Ao homem de governo, especialmente, cabe, neste particular uma responsabilidade bem grave, pois a resolução do problema de aliviar os males sociais, em grande parte, está nas suas mãos, exigindo apenas que ele se interesse um pouco, que procure, sentir um pouco a sorte dos homens necessitados.  

            A isto, quase sempre objetam que não há recursos orçamentários para despesas de tal ordem.  

            Mas, num só dia, às vezes, em qualquer país, se gasta em despesas extraordinárias inúteis, francamente inúteis, criminosamente inúteis, uma importância que seria suficiente para resolver o futuro de mil pessoas infelizes, para fundar um hospital onde mil doentes, sem recursos, recebessem o alívio de suas enfermidades!

            Que grande responsabilidade para os homens do governo, perante a lei divina!

            Não há recursos? pois que se procurem onde os houver! Que se criem esses recursos!

            Não há princípios de direito administrativo, de finanças ou de economia política que possam preterir os da dá lei divina.

            Implica isso numa taxação maior para as classes mais favorecidas?

            Bendita essa taxação que tivesse por escopo divisar alguns grãos de trigos de um celeiro para salvar a quem morre de fome!

 *

             Não só os governos são bem culpados neste particular, mas todos nós em geral.  

            Seria suficiente que desistíssemos todos de uma centésima parte do que ganhamos para que a felicidade material se estabelecesse no planeta para todos os habitantes.

            Porque não se reúnem os homens para fundar institutos, associações de beneficência, não um, mas dois, três, dez, cinquenta, tantos quantos se fizerem necessários?

            Porque não se reúnem os mais arranjados, organizando uma distribuição constante, ampla de recursos aos milhares que sofrem, o encaminhamento de desamparados para atividades sociais, a reparação de faltas que levam infelizes meninos a abraçar a vida desonesta?

            Porque não vamos ao encontro das necessidades dos nossos irmãos, sem esperar que eles nos procurem?

            Tudo isso unicamente porque dentro de nós há ainda o egoísmo a governar.

            Procuramos só em nós, só no que desejamos e nos abstemos de pensar no que os outros e no de que precisam.

            Temos ainda demasiado apego aos bens materiais, ao dinheiro.

            Estamos longe de uma tentativa de prática do pensamento contido no comentário da nova revelação.

            Porque, a mal cumpri-lo, deveria cada um perguntar a si próprio todos os meses:  pondo agora de lado o que me é restritamente necessário, - de que modo poderei aliviar as necessidades e sofrimentos de meus irmãos, com o restante dos meus vencimentos ou lucros mensais?

            Como estamos longe de semelhante preocupação!  

            Mas, também quanta responsabilidade vamos assumindo com o nosso indiferentismo!

            Que vida futura nos vamos preparando, sem cuidar de raspar essa crosta de egoísmo que nos envolve e domina o espírito!




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