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quarta-feira, 28 de abril de 2021

Ernesto Bozzano

 


Ernesto Bozzano

A Redação

Reformador (FEB) Novembro 1943

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Nascimento: 9 de janeiro de 1862, Gênova, Itália 

Desencarne:   24 de junho de 1943, Gênova, Itália

             Dolorosíssima notícia foi para a família espírita, a do falecimento de Ernesto Bozzano. Custamos a dar-lhe crédito, visto que estavam cortadas as nossas comunicações com o Velho Mundo. Depois que estalou a guerra, foram diminuindo a pouco e pouco as correspondências com os nossos amigos de além-mar, principalmente com a França, em mão dos alemães, e com a Itália, até então em guerra com a nossa pátria.

            Nada sabíamos, pois, do estado de saúde do velho batalhador, nem dele tivemos mais notícias, até que nos chegou a triste nova de sua morte, através do noticiário das revistas estrangeiras.

            Profundo foi o abalo em nossos corações, aliás já tão experimentados ultimamente, desde que a catástrofe hedionda da guerra se abateu sobre o mundo inteiro.

            Bozzano, só por só, valia uma legião de pugnadores. Foi o maior polemista no campo do psiquismo. Defensor destemeroso e intemerato da doutrina espiritista, nunca deixou de pé um único argumento contra essa doutrina. Esgrimiu, cortesmente, com todos os grandes adversários do Espiritismo. Entre as suas réplicas célebres contam-se as que deu ao professor Morselli, atualmente traduzida pela Federação Espirita Brasileira, sob o título - A propósito da obra “Psicologia e Espiritismo”, do professor Henrique Morselli; a que fez por motivo da campanha promovida pelo Sr. René Sudre, e que se acha também traduzida pela Federação, sob o título - A propósito da “Introdução à Metapsíquica Humana”; a elegante e incisiva, dada ao seu eminente amigo Charles Richet, vulto assaz conhecido de todos os que se dedicam à metapsíquica. Muitas de suas monografias e grande número de artigos, publicados na Revue Spirite, na Revue Métapsychique, na “Luce e Ombro” e, posteriormente, na Ricerca Psichica., eram artigo de polêmica, que tinham por objetivo demonstrar o erro flagrante em que incidiam os propugnadores de várias teorias, mais ou menos científicas, e que procuravam com elas afugentar o espantalho da comunicabilidade dos mortos.

            Bozzano não os poupava. A sua linguagem era sempre elevada; nunca descaiu da linha impecável de um cavalheiro; os seus argumentos, porém, se tornavam arrasadores. Ninguém lhes resistia; raríssimos tinham a coragem de voltar à peleja para os afrontar. Ele foi a maior clava lançada contra o sofisma, os artifícios, as construções engenhosas, o jogo de palavras, a má fé, o conservantismo.

            Por vezes, sua pena era enérgica; entretanto, nunca foi contundente. Pelejou contra os maiores adversários do Espiritismo, sem que descesse jamais do terreno sereno, honesto da argumentação. Enfrentou o mais temível contraditor, o Dr. Eugène Osty, diretor do Instituto Metapsíquico Internacional, médico de inestimável valor, com grande poder de lógica, mas que não perdia a oportunidade de mostrar que os fenômenos supranormais tinham outras causas, que não aquelas apresentadas pelos espiritistas. E navegara este, desassombrado, durante vários anos nesse oceano tão do gosto dos antagonistas das “almas do outro mundo”, quando Bozzano lhe surgiu pela frente e deixou patente a inanidade do seu raciocínio e do seu esforço anti-espírita.  

            Foi um gigante nas letras psíquicas. Possuía todos os nobres requisitos de um polemista de escol: Inteligência, conhecimento, lógica, linguagem, polidez. 

            O professor Bragadini desejou um dia saber como Bozzano, filósofo materialista que era, se havia interessado pelas ciências psíquicas. E o mestre respondeu-lhe de bom grado, visto que, dizia ele, “as conversões filosóficas contém sempre ensinos preciosos.” E dizia bem, - conversões filosóficas, - porque, no seu caso,  “tratava-se de uma conversão, em toda a acepção do termo".

            Nascido em Genova, em 1862, teve uma vida vazia de acontecimentos sensacionais. Estudava sempre. Já na adolescência, sentia que os ramos do saber humano tinham sobre seu espírito fascinação irresistível. Desde cedo, procurou penetrar no mistério do ser humano, e isto se tornou para ele uma paixão absorvente. Aos 15 anos, sua razão rebelava-se contra toda à crença proveniente de um ato de fé. Procurou penetrar no pensamento dos grandes filósofos como PIatão, Hegel, Descartes, Lotze, Rosmini, Giobertl.

            Tomava-o o abismo da dúvida, e os postulados da metafisica lhe pareciam outros tantos atos de fé; voltou-se para a filosofia científica e releu Buchner, Moleschott, Vogt, Feuerbach, Haeckel, Comte, Taine, Guyau, Le Dantec, Morselli, - com quem viria contender mais tarde, - Sergi, Ardigo, Herbert Spencer e outros.

            Este último empolgou-o; pareceu-lhe que o positivismo mecanicista de Spencer continha toda a verdade que ele sofregamente buscava. Tornou-se um positivista, e discutia com os que ousavam contestar os postulados mecanicistas. Parecia-lhe impossível houvesse pessoas de senso, medianamente cultivadas, capazes de crer na sobrevivência da alma. E não só assim pensava, como o dizia e escrevia.

