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sábado, 14 de setembro de 2019

Croniquetas - 1


Croniqueta - 1
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Abril 1923

Afinal, parece que ainda teremos de agradecer aos corifeus do clericalismo impiedoso a intensificação da campanha desabalada que nos vêm movendo pela grande imprensa, ultimamente.

Porque a verdade é que, na razão direta do seu esforço, como a patentear-lhe a inanidade, surgem os fatos capazes de impressionar o grande público e, o que mais é: divulgados por essa mesma imprensa profana.

Há dias, era a notícia da materialização de um Pontífice em pleno Vaticano, assistida e afirmada por uma dezena de sacerdotes, testemunhas mais que insuspeitas.

Aliás, o fato não é único e quem quiser certificar-se de outras manifestações espíritas ali ocorridas, em várias épocas, não tem mais do que compulsar a obra interessante do Dr. Lapponi, médico que foi de Leão XIII, intitulada “Hipnotismo e Espiritismo” e editada em 1907.

Depois, surge o caso da materialização, em plena rua de Fortaleza, de um
rapaz desencarnado em S. Paulo, rogando a uma jovem católica, caminho da igreja, que por ele rezasse na sua missa diuturna e vindo, manhã seguinte, agradecer-lhe o deferimento à piedosa súplica.

O telegrama não nos disse com que cara ficaria a pobre moça, nem se o chauffeur, que a pouca distância também presenciara o fato, derrapou o respectivo auto; mas disse tratar-se de criatura católica, praticante e, portanto, temerosa do “manfarrico” (demônio), o que afasta a sibilina hipótese da alucinação e da auto sugestão, ao demais havendo o efialta (demônio) manifestante dado o seu nome, um nome desconhecido, e detalhes outros como: rua e número da residência em S. Paulo, data da desencarnação, etc.

Também é verdade que os nossos beatíficos clérigos e teólogos de casaca afirmam ser S. Exa. o Diabo um cavalheiro quase onipotente, quanto onímodo (ilimitado) na sua faina indefinidamente maléfica, capaz de, por eternas escaramuças com a imbele (que não tem espírito aguerrido) humanidade, ludibriar, não diremos a Deus, mas aos próprios anjos e, portanto, melhormente, a eles padres.

E assim, concluirão: justamente por se tratar de uma ovelhinha submissa à Santa Madre Católica é que ele - o Proteu (na mitologia grega, é uma deidade marinha. É filho dos titãs Oceano e Tétis) maldito, assim procura engasopa-la (engazopar = mentir), melífluo (doce) a pedir preces.

Pois, se assim não fosse é que seria o diabo, perdão - não seria o diabo.

O raciocínio não é novo e lembra o daquele velho padre que, chamado a exorcizar um possesso, lhe aplicava o crucifixo e... zás: se o demo fugia, é porque não pudera defrontar a Cristo, era bem o demo, líquido e certo; mas, se teimava, o maldito, era ainda o mesmo demo, não menos líquido, nem menos certo, pois só ele podia ter a petulância de resistir ao crucifixo!

Compreende-se que, com semelhante lógica, não é difícil explicar o caso
do Ceará, ainda mesmo que comprovada seja a identidade do espírito manifestante.

Ou não fosse a Demonologia uma ciência dos diabos, talhada para a mentalidade medieval...

*

Mas, o que por outro lado se verifica é o fluente acréscimo do proselitismo espírita, a desdobrar-se em manifestações de sadia atividade.

Há, por toda parte, um intenso movimento agremiativo, promissor de realizações mais fecundas, do ponto de vista teórico, não somente, mas prático e tendente a demonstrar que somos uma força social agente e pensante.

No Pará, onde a mediunidade preciosa da Sra. Prado tem feito grande brecha nas fileiras do ceticismo e do indiferentismo e onde a doutrina conta hoje uma plêiade de intelectuais de escol, inaugura-se, a breve trecho, a sede da União, em magnífico prédio adquirido para esse fim.

A União paraense é uma das sociedades espíritas mais antigas e conceituadas do nosso país, não só pela sanidade de sua orientação, como pelos benefícios e luzes que derrama.
           
Atualmente, mantém ela uma Escola gratuita para crianças pobres e uma revista de propaganda, fina e criteriosamente redigida.

Na Bahia, berço da doutrina, por assim dizer, em nosso país, de cinco anos a esta parte a propaganda teve vida nova.

Aí também se adquiriu edifício próprio para a família espírita e a União Espírita Baiana, sob a direção do velho campeão, que é José Petitinga, vai arregimentando preciosos elementos esparsos, promissores de surtos mais fecundos.

Ainda há pouco, os artigos de Ricardo Machado - outro velho pioneiro da Boa Nova naquelas plagas - lançados, com desassombro na imprensa local, tiveram o condão de despertar muitas consciências expectantes.

E vai, daí, o aparecimento de outros lidadores cheios de viço e esperança, a porfiarem na propaganda, para que a terra tradicional do intelectualismo indígena assegure o lugar que de direito lhe cabe na comunhão da nova era em nossa Pátria - terra da Cruz, da Fé, portanto, mas Fé esclarecida, raciocinada, que não cega, como a pretendem as velhas ficções religiosas, enfeudadas nos seus dogmas.

Ainda, talvez, neste número ou no próximo, o leitor verá uma bela poesia de um novel confrade, que assim se afirma elemento aproveitável entre os seus pares.

Abençoada seja, portanto, essa hostilidade dos nossos irmãos católicos, que de tal arte afervora a nossa crença avolumando as nossas fileiras.

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