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terça-feira, 22 de setembro de 2020

No declínio

 

No declínio

A Redação

Reformador (FEB) 15 Maio 1907

             Não tem o Espiritismo mais encarniçado adversário ostensivo que a igreja católica romana. Também, em sua acidentada história, jamais sentiu ela surgir-lhe pela frente, ameaçador em seus tranquilos ensinamentos, adversário mais terrível que a Revelação Espírita.

             É que nenhum se lhe apresentara até agora tão bem aparelhado de iguais elementos, seguros, completos, de combate e de sucesso.

             E como não ser assim se, continuador dos ensinos revelados no mundo por Jesus, o Espiritismo, Consolador prometido, vem tornar claras as verdades que o Divino Mestre propositalmente velara na obscuridade das parábolas, acrescentar aquelas outras que ele abertamente o afirmou - tinha que dizer, mas não poderiam ser ainda suportadas, e restabelecer finalmente as que, diante mão o sabia ele, seriam adulteradas pelos homens, torturadas e desligadas pelos infiéis depositários da Palavra?

             Decorridos os tempos, amadurecidas as inteligências, feito, apesar da furiosa e insensata oposição da igreja, o progresso das ciências, que tornaria possível os novos conhecimentos, o Consolador prometido se fez realidade. Ei-lo aí, arrancando a luz de sob o alqueire, derramando pelas massas populares as consoladoras verdades do Evangelho, provando, pela universalidade das manifestações espíritas, a sobrevivência da alma e sua imortalidade, assim oferecendo a todos, não já a esperança, mas a certeza de uma outra vida - a vida espiritual - eterna e indestrutível, e determinando por esse fato a mais profunda e regeneradora transformação moral das sociedades humanas, que feneciam no ceticismo e na materialidade.

             Vendo o Espiritismo assumir essa atitude superior e definida, que cada dia mais se acentua, na evolução da humanidade, nada mais natural que se alvoroçarem alarmadas as alarmadas igrejas, imobiliza-las em seu dogmatismo sectário, mas particularmente a igreja romana, que durante tantos séculos usurpara o cetro da direção religiosa dos povos do ocidente, e sente agora esvaecer-se o prestígio em face da Nova Revelação triunfadora.  

             Por isso, ela que resistira aos embates do materialismo, porque era uma doutrina desoladora e não oferecia às almas o alimento tão necessário de uma crença, compreendendo que a força e a superioridade do Espiritismo está justamente em constituir uma doutrina religiosa a mais adiantada e mais perfeita, que satisfaz às mais exigentes inteligências e basta a todos os corações, considera-o com razão o mais temeroso dos adversários, e dardejar-lhe por isso encolerizados, sistemáticos e desesperados golpes.

             E entretanto - já o dissemos aqui nestas colunas - não é do Espiritismo que a igreja deve recear a queda e a ruína. Ele não a hostiliza, como não hostiliza sistematicamente nenhuma igreja ou confissão religiosa, tão certo está de que tais igrejas viverão apenas o tempo que os seus ensinos satisfizerem a alguns fiéis. Quando já os não houver que com eles se contentem, uma a uma irão ruindo tais igrejas.

             Por isso as deixa o Espiritismo ir vegetando à sombra das almas ignorantes que as sustentam, sem embargo do direito de livre exame e crítica que legitimamente se permitem uma vez por outra os seus adeptos, em relação aos dogmas que apregoam tais igrejas, sobretudo quando em nome desses dogmas são atacados os princípios da revelação espírita.

             Fora disso o Espiritismo só é para temer porque ensina a Verdade, e a Verdade choca muitos interesses e descontenta singularmente os que, para viver, necessitam manter no erro o povo.  

             Dizíamos, porém, que não é do Espiritismo que advirá à igreja a ruína de que sente ameaçada.

             Mais que das verdades novas que não pode tolerar, deve ela com efeito arrecear-se dos seus próprios erros e das funestas consequências desses erros; e tanto como destes – corolário lógico que é - do espírito de indisciplina e de dissolução que lavra em suas fileiras.

             A esse respeito publicava recentemente uma folha de Cartagena, La Tierra, um artigo intitulado “Aires de cisma?” que estereotipa muito bem a situarão presente dessa igreja e prova que não exageramos proclamando-a no declínio.

          Vamos reproduzi-lo do nosso colega “Albores de la Verdad”, de Barcelona, que em primeiro lugar o transcreveu, e por ele verão os leitores que essa estrela de primeira grandeza, que há dezenove séculos brilhou no firmamento do planeta, iluminando-o, mas não tardou a transformar-se em decrescente e, por fim, empalidecido e minúsculo asteroide, vai tombando rapidamente para o ocaso.  

