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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Príncipe da Paz



O Príncipe da Paz

por Hermínio C Miranda

Reformador (FEB) Abril 1970

             
            Mesmo agora, há quase dois mil anos de distância do seu nascimento na Palestina, ainda há muita controvérsia em torno da figura ímpar de Jesus e do seu legado doutrinário. As posições variam desde a deificaçâo até o aviltamento mais grosseiro. De certa forma, é compreensível que a personalidade do Cristo tenha levantado tanta celeuma. De tal maneira esteve ele adiantado em relação ao seu tempo que ainda hoje, depois de quase dois milênios, ainda não alcançamos, os homens, toda a profundidade dos seus ensinamentos e toda a extraordinária força e limpidez do seu caráter.

            Podendo nascer entre os poderosos para pregar de cima para baixo a sua mensagem, decidiu, ao contrário, nascer e viver na pobreza para pregá-Ia entre os humildes. Numa época tumultuada pelas paixões políticas e religiosas, prosseguiu imperturbável e com dignidade inexcedível a espalhar a sua palavra redentora. Para demonstrar que a morte era um simples episódio, não recuou diante da mais rude e mesquinha forma de punição e, ainda mais, por crime que não cometera. Interessado em demonstrar o mecanismo de leis desconhecidas dos homens, realizou inúmeros fenômenos insólitos, prontamente classificados como milagres.

            Esse espírito majestoso, que mudou o curso da História, nasceu no anonimato, viveu na pobreza e morreu na infâmia. A História oficial da época mal registra a sua passagem num ou noutro documento tido por muitos como suspeito. É que o impacto vigoroso da sua influência começa com a sua morte e cresce e se agiganta com o passar dos séculos. Seu vulto imenso é daqueles que a nossa pobre visão espiritual somente pode contemplar a distância: de perto, é grande demais.

            Conta-se que alguns dos carrascos de Joana d' Arc ralaram-se de remorso, na certeza de terem sacrificado uma santa, nem bem se apagara a fogueira que à consumiu. No decorrer dos tempos, todos os que perseguiram e sacrificaram Jesus devem ter despertado para essa dura realidade: a de terem sido instrumentos cegos do ódio contra o maior e mais puro espírito de que temos notícia.

            A História, quando começou realmente a se interessar pela figura do Mestre, encontrou-a já mutilada e recoberta de lendas e de mitos. Até mesmo seu ensinamento continha deformações difíceis de eliminar. Em muitos casos, a imaginação dos historiadores supriu a falta de dados concretos e novas paixões se desataram em torno dele. Alguns escreveram para exaltá-lo mais do que ele próprio desejaria; outros, no extremo oposto, tentaram reduzí-I o a um ser mesquinho, igual a muitos, ou perturbado pelos desequilíbrios mentais catalogados pela ciência moderna, houve também quem procurasse demonstrar que ele nunca existiu, senão na imaginação de um povo que buscava a grandeza histórica a qualquer preço.

            No século passado verificaram-se as primeiras tentativas sérias a que hoje se chama desmitificação da imagem do Cristo. Não é outro o sentido das obras mais famosas dessa escola: a de Strauss e a de Renan. Ambos procuram “explicar” o Mestre em termos humanos, o que, até certo ponto, se admite. Procuram aplicar no estudo dele os métodos modernos da historiografia, servindo-se de descobertas recentes e de novos conhecimentos trazidos por novas pesquisas. Esses estudos foram, na verdade, algo de diferente em confronto com as antigas “vidas” de Jesus, elaboradas numa atmosfera de misticismo exagerado que deixavam perder de vista os aspectos humanos do Messias. Strauss e Renan pretendiam escrever biografias. Uma preocupação, no entanto, lhes era obsessiva e lhes foi uma constante: a de reduzir o impacto emocional dos chamados milagres, procurando retirar deles as características sobrenaturais que a teologia clássica sempre lhes atribuíra. A tarefa de esclarecimento, porém, estava reservada ao Espiritismo, que não apenas reinterpretou os Evangelhos, como colocou os fenômenos psíquicos operados pelo Cristo na sua exata posição e perspectiva. Veja-se, nesse sentido, principalmente, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec. Leia-se, entre muitas outras obras, “Cristianismo e Espiritismo”, de Léon Denis. Mas, acima de tudo, o que recomenda o Espiritismo é que ponhamos, afinal, em prática a moral pregada pelo Mestre e resumida por ele ao cabo dos seus três anos incompletos de pregação:  Amai a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a vós mesmos”. Nisso está, nas suas próprias palavras, o espírito de toda a lei e de todos os profetas.
            Era o que tínhamos a lembrar, já no terço final do século vinte, última fração do segundo milênio, quando, mais uma vez, nosso pensamento repousa, neste Natal, na imagem daquele que está sempre presente no coração e no espírito dos que sonham com um mundo de paz, de harmonia e de amor.



(Extraído do “Diário de Notícias”, de 21/12/1969.


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