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sábado, 20 de fevereiro de 2016

Posta Restante - 13b


Posta Restante - 13b
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB)  Novembro 1972

            P. - Se um filho deseja retirar-se de casa, mas os pais sabem que ele é imaturo,
como procederá o espírita?

            R. - Se o filho atingiu a maioridade e viverá às suas expensas, deverão os pais
respeitar a sua opção, como alma independente que é.
            Ninguém, tem posse sobre ninguém. Nem os pais são donos dos filhos e nem os filhos poderão ver nos pais a fonte perene de sua sustentação.
            Se são imaturos, as experiências forjarão sua maturidade.
            Sejam livres os filhos e sejam livres os pais.
            Amor não significa posse.
            Não devem os pais espíritas desejar que os filhos realizem os seus programas
pessoais, da mesma forma que não devem os filhos atrelar os pais como alimárias no

carro de seus desejos.

Posta Restante - 13a


Posta Restante - 13a
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB)  Novembro 1972

            P. - Por que às vezes é tão difícil e quase sem nenhum efeito o diálogo entre
filhos e pais?

            R. - A afinidade espiritual preside ao nosso relacionamento, seja no nível familiar, seja no clima social. Desde que não ocorra essa mútua simpatia, nenhuma técnica psicológica deitará as barreiras que nos separam de nossos semelhantes.
            Se filhos e pais se munirem de espírito evangélico, estabelecerão as premissas de confraternização e mútuo entendimento.
            Se faltar o Evangelho, o diálogo será monólogo a dois.
            A dificuldade e a falta de efeito nascem, quase sempre, da antipatia fluídica
dos espíritos que se agruparam na constelação familiar.
            Renunciem as partes aos seus caprichos pessoais, sem quererem que a renúncia venha só do outro lado, e teremos um principio de entendimento.


Posta Restante - 12b


Posta Restante - 12b
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB)  Outubro 1972

            P. - A Doutrina Espírita é religião que se dirige às massas populares?

            R. - Não. Em Espiritismo há indivíduos.
            Não há pregação para as massas nem coisa alguma que torne impessoal o Espírito eterno de cada um.
            A Doutrina é de coração para coração.
            O valor da criatura é incalculável.
            Os problemas que carregamos, por muito que se assemelhem, são registrados
profundamente, em cada um de nós. Pedem solução muito pessoal, muito íntima.


Posta Restante -12a


Posta Restante - 12a
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB)  Outubro 1972

            P. - Se Espiritismo é Espiritismo e basta, por que através da psicografia de Chico Xavier lê-se vez por outra a expressão Espiritismo cristão.

            R. - Não houve inovação através de Chico Xavier.
            Foi o próprio Codificador do Espiritismo, Allan Kardec, quem, no capítulo lll,
primeira parte de "O Livro dos Médiuns”, fez uma classificação dos espíritas, em:

espíritas experimentadores, espíritas imperfeitos e espíritas cristãos. 

Posta Restante - 11b


Posta Restante - 11b
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB)  Setembro 1972

            P. - Não poderiam todos os agrupamentos espíritas espíritas padronizarem-se agindo de modo uniforme, a bem do próprio desenvolvimento ,doutrinário?

            R. - Todos diferimos, no campo da evolução.
            A Doutrina Espírita, pela primeira vez na história de nossa Humanidade, é a religião  que respeita a personalidade humana.
            Ela fornece elementos, desencadeia estímulos espirituais para que nasça do próprio homem, num gesto espontâneo,  a sua aproximação das leis divinas.
            Ela não se impõe. Não pede e nem exige comportamentos artificiosos.
            A vista de sua dinâmica, cada profitente interpretará a verdade que a Doutrina revela dentro da largueza ou da estreiteza do seu senso moral.
            Sem. violentar consciências, alberga a todos.
            Na pauta das experiências que crescem em cada um de nós, no dia-a-dia, no
entanto, seguiremos céleres para uma unidade de princípios.
            Agir sem discernimento é um mal.
            A não existência de ações padronizadas é o apanágio da liberdade religiosa que
conquistamos com suor e lágrimas, no curso de milênios.

            Somos livres - graças a Deus!

Posta Restante - 11a


Posta Restante - 11a
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB)  Setembro 1972

            P. - No processo de desobsessão, qual a participação do obsidiado?

            R. - Em todo processo de regeneração, a participação da alma deve ser ativa.
Um obsidiado (e todos o somos) em maior ou menor grau) deve interessar-se vivamente pela própria recuperação, incorporando a necessidade de auto evangelizar-se.
            A obsessão é um efeito. A causa reside no próprio obsidiado.
            Seria agir com extrema imprudência evangélica se mandássemos a família e o
próprio obsidiado tomarem distância do esforço de reforma íntima assegurando que
operaríamos a cura.
            Ao homem possuído por uma legião de Espíritos perturbados e perturbadores, Jesus assegurou: "Tua fé te curou".
            Não significa que o obsidiado deve tornar-se espírita para alcançar a cura.

            Mas fundamentalmente deve renovar-se à luz do Evangelho do Senhor Jesus. 

