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quinta-feira, 22 de março de 2012

23 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




23      * * *


            Ha que assinalar, antes de tudo, esta verdade: na estrutura imensa da criação universal nada existe inútil nem supérfluo. A cada coisa está designado o seu lugar, a cada órgão a sua função e a toda função a sua utilidade presidindo ao conjunto a mais perfeita e irrepreensível harmonia. E se assim é no plano visível, ordena a lógica inferir que o mesmo se dá no invisível.

            Ora os espíritos, uma vez integrados no meio espiritual que lhes é próprio, assim nas mais elevadas regiões como em nossa mesma atmosfera, enquanto aí os retenha a sua inferioridade, não exercem nenhuma das funções peculiares ao viver terrestre, entre as quais predominam as que entendem com a conservação do indivíduo e a propagação da espécie, isto é, as funções de nutrição e de reprodução. Para que serviriam, em tal caso, os órgãos que lhes correspondem?

            Mais ainda: para permutarem entre si as ideias, não necessitam da linguagem articulada, tal pelo menos como a emitimos, e se algumas vezes a empregam, dirigindo-se aos homens, (1) - e unicamente nesse caso - o fazem, produzindo no éter vibrações mentais, de um dinamismo indubitavelmente isocrono apropriado  à correspondência vibratória da audição humana (2). Entre si, porém, não precisam se entender mais que pelo pensamento. Não nos afirmam além disso os próprios ensinos da Revelação que os espíritos possuem um único sentido generalizado, de tal sorte que todas as suas percepções e sensações se operam, por assim dizer - conforme as expressões do Mestre - por todos os poros do seu organismo fluídico? Para que conservariam então os órgãos localizados dos sentidos?

            (1) Aludimos aos fenômenos acústicos diretamente produzidos (vozes que se fazem ouvir) e não aos de mediunidade falante, em que o médium é o transmissor do pensamento do espírito, pela palavra articulada.

                (2) Que haverá de inadmissível nesse fato, quando vemos, por exemplo, no violino o atrito do arco sobre as cordas imitar a voz humana, ou melhor ainda, quando vemos em dois instrumentos, afinados no mesmo diapasão, o som ferido em um repercutir fielmente no outro?

            A mesma observação pode fazer-se relativamente aos membros de apreensão e de locomoção. Para transpor as distâncias - se é licito assim nos exprimirmos, na ignorância em que estamos das condições exatas do meio espiritual, em que a noção de espaço, tal como o concebemos, desaparece, afetando dimensões que que nos são desconhecidas e permitindo, porventura, que o ser se encontre simultaneamente em vários pontos, sem se deslocar (3) - os espíritos não precisam de pernas. Servir-lhes-iam as mãos para operar sobre a substância fluídica, que os envolve ao infinito, as infinitas criações, que não podemos sequer imaginar, mas para modelar as quais sabemos que basta ainda o pensamento, força modeladora de toda sorte de formas e de imagens?

            (3) Nem sequer parece necessário que o espirito se encontre livre no espaço, para que essa noção consideravelmente se modifique que ou mesmo cesse. Basta recordar o fenômeno de dupla vista de que fizermos menção no capitulo II, fenômeno cujo mecanismo nos escapa inteiramente e no qual a visão de sucessos longínquos se produz instantaneamente.

             Mas nem mesmo delas necessitam, quando intervém em nosso meio físico e produzem fenômenos dessa natureza, como a levitação, o aumento e diminuição de peso dos corpos, o movimento e transporte de objetos sem contato visível, pois que não os apreendem com as mãos, "não os movem a poder de braços (1) ", para lhes diminuir ou reforçar a gravidade, senão que, por meio de uma espécie de imantação ou de transitória vitalização (2), em que o magnetismo desempenha o principal papel, operam ainda e sempre a influxos do pensamento e da vontade.

            (1) e (2)   Ver Allan Kardec, O LIVRO DOS MÉDIUNS, parte 2ª, c ap. IV nº 74, questionário de nº 1 a 25, particularmente nº 9 e 13.

            Se assim é, pois. se na existência livre do espaço não exercem os espíritos nenhuma das funções grosseiras da matéria, se nem, quando entre nós se manifestam, utilizam órgãos e membros de que não necessitam, para que os haveriam de perpétua e inutilmente conservar? A forma humana, permanente e integral, não pode ser, portanto, a que reveste indefinidamente o espirito.

