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sábado, 8 de maio de 2021

O que penso a respeito dos trabalhos de Caridade

 


O que penso a respeito dos trabalhos de Caridade 
parte 1

por Pedro Richard

Reformador (FEB) 1º Abril 1914



             Venho hoje dar cumprimento à promessa que fiz ao meu companheiro e amigo L. Cirne quando ultimamente lhe enderecei uma carta aberta.

            Primeiro que tudo devo dizer de que modo entendo esse sentimento puramente divino - a caridade, que o apóstolo Paulo classificou como a primeira das virtudes, capaz só por si de levar o espírito culpado à salvação, redimindo-o de toda a culpa, porque, diz o convertido da entrada de Damasco: a caridade lava toda mancha.

            Isto disse ele referindo- se ao planeta Terra, onde os espíritos em prova estão manchados, em consequência do mal emprego que fizeram de seu livre arbítrio.

            Deus, que é o amor por excelência, só criou para o amor; isto quer dizer que a sua criação só se destina a um fim: o cumprimento e a execução das leis do amor.

            Tudo que existe que vive e que palpita, existe, vive e palpita para cumprir e executar as leis grandiosas e santas dessa emanação divina - o amor.

            A criatura, espírito, portadora desses predicados, que conhecemos com as denominações de inteligência e vontade, por conseguinte, com responsabilidade, é a pequena partícula que Ele destinou para colaborar na sua grandiosa obra - o amor.

            O espírito, pois, existe para amar e ser amado.

            Amar ao seu Criador com toda a energia de seu ser, com todas as forças de que é dotado; amar as suas criaturas como a si mesmo, desde a mais humilde à mais elevada; só assim é que só o espírito dará provas e manifestará o amor a Deus, porque não se pode amar ao Criador sem que se ame às suas criaturas. Não se pode dar provas de que se ama ao Criador senão integralizando-se na sua obra, pois que é esse o fim para o qual Deus concretizou a sua criatura. Eis a razão da lei ditada por Jesus: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

            A caridade, pois, é a manifestação do amor ao próximo, sob qualquer aspecto. Amar ao próximo é identificar-se com ele, isto é tornar suas as necessidades dele e ser um agente caridoso do seu progresso, fazendo-se dessarte um auxiliar de Deus na obra grandiosa do Bem, que nada mais é do que a direção dos espíritos no rigoroso cumprimento do dever.

            Em suma, a boa prática da caridade consiste no dever, que cumpre a cada um, de repartir com seus irmãos tudo quanto lhe foi dado pela misericórdia divina, quer se trate de haveres materiais, quer de benefícios morais de toda a ordem. A criatura deve ter sempre em vista que nada possui por si; tudo lhe é dado pelo seu Criador e Pai, que, na manifestação sublime de seu amor, vai distribuindo a cada um proporcionalmente a seus méritos, isto é, à medida que seu espírito vai se pondo em condições de poder comportar as graças celestiais, que em síntese são Justiça e Misericórdia.

            São chegados os tempos preditos e prometidos por Jesus; os tempos em que o nosso Criador e Pai mandaria à Terra o Consolador para na Terra ficar. Para isso Ele fez baixar o seu Espírito sobre toda a carne, dando às mulheres, velhos e crianças, visões, sonhos, etc. Isto quer dizer que o Pai deu às suas criaturas aqui encarnadas atualmente o dom grandioso da mediunidade, como sendo a moeda majestosa capaz de resgatar numa só existência um conjunto de crimes e faltas contraídos numa série de existências pretéritas, pois, na frase evangélica, os campos estão branqueados e a colheita se aproxima. 

            Os nossos espíritos, trabalhados pela dor, evoluídos pelos conhecimentos científicos adquiridos e asfixiados pelo sentimento religioso materializado e seus derivados - isso que chamam de escola materialista - não possuem, por isso mesmo, nenhuma crença verdadeiramente religiosa e estável. E isto porque a escola materialista, pretendendo destruir a concepção errônea de céu e inferno, ou o prêmio e castigo, ao invés de trazer ao espírito um conforto duradouro e uma esperança eterna, dá-lhe um outro inferno não menos temido e aterrorizador - o nada.

            Para os grandes males grandes remédios. Para destruir o vício encarnado na divindade de César, a divindade de Jesus encarnada nas virtudes.

            Para destruir de uma vez para sempre a dúvida concretizada nas escolas materialistas e nas religiões materializadas a Revelação Espírita, que nos vem trazer pelo fato, pela razão e pela prova experimental a certeza da imortalidade do espírito e sua consequente responsabilidade, dando-nos, enfim, os Evangelhos, em espírito e verdade, que tudo explicam e que vieram extirpar, de vez, a dúvida que nos tornava escravos dos erros e das paixões.

            Desta forma o Espiritismo nos abre a porta larga e franca da caridade.

            Desfeita a dúvida, surge a fé, e a fé com obras, porquanto a fé sem obras é morta, na frase do apóstolo dos gentios, Paulo.

            Vamos nos deter por aqui; prosseguiremos no próximo número se o Senhor nos permitir.

 

O que penso a respeito dos trabalhos de Caridade 

parte 2

por Pedro Richard       Reformador (FEB) 16 Abril 1914

 

            No meu escrito passado falei na fé sem obras. A verdadeira obra da fé é a caridade.

            Baixando à Terra a Revelação Espírita, baixou com ele uma falange de espíritos prepostos e encarregados de sua propaganda.

            Todos quantos tem tido a ventura de receber a Revelação tomaram encargos mais ou menos importantes para com Jesus, a fim desobrigarem de compromissos sérios de existências que se foram.

            A cada colônia de espíritos ou, melhor, a cada povo foi confiada uma missão para, de acordo com as suas necessidades e tendências, ser desenvolvida e propagada a Revelação Divina.

            Jesus, que é o sumo e divino diretor dessa propaganda e que tudo prevê em beneficio da própria propaganda e para facilita-la, dotou cada povo ou colônia de espíritos com os elementos precisos e indispensáveis à perfeita execução de seu plano grandioso.