Posta Restante - 10b


Posta Restante - 10b
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB) Agosto 1972

            P. - O destino já é previamente traçado para todos?

            R. - O destino, examinado como sinônimo de expiações e provações a que nos
submetemos no curso de uma existência, é resultante amenizado de nossos atos e preferências pessoais.
            Não é imposto; é consequência de nossas operações.
            Nada, porém, é inflexível.
            Poderemos muda-lo, a golpes de vontade férrea, bastando que nos ajustemos
às leis de amor que regem o Universo.
            Cada dia novo é nova oportunidade de alterá-lo.
            Poderemos agravar compromissos ou suavizá-los.
            Cabe-nos a opção de resgatar débitos com moedas do amor ao próximo, compulsoriamente, a braços com a dor.
            Só é inalterável a nossa marcha para a santificação.



Posta Restante - 10


Posta Restante - 10a
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB) Agosto 1972

            P. - Nas reuniões mediúnicas, não há um meio de evitar a presença do Espírito
mistificador?

            R. - O Espírito mistificador, que é o que engana, que falta com a verdade, que se diverte em aborrecer as criaturas ou se rejubila em enganá-las, geralmente está
presente nas reuniões mediúnicas menos sérias.
            Mudando os temas, trocam-se os Espíritos.
            Um filósofo não ocorreria a um agrupamento de curiosos que mais não fizessem que divertir-se ou buscar pareceres sobre questões de pouca monta.
            Observemos, contudo, que o companheiro mistificador, às vezes autorizado a
participar de reuniões sérias, é sempre um teste para nossas aquisições espirituais. Se
conseguimos identificá-lo é porque já discernimos entre o certo e o errado. É também uma advertência à nossa vigilância.

            É o exercício vivo, que vale aproveitar. 

Posta Restante 9b

Posta Restante - 9b
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB) Julho 1972

            P. - É lícito que a mulher participe ativamente de um núcleo espírita?
            R. - Seria um terrível engano, com danosas consequências para o bom desenvolvimento de um núcleo espírita, tirar do elemento feminino o direito de participação ativa.
            Por longos milênios nossas irmãs e companheiras foram consideradas como
uma consequência do homem, tomando-a liberalmente como a parte de nossa costela.
            E as Igrejas, por longo tempo, a catalogaram por algo desprovido de alma e, portanto, sem imortalidade, sem sobrevivência.
            No que chamávamos assuntos sérios, excluíamos a sua participação, qual se
somente aos Espíritos temporariamente revestidos de uma roupagem masculina coubesse a autoridade de concordar ou discordar, de pôr ou dispor, embora quase todas as nossas decisões tenham de ser suportadas pacientemente por elas.
            Se aos homens sobrasse mais perspicácia e menos vaidade, para romper com
pensamentos de pura rotina, observariam que, não raro, criam animosidades e alimentam estéreis divergências tão exclusivamente porque a ausência do elemento feminino os induz a atitudes displicentes e tonifica seu amor-próprio.
            Já elaboramos alguns milênios de erros religiosos. E convém acrescentar: erros religiosos masculinos.
            Se julgarmos que, "por pensarem com o coração", elas quase nada poderiam aditar às grandes obras, lembremo-nos de que nós, os que dizemos "pensar com o cérebro", temos sido os principais empreiteiros da dor, na face da Terra.
            Deveremos prestigiá-las, se queremos o Mundo Novo.

            Trazê-las para o seio de nossas assembleias; ouvi-las antes de traçar diretrizes novas; conter o nosso orgulho masculino; escutá-las com respeito intelectual; sustar o nosso ímpeto de replicar-lhes, qual se fôssemos privilegiados pela luz; ofertar- lhes a oportunidade de decidir também - isto poderá evitar que penetremos pelos caminhos enganosos das lutas antifraternais, porque a sua presença, nos relembrará a necessidade da concórdia e da humildade legítimas. 

Posta Retante -9


Posta Restante - 9a
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB) Julho 1972

            P. - Por que há tão poucos médiuns psicógrafos, no Brasil, em contraposição à
abundância de médiuns psicofônicos ou de incorporação?

            R. - Embora a excelência indiscutível da psicografia para estudos de questões
pertinentes à Espiritualidade, o fenômeno mediúnico nas reuniões espíritas objetiva a
reeducação afetiva da criatura.
            Para a educação, o quadro vivo é mais indutivo.
            Um problema, uma questão, uma narrativa em torno de lutas e realizações,
quando expostos à viva voz pelos seus protagonistas, impulsionados pelo colorido emotivo do expositor, penetram mais profundamente na alma dos que ouvem.
            A psicofonia surge, assim, no Brasil, por precioso fator na formação do caráter.
            A reforma íntima é mais dinâmica.
            Poderemos permanecer intocáveis nas fibras interiores, frios até, diante de uma página escrita, enquanto não desabrochar em nós mesmos a sensibilidade. Mas, conseguiremos interiorizar noções amplas, quando elas nos toquem os sentimentos.
            Estamos, pois, diante de um processo educativo.

            A psicofonia incorporação multiplica-se, dessa forma, como um socorro divino, sem que estejamos dispensados de consultar, estudar, ler e reler as obras psicografadas que nos trazem experiências mais amplas e que nos fazem dar um passo além de nossas limitações espirituais. 

