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terça-feira, 27 de abril de 2021

Pontos de vista

 

Pontos de Vista 

por M. Quintão      Reformador (FEB) 16 Dezembro 1934

             Sempre tivemos, para nós, que a preponderância do Ideal espirita no plano das objetivações terrenas não se pode atingir a golpes de força, mercê de processos e recursos meramente humanos.

            Pretende-la assim seria desvirtuar lhe a índole essencialmente evangélica, para flutuar na mesma esteira de erros e falsícias (falsidades) do romanismo prepotente e dogmático, antes nocivo, seja dito, do nosso ponto de vista, aos seus corifeus e caudatários de todos os tempos, do que a humanidade irremissa (?), que há tido nele, como em todos os sistemas político-sociais e religiosos, o termômetro da sua providencial evolução.

            Certo, é belo e nobre, é mais que justo e indeclinável, imaginar e propugnar, a qualquer tempo, um estágio melhor para a humanidade que vivemos, de vez que o progresso é indefectível e incoercível, e aqui havemos de voltar por colher o fruto semeado.

            Mas, preciso é convir e concluir, também, em última análise, que, nessa obra de realizações e realidades complexas e indefinitas, a nossa visão e livre arbítrio de toupeiras confinadas e obstringidas (muito apertadas) em lodosas luras (esconderijos) não devem, porque podem colidir no determinismo universal, ser irrestritos e arbitrários.

            Nem por menos nos seria dada, agora, em maiores aclaramentos, a confirmação da lei e dos profetas.

            Ora, a verdade, neste caso, é que a lei nada sofre na isocronia (Técnica narrativa que consiste na sincronização entre o tempo narrativo e o tempo da história) do seu ritmo, no evolutir dos seus planos, com as nossas infracções. 

            O operário trêfego ou imprudente, não travaria de um segundo a roda mestra, em detrimento da manufatura perfeita, para só pagar com a repetição da tarefa o distúrbio cometido.  

            Assim, tudo se reduz, por conseguinte, na perfeita, ou por melhor dizer - menos imperfeita euritimia (regularidade) de um limitadíssimo e condicional arbítrio, em função e amálgama de atividades e deveres complexos, constitutivos de provações individuais e coletivas.

            Pois, se a ninguém é licito, racionalmente, negar uma fatalidade cósmica, uma fatalidade biológica, com todos os seus corolários, lícito não fora negar também uma fatalidade sociológica.

            Somente, o que o mudo averba de fatalidade, na inconsciência ou na incerteza de uma sobrevivência e destinação eterna e consciencial, chamamos nós determinismo divino.

            Deus é a Lei total, integral e absoluta. Entretanto, para o homem, o conhecimento da Lei é sempre relativo. Esta a lição dos Espíritos, criaturas de Deus também, hierarquizadas no conhecimento e execução da Lei.

            Esse conhecimento é imanente e baixa em séries parcelares, proporcionais ao grau de receptividade de cada humanidade para cada mundo, e de cada indivíduo para cada grupo de indivíduos, nação ou sociedade.

            As objetivações terrenas, de caráter temporal e sempre transitório, só se justificam, portanto, a título precário, como meio e não fim, de vez que o destino do ser não se concentra na Terra, nem em mundo outro, qualquer, mas na eternidade extreme de vicissitudes e contingências de tempo e espaço.

            Será, assim, que, só por uma estreitíssima visão angular, o homem sobrelevará em confusões e inversões lamentáveis os seus deveres e atitudes de peregrino acidental de uma estrada finita, pelos que lhe decorrem da consciência integral dos seus destinos superiores, perante os quais as pátrias são expressão de humanidades planetárias, para que estas o sejam de uma só Pátria Universal, ou melhor - aquela Casa do Pai, de diversas moradas, a que aludia Aquele que disse existir antes que o mundo fosse...

 *

             Considerações são estas que nos ocorrem ao fixarmos o panorama das nossas diretrizes no cenário do mundo e, principalmente, da nossa pátria.

            Diante do êxito, a nosso ver, efêmero, que, no terreno sáfaro (árido) da política nacional, tiveram os nossos irmãos católicos, com as chamadas emendas religiosas, logo uma onda de alarma invadiu nossas, fileiras para, dizem, organizar o revide no xadrez tumultuário das aventuras partidárias.