            Qual será então a sua forma? - Aqui é que intervêm os lampejos de probabilidade a que aludimos, ministrando, pela observação, alguns esclarecimentos sobre o caso.

            Pois que, em nosso estado de encarnados e em nosso grau atual de evolução, não podemos conceber o espírito em si mesmo, como ser abstrato, sem limitação nem aparência, força é que, considerando-o sempre associado à substância, pesquisemos que forma dessa natureza deve ele peculiarmente revestir ou revestirá de fato, até pelo menos um certo limite na escala evolutiva, acessível às nossas investigações.

            A forma esférica? - Por maior estranheza que à primeira vista possa causar esta pergunta, e sem nada pretendermos afirmar de positivo, lembraremos que mais de um vidente, em condições propícias, tem acusado a presença de um elevado ser- espiritual, sob a aparência de uma estrela, ou de um globo luminoso (3), projetando raios em sentido oblíquo. Temos por nossa parte, como um subsídio para o estudo dessa atraentíssima questão, o testemunho de uma pessoa de nossa família, médium vidente, sem nenhum prejuízo ou ideia preconcebida, nem sugestão de nossa parte, e que, a propósito da desencarnação de um ser que nos era (e é) sumamente caro, declarou, quando este agonizava, estar vendo ao alto do aposento um como "foco elétrico " projetando um feixe de luz sobre o rosto da agonizante.

            (3) Não se devem confundir as aparições da categoria a que aludimos, sob essa forma, com os fenômenos da mesma natureza e semelhança, isto é, luminosos e esféricos observados em experiências com o concurso de médiuns de efeitos físicos, como Eusápia Paladino e outros.    
                           
                Quem sabe, entretanto, que grau de afinidade ou analogia entre umas e outros haverá?

            Esse testemunho coincide com os outros a que nos referimos e de que temos conhecimento, obtidos em sessões de experimentação, e tem para o corroborar, mas como uma variante, os que foram recolhidos pelo coronel de Rochas, no curso de suas observações com sensitivos magnéticos, os quais, a partir de certo grau de exteriorização (1), declaravam ver flutuar, no espaço, em torno deles, "seres que apresentavam uma cabeça com um corpo terminado em ponta, como uma vírgula."

            (1) Vide cap. II, págs 20.

            Será essa, com apêndice ou sem ele, a forma geral que no espaço revestem os espíritos? Que variantes apresentará, conforme o grau de evolução que vão eles alcançando? - Eis aí questões que a prudência aconselha deixar ao futuro resolver, e que serão para nós de fato resolvidas, à medida que nos formos libertando, não só da ilusão das formas, como desse ingênuo preconceito que nos faz conceber como a mais perfeita e mais bela a forma humana, para nos familiarizarmos com uma estética, por assim dizer, espiritualizada, cujos prismas delicadíssimos não poderíamos agora apreciar e acaso nos pareceriam detestáveis.

            Tudo quanto podemos atualmente saber a tal respeito, conciliando os raros subsídios de observação, a que aludimos com os raciocínios que deixamos formulados, é que, se a forma humana persiste nos espíritos, após a desencarnação, por um tempo mais ou menos longo, regulado pelo seu apego à atmosfera terra á terra à vida que deixaram, e se, por outro lado, os próprios espíritos elevados costumam entre nós se apresentar, para se fazerem reconhecer, com aquela aparência, no que se refere ao busto pelo menos, terminando o corpo em diáfanas roupagens flutuantes, uma evolução mais ou menos lenta se há de necessariamente operar naquela forma, esbatendo-a, transformando-a, numa palavra, adaptando-a às condições específicas do meio em que é chamado normalmente o espírito a viver.

            Que resulta desse fato? - Evidentemente que no processo da encarnação do espírito, não é o perispírito, como tem sido até agora admitido, que fornece o modelo fluídico, invisível, em que se ajusta o organismo físico. E, pois que esse modelo, entrevisto embora apenas como ideal, num intuitivo pressentimento da verdade, por um esclarecido cientista como Claude Bernard, é indispensável para explicar, associado a uma ação diretora, exclusivamente do domínio biológico e não da física nem da química, a formação dos seres vivos, forçoso é que lhe pesquisemos outra origem.

            Analisando, com efeito, em sua INTRODUCTION À LA MÉDECINE, o processo evolutivo a que obedece a formação dos seres, assim se exprimia o eminente fisiologista (1):

            (1) Ver Gabriel Delanne, A EVOLUÇÃO ANÍMICA, págs. 25 e 26.