Posta Restante 8b


Posta Restante - 8b
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB) Junho 1972

            P. - Poderá um médium diferenciar a situação ou estado feliz ou infeliz dos
Espíritos pela simples aproximação deles?

            R. - Nem sempre. Os Espíritos, assim como ocorre entre os encarnados, podem fazer-se mais ou menos simpáticos, de acordo com o estado mental do medianeiro.
            Um bom Espírito poderá ser recebido com frieza e até com sensação de desagrado por médiuns que se afinem com galhofeiros ou embusteiros, ou secundadores de maus propósitos.
            O que causa impressão de agrado para uns poderá precipitar sensações desagradáveis para outros.
            Essa é uma ocorrência trivial na vida diária.
            Quantias vezes as pessoas sensatas não nos terão aborrecido, justamente por comungarem com nossos desejos indisciplinados?
            Desde que, porém, o médium esteja empenhado na sua auto moralização gradativa, como convém a todo médium cristão, poderá desenvolver em si essa faculdade geral, registrando os bons Espíritos por uma impressão suave e agradável e um Espírito perturbado ou perturbador por uma sensação penosa, desagradável.
            Vale, contudo, não confiar-se demais nas impressões vagas. Preferível ajuizar
dos Espíritos pelos frutos que produzam, a fim de termos consciência de seu valor

e de sua posição na escala espírita. 

Posta Restante - 8a


Posta Restante - 8a
por Sólon Rodrigues
Reformador (FEB) Junho 1972        

            P. - Onde fica o Além, a que os espíritas se referem constantemente?

            R. - Além, no vocabulário espírita, não indica um determinado lugar no espaço
cósmico.
            Refere-se a um estado do Espírito e não à sua localização na geografia da Espiritualidade. Mais precisamente, é sinônimo de um estado mais sutil da própria matéria. Quando, pois, em Espiritismo se fala em Além, estamos significando: acima do estado de condensação da matéria conhecida.
            Em termos de localização, por conseguinte, o Além está entranhado com o aquém. Espíritos encarnados e desencarnados coexistem no cotidiano, separados exclusivamente pelas fronteiras vibratórias da energia universal.


Posta Restante 2b

Posta Restantenº 2b
por Sólon Rodrigues
Brasil-Espírita / Reformador (FEB) Setembro 1971


            P. Quem fui, na vida passada?

            R. - Temos aprendido, repetidamente, que, para não nos enredarmos nas tramas da obsessão destrutiva, deveremos respeitar e cumprir em nós as leis naturais. O esquecimento do passado é uma dessas leis, das quais não fugiremos jamais. Se caiu um véu entre o hoje e o ontem, estejamos seguros de que o seu rompimento poderá
precipitar-nos em desajustes incalculáveis.
            Examinemos nossas falhas no presente.

            As quedas de agora, os erros que estamos repetindo mostram os enganos de outrora. E, também, o impulso generoso, o coração tranquilo, a mão que ampara, revelam as nossas conquistas eternas. 

Posta Restante nº 2


Posta Restantenº 2
por Sólon Rodrigues
Brasil-Espírita / Reformador (FEB) Outubro 1971

            P- Os sonhos são realidades e advertências espirituais ou meras fantasias de nosso inconsciente?
            R. - Os sonhos podem ser um chamamento da Vida Maior, podem ser uma regressão figurada ao nosso passado, podem ser a liberação de impulsos recalcados sob o verniz da civilização.
            Não deveremos,  jamais, alimentar-nos dele.
            Se foram dolorosos, oremos para libertar-nos dos quadros depressivos que projetarão em nosso interior. Se forem promissores, não nos quedemos em tranquila expectativa, porque o ócio a lugar algum conduz. Se forem.amorais, recorramos à leitura sadia e ao trabalho de socorro ao semelhante, porque as paixões se diluem com a bênção da caridade.


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Transformações



              A inquietação que nos agita a alma, nestes momentos decisivos de transição espiritual, é um dos sinais dos tempos novos, marcando o compasso da grande evolução da Humanidade.

            Cada criatura - em todas as latitudes mentais - sente no imo d’alma essa vaga intuição de que o mundo humano caminha inexoravelmente para outros horizontes, ao encontro de outros panoramas.

            A intuição, porém, algumas vezes é deformada no mundo das emoções individuais, gerando, então, essa multiplicidade de almas angustiadas que se desnorteiam, desejando algo diferente - incapazes, todavia, de definir para si mesmas o que realmente almejam.

            O Evangelho, no centro desses embates, é aquele roteiro único e seguro, o caminho da nova vida.

            O homem que não se banha na luz do Cristo, nele acolhendo o inovador da existência, sofre e chora, qual nau sem rumo ao sabor das tempestades.

            Por mais se atirem contra o Evangelho os filhos do negativismo, a sua refrega verbal não chegará jamais a adulterar o divino determinismo da evolução.

            Milhões de braços, unidos com o propósito de sustar o movimento do Universo, não impediriam o astro maior de ressurgir no horizonte, para madrugadas de luz sobre os campos que a loucura bélica lava de sangue.

            Inevitável o novo dia do Cristianismo.

            Ele renasce de alma em alma; de criaturas simples a criaturas simples, aprestando o próprio coração, para que aí se instale o Reino de Deus.

            Empenhemo-nos, pois, ardorosamente, em todos os trabalhos da seara do Senhor, a fim de abreviarmos os dias da amargura que campeia sobre a Terra.

            Corporifiquemos o mundo de amanhã, no mundo de hoje, através da caridade efetiva em todos os lugares em que nos encontremos. Se o mundo dementado roga por vida nova, a nova vida que já existe em nós deverá externar-se a benefício de muitos.