            Assim é que nos povos da culta Europa, onde o cérebro domina o coração, ali, o Divino Mestre, o Encarregado por Deus dessa gloriosa missão, faz que apareçam os médiuns de efeitos físicos, transportes etc., porque lá a luz vai se fazendo e continuará a ser feita pelo entendimento. É o cérebro que domina, é a ciência que tudo devassa e que tudo pretende explicar.

            Na terra de Sta. Cruz, neste pequeno torrão onde o coração domina o cérebro, ao contrário, a partilha é consideradamente maior. Para este recanto majestoso do planeta envia o Divino Missionário os médiuns de efeitos morais; pois, meus amigos, o nosso encargo no Brasil é muito mais grandioso e, por isso mesmo, de muito maior responsabilidade. A nossa missão nesta parte da América é estudar e praticar os Evangelhos de N. S. J. Cristo; é sermos os continuadores dos apóstolos e os disseminadores dos ensinos do Mestre pela prática da caridade. É para isto, para estes efeitos da caridade que o Mestre Celestial dotou os filhos da terra de Sta. Cruz de uma mediunidade quase desconhecida no resto do mundo, a receitista, que me ufano de dizer, há trinta e tantos anos se propaga entre nós de uma forma assombrosa.

            Um dos primeiros médiuns receitistas nesta capital foi o taverneiro Abrante que era estabelecido na cidade nova.

            Foi ele o escolhido por Jesus para despertar a crença espírita no médium Nascimento, que, por sua vez e convenientemente aparelhado, foi o efeito do Pai para levar a crença a centenas de médiuns receitistas.

            De momento lembro-me de Maia de Lacerda e Filgueiras, além de muitos mais, cujos nomes não me ocorrem agora mas que, médiuns receitistas de fama, foram para muitos outros o veículo providencial da santa doutrina.

            E de tal maneira se tem propagado esta classe de mediunidade, que, pode-se afirmar positivamente, não há uma rua desta cidade onde não se encontre hodiernamente, pelo menos um médium receitista. Tal é a abundância de médiuns receitistas nesta capital.

            Essa providencial abundância de médiuns receitistas trouxe para o nosso país, particularmente para esta cidade de São Sebastião, o mais salutar resultado no ponto de vista moral, qual o de existir aqui um número considerável de espíritas em todas a classes sociais. Talvez, mesmo, seja o Brasil o país que goze da ventura sem par de possuir em seu seio amoroso o maior número de espíritas, malgrado o seu pequeno número de habitantes em relação às nações densamente populosas.

            Será isto obra do acaso, ou tudo isto é superiormente dirigido por Jesus, que dispõe de inúmeros espíritos prepostos obedientes às suas ordens de amor e caridade? O acaso - todos nós sabemos - é uma palavra que o espírito humano inventou para ocultar o que não podemos explicar pela ignorância em que atualmente nos achamos mergulhados, ignorância que, por orgulho não queremos confessar; no entanto, o nosso espírito sente-se, por isso mesmo, amesquinhado e envergonhado. O acaso, pois, nada é. Não pode, conseguintemente ser causa de fenômeno, fato ou manifestação de qualquer ordem quer no domínio da ciência, quer nas concepções morais e religiosas.  

            Fica, logicamente, o fenômeno dependendo de uma casa real e positiva, que é causa divina servida pelos espíritos prepostos e obedientes ao mando amoroso de Jesus.

            Esses médiuns receitistas o são por efeito do acaso ou semelhante mediunidade lhe foi conferida quando tomaram corpos e baixaram á Terra, a fim de resgatarem o seu passado culposo?

            Já deixamos dito que o acaso não existe; é simples fantasia criada pelo orgulho do espírito humano. Para nós espíritas, pois, está positivamente provado que o acaso não existe. Tudo, portanto, obedece a leis ainda que desconhecidas para nós. O surto de uma tal mediunidade obedece, por consequência, ao plano divino. É que semelhantes médiuns tomaram, quando ainda no espaço, o compromisso formal de ser para os seus irmãos os intermediários da caridade de Jesus.

            E de tal maneira se vai executando o plano divino que, dia a dia, outros médiuns surgirão, talvez melhor aparelhados para a realização da grandiosa missão evangélica: - as curas.

            Mas, curar o que? O corpo?

            Não; curar o espírito, eis tudo. O corpo para nada vale. É preciso que a enfermidade no paciente seja substituída pelo sentimento de gratidão e reconhecimento, e destarte possa o enfermo aproximar-se do médium, que, na qualidade de intermediário que é, deve fazer desaparecer a sua individualidade ínfima para que reconhecido e grato, o curado se volte para Jesus, o sacrário da caridade e compreenda que a cura foi obra exclusivamente do Bom Pai.

            Assim é que procediam os apóstolos de Jesus; assim é que devem proceder seus continuadores.

            Nesse trabalho santo o médium encaminhará os espíritos em demanda do amor de Deus e procurará afastar e, mesmo, destruir o que de mais perigoso e daninho se vai aninhando no coração do reconhecido, que é o culto à individualidade, culto consideravelmente mais pernicioso que o das imagens no rito católico.

            Esse fermento que leveda toda a massa, na frase de Paulo, tem sido mais pernicioso para a propaganda do Espiritismo do que o infeliz médium mercador o faz.

            Esse sentimento subalterno é tão daninho que não só afasta do seio de Jesus o neófito, senão também, e principalmente, pontua inçando o médium de vaidade e orgulho, o esfacela moralmente.

            O culto à individualidade nada mais é do que a confissão de um sentimento ridículo, oriundo da ignorância de quem o pratica e a manifestação criminosa do orgulho e vaidade elevados ao mais alto expoente por parte do cultuado, porque, presumindo-se loucamente o produtor dos benefícios que do Pai vieram por seu intermédio, rebaixa e anula a Divindade - fonte de todo o bem - pretendendo desse modo constituir-se um deus, ou, pelo menos, um predestinado com virtude rara e excepcionais.  

            O médium que assim procede age criminosamente porque faz do paciente um fanático e este envenena-lhe a alma pretendendo endeusa-lo, ainda que, muitas vezes, de boa fé e na maioria dos casos, como já disse, por ignorância.

            É esse o veneno peçonhento que muito foi combatido e verberado sempre pelos apóstolos Pedro e Paulo.

