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segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Intimidade de Kardec

 


Intimidade de Kardec

por Roque Jacintho

Reformador (FEB) Março 1966

             Ler “Obras Póstumas” de Allan Kardec e senti-la, é viver alguns momentos de sua intimidade deliciosa, nos quais descobrimos suas lutas, suas dificuldades, algumas das razões de suas vitórias espirituais, seus justos momentos de apreensão, sua dedicação ao trabalho, o critério na seleção de mensagens e comunicações que formaram o contexto da nossa Doutrina...

            É senti-lo humano e sublime.

            Um roteiro de exemplos vivos.

            Ouvimo-la. Do primeiro contato que sustentou com os Espíritos, concluir de modo surpreendentemente lúcido:

            - Um dos primeiros resultados que colhi com minhas observações foi que os Espíritos, mais não do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau de um adiantamento que haviam alcançado e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal.

            Essa observação foi de fundamental importância.

            - Reconhecida desde o princípio - pondera Kardec -, esta verdade me preservou do grave escolho de crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles

 * * *

             A obra toda da Codificação é austera.

            Poder-se-ia presumir, pela sua compenetração e seriedade, que o mestre lionês fosse um homem frio, insensível, para quem o coração pouco ou quase nada contasse. No entanto, era extraordinariamente sensível e amoroso, como se sente no diálogo que sustentou com o Espírito de Zéfiro, que lhe servia de guia nos tempos de sua iniciação.

            - O Espírito de minha mãe - indaga Kardec - me vem visitar algumas vezes?

            A pergunta era matizada de ternura filial.

            - Vem - informa-lhe Zéfiro - e te protege quanto lhe é possível.

            - Vejo-a frequentemente em sonho. Será uma lembrança e efeito de minha imaginação?

            - Não! E ela que te aparece. Deves compreendê-lo pela emoção que sentes.

            Kardec examina-se e confidencia emocionado:

            - Isto é perfeitamente exato. Quando minha mãe aparecia em sonho, eu experimentava uma emoção indescritível, o que o médium de que o serve Zéfiro não podia saber.

 ***

             A Srta. Baudin funcionava mediunicamente. Kardec anotava as observações do Espírito da Verdade sobre a obra que estava preparando e que seria a primeira, das que formam a base da Doutrina Espírita.

            Embora sob inspiração amorosa, o Codificador lutava contra a crueza de nosso mundo que obsta a marcha rápida do restabelecimento dos ensinamentos de Jesus. Ponderava ser preciso tempo e recursos materiais para cumprir sua empreitada.

            Ambos lhe eram escassos.

            - Disseste que serás para mim um guia - falou Hippolyte Léon - que me ajudarás e protegerás. Compreendo essa proteção e o seu objetivo, dentro de certa ordem de coisas. Mas, poderias dizer-me se essa proteção também alcança as coisas materiais da Vida!

            - Nesse mundo - responde o Amigo celestial - a vida material é muito de ter-se em conta; não te ajudar a viver seria não te amar.

            Resposta terna e sábia!

            - “Não te ajudar a viver seria não te amar”.

            Era bem um poema de carinho e sob o seu generoso influxo o Codificador respirava desafogado.

 ***

             A noite era de Junho.

            12 de Junho de 1856.

            “O Livro dos Espíritos” estava com sua primeira parte no final, grafando em palavras humanas o princípio da gênese divina do Universo.

            O Codificador tomara o rumo do local onde realizavam suas reuniões habituais e onde lhe era possível uma permuta de entendimentos com seus mentores espirituais.

            Suspirava preocupado.

            Acumulavam-no com afirmações sobre o seu trabalho em andamento, chamando-lhe missionário. Ele estremecia com essa idem de missionarismo que se chocava com sua humildade, conquistada em séculos de vivência.

            - Tenho, como sabes - afirmou brandamente ao Espírito da Verdade -, o maior desejo de contribuir para a propagação da Verdade, Mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não disponho.

            Pela mão da médium Aline, o Espírito da Verdade escreveu, em caracteres inextinguíveis e numa lição de imortal sapiência:

            - Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição se quiseres sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te surpreende. Não esqueças que pode triunfar, como podes falir. Neste último caso, outro te substituiria, porque os desígnios de Deus na assentam na cabeça de um homem. Nunca, pois, fales de tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu ainda nada fizeste.

            Era um desafogo à apreensão que o possuía.

            Não se afirmava que seria ele, inevitavelmente, um missionário. Fora-lhe confiada uma tarefa que, se bem cumprida, constituiria uma missão e que pedia trabalho e dedicação sem limites.

            Cabia, pois, lutar e vencer com Jesus.

            No entanto, quais as dificuldades e o que poderia desviá-la da rota que a si mesmo traçara no impulso de propagar a verdade?

            - Que causas poderiam determinar meu malogro?

            Novo esclarecimento-advertência:

            - Ver-te-ás a braços com a malevolência, com a a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados. As tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas. Por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga. Numa palavra: terás de sustentar uma luta quase continua, com sacrifício de teu repouso, de tua tranquilidade, de tua saúde e até de tua Vida.

            E até hoje ainda é assim!

 ***

             “O Livro dos Espíritos” já circulara.

            Em decorrência de essa obra vir a lume, Kardec se via assoberbado por correspondências inúmeras e várias observações importantes lhe chegavam às mãos e precisavam alcançar Imediatamente o público.

            Era, como se fosse sangue, que deveria ser conduzido eficientemente a todos os componentes do grande corpo que se estruturava, a fim de aumentá-los e sustentá-los nos primeiros embates da ideia.

            Um jornal... Uma revista espírita!

            Sim! Era a solução Ideal.

            E confiou-se a esse propósito.

            Consultou amigos e companheiros, sem ressonância.  

            Se dispusesse de mais tempo e um orçamento doméstico bem coberto, poderia entregar-se inteiramente a essas atividades que entrevia como vitais.

            A sua frente a médium Sra. Dufaux.

            - Quero publicar um jornal espírita... Falta-me tempo porém. Tenho dois empregos que me silo necessários, como o sabeis. Desejara renunciar a eles, a fim de me consagrar inteiramente à minha tarefa, sem outras preocupações.