Transformações
J. Alexandre

Reformador (FEB) Novembro 1972 

Reflexões no caminho 2



Nas áreas de causa e efeito,
A vida opera veloz,
Bem ou mal que pratiquemos
Reverterão sobre nós.

Reflexões no Caminho
Plínio Motta por Chico Xavier

Reformador (FEB) Julho 1971

Reflexões no caminho



Cobiça, ambição, domínio...
Lembra esta nota vulgar:
Quem enche demais a boca
Não consegue mastigar.

Reflexões no Caminho
Plínio Motta por Chico Xavier

Reformador (FEB) Julho 1971

Pergunta no ar


          Tempos depois do regresso de Jesus às Esferas Superiores, transformara-se Pedro, o apóstolo, em Jerusalém, no esteio firme da causa evangélica. Todos os dias, a faina difícil. Os necessitados de todas as procedências e, com os necessitados, os perseguidores, os adversários, os donos do sarcasmo, os campeões da galhofa e quantos compunham a multidão de obsessos e infelizes.

            Simão, ora brando, ora enérgico, servia sempre.

            A feição humana do amigo de Jesus era, porém, examinada, sem qualquer compaixão, pelos críticos intransigentes.

            Era Pedro fraco ou forte, vaidoso ou humilde, compreensivo ou intolerante?

            Nesse clima do diz-que-diz, achava-se Eliaquim, filho de Josias, à procura de ervilhas, em pequeno mercado de verduras, quando se viu à frente de Natan, fariseu letrado e rico da cidade, que passou a inquiri-lo de maneira direta:

            - Então, é você agora um cliente daqueles que seguem o Messias?

            - Sim - confirmou o interpelado. - Vi-me doente de um dia para outro, e, além de tudo, despojado de todos os meus bens pela ambição de parentes ingratos... Em terrível penúria, recorri a Simão, que me acolheu...

            - Simão Pedro?

            - Ele mesmo.

            - E, porventura, você se sente tranquilo?

            - Como não? Tenho hoje, com ele, um novo lar.

            Natan pousou a destra no ombro do amigo e murmurou:

            - Eliaquim, francamente não entendo a razão pela qual tantos compatriotas se deixam embair pelas manhas do pescador que se faz de santo. Tenho lido e ouvido algo, acerca do Profeta Nazareno, e não lhe regateio admiração. Mas... Pedro? Um brutamontes mascarado de mestre? Descansei por várias semanas na Galileia, junto do lago, em cujas bordas andou Jesus ensinando a nova doutrina...

            E, em torno de Simão, apenas recolhi apontamentos escabrosos. É um poço de prepotência e brutalidade, na forma de um homem. Contam-se dele coisas incríveis. Não se trata unicamente da negação em que se fez conhecido por traidor do próprio Jesus, a quem diz reverenciar. Dizem que foi sempre um modelo completo de crueldade e ingratidão. Mau filho, mau amigo. Alguns companheiros, que pude ouvir mais intimamente, declaram-no viciado e vaidoso. Além de tudo isso, é notório em Jerusalém que ele não tem cultura alguma. Arrasa com as nossas tradições e ensinamentos, quando se expõe a falar em público. O homem abre a boca e o desastre aparece. Confunde Isaías com Jeremias, atribui a David palavras de Moisés. Israelitas distintos, recém-chegados da Grécia, que se puseram a escutá-lo, por respeito a Jesus, retiraram-se daqui escandalizados, segundo me disseram. Que fazem vocês com um ferrabrás dessa ordem? Acaso, não buscam saber se Pedro possui moral bastante e educação suficiente para tratar dos encargos de que ousadamente se ocupa?

            E porque Eliaquim emudecesse, respeitoso, Natan insistiu:

            - Diga-me, por favor, qual é a sua própria opinião?

            O interpelado fitou o poderoso fariseu, demoradamente, e, depois de alguns instantes de expectação, respondeu sem alterar-se:

            - Natan, é verdade que Simão é um homem rude, com muitos defeitos, apesar dos tesouros de amor e serviço que derrama do coração, mas... e você, meu amigo? Você que possui milhares de livros e estudou ao pé dos sábios de Jerusalém e de Alexandria, você que conhece Roma e Atenas, talvez palmo a palmo, você que é proprietário de fazendas e terras, casas e rebanhos, você que pode ser virtuoso, provavelmente porque não tem nenhuma de nossas necessidades materiais, que faz você, por amor a Deus, em auxílio ao próximo?

            Natan fixou um sorriso amarelo, deu de ombros, lançou saliva na terra seca, ergueu a cabeça altiva e afastou-se, enquanto a pergunta ficou no ar.

 Pergunta no ar
Irmão X
por Chico Xavier

Reformador (FEB) Julho 1970

A arca da aliança e o Testemunho do Cristo

A Epístola aos Hebreus expressa a fundamentada e profunda preocupação de Paulo pelos irmãos de raça.