            E querem um exemplo do que acabo de dizer? Leiam os Atos dos Apóstolos e apreciem a passagem ali citada a respeito do entusiasmo de que o povo se possuía, quando os dois apóstolos produziam os assombros que naquele tempo eram denominados milagres, mas que hodiernamente são naturais e plenamente explicados e compreendidos, à luz da ciência positiva.

            Rezam os Atos que, tendo o povo se assombrado com os grandes milagres produzidos pelos apóstolos pretendeu arrebata-los para deles fazer deuses.

            Foi então quando os apóstolos, rasgando as túnicas, - o que naquele tempo era o sinal positivamente significativo de reprovação formal. - fizeram aquela turba compreender que eles, os apóstolos, eram pecadores como toda gente e que em tudo quanto acabavam de praticar tinham agido tão somente como mero instrumentos da vontade do Pai.

            Tenham sempre em mente esta passagem, nela refletindo incessantemente os médiuns, para acertadamente seguirem a trilha exemplificadora dos apóstolos, é o que ardentemente lhes imploro.

            Façam desaparecer a sua individualidade e ergam bem alto Jesus, o Salvador.

 

O que penso a respeito dos trabalhos de Caridade 

parte 3

por Pedro Richardº

Reformador (FEB) 1º Maio 1914

            No meu último escrito iniciei o traçado da linha de conduta do médium no cumprimento da sua missão na Terra. Neste e noutros pretendo continuar a expor as minhas idéias na mesma ordem doutrinária que venho sustentando.

            O médium, que verdadeiramente compreende a sua missão, é aquele que exercita a mediunidade com inteiro desprendimento pessoal, não esperando nem mesmo de Deus recompensa de sua ação, visto que, tudo devendo ao seu Criador e Pai, assiste-lhe a restrita obrigação de tudo praticar no intuito de desobrigar-se dos compromissos que contraiu em existências passadas.

            O médium, que conhece os Evangelhos, em espírito e verdade, não pode se recusar à prática de tão precioso dom: não pode, nem deve, sequer de leve, duvidar da assistência e auxílio dos bons espíritos na prática do bem por amor do bem.

            Neste particular não entra, nem pode entrar em linha de conta o adiantamento do seu espírito, mas tão somente a firme e decisiva resolução de cumprir o seu dever na estrada que vai trilhando.

            Saulo fanatizado tinha as mãos tintas do sangue daqueles cujo crime era amar a Jesus. E, no entanto, Paulo, o cristão resoluto e abnegado, faz prodígios pela sua fé vigorosa e, recebendo todo o auxílio do Alto, caminha desembaraçadamente para o seio de Jesus sem mesmo lhe servirem de empecilho os desvarios de Saulo.

            Que importa o que fomos ontem...; o que nos convém saber é o que somos hoje.

            A história dos cristãos está repleta de exemplos semelhantes, como sejam o de Francisco de Assis, Santo Agostinho e muitos outros.

            Duvidar do auxílio divino é um crime.

            Se Deus nos dotou com o dom precioso da mediunidade é para produzirmos o bem em maior profusão do que os que não foram contemplados com essa graça divina.

            Bem aplicada é aqui a parábola do talento enterrado.

            O médium que não der expansões caridosas a esse dom celestial é réu de lesa caridade, pelo que será severamente punido pois deixa enterrado o talento, que lhe foi doado pelo seu Senhor para fazer produzir em benefício de seus semelhantes.

            Não quero, porém, dizer com isto que todo o mundo que se sinta médium vá exercendo a mediunidade em uma conduta sensata e criteriosa. Não absolutamente não. O critério é qualidade indispensável em todas as ações humanas, sobretudo no exercício das funções inerentes às coisas sérias e santas.

            O que não sofre dúvida é que o médium, que conhece a doutrina e pratica os Evangelhos na medida de suas forças tem o dever de trabalhar e de exercitar a caridade - que é o amor ao próximo – a fim de se de obrigar dos compromissos que tomou ao encarnar-se, pois não se é médium por acaso, mas para dar cumprimento ao compromisso contraído pelo próprio espirito.

            Fugir à prática da mediunidade não se preparando convenientemente para exerce-la é falir e não raro, caminhar em demanda da obsessão.

            Sem dúvida, quem assim procede não pode deixar de ser vítima de obsessão, porque, não cultivando a mediunidade que, por misericórdia lhe foi dada, e não exercendo, portanto, a caridade, como lhe compete, vem a ser vitimado pelos espíritos inferiores, que não respeitam a bondade de outrem e, aproveitando-se do desequilíbrio orgânico provocado por um excesso qualquer, atuam sobre o organismo do infeliz médium, exercendo a sua influência deletéria particularmente no baço do paciente, por isso que é o baço a sede do aparelho nervoso, conforme me têm dito os espíritos.

            Dessarte, o médium provoca voluntariamente nele a atuação dos espíritos inferiores, que têm ingresso pela porta ampla da sua própria desídia. Desde então começa a punição do médium que abandonou o cumprimento do dever moral.

            Os trabalhos de caridade impõem-se, pois, como medida de sanidade moral para os que sofrem na Terra como no espaço.

            Não existe médium receitista que não tenha sentido a necessidade imprescindível dos trabalhos práticos de caridade como meio eficaz de cura moral e física.

            Relevem que narre, a propósito, o último caso que comigo se passou há pouco tempo.

            Em minha clínica de médium receitista apareceu-me um enfermo que desde muito me conhecia. É parente de uma senhora que por muitos anos foi nossa auxiliar nos serviços domésticos de nossa casa.

            O rapaz queixava-se de perturbações nervosas, que não o deixavam dormir nem exercer as funções de seu ofício de bombeiro, pois era vítima de constantes e violentos movimentos bruscos e independentes de sua vontade. Além disso, tinha manifestações auditivas que impiedosamente o perturbavam.

            O pobre operário medicou-se durante longos meses, sem nenhum resultado satisfatório.

            Frequentava assiduamente as sessões da Federação e foi durante algum tempo ouvinte da escola de médiuns.

            Foi senão quando desapareceu-me e não mais o vi.