            "Quando se considera a evolução completa de um ser vivo, claramente se vê que a sua existência é o resultado de uma lei organogênica, que preexiste numa ideia preconcebida e que se transmite, por tradição orgânica, de um a outro ser. Poder-se-ia achar no estudo experimenta! dos fenômenos de histogenia e de organização a justificação das palavras de Goethe, que compara a natureza a um grande artista. É que, com efeito, a natureza e o artista procedem do mesmo modo na manifestação da ideia criadora da sua obra.
            "Vemos na evolução do embrião aparecer um simples esboço do ser, antes de toda organização. Os contornos do corpo e dos órgãos são a principio simplesmente determinados, começando pelos aprestos orgânicos provisórios, que servirão de aparelhos funcionais temporários do feto. Nenhum tecido é então distinto. Toda a massa não está ainda constituída senão por células plasmáticas e embrionárias. Mas nessa tela vital está traçado o desenho ideal de um organismo, ainda invisível para nós, que designa em cada parte e a cada elemento seu lugar, sua estrutura e suas propriedades.
                "Alí, onde devem estar os vasos sanguíneos, os nervos, os músculos, os ossos, etc., as células embrionárias se transformam em glóbulos de sangue, em tecidos arteriais, venosos, musculares, nervosos e ósseos."

            E mais adiante acrescenta ele:

            "O que é essencialmente do domínio vida e que não pertence  nem à química, nem à física, nem a qualquer outra coisa, é a ideia diretriz que dessa ação vital. Em todo gérmen vivo existe uma ideia diretriz que se desenvolve e se manifesta pela organização.  Durante toda a existência o ser fica sob a influencia dessa mesma força vital criadora, e a morte chega, quando ela se não pode mais realizar."

            Pois bem, o que nesta rápida síntese um pressentimento intuitivo da verdade, como o qualificamos. indica vagamente, sob a invocação de uma lei organogênica, preexistente numa ideia preconcebida que se transmite, por tradição orgânica, de um a outro ser, o Espiritismo, tanto quanto à luz dos seus ensinamentos nos é dado penetrar nesses misteriosos arcanos da vida e da gênese dos seres, permitirá claramente apreender, sobretudo se, para determinar com precisão cada um dos fatores que intervêm naquele processo de organização vital, admitirmos como elemento distinto do períspirito, com o qual tem sido confundido, o corpo etéreo ou duplo astral em que, a nosso ver, reside aquele desenho ideal sobre que é calcado o organismo físico.

            Esta ideia se nos afigura tanto mais plausível quanto sabemos que todos os seres como todas as coisas existentes em nosso plano material não são mais que a reprodução concreta e objetiva de um modelo fluídico invisível, oriundo do plano astral que o interpenetra, o que parece tornar, sem nenhuma repugnância, admissível que a própria célula germinal contenha em si, com todos os caracteres microscópicos da sua estrutura, aquele desenho fluídico, ideal, do ser humano em gestação.

            Em apoio dessa possibilidade - por mais dificilmente compreensível que pareça - de uma célula microscópica encerrar o modelo invisível de um organismo complexo como o nosso - fenômeno ao demais idêntico para todos os seres, em todas as ordens da natureza - recordaremos o que se dá no fenômeno da clarividência psicométrica (1), em que um simples, minúsculo fragmento de objeto parece haver fotografado no seu aura as mais variadas e, às vezes, gigantescas cenas desenroladas através dos tempos no local de que fora retirado, o que permite ao sensitivo a sua lucida visão.

             (1) Vide cap. II, págs. 25 a 28.

            Que sabemos, de resto, acerca dos recônditos mecanismos da natureza, no que se refere sobretudo às coisas invisíveis, para lhes estabelecer limites às modalidades, que, todavia , a razão e a experiência associadas no-lo afirmam, podem variar ao infinito?     

            Admitamos, pois, a coexistência do modelo ou duplo etéreo do corpo humano em a célula germinal que lhe dá origem e, ponderando um novo fator de que é tempo agora de nos ocuparmos - o principio vital – recapitulemos o processo da encarnação, para em seguida reatarmos o fio da exposição traçada ao começar este capítulo.

            O fenômeno, por seu valor e consequências, merece bem que o apreciemos desde a fase inicial.




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