            - Por enquanto - responde o Espírito - não   deves abandonar coisa alguma. Há sempre tempo para tudo. Move-te e conseguirás.

            Os Espíritos apoiavam a ideia, porém não lhe concediam privilégios de qualquer ordem, embora reconhecessem indispensável e urgente a revista espírita.

            A recomendação era: “Move-te e conseguirás”.

            ...e conseguiu a 1º de Janeiro de 1858!

 * * *

             De Barcelona, Lachatre escrevera ao mestre lionês, pedindo-lhe o envio das obras da Codificação, que naquele ano de 1881 já abrangiam “O Livro dos Espíritos”, “O Livro dos Médiuns”, a “Revista Espírita”, “O que é o Espiritismo” e mais algumas publicações de outros colaboradores da época.

            A expedição da encomenda foi feita regularmente.

            Nenhuma infração à legalidade.

            A chegada dos livros em Barcelona, Lachatre foi convidado a pagar os direitos de entrada das obras na Espanha, mas, ao invés de recebe-las de pronto, enviaram a relação dos livros ao bispo.

            Examinando a relação, a autoridade eclesiástica ordenou que os livros fossem apreendidos e queimados em praça pública no dia 9 de Outubro de 1861.

            Em carta, Lachatre informava:

            “Ficaram sem resultado as reclamações apresentadas por intermédio do cônsul francês em Barcelona. A   vista disso, valeria a pena recorrer à autoridade superior.”

            Kardec, inteirado do acontecimento e revendo as últimas informações de Lachatre, opinou que se deixasse consumar o ato arbitrário.

            Sob a decisão, que pensaria o seu guia espiritual?

            - Não Ignoras - diz Kardec ao Espírito da Verdade -, sem dúvida, o que acaba de passar-se em Barcelona, com algumas obras espíritas. Quererás ter a bondade de dizer-me se convirá prosseguir na reclamação para restituição delas?

            - Por direito - ponderou o indagado - podes reclama-las e conseguirias que te fossem restituídas, se te dirigisses ao Ministro de Estrangeiros da França. Mas, o meu parecer, desse auto-de-fé resultará maior bem do que adviria da leitura de alguns volumes. A perda material nada é, a parte da repercussão que semelhante fato produzirá em favor da Doutrina.

            O silêncio dos espíritas, que para o Mundo poderia assemelhar-se a temor ou covardia, era o benefício que prestaria à expansão da própria Doutrina, que se alastrou sob o calor daquele sacrifício de suas obras num auto-de-fé.

 ***

             Mal habituados a atribuir a missionários poderes miraculosos, proteção extraordinária, desavisadamente poderíamos julgar que Allan Kardec elaborar as obras da Codificação Espírita de um só fôlego e sem esforços. Que bastaria tomasse a pena e escrevesse! Que, não lhe faltando inspirações superiores, seu trabalho seria mecânico...

               Engano nosso!

             Ele escrevia, analisava e reescrevia.

            Fundia e refundia exaustivamente os originais antes e depois de vir a público, melhorando-os, tornando-os mais claros e precisos.

            Era a contribuição humana em atividade.

            Em seu retiro de Sta. Adresse, ele esboçara um estudo profundamente religioso sobre a terceira parte d“O Livro dos Espíritos”, imaginando dar ao trabalho em elaboração o título de "Imitação do Evangelho” .

            Fizera um esquema inicial.

            Mas, já o retificam, adendando e retirando tópicos.

            No curso de seu recolhimento, porém, aspirava por notícias de seus companheiros e mensagens de seus orientadores, para continuar sentindo o pulsar da Doutrina que se agigantava.

            Solicitara aos companheiros de Paris que recebessem mediunicamente uma comunicação sobre um assunto qualquer e lhe enviassem ao retiro onde trabalhava.

            Chegou-lhe, enfim.

            E, num trecho, a mensagem assegurava:  

             “- Não entrarei em detalhes ociosos a respeito do plano de tua obra, plano que, segundo meus conselhos ocultos, modificaste tão ampla e completamente.”

             Era o   entrelaçamento da inspiração espiritual elevada, que não dispensa o esforço da criatura humana em identificar-se com os princípios Divinos do Universo, a fim de fazer-se luz para os que caminham pelas trevas.

 ***

             Kardec era um apóstolo do trabalho.

            Olvidava a si mesmo.  

                O Dr. Demeure, amigo desencarnado que lhe velava pela obra também, trouxe-lhe uma. advertência severa, recordando-lhe o imperativo da disciplina em todo trabalhe nobre.

                - Kardec - chama-lhe o valioso amigo - estando a enfraquecer-se de dia para a dia a tua saúde, em consequência de trabalhos excessivos, demasiado para as tuas forças, vejo-me na necessidade de repetir o que já te disse muitas vezes: Precisas de repouso; as forças humanas tem limites que o desejo de que o ensino progrida te leva muitas vezes a ultrapassar. Estás errado, porquanto, procedendo assim, não apressarás a marcha da Doutrina, mas arruinarás a tua saúde e te colocarás na impossibilidade material de acabar a tarefa que vieste desempenhar neste mundo.

                Kardec reconheceu-lhe a ponderação judiciosa.

                Desafogou-se parcialmente, a bem do porvir.

 ***

             O Espiritismo é trabalho secular.

            Há, porém, os afoitos que desejam ver acabada a obra, até mesmo antes que ela se inicie. Aos seus olhos amorosos, é sublime a visão da Humanidade redimida.

            É preciso contar com o tempo.

            Kardec sofria também essas opressões.

            Uns, acusavam-no de lento.

            Outros, apodavam-no de apressado.

            Estes, diziam-no humilde demais.

            Aqueles, apontavam-no por orgulhoso em excesso.

            No entrechoque que nascia dentro daqueles que formavam ao seu lado no trabalho inicial, o professor Rivail temia apenas pela perturbação que tais acusações infundadas pudessem ocasionar à Doutrina na sua fase de elaboração.