Esclarecem os estudiosos que, até ao final do século IV, negou-lhe autoria paulina a Igreja do Ocidente, diferentemente daquela Instituição do Oriente que, se lhe aceitou a autoria, evocou estranhezas no tocante à sua forma literária. Para que se entenda o mecanismo epistolar, na mente de Paulo, não se pode prescindir da consideração de que todas elas são fruto da inspiração do Cristo, através da intermediação de Estevão. Neste sentido, assim como a aferição de valores espirituais por medidas humanas se faz inteiramente falha, torna-se impossível a só avaliação das indefiníveis possibilidades de realização de um Espírito que, pelo assentimento integral, se coloca nas mãos do Cristo, fazendo-se sustentáculo absoluto do Cristianismo, por aquelas épocas, incipiente. Se se estranha a beleza da conformação literária da Carta aos Hebreus, por que não se estranhar, igualmente, a impressionante acuidade que jorra da 1ª aos Coríntios? Ou a base filosófica sobre humana da Epístola aos Gálatas? E, ainda, a transcendência da conceituação da aos Filipenses?

O escrito aos hebreus apresenta finalidade muito específica: sensibilizar os prisioneiros da letra, despertar da modorra dos séculos os adeptos formais da Antiga Aliança. Por isso é tão formal, referindo-se tão constantemente às fórmulas judaizantes, até desembocar na Aliança com Cristo.

O termo aliança corresponde a berith, do hebraico, que significava, a grosso modo, o testamento, tradução que os estudiosos vinculam, talvez, a Tertuliano, e referente à palavra grega dithêkê, utilizada pelos Setenta. (1)

(1) Dizem as tradições que o Rei Ptolomeu II requisitara ao Grande Sacerdote de Israel o envio de uma comissão de sábios com a tarefa de efetuar a versão do livro sagrado. 72 anciãos, encerrados em celas, trabalhando durante 72 dias, teriam terminado 72 traduções coincidentes. Desse episódio, classificado de apócrifo pela maioria esmagadora de peritos, derivou a estória dos 70, número que corresponde a uma cifra arredondada.

A primeira Aliança é a primeira promessa de fidelidade absoluta que os hebreus fazem a Jeová. O significado do 9º capítulo da Epístola aos Hebreus foge à percepção da grande maioria. A Bíblia de Jerusalém apresenta-nos a seguinte ementa: "Cristo penetra no Santuário Celestial", ao passo que a tradução de João Ferreira de Almeida, estranhamente, aponta: "Os ritos, ofertas e sacrifícios moisaicos eram imperfeitos e ineficazes." Vejamos, para boa compreensão do episódio, o que significava para os judeus a aliança, a arca, o altar, o véu, etc...

Desde o Êxodo, tudo fora previsto. "Disse também Deus a Moisés: Sobe ao Senhor, tu e Arão, e Nadabe, e Abiú, e setenta dos anciãos de Israel; e adorai de longe. (...) Moisés escreveu todas as palavras do Senhor e, tendo-se levantado pela manhã de madrugada, erigiu um altar ao pé do monte, e doze colunas, segundo as doze tribos de Israel. ( ... ) E tomou o livro da aliança, e o leu ao povo; e eles disseram: Tudo o que falou o Senhor faremos, e obedeceremos. Então tomou Moisés aquele sangue (o sangue das oferendas) e o aspergiu sobre o povo, e disse: Eis aqui o sangue da aliança que o Senhor fez convosco a respeito de todas estas palavras." (Êxodo, XXIV: 1 a 11.) O parêntesis é nosso.

Selara o povo um compromisso com o Senhor, de acordo com as rígidas fórmulas do Antigo Testamento. Pouco depois, novamente, sobe Moisés ao monte para receber os mandamentos. Estando envolto pela nuvem do Senhor, eis que lhe pede Deus oferta: ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura e carmesim, linho fino, pêlos de cabra, peles de carneiro tingidas de vermelho, peles de animais marinhos, madeira de acácia, azeite para a luz, especiarias para o óleo de unção e para o incenso aromático, pedras de ônix, pedras de engaste. Prometeu ainda Deus que daria a Moisés o modelo do Santuário, e que, tal qual Ele o dissesse, assim Moisés o faria. A seguir, menciona o Espírito uma arca de madeira de acácia, de dois côvados e meio de comprimento, e um côvado e meio, respectivamente de largura e altura (o côvado, medida altamente variável, corresponde, aproximadamente, à distância que separa o cotovelo da extremidade do dedo médio). A seguir, menciona o Espírito que a arca deverá ser coberta de ouro puro, por dentro e por fora, com uma bordadura de ouro ao redor. Para que fossem colocadas nos quatro cantos da arca, Moisés fundiria quatro argolas também de ouro, além de elaborar varais de madeira de acácia, cobertos de ouro, com a finalidade de, uma vez passando as argolas, de duas a duas, se efetuar o transporte da arca. A pormenorização, dando um sentido altamente místico, envolto em brumas, ao objeto, chega ao ápice, quando diz o Espírito comunicante: "Os varais ficarão nas argolas da arca, não se tirarão dela." Tudo previsto, como ficou dito. Nesse comenos, arremata a entidade: "E porás na arca o Testemunho, que eu te darei."

Prossigamos, observando a meticulosa realização do tabernáculo e da arca, para que, ao final, possamos avaliar do significado da penetração de Jesus, em seu pensamento, nesse santuário, fechado eternamente ao profano.