            Ora, todos nós sabemos que o romanismo, assim procedendo, não fez mais do que aproveitar habilmente um estado de coisas não fictício, nem artificial, mas natural e lógico, porque estratificado na ignorância das massas passivas e displicentes, quanto na cegueira inteligente dos céticos epicuristas (os que se entregam aos prazeres mundanos) e falsos crentes de todos os tomos (fundamentos) e matizes.

            Se considerarmos que, em países de mais extensa e intensa cultura, o catolicismo tem mantido forais (foros) de predomínio e regalias, haveremos de concordar que só por um paradoxo se mantivesse neutro e apolítico, num país que ele se orgulha de haver catequisado e que, sob o seu jugo “civilizador” de quatro séculos, ainda conserva 80% de analfabetos e, como florão melhor de “cristandade”, o fato de ser o último reduto, na América, da escravidão e da monarquia.

            Colhido de surpresa nas malhas de uma revolução também artificial, à falta de preparação cívica e graças ao idealismo superior de alguns iluminados da primeira hora, é claro que o nosso Brasil não haveria de maturar no gozo das prerrogativas de liberdade que lhe outorgavam e o clero, tradicionalmente parasitário e regalista (que defende regalias), não renunciaria à partida, para só aguardar o momento de remarcar os pontos perdidos.

            O momento veio, todos sabemos como ele veio e porque veio, e os pontos aí estão, marcados no quadro negro do nosso futuro político-social.

            Tínhamos uma constituição libérrima e ela morreu de inanição. Nunca foi executada, nem compreendida.

            Para que o fosse, precisavam os nossos estadistas formar uma consciência política acima de todo e qualquer partidarismo.

            Assim, nós, que presumidamente temos um regime cristão a defender, para implantar, deveríamos, antes de tudo, para ser coerentes e eficientes, formar o bloco impermeável de uma consciência doutrinaria, do qual derivasse a unidade espontânea de métodos, diretivas e realizações.

            O romanismo, convenhamos, não assume atitudes novas, nem imprevistas, porque apenas desfralda a sua bandeira histórica. Tem por si uma disciplina férrea, uma organização poderosa, tradicional, que só recua para melhor poder avançar. E leva entre as hostes, compactas e aguerridas, porque fanatizadas, a sua “Arca-Santa”, que guarda e comporta, qual sabemos, todos os tesouros que a traça rói.

            Acompanha-lo nessa marcha, com tal estratégia, para terçar (dividir em três partes) armas no mesmo campo, seria mais que temeridade, porque seria loucura inútil e mais que inútil - prejudicial a nós mesmos. Ele tem, seja como for, uma consciência comum na inconsciência das massas, que não escrupulizam (que não tem escrúpulos) os meios para atingir os fins. Está no seu clima.

            Nós não temos, sequer, o amparo teórico dessa unidade consciencial, que atualiza a força e uniformiza a ação.

            Não temos o lastro, o elo, a pedra de toque de todas as conquistas coletivas, que é a consciência coletiva, a afirmação psíquica, que se conquista mas não se improvisa, sob a égide dos nossos guias e, quantas vezes, a rubro, na incude (bigorna?) das provações e testemunhos os mais dolorosos.

            Preciso é, pois, primacialmente, busca-la, essa consonância coletiva, no amor e na renúncia, no espírito de abnegação e sacrifício, que lindou (enfrentou) a via doloris (via dolorosa) dos pescadores de almas. 

            E porque essa conquista, hoje como outrora, e como sempre, não é de tesouros que a traça rói, mas de almas identificadas na Fé e pela Fé, conscientes e autônomas, não será com a força, mas com a razão, que havemos de prosseguir para triunfar.

            O elemento de convicção por excelência é o fato; e para que ele se intensifique em qualidade, mais que em quantidade, desejável, é forçoso sejamos menos da Terra que do céu; que busquemos, antes da comunhão de vistas meramente humana, a dos Espíritos nossos maiores, no conhecimento e na verdade, porque, se é certo que  “o cavalo se prepara para a batalha, só de Jeová vem a vitória.” (1)

                (1) Salomão, Provérbios

            O bom é que, no afã da hora que passa, assomados de roldão no ardor da refrega, não deslembremos o maquiavélico divide ut imperes, (divides para que possas reinar) para lembrar que o Divino Mestre também sentenciou: - todo reino que se divide é condenado.


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