            Passado tempo deparei com o nosso homem na rua da Uruguaiana e veio pressuroso ao meu encontro; estava fardado de guarda-fiscal, alegre, bem disposto e prazenteiro (espirituoso).     

            Apressei-me então, a perguntar-lhe: Como vais, rapaz. Já ficaste bom?

            Já estou bom, graças a Deus, diz-me ele.

            Mas de que modo? Interroguei-lhe.

            Aconselhado por um nosso irmão desenvolvi a mediunidade e tudo passou como por encanto, respondeu-me.

            Presentemente estou trabalhando no grupo A. Acha que estou procedendo bem?

            Filho, disse-lhe, mais alto e eloquente que os argumentos que eu te poderia aduzir fala o fato. Mas, devo dizer-te, com a liberdade de irmão, que não estou de acordo com a orientação do grupo A. Penso que, se ali continuares, poderás te prejudicar.

            Para onde devo ir então, Sr. Richard? Para a Federação? Mas, na Federação, não há semelhante ordem de trabalhos.

            É verdade, meu amigo, repliquei-lhe compungido. - O que lá temos é incompleto. Já se tem feito alguma coisa; mas ainda há muito por fazer. Pede a Jesus que nos ajude.

            Continuei o meu caminho orando e mais uma vez rogando a Jesus que fizesse da Federação uma casa verdadeiramente de caridade, onde o foragido de toda a sorte possa encontrar abrigo.

            Agora pergunto: Em face de fatos dessa ordem devemos aconselhar os médiuns que não trabalhem? Não, não temos este direito. O que devemos fazer é aconselha-los a que se preparem o mais urgentemente possível para o exercício de semelhante mister, não esperando que se façam puros, porquanto para isso precisariam de uma série de existências, e a verdade é que a mediunidade lhes foi dada para ser exercida na atual existência planetária.

            O que se faz preciso é que cada vez mais procurem melhorar a suas condições espirituais particularmente as morais, e para isso façam da mediunidade um santo sacerdócio, sem recompensa outra que não seja a paz, que advém da prática da caridade. Trabalhem esforçadamente para o progresso de seus espíritos, quer adquirindo conhecimento que os ilustrem na ordem científica, quer, sobretudo, eivando-os dos dotes morais que lhe permitam estar constantemente, face a face, com seus anjos da guarda e por eles assistidos sem cessar. Tomem a sério e se compenetrem verdadeiramente da colossal responsabilidade que lhes dá a mediunidade, que, por sua vez, é uma força especial que o Pai lhes deu. Saibam ser reconhecidos ao nosso Pai, exercendo a mediunidade com o máximo desprendimento; tendo sempre o cuidado de fazer desaparecer no caridoso exercício a sua personalidade, que, efetivamente, nada é no caso. Exerçam, repito, com todo o devotamento a mediunidade; tendo sempre em mira o cultivo incessante da moral, como, de resto, exige a própria doutrina.

            Assim procedendo, o médium atrairá para si a assistência dos espíritos superiores e repelirá as insinuações dos espíritos inferiores, que não poderão, ao menos, dele se aproximar.

            Dos muitos compromissos tomados no espaço por um espírito é o exercício e a prática da doutrina o maior de todos.

            Convença-se desta verdade o crente.

            O que venho de afirmar está plenamente provado por tudo quanto a mais de trinta anos tem sido dito pelos espíritos encarregados da direção da propaganda do Espiritismo no Brasil, mas que é ignorado pela maioria dos espíritas, que - diga-se de passagem - não conhece a história pátria da nossa santa doutrina, história compreendida em um conjunto de comunicações grandiosas publicadas muitas em livros, como o intitulado “Trabalhos Espíritas de um pequeno grupo de crentes humildes”, que corre mundo desde 1893; algumas nas “Elucidações Evangélicas” publicados pelo nosso confrade A. Sayão; outro do

arquivo da  Fraternidade”, e mais algumas publicadas há dias no Reformador, e outras tantas que existem por aí inéditas.

            Nessa comunicações nos dizem os espíritos que a nossa missão no Brasil é a do estudo e da prática do Evangelho. Para isto, bem o sabeis, nos são fornecidos os médiuns apropriados, que se devem aparelhar convenientemente para o desempenho de tão melindrosa quão dignificadora função.

            As mediunidades psicográficas ou escrevente e sonambúlica são as típicas; as demais são esporádicas.

            Os espíritos aplicam particularmente estas duas espécies de mediunidade às curas morais e físicas; sendo que, em regra, a psicográfica é, sobretudo, utilizada no receituários e comunicações instrutivas e a sonambúlica na prática das conversões do espírito e elucidações que a todos instruem.

 

O que penso a respeito dos trabalhos de Caridade 

parte 4

por Pedro Richardº

Reformador (FEB) 16 Maio 1914

             Como ficou dito no meu último escrito, os trabalhos espíritas no nosso país devem se destinar ao estudo e à prática dos Evangelhos de N. S. Jesus Cristo, não como sendo um fim para nele nos extasiarmos ou aí nos determos, mas tão somente como meio eficaz seguro para chegarmos ao ponto colimado, que é o cultivo da moral, praticando a caridade em todas as suas nuances e sob todos os aspectos, prática que nos lavará da alma as manchas negras do egoísmo, do ciúme, da inveja e de todos os demais derivados do orgulho.

            Sem dúvida que a teoria precede à prática e o estudo à execução, como é das boas normas; mas o fim de toda teoria e estudo é o seu aproveitamento prático.

            Assim sendo, todo espírita tem o dever de estudar a doutrina para poder compreender, em espírito e verdade, os Evangelhos.

            Todos sabemos que é o Espiritismo a nova Revelação que, pelo mestre Allan Kardec, nos transmitiu a misericórdia do Divino Mestre; é a chave para a compreensão, em espírito, dos Evangelhos.

            À medida que formos compreendendo este código divino cumpre-nos pratica-lo os seus belos ensinamentos, sobretudo quem é médium. Esse, particularmente, tem o dever imperioso de tomar parte dos trabalhos de caridade, pois, para isso é que lhe foi dada a luz, tendo, porém, o critério de começar pelo princípio, e não por onde os outros acabam.