            Tranquilizou-se, porém, com a mensagem de Abril de 1866:

            “- Ride das declamações vãs. Deixai que falem os dissidentes, que berrem os que não podem consolar-se de não serem os primeiros. Todo esse arruído não impedirá que o Espiritismo prossiga imperturbavelmente o seu caminho. Ele é uma verdade e, qual rio, toda verdade tem que seguir seu curso.”

 ***

             A lado dos desalentados, surgiam alguns com fabulosas promessas a Kardec, tentadoras promessas feitas a quem se confiava ao trabalho primeiro da difusão doutrinária. Anunciavam que se dispunham até, a imprimir as obras espíritas para vende-las a preços fabulosamente reduzidos.

            Afogando Ilusões, os Mentores ponderavam:

            - O núcleo que sempre seguiu a boa estrada contínua em sua marcha, lenta mas seguro; afasta-se e de todos os propósitos preconcebidos e pouco se ocupa com os que vão ficando pelo caminho

            Infelizmente, mesmo entre os que formam esse núcleo fiel, há os tudo acham magnífico, assim da parte dos outros como da deles próprios e, facilmente, benevolamente, se deixam levar pelas aparências e vão tolamente prender-se no visco de seus inimigos de uma duma personalidade que diz despojar-se, dar-se seu sangue, seus bens, sua inteligência, pelo triunfo completo da ideia. Pois bem! Da parte de certos indivíduos, tais sacrifícios não podem ser feitos sem segundas intenções.  

            “Dar de graça a título de excesso de zelo, a título de brinde, todos os elementos de uma doutrina sublime, é o cúmulo da hipocrisia.  

            “Espíritas, tomai cuidado.”

            De pessoal que era a mensagem, tornou-se amplamente coletiva e desperta-nos, em pleno século XX, para os engodos dos maus seareiros, que fazem mais arruído do que trabalho e que traçam magníficos planos desligados da lealdade humana e das necessidades doutrinárias.

 ***

             Kardec bebeu fel na taça dos amigos!

            Cumpriram-se todas as previsões do Espírito da Verdade, com referência aos escolhos do caminho, que poderiam afastá-lo do trabalho.

            Em suas reflexões íntimas, condoía-se dos homens que o injuriavam, dos companheiros que não o compreendiam, dos amigos que o rejeitavam e que lhe interpretavam mal os gestos benevolentes.

            Num testemunho das cruciais e dolorosas perseguições, registrava:

             "- Certamente, não me cabe inventariar o bem que já pude fazer. Mas, do momento em que parecem esquecer tudo, é-me lícito, creio, trazer à lembrança que a minha consciência me diz que nunca fiz mal a ninguém, que hei praticado toda o bem que esteve ao meu alcance e isto, repito-o, sem me preocupar com a opinião de quem quer que seja.

            A ingratidão com que me hajam pago em mais de uma ocasião não constituirá motivo para que eu deixe de praticá-lo. A ingratidão é uma das imperfeições da Humanidade  e, como nenhum de nós - está isento de censuras, é preciso desculpar os outros para que nos desculpem a nós, de sorte o podermos dizer como Jesus Cristo: “Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado”.

            Estas anotações tão íntimas não viriam a público.

            Eles as fizera num papel, solto entra outros em sua mesa de trabalho, como quem abre o próprio coração num balanço de sua própria vida. Anota defeitos e virtudes e, como resultado positivo, repete com Jesus: “Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado.”

 ***

           Deliciosa e instrutiva intimidade com o Mestre!

            Um repositório de experiências edificantes.

            Consultá-lo, edifica-nos para as lutas.

            Relê-lo, tonifica-nos as experiências.

            Saímos de “Obras Póstumas” com nova visão.

             Kardec toma as dimensões incomensuráveis com que o via o Espírito que lhe dirigiu uma mensagem de Paris ao seu retiro de Sta. Adresse, quando traçava o vértice da Doutrina, unindo-nos aos Céus:

             “- Adeus, caro companheiro de antanho, discípulo fiel da Verdade, que continua através da vida a obra a que outrora, diante do Espírito que te ama e a quem venero, juramos consagrar as nossas forças e as nossas existências, até que ela se achasse concluída.

            Saúdo-te.”


Se Bergson ainda vivesse...

 


Se Bergson ainda vivesse...

por Tasso Porciúncula (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Novembro 1963

 

            Em conferência realizada na Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres, em 28 de Maio de 1913, o filósofo Henri Bergson declarou enfaticamente: “Admiro a coragem que tendes tido, sobretudo nos primeiros anos, para lutar contra as prevenções duma boa parte do público e para desafiar as zombarias que amedrontam os mais valentes.” E mais adiante: “Como explicar as prevenções contra as ciências psíquicas, prevenções que muitos ainda conservam?"

            Bergson não era contra o estudo das ciências psíquicas, como certos cientistas que não querem preferir a verdade dos fatos à “verdade” que interessa a grupos dominantes, quer religiosos, quer científicos ou pseudocientíficos. Estes são os que procuram acoroçoar as zombarias, negando a evidência e procurando subordinar os fatos mais verídicos a um vocabulário já velho, onde as palavras “superstição”, “mistificação”, além de outras, são utilizadas para “provarem” que os fenômenos espíritas são coisa muito diferente, tão diferentes que eles, até hoje, não conseguiram dar uma explicação convincente.

             Os verdadeiros estudiosos prosseguem, quietos, no estafante trabalho de coleta e explicação de fatos psíquicos, cada vez mais numerosos e eloquentes. Não importa que a ciência oficial e também a religião oficial se unam contra a Verdade espírita, que, um dia, há de derrubar todos os preconceitos, todas as prevenções e todas as mentiras, impondo-se de maneira categórica aos povos da Terra.