O Espírito que se comunica com Moisés necessita, como se vê, chocar diretamente as mentalidades embrutecidas da massa. Terminadas as disposições sobre a arca, diz a Moisés que faça um propiciatório de ouro puro, de dois côvados e meio de comprimento, e um côvado e meio de largura, além de dois querubins de ouro batido, para serem colocados nas duas extremidades, tudo formando uma só peça (atenção aos pormenores, que valerão, ao tempo de Paulo, por uma comunicação divina de tradição inderrogável, praticamente). As faces dos anjos estariam voltadas uma para a outra, e as asas estendidas sobre o propiciatório, que, por sua vez, seria colocado sobre a arca. E, novamente, menciona o Espírito o Testemunho, para ser encerrado na arca. Seria de cima do propiciatório que o Senhor falaria com Moisés "acerca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel". Prosseguindo, o legislador hebreu ouve o pedido de uma mesa de madeira de acácia, com o comprimento de dois côvados, a largura de um, e a altura de um e meio,
também a ser coberta de ouro puro, com uma bordadura de ouro, com moldura, de largura de quatro dedos, identicamente com quatro argolas de ouro, a serem colocadas nos cantos que estão em seus pés, pelas quais passarão os já mencionados varais. Ainda de ouro puro serão feitos os pratos, recipientes para incenso, as taças e galhetas, sendo que os pães da proposição estariam eternamente sobre a mesa. Não cessa aí o peso de todo um ritual, e, já neste ponto, podemos imaginar por que motivo não foi a Epístola aos hebreus escrita nos mesmos moldes das aos Tessalonicenses, por exemplo, ou a Timóteo! Como poderia Paulo se referir à perpétua aliança com Jesus, senão se utilizando dos meios adequados à penetração nas mentes dogmáticas e ortodoxas dos hebreus, condicionados há séculos e séculos aos atavios da forma?..

Mas, não cessam aí, dizíamos, as prescrições ao protegido de Termutis. Chegamos ao momento do candelabro: ouro batido e puro, de uma peça inteiriça, do pedestal às flores, com seis hásteas de cada lado, projetando-se de seu tronco, em cada uma das quais haverá três cálices com formato de amêndoa, uma maçaneta e uma flor. Especifica a entidade comunicante que, de igual modo, serão de ouro puro as maçanetas e as flores, havendo ainda a necessidade de sete lâmpadas, para iluminação: espevitadeiras e apagadores, desnecessário quase dizer, de ouro puro. E, impondo o peso da revelação, arremata a entidade espiritual: "Vê, pois, que tudo faças segundo o modelo que te foi mostrado no monte."

A descrição do tabernáculo, esclarecem os elaboradores da Bíblia de Jerusalém,."...se bem que muito minuciosa, não nos é inteiramente inteligível, em razão dos termos técnicos em que se estrutura. Observa-se uma série de tapetes que formam caminho para o recinto, de pêlo de cabra, e cobertas pelos toldos de peles de carneiro tintas de vermelho, aos quais alude o versículo 14, do capítulo 26, tambem de Êxodo." As cortinas serão em número de 11, com 30 côvados de comprimento, e largura de 4 côvados: todas as peças com idêntica medida. A sexta cortina ficará dobrada na parte dianteira da tenda.

Prossegue assim a orientação do Espírito, em importância crescente, evocando uma demarcação rígida de tradição sufocante, irretratável, incontestável, até que alcança o célebre véu do templo, que se romperia quando da crucificação de Jesus:

"Farás também um véu de estofo azul, púrpura e carmesim, e de linho fino retorcido; com querubins o farás de obra de artista. Suspendê-lo-ás sobre quatro colunas de madeira de acácia, cobertas de ouro; os seus colchetes serão de ouro, sobre quatro bases de prata. Pendurarás o véu debaixo dos colchetes, e trarás para lá a arca do testemunho, para dentro do véu; o véu vos fará separação entre o Santo Lugar e o Santo dos Santos." Chegamos ao cerne do problema.

Semelhante véu existia tanto no Templo de Salomão, quanto no de Herodes, que, aliás, foi o templo que Jesus conheceu, e não o de Salomão, do qual só restavam ruínas, dentre elas o pórtico diante do qual passeava, na época da Festa da Dedicação, conforme narra João, X: 22 a 42.

No templo dos judeus, a hierarquia cerrada ia apresentando empecilhos para que os não graduados se detivessem à medida que se adentravam na construção. Assim, o povo parava num pátio, e os "iniciados" prosseguiam até onde lhes permitisse a própria graduação. O Lugar Santo era separado já por um véu; o Santo dos Santos, a morada de Jeová, escondia a arca da aliança, cuja elaboração estudamos, nos tempos de Moisés, contendo o Testemunho: as tábuas da Lei de Deus! Escondia essa arca o célebre véu, denominado parroqueth, composto dos elementos que, igualmente, já examinamos. Somente o sumo-sacerdote poderia penetrar a morada de Jeová e contemplar a arca da aliança, e, mesmo assim, uma vez por ano, no grande dia da Expiação, que era o dia do rito para que se desfizessem todas as impurezas. A proibição era rude e severa: ninguém, além do sumo-sacerdote, e no dia indicado, poderia penetrar o Santo dos Santos.

De volta à Epístola aos Hebreus: "Cristo penetra o Santuário Celestial"... Que notável significado o desta frase paulina! Jesus no Santuário Celestial implica em derrocada de todo o obscurantismo, de todo o império da letra! Aquele que viera aperfeiçoar a Lei (o termo grego corresponde a aperfeiçoar, e não a cumprir, uma vez que Jesus não poderia estar submetido a quaisquer profetas... ) chegara realmente para vencer, e se instalara, desmistificando a pretensa santidade das coisas da Terra, que tiveram seu império no tempo adequado!