            O trabalho de caridade divide-se em vários ramos, porque diversas são as necessidades do espírito e muitos os estádios por onde transita, na escola progressiva de sua rota.

            O espírita, que se inicia nos trabalhos práticos de caridade, não deve frequentar, nem mesmo comparecer às sessões onde são chamados espíritos maus. Pode e deve frequentar os trabalhos onde roga-se a Deus a presença de espíritos sofredores que, em regra, são mais levianos do que maus. Esses tais espíritos foram, geralmente, vítimas do meio pernicioso em que viveram e onde contraíram responsabilidades, do que das próprias maldades.

            São, mesmo, espíritos perturbados, muitas vezes, que se julgam vivos; nessas condições procuram aqueles com quem tiveram, perturbando-os, e destarte retardando seu progresso, ainda que, não raro, inconscientemente.

            Relevem que conte um fato que tem aplicação oportuna ao que acabo de dizer. Ei-lo:

            Senhora de nossa velha amizade casou-se. Um ano e tanto depois era mãe de uma linda criancinha...

            Daí começou a manifestar sintomas de alucinação. A vítima das suas alucinações era a pobre criança.  

            Num dos seus desvarios quase a matou, justamente quando a amamentava aconchegada ao seu seio.

            Desvairado o marido dessa pobre senhora recorre ao médium Frederico Júnior solicitando-lhe os recursos do Espiritismo.

            Frederico, bom e caridoso como sempre, realizou um trabalho prático de caridade onde manifestou-se o espírito de um rapaz que aqui na Terra tinha sido noivo da senhora em questão e que fora muito ciumento. Esse rapaz, tendo contraído varíola, morrera antes de realizar o casamento.

            Despido de crenças religiosas, vai para o espaço, coitado, sofrer naturalmente a perturbação devida aos espíritos nas condições do dela: sem crença e sem o cultivo e a preocupação dos sentimentos natos, de um Deus, que é o nosso Criador e Pai.

            Mais tarde, passado o período da perturbação, ele desperta, julgando-se, porém, ainda na vida material; procura a sua noiva e a compreende com um filhinho nos braços. Considera-se traído pela sua noiva! Sente necessidade de vingar-se, e, então, para isso, imprime-lhe pela ação da vontade, fluídos, no intento malévolo de matar a criancinha, que julgava ser o produto de um crime.

            Nessas condições de desvario manifesta-se pelo médium.

            Procuraram persuadi-lo com provas irrecusáveis que ele houvera passado pelo fenômeno natural, que, na Terra se denomina morte e que se achava então no espaço simplesmente como espírito e que já então sua ex-noiva estava legalmente casada com outro. Nesse momento ele compreendeu toda a situação.

            Sinceramente arrependido rogou a Deus o perdão de seus desvarios e seguiu com o seu anjo da guarda com o fim de preparar-se para uma nova jornada. E assim deixou o casal feliz e agradecido ao Senhor pela misericórdia que d'Ele houvera recebido.

            Há uma variedade infinita de trabalhos de caridade, porque na estrada progressiva que o espírito percorre há também uma variedade sem fim de estágios.

            O espírito sensato, que deseja realizar trabalhos práticos, de caridade, começa por educar o coração, procurando sentir; o trabalho é feito com lágrimas nos olhos e a emoção a embargar-lhe a voz. Pouco a pouco vai ele habituando o coração a sentir e assim, paulatim et gradatim - como dizia o saudoso mestre Bezerra de Menezes - preparando e aparelhando o seu espírito para maiores empreendimentos, estará um dia apto para a prática de trabalhos de obsessão.

            Esta ordem de trabalhos é, por sua natureza, tão melindrosa, que o crente, para pratica-la, tem que oferecer o seu coração como ante-mural à justiça de Deus, que se cumpre e ao sofredor em quem ela se executa.

            Nada adiantaria dizer-vos a respeito de semelhantes trabalhos. Muito já eloquentemente nos disse o bom mestre Allan Kardec em uma série de comunicações que o “Reformador” ultimamente publicou.

 

            (*) Vide “Reformador” de 1 e 25 de Dezembro de 1913. (Do Blog: Serão publicados em breve)

  

            Tudo quanto de grandioso e profundo se poderia dizer ali está magistralmente dito.

            Estudemos e tenhamos sempre em vista o que disse o Divino Mestre a seus discípulos, quando lhe trouxeram um doente que não puderam curar: “Para expelir essa classe de espíritos é preciso muito jejum e oração”.

            É preciso, pois, pureza e fé.

            Ninguém que deseje desenvolver a sua musculatura começa levantando grandes pesos, e se incriteriosamente o fizesse seria vítima da sua ignorância e teimosia. Começará, sem duvida, por levantar pequenos pesos, a fim de, paulatinamente ir-se habituando e obtendo o desenvolvimento progressivo dos músculos de seu próprio organismo, até que, mais tarde, possa levantar grande pesos.

            Ninguém se lança na água sem que saiba nada.

            A nossa missão é, pois, meramente evangélica, isto é, o que nos compete é estudar a doutrina de Jesus e praticar os seus ensinamentos de alta moral. Para isso se faz mister que o estudo e a prática desses ensinamentos sejam gradativos; a natureza não faz saltos, quer na ordem física, quer no ponto de vista científico, quer, finalmente, na ordem moral.

            O que é preciso é o desenvolvimento simultâneo e paralelo das duas asas com que o espírito sobe, como dizia o bom Bezerra, a fim de que o espírito equilibrado possa voar, purificado, a aninhar-se no seio de seu Pai.

            Em resumo, estou convencido de que esperar o homem tornar-se puro para poder trabalhar é utopia.

 

O que penso a respeito dos trabalhos de Caridade 

parte 5

por Pedro Richardº

Reformador (FEB) 16 Junho 1914

 

            Como, suponho, ficou provado pela lógica, pela razão e pelos fatos, o médium, que baixou ao mundo para exercer as suas próprias funções, deve instruir-se convenientemente nos conhecimentos da doutrina, antes de dar começo ao exercício de semelhantes funções, 

à proporção que for adquirindo novas instruções a tal respeito, deve simultaneamente ir produzindo e se exercitando na prática de trabalhos de caridade.