            O Espiritismo não tem pressa. Os homens é que deveriam estar apressados, a fim de se armarem de elementos para uma vida melhor sobre a Terra. Aqueles que já se beneficiaram no Espiritismo são os melhores propagandistas da verdade espírita. Assim como Jesus se viu vaiado, cuspido, apedrejado, humilhado, perseguido, sangrado, chicoteado e, por fim, crucificado, assim vem o Espiritismo seguindo, calma e corajosamente, o seu Calvário, certo de que está cumprindo sua missão na Terra, determinada pelo Cristo, de modo que encontrará também a sua glorificação, quando seus negadores, confundidos e perturbados, caírem a seus pés, deprecando o perdão de suas perfídias, falsidades e erros. 

            Então, tal como o Cristo, pois lhe segue os princípios, o Espiritismo os receberá fraternamente, perdoando-lhes e levando-os para o banho lustral de uma vida nova e mais fecunda.

            Para os que se deixam levar por más informações ou por errôneas impressões, o Espiritismo pode parecer passatempo par quem não tem coisas sérias a fazer. Bastará, entretanto, um exame mais detido dos problemas que ele enfrenta e soluciona, para que se verifique logo a importância fundamental da Sua Doutrina na vida humana. Sem santos nem altares nem rituais, o Espiritismo contribui decisiva e imediatamente para restaurar o equilíbrio em toda a parte... Seus preceitos e conceitos são simples, mas objetivos. Será suficiente segui-los para que tudo se aclare, ainda que se tenha de lutar para vencer. O Espiritismo dá coragem e força, assim como ensina a resistir e a triunfar, sob a proteção da sua Doutrina, humana e acessível a todas as inteligências.

            O espanto de Henri Bergson prova quão rude tem sido o caminho seguido pelo Espiritismo. Mesmo assim, os espíritas avançam, o Espiritismo progride em todos sentidos e em todo o mundo, porque a sua força vem de Cima, vem do Alto. Ele tem a energia do Amor, da Caridade, do Altruísmo, da Paciência e da Verdade. Por isto, ele subsistirá. Seus negadores passarão, mas ele crescerá cada vez mais, esclarecendo a Humanidade, consolando-a, aliviando-a, mostrando-lhe que ninguém jamais será feliz enquanto não começar a sua própria reforma íntima, ao mesmo tempo que olhar para os seus semelhantes com fraternidade, pronto a ajudar, pronto a servir desinteressadamente, procurando de preferência o que cada qual tem de bom dentro de si,

            O Espiritismo educa e eleva. Fortalece e salva. Não se envergonha de ser humilde, mas encontra meios de tornar a sua humildade uma força, porque é uma humildade ativa, que constrói e não teme defrontar a impiedade, a intolerância, o poder, a calúnia e a intriga. Como a árvore, o Espiritismo dá sombra e frutos a quantos o procuram, sem se preocupar com as ideias, o passado e o caráter dos que a ele recorrem.

            Se Henri Bergson ainda vivesse no mundo dos encarnados, ficaria triste ao ver que a Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres, não é hoje o que foi no passado. Invadiram-na elementos sem isenção de ânimo para julgar. Transformaram-na num instrumento de combate às ideias espíritas, fazendo crer que os fenômenos psíquicos inexistem ou dando-lhes interpretações insinceras, sem aquele critério imparcial, rigorosamente científico, que assinalaram, por exemplo, as notáveis experiências de William Crookes.


domingo, 3 de janeiro de 2021

O endemoninhado geraseno

 


O endemoninhado geraseno

por Rodolfo Caligaris   Reformador (FEB) Fevereiro 1966

 

            "'Tendo atravessado o mar, desembarcaram no país dos gerasenos e, mal Jesus  descera da barca, veio ter com ele um homem possuído do espírito imundo, homem esse  que ninguém conseguia dominar nem mesmo com correntes, pois muitas vezes estivera com ferros aos pés e preso por cadeias e as quebrara. Vivia dia e noite nas montanhas e nos sepulcros, a gritar e a flagelar-se com pedras. Ao ver Jesus, ao longe, correu para ele e o adorou, exclamando em altas vozes: Que tens tu comigo, Jesus, filho do Deus Altíssimo? Eu te suplico, não me atormentes. Isso porque Jesus lhe ordenara: Espírito imundo, sai deste  homem. Perguntando-lhe Jesus: Como te chamas?  - respondeu: Chamo-me Legião, porque somos muitos.  

            Ora, havia ali uma grande vara de porcos pastando na encosta do monte, e os demônios faziam a Jesus esta súplica: manda-nos para aqueles porcos, a fim de entrarmos eles. E como Jesus lhes desse permissão para isso, os Espíritos impuros, saindo do possesso, entraram nos porcos; toda a manada saiu a correr impetuosamente e foi precipitar-se no mar, onde se afogou.

            Os que a apascentaram fugiram e foram espalhar na cidade e nos campos a notícia do que se passara. Logo acorreram muitos até onde estava Jesus e, encontrando o homem que ficara livre dos demônios sentado a seus pés, vestido e de perfeito juízo se encheram de temor. Ouvindo, então, dos que presenciavam o fato, a narrativa do que sucedera ao possesso e aos porcos, todos pediram a Jesus que deixasse aquelas terras.” (Dos Evangelhos)

            Temos aqui um caso impressionante de possessão, cuja vítima, subjugada por uma falange de Espíritos perversos, tornara-se o terror dos sítios em que vivia.

            Pelo relato dos evangelistas, bem podemos imaginar-lhe a terrível figura: seminu e  coberto de feridas sangrentas, olhos esfogueados, cabelos longos e em desalinho, pedaços de corrente a lhe penderem das pernas, mais haveria de parecer uma fera do que propriamente uma criatura humana.

            Compadecido do infeliz, Jesus liberta-o de tão má influência, com o que lhe restitui de pronto a razão, e domínio de si mesmo, e, convidando-o a sentar-se junto de si, põe-se a edifica-lo com seu verbo terno e esclarecedor, preparando-o para que viesse a ser mais um arauto da Boa Nova, e, ao voltar para a companhia dos familiares, ao contar-lhes que coisa estupenda o Senhor fizera por ele, estivesse habilitado a anunciar-lhes também a doutrina de Amor, de Tolerância e de Justiça que estava sendo trazida ao mundo, cuja observância é o mais seguro remédio contra todos os males que afligem e infelicitam a Humanidade.

