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sábado, 30 de maio de 2015

Perante os Mortos

             Quando visites o campo convertido em relicário da cinza dos mortos, procurando tatear a lembrança dos seres queridos que o sepulcro recobre, endereça-lhas a própria alma, em forma de amor,  porque eles vivem. 

            Pensa neles com o enternecimento de quem reencontra velhos amigos, apartados de ti por temporária separação.

            Qual se estivessem, involuntariamente, numa parada expectante, falam-te, em silêncio, a verdade que o verbo humano não articula. Basta medites para que lhes recolhas a voz...

            Poderosos de ontem, que abusavam da autoridade, lamentam o capacete esbraseado de angústia e remorso que lhes envolveu as consciências; déspotas de variados matizes, que zombaram da fraqueza ou da ignorância do próximo, conservam enterradas, no próprio peito, as lâminas repulsivas com que desataram as lágrimas alheias; juízes, que leiloaram a dignidade dos tribunais, suportam as consequências do arrazoado precioso com que vestiram sentenças ímpias; intelectuais que encharcaram a pena em lodo mental, assalariando a própria inteligência no artesanato do crime, clamam contra o nevoeiro que lhes entenebrece os pensamentos; tribunos, que esconderam propósitos sombrios em frases fulgurantes, ouvem, no ádito de si mesmos, as doridas exprobrações de quantos lhes caíram na vasa das intenções subalternas; artistas, que injuriaram a Natureza, senhoreando-Ihe os recursos para suscitarem nos outros a delinquência emotiva, arrastam-se, obsessos e infelizes, nos torvelinhos da insanidade; pessoas dinheirosas, que fizeram do ouro e da prata incenso constante à própria vaidade, buscam, em vão, apagar a mentira das pomposas legendas que lhes marcam os restos ...

            Junto deles, porém, surge a caravana dos que chegam dos cimos, a entremostrarem o próprio rasto por mensagem de luz.

            São aqueles que sobrenadaram a onda móvel e traiçoeira das ilusões humanas, desvelando os próprios corações por lábaros esplendentes...

            Ostentavam nomes admirados, mas souberam transfigurar a própria grandeza no trabalho em que se tornavam pessoalmente humildes e pequeninos; foram titulados, na culminância das profissões, entretanto, colocaram o serviço aos semelhantes acima das honrarias; desempenharam comandos sociais em gabinetes governativos, contudo, transformaram a liderança em exemplo de sinceridade e desinteresse, nas causas justas; eram renomados artífices da ideia e do sentimento, no entanto, manejavam a palavra falada ou escrita por enxada solar nas glebas: do espírito; foram mordomos da finança e da economia, mas converteram a fortuna amoedada em sustentáculos do progresso e em fontes da beneficência fecunda; suaram, valorosos e desvalidos, na condição de heróis anônimos que a Terra desconheceu, todavia, passaram entre os homens, extravasando a própria dor, em cânticos de alegria e esperança, nos quais honorificaram o eterno bem ...

*

            Recordando, pois, os entes amados que te antecederam no rumo de realidades excelsas, busca a inspiração dos que conheceste retos e bons e envolve no bálsamo da prece os que tombaram sob a névoa de clamorosos enganos.

            Reflete em todos eles, enviando-lhes a simpatia de tua bênção, porquanto as criaturas de quem te despediste na morte, acreditando em separação eterna, são simplesmente os companheiros desencarnados, componentes da família maior, a cujo seio também chegarás.
Perante os Mortos
Emmanuel
por Chico Xavier

Reformador (FEB) Nov 1962

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