            Mas o médium, a não ser no exercício do receituário, não é um instrumento isolado de trabalhos. O médium tem necessidade de trabalhar em centros ou grupos que o auxiliem e defendam.

            Desses centros ou grupos está dependendo o bom êxito do trabalho, mais do que do próprio médium, porquanto o centro é o fator fluídico do sentimento que, por sua vez, é - pode-se dizer - o elemento único garantidor do êxito do trabalho. O sentimento de caridade provoca a misericórdia de Deus.

            Relevem que narre um fato a propósito, já que o fato é a base da nossa doutrina.

            Sabendo-se que é da contemplação dos fatos que se deduzem as leis naturais, a narração de um fato é sempre motivo de interesse e curiosidade. Ei-lo:

            Quando o nosso saudoso mestre e prezado amigo, Dr. Bezerra de Menezes, mantinha uma sessão de estudos e manifestações espontâneas na rua de S. José, nº. 44 antigo, 2° andar, nesta capital, manifestou-se um espírito com o propósito de refutar o estudo do dia. Disse chamar-se Geoffroy, o conhecido fundador de um gênero de filosofia que corre mundo.

            Este espírito, então no espaço, negava a existência do Criador-Espírito porque não podia compreender o incriado; admitia, no entanto, o éter como causa primária da criação universal!

            A manifestação desse espírito deu lugar a uma série de sessões, cada qual mais interessante e nos proporcionou oportunidade de ouvirmos debates científicos e morais a que jamais tive a ventura de assistir.

            As manifestações se faziam por um médium de quase nenhum preparo intelectual, mas cujo espírito era dotado de cabedal científico de raro valor.

            Quero me referir no médium Britto, já desencarnado.

            Narrar detalhadamente o que eram essas sessões, com as más peripécias e arrojos de alta ciência, é tarefa para a qual me falece de todo a competência.

            Todavia, vou tentar um pálido esboço.

            O que assistimos ai foi um verdadeiro duelo entre mestres exímios. De um lado o espírito materialista de Geoffroy, de outro lado a competência de Bezerra de Menezes encarnando com o seu alto descortino a nossa doutrina. Eram dois campeões ilustres, que se batiam em campos diametralmente opostos.

            Geoffroy, espírito orgulhoso e ilustrado, esforçava-se por sair vitorioso; Bezerra, não menos ilustrado, porém humilde e afetuoso, teve ocasião de por em prova, mais uma vez, a sua grande cultura científica.

            Eram tais as argumentações aduzidas por um e outro que a gente estasiava-se na contemplação de tanto saber e de tão dilatada ilustração.

            Poderia ser Bezerra vencido?

            Por certo que não, porquanto, ele era, naquele certame, o representante da boa causa e da verdade, que é Jesus.

            Bezerra de Menezes, meus amigos, possuía e sabia cultivar em alta escala a maior das virtudes que conhecemos na Terra, a humildade.

            Foi, principalmente, pela posse desta virtude que ele conquistou a assistência dos espíritos de luz, que lhe trouxeram o concurso de seus altos conhecimentos. E assim poderosamente ajudado pelos obreiros de Jesus, Bezerra levou de vencida o ilustrado espírito de Geoffroy, que, dobrando o joelho ante o adversário, disse-lhe com toda a lealdade: “Venceste mas não me convenceste.”

            Mas o intento principal e o verdadeiro interesse do bom e meigo Bezerra era levar a espírito rebelde de Geoffroy à convicção da existência de Deus; e, então, depois de ter esgotado todos os recursos da ciência e da moral planetárias e, já exausto, apela o apóstolo da verdade para a fé e convida o espírito a fazer uma prece.

            Geoffroy não acede a tomar parte na prece, porque, diz, espírito leal, não lhe era dado desempenhar uma farsa, porquanto não acreditava na existência de Deus.

            Bezerra não desanima. Antes, porém, de orar, dirige-se aos seus companheiros presentes e fala-lhes: “Meus amigos, tudo fiz; esgotei todos os recursos; dei tudo quanto podia dar; nada mais possui o meu pobre espírito para dar. Mas, o que não pude fazer com o máximo esforço, Jesus, a ciência das ciências, a ciência do amor, não custará a fazer. Vamos apelar para Ele pedindo-Lhe que venha em nosso socorro.”

            Assim falando, com as lágrimas a lhe brotarem dos olhos e a emoção a embargar-lhe a voz, levanta-se aquela figura angélica para orar.

            Então, aquele tipo de apóstolo, barbas espessas e. branqueadas pelo tempo, pelas lutas heróicas que constantemente tinha de sustentar na Terra e pelas lágrimas que tantas vezes derramava; olhar meigo, calmo e vívido, que atestava a fé e a bondade excelsa de seu meigo espirito; aquele tipo de apóstolo, disse, balbuciou uma prece arrancada do íntimo de sua alma, feita de amor c caridade,

            Dizer o que foi essa prece, meus amigos, é impossível, pois o sentimento de que foi ela ungida não se traduz por palavras. Só a alma poderá sentir, mas ninguém seria capaz, nem de leve, de traduzi-lo por palavras.

            Era tal a pureza do ambiente preparado pela nossa concentração e sentimentos cristãos, que me senti no ar.

            Terminada a prece, volta-se para Bezerra o espírito e diz-lhe:

            “Basta! Para que vocês orem assim é preciso que Deus exista.”

            O que não pode a ciência, pode a fé; o que não conseguiu o cérebro, conquistou o coração.

            E por quê? Porque o enfermo era o espírito, que, desquitado de seu Criador e Pai, cultivara o entendimento, descuidando-se por completo do sentimento.

            Era preciso fazer-lhe sentir vibrar a corda sonora do amor, que aquele espírito, como nos demais, fora doada por Deus, mas que ali estava atrofiada pelo cancro do orgulho. O cancro corroía a semente e destarte o gérmen não encontrava expansão para medrar.

            A fé reinante no centro, fecundada pela humildade invejável de Bezerra - qual outro Moisés - fendeu a rocha do orgulho e fez rebentar a água cristalina da crença.