            Quanto aos Espíritos obsessores, não entraram nos porcos, como supuseram os circunstantes, coisa que hoje melhor se compreende; apenas se fizeram visíveis aos suínos e estes, espavoridos, se precipitaram do monte para baixo em tão desabalada carreira que,  não podendo estacar ao chegarem à praia, introduziram-se no mar, perecendo afogados.

            O episódio em tela, ao mesmo tempo que ressalta o extraordinário poder de Jesus (baseado na perfeição de seu caráter) e sua incomensurável piedade para com os sofredores, põe em relevo, por outro lado, a mesquinhez de muitos homens, para os quais o interesse material a tudo sobreleva.

            A cura daquele possesso que os trazia em sobressalto deveria ser, para os gerasenos, motivo de se regozijarem e se mostrarem agradecidos àquele que operara tal maravilha. Ao invés disso, porém, só levaram em conta a perda de seus animais e, receosos de novos prejuízos pecuniários, despediram de suas terras, qual se fora um intruso indesejável, o próprio Filho de Deus que os honrara com sua augusta presença.

            Agora meditemos.

            Nós outros não estaremos agindo, ainda hoje, de igual maneira? Não continuamos colocando as conveniências mundanas acima dos galardões espirituais?

            Conquanto nos pese reconhecê-lo, todas as vezes que contrariamos a Doutrina Cristã, porque seguir lhe os preceitos nos custaria o sacrifício de algum lucro temporal, é como se, visitados pelo Mestre, o puséssemos para fora de nossa porta!


sábado, 2 de janeiro de 2021

Carta de Roustaing a Kardec

 

Carta de Roustaing a Allan Kardec

A Redação     Reformador (FEB) Maio 1953

             Esta carta nos foi dirigida pelo Sr. Roustaing, decano dos advogados do Supremo Tribunal Imperial de Bordéus.

            Os princípios nela superiormente expressos, por partirem de um homem da sua posição, hão de fazer refletir, talvez, a muita gente que se presume privilegiada do bom senso e vai, por isso, colocando todos os adeptos do Espiritismo no rol dos imbecis.

 

            “Caro Sr. e venerando chefe espírita:

             Recebi a carinhosa influência e recolhi o benefício destas palavras do Cristo a Tomé: felizes os que não viram e creram.

            Palavras profundas, verdadeiramente divinas, que nos mostram a senda mais segura e racional e que nos conduzem à fé segundo a máxima de São Paulo, que o Espiritismo completa e realiza.

             Rationabili sit obsequium vestrum.    (um serviço razoável (?) )

             Ao vos escrever em Março p.p., pela primeira vez, dizia: eu nada vi, mas li, compreendi e creio.

            Hoje, venho dizer-vos que Deus me premiou por haver acreditado sem ver, uma vez que posteriormente vi, e ainda bem que vi em condições proveitosas, pois a parte experimental veio, se assim me posso exprimir, animar a fé que a parte doutrinária havia propiciado, fortalecendo-a, vivificando-a.

            Depois de haver estudado e compreendido, eu conhecia o mundo invisível tal como o estudante que conhecesse Paris pelo respectivo mapa; ao passo que hoje, pela experiência, pelo trabalho e aturada observação, conheço esse mundo tal como o forasteiro que percorresse a grande capital, o que não vale dizer que lhe penetrasse todos os recantos.

            Todavia, desde princípios de Abril, graças às relações do excelente Sr. M. Sabo e sua família - gente patriarcal e toda ela composta de bons e veros espíritas, pude trabalhar e trabalhei, ora com eles, ora em minha casa, concorrendo a esses trabalhos outros adeptos convictos da verdade espírita, posto que nem todos ainda efetiva e praticamente espíritas. 

            O Sr. Sabó vos enviou o relatório de nossos trabalhos obtidos a título de ensinamento, quer por evocações, quer por manifestações espontâneas dos Espíritos superiores.

            E creia que sentimos tanto de alegria e de surpresa quanto de acanhamento e humildade, ao receber ensinamentos tão preciosos e sublinhados de Espíritos assim elevados, que nos visitaram ou enviaram mensageiros para falarem em seu nome.

            Ah! Quão feliz me considero em não pertencer, pelo culto material, a esta Terra que, agora o sei, não constitui para o homem mais que um lugar de exílio, propiciatório ele expiações e provas!

            Feliz, sim, por conhecer e haver compreendido a reencarnação em toda a sua latitude e consequências, como realidade e não como simples alegoria!

            A reencarnação, sublime e equitativa fórmula da Justiça Divina, tal como ainda ontem a definia meu Guia, tão bela, tão consoladora pela possibilidade de fazermos amanhã o que não pudemos fazer ontem, e que impele a criatura a caminhar para o seu Criador; - essa lei equitativa e justa na frase de José de Maistre, em comunicação que nos deu e vos transmitimos, é ainda, conforme a palavra divina do Cristo, - o caminho longo e difícil de percorrer para chegar às moradas divinas.

            Agora é que eu compreendo as palavras do Cristo a Nicodemos: "pois quê! Sois doutores da lei e ignorais estas coisas... 

            Hoje que Deus me permitiu compreender integralmente toda a verdade da lei evangélica, a mim mesmo eu pergunto como a ignorância dos homens, doutores da lei, pode resistir nesse ponto à clareza dos textos e produzir destarte o erro e a mentira, que geraram e entretiveram o materialismo, a incredulidade, o fanatismo ou a covardia.

            Pergunto como essa ignorância, como esse erro puderam produzir-se, quando o Cristo tivera cuidado de proclamar a necessidade de reencarnar, dizendo: - importa-vos nascer de novo e, daí, a reencarnação como único meio de ver o reino de Deus, o que aliás já era conhecido e ensinado na Terra, tanto que Nicodemos deveria sabê-lo.

            Sois doutores da lei e ignorais essas coisas.” É verdade que o Cristo acrescenta a cada passo – “quem tiver ouvidos de ouvir, que ouça” e mais – “eles têm olhos e não veem, têm ouvidos e não ouvem nem compreendem" - o que se pode aplicar tanto aos seus contemporâneos como aos que lhe sucederam.