Já no momento em que o Cristo expira na cruz o véu do templo se rasga de cima a baixo! E o véu que se rasgou foi o intocável véu parroqueth, em que ninguém colocaria a mão, sob pena de morte... o véu que era respeitado por toda a comunidade, carregado da impressionante tradição dos tempos bíblicos, no deserto, após a saída do Egito! Foi no Santo dos Santos, na morada de Jeová, que o próprio Jeová deu o sinal de sua presença nobremente indignada, rompendo o véu que se constituíra sob sua inspiração, no alto do monte Horebe! Já teremos pensado na significação desse evento?.. Acaso já nos ocorreu que a surpresa de Zacarias deveu-se também ao fato de que ele encontrara um ser angélico, mas um ser, dentro desse recinto sacratíssimo para os judeus, demonstrando ao homem falível que aquele que nasceria provinha de Deus?

Já nos passou pela mente, acaso, o lado vivo da cruz e a faceta imperecível do túmulo?.. Todos os objetos são passíveis de múltiplas interpretações, na razão direta das disposições psicológicas dos indivíduos. Cruz e Túmulo... Para a maioria, duas imagens que evocam fases negativas da realização do ser. A cruz, símbolo, além das adaptações deformativas, oriundas das correntes dos inimigos da luz, de punição e luto. O túmulo, evocando as cenas de funeral e perda.

Existem os que, de modo grotesco, dedicam-se a explorar a credulidade humana, interpretando desarvoradamente o surgimento místico de tais imagens no delicado mecanismo do sonho. Além da estratificação, no mecanismo desencarnatório, ao qual já se encontra condicionado o ritmo perispiritual, cabe ressaltar a presença indisfarçável da problemática temporal nas dificuldades quotidianas. Ninguém nega a própria realidade, se não exercita a perseverança através da reforma interior. Em razão disso, o Consolador é a chave da libertação do homem, o romper de todos os véus, conduzindo a sociedade à libertação das correntes do carma coletivo.

Considerando a manjedoura como a expressão primeira da grandeza humilde do Justo, é de se analisar os dois momentos de clímax na História do Cristianismo, à luz do Espiritismo. Cruz e túmulo segundo o Espiritismo. Assim como Paulo, faz-se ainda necessário adaptar aos hebreus modernos a realidade maior, sem que se fuja, contudo, à Verdade.

Para a sociedade crística, a crucificação nada foi senão o atestado da falência da doutrina pregada pelo Modelo. O grito de um dos ladrões entre os quais se elevou o Mestre impôs às mentalidades incautas a falsa impressão de abandono. O Modelo fracassara, para o humano imediatismo... e, no entanto, permanecera vivo no coração dos muitos que, por Ele, uma expressão morta, no entendimento de alguns, se viram envolvidos pelas patas dos leões da Numídia, nos circos sanguinários de Roma!

Afeita às incoerências, a massa se agita, e os "espíritos fortes" aproveitam as fraquezas alheias para instilar veneno entre o martírio moral dos que se deserdaram. Logo a seguir, ensombra-Ihes os corações o negror amarelado da tormenta... a claridade dos relâmpagos parece desejosa de imprimir nas retinas humanas toda a dimensão da obra amaldiçoada que o mundo criou... o estrondo é uno... a voz dos elementos retira ao ser humano atônito, apavorado, os escombros de suas quimeras... Nunca mais nos esquecemos da cruz. O véu se rompe... rompem-se as ilusões humanas: crise do homem na manifestação de Deus. Impunemente se rasgou a cobertura da morada de Jeová... "O poder que deténs, só o tens porque Meu Pai te o concedeu..."

Deus, porém, não deseja a morte do ímpio, mas que ele se salve: a cruz de ignomínia transformou-se em símbolo de redenção, perspectiva nova de calmaria, após a tempestade. O túmulo. Lacra-se-lhe a entrada, fechada com a enorme pedra. A efígie de César se estampa na matéria em estado de plasticidade. Ninguém poderia romper o sinal: a insígnia do soberano de Roma era, como o véu, inviolável. No entanto, ele se parte, impunemente, e o templo se reconstitui em três dias! O Senhor não estivera preso na gruta, por três dias; mas, o homem ainda hoje permanece enterrado no remorso.

O túmulo, segundo o Espiritismo. O Espiritismo, segundo a lição do túmulo sagrado! Muitos pretenderam libertar o Santo Sepulcro mediante a espada, mas a libertação de nosso passado só se fará mediante o desimpedimento de nosso coração. Quando nos esquecermos de nós, Jesus terá ressuscitado em nosso íntimo, o véu ter-se-á rompido, com estrondo, e terá sido sacramentada a verdadeira aliança com o Céu. A arca é o nosso coração. O testemunho é a fé em Deus.

O testemunho do Cristo é a fé que depositamos em seu exemplo de confiança imperecível: confiança na Providência Divina, confiança na confiança dos pobres de espírito, confiança nas boas disposições dos homens em geral, confiança absoluta no
Amor Imperecível com que Ele alimentou a Terra. Não importa se exaltem ânimos farisaicos e se digladiem feras, brutalmente. A evolução é profundamente lenta... Uma existência de 60 ou 70 ou 80 anos talvez nem seja um milímetro diante do que resta percorrer. Só a confiança sustenta, só a Fé nutre.