            A imagem majestosa de Deus se lhe estampou no espírito e nesse auspicioso instante ele sentiu o aroma extasiante da primeira flor, que, até então em estado de hibernação, brotava agora primaveril e bela: a fé.

            Como se vê do que acabo de narrar, foi o centro ali o grande fator; o médium foi mero expositor; quem agiu e esperou fluidicamente foi o meio.

            O mais original é que era franca a entrada para essas sessões; a assistência era, pois, heterogênea.

            Algumas pessoas iam ali por mera curiosidade; outras, até, com espírito de animosidade!

            Bezerra fazia que se sentassem em volta de uma grande mesa os seus companheiros de trabalho, e destarte ele conseguiu isolar o resto da assistência, que, assim, como que não existia.

            A corrente isoladora era, como convinha, completamente homogênea, porquanto o sentimento daquelas pessoas que se achavam em torno da mesa era uno com o do seu presidente, em quem confiavam sem tergiversação, pois o sabiam capaz dos mais nobres cometimentos.

            Fatos como este provam que de prodígios consegue a fé - do grão de mostarda pedido por Jesus!

            Um centro assim organizado, mesmo quando servido por médiuns medíocres, produz assombros. Centros deste jaez são fatores de grandes produções e raras belezas morais e científicas.

            É, antes de tudo, preciso lembrar que o trabalho aí produzido é principalmente mecânico.

            Isso indica que é mister e imprescindível preparar-se um ambiente fluídico conveniente para envolver o espírito moralmente enfermo, que, pela misericórdia de Deus é trazido ao centro para ser curado pela caridade de Deus e a fé que n'Ele devemos ter, sem tréguas.

            É vezo velho dos espíritas atribuírem ao médium o mau resultado ou a improficuidade do trabalho, o que quase nunca é a expressão da verdade!

            Mas é que as condições precárias dos nossos espíritos a tanto nos arrastam maxime o orgulho, que, quase sempre, é quem comanda todas as noções contrárias à caridade.

            Estamos sempre dispostos a ver o argueiro no olho do vizinho, não vendo, no entanto, a trave no nosso!

            Sempre atribuímos aos outros os males que nos afligem; isso porque as condições precárias de nossos espíritos nos induzem a deprimir os outros e a nos inocentar ou, pelo menos, nos desculpar.

            Muito se exige do médium, mas nada se lhe dá.

            O médium, coitado, que quase sempre é um abnegado, entrega-se ao trabalho comprometendo a sua saúde e, não raro, o seu bem estar corporal, pois os maus espíritos, contrariados, sabendo que é ele o instrumento de suas contrariedades, não o poupam: perseguem-no em toda parte e por tudo.

            É certo que, por isso mesmo que ele é perseguido por amor da caridade, terá recompensa proporcional; mas também não é menos verdade que, por isso mesmo, tem ele direito à nossa caridade, ao nosso carinho e à nossa benevolência.

            O médium, ligado a nós por sagrados compromissos, é ele de jure um credor que nos bate à porta reclamando o que lhe devemos.

            O médium deve ser para o centro o que é a donzela no lar: o alvo de toda a assistência e do máximo cuidado e desvelo.

            E a constituição do centro?

            Será isso assumpto do meu próximo escrito.

 

 O que penso a respeito dos trabalhos de Caridade 

parte 6 e final

por Pedro Richardº

Reformador (FEB) 1º Julho 1914

 

            Tende paciência, leitor amigo - vós que tendes tido a condescendência de me ler; é este escrito o último da série enfadonha com que tenho flagelado a vossa atenção nas páginas condescendentes deste iluminado periódico. Vou terminar, mas, com a franqueza que me é peculiar, confesso-vos que, mesmo sem atavios e fluência de linguagem, tenho me esforçado por vos dizer e expor tudo quanto a minha longa prática de trabalhos espíritas me tem facultado e a minha pobre memória tem armazenado.

            Meditai sobre o que vos tenho dito. Que o vosso anjo guardião faça com que retenhais no vosso espírito o que de bom e útil aí tendes encontrado é o voto sincero e fraternal que faço a bem da uniformidade da orientação dos nossos próprios espíritos.

            O que posso vos confessar é que o meu pobre espírito, na medida de suas forças, deu tudo quanto possuía, isto é, tudo quanto a misericórdia de Deus lhe concedeu.

            Prossigamos:

            A constituição dos centros foi o assunto prometido para este escrito de hoje. Digamos, pois, algo da constituição dos centros que se propõem a trabalhos práticos de caridade.

            Os centros, cientes e conscientes da enorme responsabilidade que estão assumindo perante N. S. Jesus Cristo de quem receberam a vara da abundância e a quem tudo devem, precisam de ter cuidado especial consigo mesmos. Para isso precisam velar cuidadosamente todos os seus pensamentos, palavra e obras pois devem saber que dessa vigilância é que lhes advirá a boa ou má assistência determinante das condições fluídicas para trabalhos espiritas de ordem moral, como soem ser os trabalhos de caridade.

            Como acabamos de ver, as pessoas que compõem o grupo formado para trabalhos espíritas tem tanto, ou mais, necessidade de ser instruídas e educados na doutrina, quanto a tem os médiuns, pois o bom êxito do trabalho fica dependendo mais do centro do que do próprio médium.

            Coloquemos um médium bem orientado e instruído num centro mal constituído e nada de bom obteremos.

            Ao contrário, se o centro for bom, ainda que o médium seja prejudicado, sempre colheremos alguma coisa de bom, porque o ambiente formado pela assistência dos bons espíritos atraídos pelos sentimentos puros do centro, dificulta o acesso aos espíritos maus e, atuando sobre o médium, o envolverá em uma a atmosfera salutar saturada de sentimentos de amor e caridade. Então, esses sentimentos agirão sobre o espírito do médium despertando nele a necessidade do cumprimento de seus deveres morais para com N. S. Jesus Cristo.

            Assim sendo, sempre se obterá alguma coisa de aproveitável, porque o bem é a lei.

            Para que se realize com proveito um trabalho de caridade imprescindíveis se fazem certas exigências, dependentes principalmente do centro, que, como já disse, é o fator fluídico do próprio trabalho.