            Eu disse que Deus na sua bondade me recompensara pelos nossos trabalhos e pelos ensinamentos que permitiu nos fossem ministrados por seus mensageiros, missionários devotados e inteligentes junto aos seus irmãos, no intuito de lhas inspirar o amor do próximo, o esquecimento das injúrias e o culto devido ao Ente Supremo.

            Eis que agora compreendo as palavras do Espírito de Fenelon, referindo-se a esses mensageiros divinos – “eles viveram tantas vezes que se tornaram nossos mestres.”

            Eu lhes agradeço humilde e alegremente, a esses mensageiros divinos, o nos terem vindo ensinar que o Cristo está em missão sobre a Terra, para propaganda e êxito do Espiritismo - essa terceira explosão da bondade divina, que colima a última palavra do Evangelho – “Unum ovile et unus pastor.” (um rebanho, um pastor)

            Agradeço-lhes, sim, o nos virem dizer: “nada temais, pois o Cristo (que denominam também O Espírito da Verdade é o maior e o mais legitimo missionário das ideias espíritas.” Aliás, essas palavras me haviam impressionado vivamente e eu conjeturava onde poderia estar o Cristo em missão na Terra.

            “A Verdade dirige – diz então o Espírito de Marius, bispo dos primeiros tempos da Igreja - essa coorte de Espíritos enviados por Deus, em missão, para propaganda e êxito ao Espiritismo.”

            E que doces e puras alegrias derivam desses trabalhos espíritas pela caridade feita aos Espíritos sofredores!

            Que consolo é o de nos comunicarmos com os que da Terra se foram, parentes ou amigos, ouvindo-lhes a confissão de que são felizes ou aliviando--os se o não são!

            E, como é viva e radiante a luz desses mesmos Espíritos, os quais na veracidade integral da lei do Cristo nos dão a fé pela razão, nos fazem compreender a onipotência do Criador, sua grandeza, sua justiça, sua bondade e misericórdia infinita e nos colocam, assim, na deliciosa necessidade de praticar a divina lei de amor e caridade.

            Sublime, a ilação de tais ensinos, compreendendo nós que os seus divinos transmissores, fazendo-nos progredir, progridem também eles e vão aumentar a falange sagrada dos Espíritos perfeitos!

            Admirável, divina harmonia que nos mostra a unidade de Deus e a solidariedade de todas as suas criaturas, como nos mostra essas mesmas criaturas sob a influência e impulso dessa solidariedade, dessa simpatia, dessa reciprocidade, chamadas a gravitar e gravitando - não sem faltas e quedas, de começo - na longa e alta escala espiritual a fim de, finalmente, degrau a degrau, atingir- partindo do estado de simplicidade e ignorância originais à perfeição intelectual e moral e, por essa perfeição - a Deus.

            Admirável e divina harmonia que nos mostra esta grande divisão da inferioridade e superioridade, pela distinção dos mundos de exílio onde tudo é prova ou expiação, e dos mundos superiores, morada dos bons Espíritos, onde só lhes cumpre progredir para o bem.

            A reencarnação, bem compreendida, ensina aos homens que eles aqui estão neste baixo mundo apenas de passagem e que são livres de a ele regressarem, uma vez que se esforcem para isso; ensina que o poder, as riquezas, as dignidades, a ciência, não lhes são dados senão a título de provas, como meio de caminhar para o bem; que tudo isso lhes vem às mãos como simples depósitos e meios de praticarem a lei de amor e caridade; que o mendigo é irmão do potentado perante Deus, e talvez o fosse mesmo perante os homens; que esse mendigo poderia ter sido rico e poderoso e que a atualidade miserável de sua condição representa a falência de suas provas, lembrando assim aquele apotegma do ponto de vista social – não há mais que um passo do Capitólio (templo dedicado para a Tríade Capitolina, ou seja, para Júpiter, Juno e Minerva) a Rocha Tarpeia, (era, na Roma Antiga, um local onde eram feitas execuções, com as vítimas sendo lançadas desta rocha para a morte) com a diferença, porém, que, pela reencarnação, o Espírito se levanta da sua queda e pode, remontando o Capitólio, dali projetar-se às cumiadas celestes, à mansão esplêndida dos bons Espíritos.

            A reencarnação, ensinando aos homens que, conforme o concerto admirável de Platão, não há rei que não descenda de pastor, como não há pastor que não descenda de rei, amortece lhes todas as vaidades humanas, segrega-os do culto material, nivela, moralmente, todas as condições sociais.

            Em uma palavra: a reencarnação constitui a igualdade, a fraternidade entre os homens, tanto quanto entre os Espíritos, em Deus, e perante Deus.

            E constitui também essa liberdade que, sem amor e caridade, não passa de utopia, como bem no-lo disse há pouco o Espírito de Washington.

            No seu conjunto o Espiritismo veio dar aos homens a unidade e a verdade em todas as conquistas intelectuais e morais, nessa tarefa sublime de que somos apenas os mais humildes obreiros.

            Adeus, meu caro senhor; depois de um silêncio de três meses, eis que vos amofino com esta assaz longa carta.     

            Respondei-me quando puderdes e quiserdes.

            Propunha-me ir a Paris para ter o prazer de vos conhecer pessoalmente, para vos apertar fraternalmente a mão, porém a minha precária saúde me tem impedido até o presente.

            Desta, podeis fazer o uso que vos aprouver, na certeza de que me honro de ser devotado e publicamente espiritista.

            Vosso mui dedicado

                                   Roustaing, advogado. “

           Os leitores podem, como nós, apreciar e apreciarão certamente a exatidão dos conceitos expressos nesta carta.

            Por ela, se vê, de fato, que não obstante recentemente iniciado na Doutrina, o Sr. Roustaing tomou-se mestre na interpretação.

            A verdade é que ele a estudou profunda e seriamente, o que lhe permitiu coligir em pouco tempo todas as consequências deste grave problema do Espiritismo e, ao contrário de tanta gente, não se deteve à superfície.