Inconcebível, por outro lado, será pensarmos em testemunhos de segundos ou minutos: a reescalada do Espírito é uma epopéia regada a intenso drama. Ninguém se eleva às hierarquias do Espírito por simples querer: é preciso ratificar a aliança, expandir a força do Amor, habilitar-se ao quinhão hereditário, com as realizações da Moral exteriorizando o estado ético, para que surja a Ética do Estado e, finalmente, o entendimento franco entre as Nações. Nenhuma aliança com o Senhor, entretanto, se estabelece em quotas desproporcionais, na base das tiradas de "esperteza". A aliança de que tratamos só se ratificará quando dermos testemunho do Mandatário investido de amplos poderes para elaborá-la e nela aceitar-nos, segundo nossas atitudes. Abordando problema de estreita vinculação com o novo posicionamento do homem-espírito, Albert Schweitzer escreveu:       

"Mentes engenhosas em botas-de-sete-léguas disparatam em torno da História da Civilização, e tentam fazer-nos crer que a civilização seja algo que cresça e floresça espontaneamente em certos povos, em determinado tempo, e depois murcha,
inevitavelmente, de modo que sempre novos povos, com novas civilizações, devam substituir aqueles que se esgotaram. Quando esses tais são intimados a provar sua teoria, para dizer-nos quais os povos destinados a ser nossos herdeiros, vêem-se em embaraços. Não existem, de fato, povos aos quais semelhante tarefa possa ser confiada, nem remotamente. Todos os povos da Terra sentiram grandemente a influência, tanto da nossa civilização quanto da falta dela, de maneira que todos, mais ou menos, participam do nosso destino. Em nenhum deles se encontram pensamentos capazes de guiar a qualquer movimento cultural original de importância.
"Voltemos as costas ao brilho intelectual e a interessantes exames da História da Civilização, e lidemos realisticamente com o problema da nossa civilização em perigo... Pelo entusiasmo em nosso progresso no conhecimento e capacidade, chegamos a conclusões erradas no tocante à verdadeira natureza da civilização. Damos excessivo valor às conquistas materiais, e já não estamos suficientemente conscientes da significação do que é mental e espiritual. Agora os feitos estão diante de nós, advertindo-nos de que devemos entrar em nós. Em termos terrivelmente severos estão nos dizendo que uma civilização que se desenvolve apenas no plano material e não proporcionalmente no plano mental e espiritual, é como um navio com o leme avariado, que não mais obedece ao comando, e se precipita para a catástrofe." ("O Profeta das Selvas", de Hermann Hagedorn, Fund. Alvorada, 2.a ed., páginas 170/1.)

Sim, não há povos destinados a ser nossos herdeiros: os que transitam pela História são os mesmos que se reúnem, numa outra fase histórica, para retomar a tarefa interrompida antanho. Foi exatamente o que se deu com a Palestina: transplantada a árvore do Evangelho, em bela figura de linguagem de que os Espíritos lançaram mão para definir um somatório de situações, grande parcela dos antigos judeus e fariseus, desperta para a Verdade, dá as mãos e ratifica a aliança com Deus, testemunhando Jesus.

Os homens, esquecendo-se da simplicidade do Cristo, ocultaram-se em torres de marfim e romperam a aliança. "Durante séculos - diz Schweitzer - a Cristandade entesourou os grandes mandamentos de amor e misericórdia como verdade tradicional, sem ver neles razão para combater a escravidão, a queima de feiticeiras, a tortura, e tantas outras atrocidades antigas e medievais." É chegado momento de ampliar a noção da ética, para que obscurantismo seja votado à escuridão que lhe pertencerá, até que dê campo ao Amor, testemunho do Cristo, para a aliança com a Luz: e onde a Luz se fizer não mais haverá escuridão! Incrível que Deus haja dito FIAT LUX, e a luz se tenha feito, e os homens a tenham renegado! ... O Universo é Luz... Não se compreende que o homem vote a retina do Espírito às trevas morais. Tudo o que o dogma erigiu através dos séculos, a própria materialização da arca da aliança, nos últimos tempos um mero símbolo cercado de sofreguidão e maldade, foi esboroado no momento em que o Senhor expirou ... Tantos séculos de "tradição" indo por terra num singelo minuto! Será que já pensamos nesse contraste chocante entre Deus e o homem que se julga superior a Deus?..

Se Paulo escreveu aos hebreus, e seguiu-lhes o linguajar e os condicionamentos espirituais, só o fez porque é na linguagem que os homens entendem que o Cristo se há de afirmar como a vida que se deixou crucificar, mas que não cessou um segundo sequer, e reintegrou-se no túmulo, que só existiu para que os homens compreendessem que o que é vida não perece.

Por termos afastado o Amor da arca de nosso coração, Jesus escreveu a mais linda epístola de que há notícia. O Espiritismo é a nossa carta aos hebreus, que o Senhor confiou a Kardec, com emoção e ternura, porque, nele - o Consolado r prometido -, tornou a falar aos seus irmãos de raça: os filhos que negam a paternidade divina, mas que até para negá-la têm necessidade de respirar em Deus...

A arca da aliança e o Testemunho do Cristo
Boanerges / (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Julho 1976