            O que não resta duvida é que o centro necessita de profunda concentração, muita fé, amor, humildade e caridade; e para possuir estes predicados é preciso que se saiba compreende-los, a fim de que conscientemente os ponha em ação sem hesitar um só momento.

            Não cabe nos estreitos limites deste o desenvolvimento dessas profundas questões de alta filosofia espírita.

            Tudo quanto sobre elas me foi possível dizer já o fiz. No entanto, sinto que há necessidade de dizer algumas palavras a respeito da concentração e da fé.

            A concentração é um elemento imprescindível em todo cometimento espírita, mormente nos de ordem moral; entretanto, muitos espíritas nem sequer cogitam desse elemento primordial nos trabalhos espíritas.

            Por isso vou esboçar, ainda que deficientemente, o que penso a tal respeito.

            A maneira pela qual devemos fazer a nossa concentração varia de acordo com a necessidade do momento.

            Assim é que, para orarmos, devemos erguer o nosso pensamento a Deus ou ao seu intermediário, a quem endereçamos as nossas súplicas no sentido de que nos faça a caridade de deposita-las nos pés do Senhor.

            Para isso devemos fixar o nosso pensamento imprimindo-lhe toda a energia de nossa vontade, a fim de que o nosso desejo possa alar-se no fervor da crença fecundada pela fé, que, no caso, é a certeza da existência de Deus, que se manifestará infalivelmente pela sua misericórdia e justiça.

            Se a concentração é para ajudar a um médium que se acha recebendo um comunicado instrutivo, devemos dirigir o nosso pensamento a Deus, suplicando-lhe luz e misericórdia para o nosso irmão que se está prestando ao trabalho santo da caridade.

            É preciso ter-se o máximo cuidado no sentido de que não seja o pensamento desviado um só momento do objetivo da concentração, a fim de que não se interrompam a corrente fluídica da boa assistência com que caridosamente nos favorecem os espíritos mensageiros do Senhor, pois, é sabido e inúmeras vezes tem sido verificado que, toda essa corrente, em consequência de desvios do pensamento de algum ou alguns dos seus elos, os Espíritos mistificadores, que sempre estão alerta e à espreita do momento propício, não se fazem esperar pela sua perniciosa ação: mistificam todo o trabalho, e do tal modo o fazem que, não raro, iludem os mais perspicazes.

            Se a concentração é necessária para auxiliar o irmão moralizador que confabula com o espírito sofredor, que no momento se está manifestando, devemos levantar o nosso pensamento a Deus esforçando-nos com todo o fervor de nossa alma por atuar sobre o infeliz espírito fornecendo-lhe a força e o vigor de que necessita para reagir contra os seus erros e desvios, e, dessarte, concorrermos com o nosso contingente moral no sentido de que ele se volte para o nosso Criador e Pai, de quem tudo deve esperar, até mesmo o perdão de suas culpas, por mais tenebrosas e carregadas que sejam.

            Em tais condições deve o centro dar todo o apoio e força à argumentação do moralizador, embora dele discorde em algum ponto ou processo.

            A assistência é chamada para ajudar fluidicamente o moralizador e com ele colaborar nas suas opiniões e sentimentos de amor e fraternidade.

            Para melhor me fazer compreender cito um caso quo se passou comigo numa sessão, caso que serve de exemplo elucidativo para o que venho dizendo:

            Num trabalho de caridade, para o qual fui convidado pelo diretor de um certo grupo, assisti o moralizador ordenar a um espírito orgulhoso que se metesse debaixo da mesa, a fim de humilha-lo e dar-lhe uma prova da inutilidade do seu orgulho.

            Eu não estava de acordo com semelhante processo de provas - que, além do mais, não é cortês, nem digno, para quem se presa e presa a seus irmãos - mas, como compreendia que a corrente fluídica não devia ser interrompida pelo desvio do meu pensamento, colaborei com a minha vontade na ordem que ao espírito foi dada pelo moralizador; e assim, não havendo interrupção da corrente fluídica formada pelas vontades dos membros do centro, o espírito viu-se forçado a cumprir a ordem do moralizador e meteu-se humildemente debaixo da mesa.

            Escusado é dizer que não mais voltei a semelhante grupo tão mal orientado.

            A homogeneidade, pois, de pensamentos e vontades na concentração é condição essencial para que possa o trabalho ser produtivo.

            No trabalho de caridade o sentimento é tudo; a palavra ocupa um lugar muito secundário.

            O que, porém, é mister saber-se é que a divergência de opiniões não pode ser profunda pois que o centro deve sempre estar de acordo com o seu diretor. Do contrário não será nunca um centro bem constituído, e desse modo a produção é má.

            A fé é tudo; isto é, a certeza absoluta da misericórdia de Deus que não podemos analisar porque para tanto nos falecem todos os meios; é o que nos anima e nos alenta em todas as situações de nossa existência espiritual.

            É a fé que nos ensina e nos aconselha a bater - que se nos abrirá, a pedir - que se nos dará.

            Batei e pedi sem cessar.

            Se até o juiz iníquo serviu à viúva, para se ver livre da importuna, o que não nos fará Deus, que, antes de ser juiz, é pai amoroso e bom?

            Tenhamos, pois, fé n'Aquele que, para estimular a seus filhos, lhos dá cem por um.

            Tenhamos fé, que tudo pode, que transporta montanhas e que nos impele a caminhar em demanda da felicidade, que é Deus.

            Eduquemos o médium e o façamos, principalmente, nos moldes da moral cristã e na resistência que deve opor às pretensões perniciosas dos espíritos perturbadores e maus.

            Mas, concomitantemente, eduquemos os centros, tendo-se o máximo cuidado na escolha dos seus membros constituintes, que devem ser homogêneos.

            Os membros de um centro, tomam compromisso muito sério e formal com o médium, pois que são eles os trabalhadores, que têm de preparar convenientemente o campo onde vai o médium operar.

            Cabem-lhes, pois, graves responsabilidades.

            E tenho concluído, leitor amigo.

            Perdoas-me a ousadia de me ter proposto a tratar de questões tão transcendentais: mas se o fiz foi arrimado no meu bom Guia,

            Obrigado.

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