            Nada havia ainda visto, di-lo, e já era um convencido porque lera e compreendera.

            Muitos, como ele, assim o tem feito, e nós temos reparado que, em regra, os que assim procedem, longe de serem superficiais, são os que mais refletem.

            Prendendo-se mais ao fundo que à forma, a parte filosófica é para eles o principal e os fenômenos propriamente ditos o acessório.

            Então, dizem, mesmo que os fenômenos inexistissem, não deixaria de haver uma filosofia que resolve, só por si, problemas insolúveis até agora, única que dá sobre o passado e o futuro do homem a teoria mais racional.

            E a preferência se lhes impõe entre uma doutrina que explica, e uma doutrina que mal ou nada explica.

            Quem quer que raciocine, compreende muito bem que se poderia fazer abstração das manifestações, sem que a doutrina deixasse por isso de existir.

            Elas, as manifestações, vêm corroborar, vêm confirmar a doutrina, mas não são a sua base essencial e disto é prova o discurso de Channing (?) que acabamos de citar, pois cerca de vinte anos do desdobrar das manifestações na América, o só raciocínio o conduzira às mesmas consequências.

            Mas há um outro estalão (medida) pelo qual se pode aferir a seriedade do espírita.

           Pelas citações que o autor da carta faz de pensamentos contidos em comunicações que recebeu, prova de que se não limitou a admirá-las como belos tropos (tropeços) literários, dignos de qualquer álbum, mas que as estuda, medita e aproveita.

            Infelizmente, muita gente existe para a qual este alto ensinamento representa letra morta, gente que coleciona as belas comunicações como certos bibliófilos colecionam belos livros... sem os ler.

            Outra coisa pela qual devemos felicitar o Sr. Roustaing, é aquela declaração com que encerra a sua carta, pois desgraçadamente nem todos têm, como ele, a coragem das próprias convicções e é isso que afoita os nossos adversários.

            Contudo, devemos reconhecer que, neste ponto, as coisas se hão modificado de algum tempo a esta parte.  

            Há apenas dois anos muitas pessoas não falavam de Espiritismo senão por olhares significativos os livros, compravam-nos em segredo e guardavam-se bem de os colocar em evidência.                .

            Hoje, a coisa é diversa: já nos familiarizamos com o epíteto (alcunha) de incivis (deseducados) dos zombeteiros e rimo-nos em vez de corarmos.

            Ninguém mais teme confessar-se publicamente espírita, tal como se não temem outros de se confessarem prosélitos desta ou daquela filosofia, do magnetismo, do sonambulismo, etc.

            Sobre a matéria discute-se com o primeiro adventício como se faz com os clássicos e os românticos, sem temor de humilhações reciprocas.

            Eis um progresso imenso, que prova duas coisas: o progresso das ideias espíritas em geral e a inconsistência dos argumentos adversos.

            E a consequência disto será o silêncio destes últimos que só se julgam fortes por se acreditarem mais numerosos; mas, quando de toda parte encontrarem com quem discutir, não diremos que se convertam, mas que saberão ser mais comedidos.

            Conhecemos uma pequena cidade da província, na qual, há um ano, o Espiritismo contava apenas um adepto, que, se o conhecessem como tal, seria apontado a dedo como um animal curioso ou, quem sabe, destituído do seu cargo e até deserdado.

            Hoje, a Doutrina conta ali numerosos adeptos, eles se reúnem francamente sem se preocuparem com o que deles possam dizer e quando no seu meio viram autoridades municipais, funcionários públicos, oficiais de patente, engenheiros, advogados, tabeliões, etc., que não ocultavam as suas simpatias pela causa, os zombeteiros calaram seus remoques (sem insinuação maliciosa) e o jornal da terra, redigido por um espírito forte com premissas de ensaios e aprestos de pulverização da nova doutrina, recolheu-se aos bastidores.

            Esta história, é a de muitas outras localidades e se generalizará à medida que os partidários do Espiritismo, cujo número cresce diariamente, erguerem a voz e a cabeça.

           Porque fácil é abater uma cabeça que se mostra, mas quando há vinte, quarenta, cem cabeças, que não temem falar alto e bom som, o caso e diferente.

            Demais, isso também dá coragem a quem não na tem.


Dr. Alexis Carrel

 

Dr. Alexis Carrel

A Redação      Reformador (FEB) Dezembro 1944

 

            O Dr. Alexis Carrel pertenceu ao grupo dos sábios que trabalharam no RockfelIer Institute for Medical Research. Ao lado de Jacques Loeb, Meltzer, Noguchi, Simão Flexner e de dezenas de gênios, passou ele grande parte da sua vida de cientista, dos mais notáveis do século.

              Recordemos alguns trechos do seu livro O Homem, Esse Desconhecido:

             “A existência da vidência e da telepatia é um dado imediato da observação. Aqueles que são dotados desse poder conhecem, sem utilizar os órgãos dos sentidos, os pensamentos de outros indivíduos. São igualmente sensíveis a acontecimentos mais ou menos afastados no espaqo e no tempo.” (Pág. 148).

            “... Em muitos casos, estabelece-se comunicação, no momento da morte ou de um grande perigo, entre dois indivíduos. O moribundo, ou a vítima do acidente, mesmo quando este não é mortal, aparece momentaneamente a um amigo sob o seu aspecto habitual. Muitas vezes o fantasma não fala; outras, anuncia a sua morte. O vidente pode também ver, a grande distância, uma cena, um indivíduo, uma paisagem, que descreve minuciosa e exatamente." (Pág. 150).

             “... A atividade mística foi banida da maior parte das religiões, e até a sua significação foi esquecida. A um tal esquecimento prende-se, provavelmente, a decadência das igrejas.” (Pág. 160). 

            “... Supomos que a sede das atividades psicológicas é o cérebro porque uma lesão desse órgão produz perturbações imediatas e profundas na consciência. É provavelmente ao nível da substância cinzenta que o espírito, segundo a expressão de Bergson, se insere na matéria." (Pág. 168).

