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domingo, 4 de março de 2012

01/03 Melquisedec e Jesus


01/03  Melquisedec e Jesus

             
Zêus Wantuil

Apêndice sob título ‘Docetismo’
 in “Elos Doutrinários” (FEB)  3ª Ed 1978


            Lá pelo ano 2000 a.C., quatro reis imperialistas iniciam uma perseguição contra vários povos do país de Canaã. Organizada uma contra ofensiva por cinco reis, esta não obteve êxito, havendo sido desbaratados os seus exércitos. O inimigo invade Sodoma e Gomorra, toma-lhes todos os víveres, bens e mulheres e leva parte do povo, escravizado. Um fugitivo, que escapara àquele inferno de fumo e sangue, consegue chegar ao Hebron, nos terebintos de Mamre, o amoreu, e, encontrando Abrão (mais tarde: Abraão), conta-lhe a desgraça, sobre eles recaída, e anuncia que Lot, sobrinho do Patriarca hebreu, fora também levado como prisioneiro.

            Encendido de surda revolta ante aquelas informações, Abrão organiza um exército regular de homens disciplinados e investe desassombrado os inimigos, ferindo-os e perseguindo-os até às adjacências de Damasco. Torna a reaver tudo o que fora rapinado, inclusive seu “irmão” Lot, e volta triunfante. O rei de Sodoma vai-lhe ao encontro, jubilante. No meio de toda essa recepção festiva, eis que surge Melquisedec, rei de Salem, trazendo pão e vinho. Faz-se religioso silêncio, e o sacerdote do Deus Altíssimo, achegando-se de Abrão, abençoa-o e diz:

            “Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, Criador do Céu e da Terra! e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos às tuas mãos!” Abrão, respeitoso, dá a Melquisedec o dízimo dos despojos e, dignamente, nada aceita do que lhe foi oferecido pelo rei de Sodoma.

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            Ê assim que o capítulo XIV de “Gênesis” nos relata essa passagem. Adquiriu importância e mereceu atenção mais acurada dos estudiosos das questões bíblicas, pelo fato de posteriormente ser estabelecida a semelhança entre Jesus e Melquisedec. Esta personagem enigmática, cujo nome hebraico - Malki-Sédék significa “rei de justiça”, surgida inesperadamente, como num conto de fadas, era, conforme o texto nos declara, rei da cidade de Salem, situada no país de Canaã.

            De acordo com alguns comentadores, Salem foi provavelmente aquela cidade que mais tarde se chamou Hierosólima, como era nomeada pelos gregos e romanos, parecendo que este último vocábulo não é mais do que corruptela de Hierosalem, a que se atribui uma formação híbrida - do grego hieros, sagrado, e o nome primitivo Salem. Foi aí que reinava, ao tempo da conquista da Terra de Canaã por Josué, um rei amoreu de nome Adonisedec (Josué, 10:1). O historiador Josefo segue essa opinião em sua excelente obra “Antigüidades Judaicas” e acrescenta que Melquisedec “proveu hospitaleiramente o exército de Abraão, deu-lhes provisões em abundância ... e quando o Patriarca repartiu a décima parte dos despojos com o rei, este aceitou a oferta”.

            Salem aparece registrada nas tábuas do Tel el-Amarna (1400 a.C.) como uma das mais importantes cidades de Canaã, sendo conhecida pela denominação de Uru-salim, que os tradutores, baseando-se numa tábua léxica assíria, verificaram ser uru o equivalente do assírio alu, isto é, cidade.

            Nenhuma das Salem posteriormente existentes parece ser a cidade de Melquisedec, é o que pensam os estudiosos.

            Tendo sido Canaã amaldiçoada (Gên., 9:25), afirmou-se que Melquisedec não era cananeu, e sim um semita estrangeiro localizado no País de Canaã. Não há justificativas para essa rígida asserção do dogmatismo religioso, sabendo-se, além do mais, que nem todos os cananeus professavam necessariamente a idolatria, ao tempo de Abraão. Melquisedec era monoteísta e adorador do Deus Altíssimo, “o verdadeiro Deus”, o mesmo a quem igualmente servia Abraão. Além das insígnias de rei, ostentava também as de sacerdote, termo este que, então, pela primeira vez, aparece citado na Bíblia (Gên., 14:18). Todavia, o ofício de abençoar não constituía exclusividade do sacerdote; qualquer que tivesse autoridade, seja paternal, civil ou religiosa, podia fazê-lo.

            “E Melquisedec trouxe pão e vinho”, diz o Antigo Testamento. Por si mesma, a palavra trazer (ou apresentar), seja no hebreu, no grego ou no latim, não significa oferecer a Deus, ou oferecer em sacrifício. Parece que Melquisedec apenas levou o vinho e o pão, sendo que este último termo talvez neste ponto encerre em sua significação toda espécie de alimento. Josefo se inclina para esse modo de entender, conforme já vimos, e diversos interpretadores o seguiram, dizendo não ter feito Melquisedec outra coisa que abastecer os homens que acompanhavam Abraão.

            Entretanto, os explanadores católicos, defendendo seus pontos de vista, insistem que houve um verdadeiro sacrifício, prefigurativo do sacrifício eucarístico. Baseiam-se nessa opinião, servindo-se do período que imediatamente se segue àquele acima registrado entre aspas, o qual período diz: “e este era sacerdote do Deus Altíssimo.” Ora, comentam eles, se esta informação tivesse somente o efeito de caracterizar a personalidade de Melquisedec, melhor ficaria ela no seu devido lugar, isto é, após o título de “rei de Salem”; observa-se, porém, que veio exposta entre a menção do pão e o vinho levados por Melquisedec e a referência da bênção pronunciada sobre Abraão.

            A qualidade de sacerdote, atribuída a Melquisedec - concluem eles -, é então lembrada em razão do ato que a precede, isto é, da oferta do pão e do vinho, como o texto parece insinuar.

            É igualmente presumível - dizem outros explicadores - que Melquisedec, além de exercer sua função sacerdotal, oferecendo a Deus parte dos alimentos levados, distribuiu também mantimentos entre os vencedores.

            Não obstante essas suposições católicas, o texto bíblico nem as confirma nem as contraria, em vista mesmo do quase nenhum esclarecimento dele sobre a origem e a condição de Melquisedec.

            A Epístola aos Hebreus (7:1 a 7), que compara Jesus ao rei de Salem, não faz alusão à oferta deste último. Os autores católicos esclarecem, então, que a Paulo não interessava a referência dessa oblação, visto que o sacerdócio da época do Apóstolo, o de Aarão, igualmente celebrava o sacrifício a Deus, e, desse modo, não lhe interessava qualquer comparação nesse sentido.

            Muitos Padres da Igreja, entre os quais S. Cipriano, S. Jerônimo, Santo Agostinho, S. Crisóstomo, criam expressamente que houve um sacrifício de pão e vinho, apresentado a Deus por Melquisedec, mas a verdade é que pairará a dúvida nesse ponto que, aliás, pouco interessa aos espíritas, já que a última Ceia Pascal se nos afigura claramente elucidada, no seu belo simbolismo, pela Terceira Revelação.







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