             Antes de transcrever, contudo, o aludido artigo, seja-nos lícito assinalar, como um evidente cunho de sua imparcialidade, que não foi ele escrito por um adversário; antes transparecem em mais de um lugar a mágoa e as apreensões de seu autor pela sorte dessa igreja, a que assim parece filiado.

             Isto posto, cedemos-lhe a palavra:

             “Com justa razão preocupa e alarma os espíritos sinceramente católicos um movimento de visível retraimento que, em relação ao pontificado romano, se vem observando, primeiro na América do Norte, algum tempo depois na Áustria, um pouco na Suiça, no México, em alguns lugares da Alemanha e na própria Itália, em Roma, às portas do palácio pontifício.

             “Em vão foi condenado por Leão XIII o denominado americanismo, ou o catolicismo liberal à moderna. Sob a feição de independência política e democracia cristã passou ele a manifestar-se na Itália com o presbítero Romulo Murri e na França com o abade Loisy, em forma de exegese bíblica moderna à altura dos progressos da ciência.

             “Já na França existia latente o galicanismo, um dia condenado pela Santa Sé, em virtude de suas tendências separatistas; e tão arraigado estava, posto que não ostensivamente manifesto, que em Roma sabia-se não lhe faltar a adesão de vários bispos e grande número de sacerdotes. Só nos religiosos se tinha absoluta confiança; desgraçadamente, porém, foram expulsos e um deles, o superior dos Eudutus, pode dizer a Leão XIII: “Senhor, podemos opor ao governo que nos acaba de expulsar a resistência que Sua Santidade nos indique; porque o clero não nos tornou muito simpáticos a certas camadas da sociedade, e posto que nos não combata, também não nos defende; mostra-se passivo; não podemos contar com ele; não existe na França união entre sacerdotes regulares e seculares: estamos, pois, perdidos, se Deus não faz um milagre.”

             “E nestes dias amargurados para a Igreja, quando o Papa ordena ao clero e ao povo c:atólico francês resista, inda que sem violência, à lei de separação de uma parte desse povo, outra do clero não se mostram dispostas a acatar e por em prática essa determinação. - Serão cassadas a esses sacerdotes a licença para exercer o culto, disse algum prelado. E a resposta foi: - Bem, exerceremos o ministério sem elas, enquanto houver católicos da nossa opinião que nos aceitem. - Acompanharemos esses curas disse a seu turno uma parte do povo francês.” Não é isso grave? Não é desolador?

             “Pois ao mesmo tempo, na Itália, os democratas católicos, guiados por muitos sacerdotes, acabam de afirmar que obedecem ao Papa como chefe religioso e na órbita religiosa; mas que lhe não reconhecem autoridade alguma em política, nem o direito de designar-lhes, por si ou pelos bispos, os candidatos em que hão de votar e a conduta política que hão de seguir.

             “Procede-se, por ordem de Sua Santidade, a uma investigação minuciosa entre o clero das dioceses italianas. Mas já uma parte desse clero a mesma coisa que o francês: - Se o povo nos aceita, como o governo não nos será hostil, continuaremos exercendo nosso ministério, apesar de quem se oponha, inda que seja o Papa.

             “E um bispo – o de Cremona - põe em sobressalto o Vaticano com folheto, livros e prédicas de sabor democrático: outro bispo francês havia já replicado a uma repreensão do cardeal Merry. Antes que V. Em. fosse presbítero, já eu era bispo, e sei mais do que convém a uma dIiocese que V. Em., e que outro qualquer. Tenha a bondade de me não incomodar e ater-se a seus assuntos da Secretaria.

             “Se estes não são sinais de um espírito disposto à rebeldia, quais serão?  

             “Na Boêmia sopram os mesmos ventos sob pretexto de aversão à Áustria e de nacionalismo; mas na Áustria também sopram eles, tocados por certas sociedades semi secretas de clérigos, como acontece com outras da Alemanha, que têm ramificações ocultas na Espanha. M.”

             Aí termina o artigo de La Tierra. Se fosse necessário acrescentar-lhe um comentário seria este: contaminada assim em suas fontes vitais, destruída a coesão, aniquilado o espírito de obediência e disciplina de seus membros, pelo qual unicamente conseguiu viver até agora, que esperança pode restar a essa igreja? Ela morre aos poucos, dissolve-se, repudiada por aqueles mesmos cujo interesse estaria em conservá-la.

             Mas é a justiça de Deus que se cumpre. Ela que atraiçoara o Cristo, de cuja doutrina tirou a existência, termina por ser abandonada dos próprios que ela fez viver.

             Que, pois, as nossas críticas cedam lugar' ao gérmen de destruição que circula em seu organismo combalido. Deixemo-la tombar sofregamente no declínio, e embora de sobreaviso contra suas derradeiras investidas, não lhe recusemos o preito compadecido a que tem jus o que hoje apenas representa o cadáver de uma grande ideia.


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