             “... As doenças do espírito tornam-se ameaçadoras, e mais perigosas do que a tuberculose, o cancro, as afecções do coração e dos rins e até do que o tifo, a peste e o cólera." (Pág. 184).

             “... A medicina moderna não conseguiu assegurar a todos a posse das atividades que são verdadeiramente específicas do homem. Os médicos são completamente incapazes de proteger a inteligência dos seus inimigos desconhecidos. Conhecem-se os sintomas das doenças mentais e os diversos tipos de debilidade do espírito, mas ignora-se completamente a natureza dessas perturbações." (Págs. 184/5).

             “... A chave da patologia do espírito está na psicologia tal como a dos órgãos na fisiologia. Mas esta é uma ciência, ao passo que a psicologia não o é. A psicologia espera ainda o seu Claude Bernard ou o seu Pasteur." (Pág. 185).

             “Além disso, sabemos que os videntes possuem o dom de ver coisas ocultas a grande distância; alguns deles veem acontecimentos que já se passaram, e outros que hão de passar-se futuramente." (Pág. 191).

             “Os casos de predição do futuro conduzem-nos ao limiar dum mundo desconhecido. Parecem indicar a existência dum princípio psíquico capaz de evolucionar fora dos limites do nosso corpo." (Pág. 305).


sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Temas para reflexão

 

Temas para reflexão

José Brígido (Indalício Mendes)    Reformador (FEB) Junho 1963

 

            O objetivo do Espiritismo não é fazer santos mas homens retos e conscientes de seus deveres e responsabilidades terrenas e espirituais.

 *

             Essa tarefa exige coragem, pertinácia e espírito de renúncia. Antes de cada triunfo, o homem falha, cai e se desdiz. É preciso que não pare. A cada queda deve seguir-se um esforço maior pelo reerguimento; a cada falha, o propósito honesto e firme de não reincidir no mesmo erro, a cada incoerência a decisão segura de estabelecer um critério singular e inalterável em prol da própria reabilitação.

 *

             O Espiritismo não promete, como pensam os que lhe desconhecem a Doutrina, o paraíso, a felicidade no Além-Túmulo. Ele ensina que, aprimorando a nossa conduta quando ainda nos encontramos na experiência terrena, encontraremos maior facilidade  de ação no próprio mundo espiritual. Quer o Espiritismo que o homem comece a ser feliz na Terra e que por seu, comportamento quando encarnado, continue a ser feliz no Além.

 *

            A criatura humana precisa saber porque nasce, porque morre e renasce. Deve aprender que a Dor tem uma função retificadora. Muitas vezes ela abre horizontes novos e mais amplos ao entendimento humano, fazendo, por seus efeitos, o que doutrina alguma conseguiria alcançar sobre determinados homens.

 *

            Conhecer a razão da Dor na existência humana e entender a multiforme linguagem do Amor conduzem o homem a uma compreensão perfeita da Lei Áurea: “não fazer a outrem o que não desejar para si” e “fazer a outrem o que quiser para si”. Quando a compreensão é real, a exemplificação a acompanha.

 *

            O Espiritismo sabe que a mente humana é fonte inesgotável de efeitos que têm com causa o pensamento. Portanto, se mentalizarmos coisas boas, elevadas, dignas, a nossa alma fará coisas boas, superiores e dignas. O trabalho mental, isto é, os pensamentos, configuram a verdadeira natureza moral de cada indivíduo.

 *

            O Espiritismo educa e reeduca moralmente aqueles que aceitam a sua disciplina. Mas essa tarefa é difícil e demorada. Nem sempre se conclui numa encarnação. Por isto? a Inteligência suprema facilita ao Espírito em evolução a volta à Terra, em corpo carnal, tantas vezes quantas se façam necessárias ao seu aprimoramento.

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             O Espiritismo liberta o homem interiormente, através da prática da sua Doutrina. Quanto mais cedo ele se libertar dos maus hábitos mentais, das influências inferiores, dos atos e pensamentos desfraternos, mais cedo começará a colher os resultados da sua melhoria moral. Isto poderá mesmo acontecer, e acontece com frequência, ainda no curso da encarnação em que inicia esse trabalho de recuperação. Somente é livre aquele que já se desligou de maus impulsos, de preconceitos e ideias egoísticas; aquele que já faz alguma coisa em benefício de outrem, sem pensar primeiro em si.

 *

            Quem não cultiva as boas relações e a convivência fraterna com os seus semelhantes, falha num dos mais importantes preceitos da Doutrina Espírita, que é a fraternidade.

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             Não constitui preocupação espírita a catequese de novos prosélitos, mas o esclarecimento oportuno e o auxílio indispensável à compreensão da Doutrina. O Espiritismo segue a réstia de luz evangélica que promana do Evangelho do Cristo. Devemos respeitar o livre-arbítrio de cada um, quando esgotado o nosso argumento em favor da Paz, do Amor e da Caridade. O livre--arbítrio é que define o rumo que queremos tomar.

 *

             Vencer na vida terrena não é adquirir riquezas, poder político, posição social elevada. Vencer na vida é despojar-se de tudo quanto concorre para o mal e acumular tudo quanto possa ser um bem para todos. O legítimo valor da criatura humana está, não no dinheiro ou bens que possua, nos poderes que enfeixa nas mãos, na autoridade arbitrária que exerça, nas roupas luxuosas que veste, mas, exclusivamente, na pureza do coração, na nobreza de sentimentos, no espírito justo de humildade e na capacidade progressivamente maior de ser útil e prestante, sem discriminações.

 *

             Para exercitar a Caridade, devemos pelo menos realizar diariamente uma boa ação, evitando que esta seja comprometida por pensamentos ou atos negativos. Estará no rumo certo aquele que consegue, a pouco e pouco, aumentar o número das boas ações cotidianas. Não nos esqueçamos de que “sem Caridade não há salvação”.

 *

            Provérbio árabe: “Aquele que conhece os outros, é sábio; aquele que se conhece a si mesmo é verdadeiramente esclarecido. O que pode vencer os outros é forte, mas quem consegue vencer a si mesmo é muito mais possante.”