            Esse passado filosófico, em que mergulhou durante 10 anos - diz Bozzano - tornou-o indulgente e tolerante para uma classe especial de adversários que supõem poder refutar as conclusões rigorosamente experimentais extraídas dos fatos estudados pelos espiritistas  de hoje, lhes opondo os preceitos da biologia, da fisiologia, da psicologia e a sua pretendida eficácia demonstrativa, na qual também ele acreditara, e o acreditaria ainda, “se no horizonte do saber humano não tivesse surgido a aurora de uma ciência nova, que dominava as demais, - a metapsíquica, denominada pelo prof. Richet - a “Rainha das Ciências”, mas que a posteridade chamará - a “Ciência da Alma”.

            Ribot lhe enviou certa vez uns números dos Anais das Ciências Psíquicas; os primeiros fascículos produziram-lhe desastrosa impressão; mais tarde vira um artigo do prof. Rosembach, que se revoltava contra a intrusão, na ciência, de um novo misticismo, e explicava ele os novos fatos pela hipótese alucinatória, combinada com as coincidências fortuitas, as imaginações exaltadas e assim por diante.

            Tão insustentável lhe pareceu essa refutação, que produziu no filósofo o efeito contrário a que se propunha o refutador.

            Começou, então, a interessar-se pelo psiquismo, ”e, sem disso ter consciência, estava na estrada de Damasco.”

            O volume de Aksakoff foi a primeira obra a abalar profundamente a solidez da sua fé positivista; seguiram-se outras; foi uma época penosa de perturbação moral, “porque ele assistia, desencorajado, ao desabamento dum sistema de convicções filosóficas adquiridas à custa de longas meditações, e às quais a adaptação psicológica e ética do seu espírito já se tinha afeito.”

            Procurou remontar às origens do movimento espírita. Pediu as principais obras, nos grandes centros. Catalogava, então, o conteúdo das obras por meio de um repertório alfabético com a intenção de se servir desses índices para a análise comparada dos fatos e dos quadros sintéticos, os quais deveriam conduzi-lo à convergência das provas, - critério superior de qualquer inquérito científico.

            E foi nessa base que ele assentou suas novas convicções espiritualistas.

            Estabelecida uma sólida cultura no assunto, entregou-se às pesquisas experimentais. Fundou com Venzano, Peretti e Arnaldo Vassalo, em Gênova, a Sociedade de Estudos Psíquicos, mais tarde Centro Científico Minerva. Eram 70 os membros, e não foi difícil descobrir que, entre eles, havia poderosos médiuns. Vieram depois as experiências com Eusápia Paladino, onde foram obtidos, em onze meses, “o que a médium pode oferecer de melhor em sua vida”. O resultado desses trabalhos expô-los Bozzano na sua obra “A Hipótese Espírita e as teorias científicas”.

            Chegou Bozzano, finalmente e firmemente, à seguinte conclusão:

 

            “Todo aquele que, em lugar de perder-se em discussões ociosas, empreender pesquisas sistemáticas e nelas perseverar, acabará por se convencer que os fenômenos supranormais constituem um complexo de provas animistas e espiritistas, que todas convergem para uma demonstração rigorosamente científica da existência e da sobrevivência da alma humana.”

             Tal é, em resumo, a resposta de Bozzano ao seu inquiridor, espécie de autobiografia, que foi publicada em Milão, no Ali del Pensiero, e em Paris, na Revue Spirite, em 1939.

                                                                                  *

             O poder mágico da argumentação do pranteado filósofo deriva precisamente dessa “convergência de provas", verdadeira catapulta, contra a qual faziam risível figura as fragílimas razões que costumam apresentar os opositores.

            Bozzano, durante mais de 40 anos, acumulara os fatos do psiquismo e neles é que assentava sua vigorosa construção. Era sulla base dei fatti, como se exprimia, que repousava a sua crença, e daquela base inexpugnável não havia forças capazes de o desalojarem.”

            Durante sua vida, acumulou e classificou as provas que constituem hoje o alicerce de sua obra monumental. Ele deixou para mais de 70 monografias e cada uma delas constitui demonstração irrecusável da sobrevivência. Todas reunidas formam um feixe irresistível, uma documentação cerrada, um desses trabalhos imperecíveis, que atravessam os séculos, lançando o mesmo brilho que as estrelas fulgurantes lançam através do espaço, muitos milênios depois de sua morte.

            Poucos lutadores tiveram o fôlego de Bozzano, sua capacidade de trabalho, seu poder de indução e dedução, sua paciência de pesquisador, sua dedicação ao estudo, seu amor à boa causa, sua fé de apóstolo.

            Queremos tratar, ainda, de um feitio especial de seu espírito: - o desinteresse, o desprendimento dos bens materiais. Poderia ganhar uma fortuna com seus escritos. 

            Era conhecido em todas as partes do mundo; todos os espíritas o estimavam e  admiravam; os adversários reverenciavam-no; os inimigos da doutrina temiam-no. Teria, se quisesse, auferido grandes lucros. Mas tudo ele dava. Concedia direitos de tradução e impressão do inesgotável documentário que eram os seus livros sem nada pedir em troca. Era a cessão gratuita, era o desprendimento evangélico, era o altruísmo que leva as almas ao Senhor. Seu trabalho mental, seu esforço intelectual, o labor ininterrupto de vários decênios tornou-se patrimônio da humanidade.

 *

             Seu amor aos fatos, seu apego às provas, seu espírito científico, sua atividade no terreno exaustivo da documentação, levaram muitos a supor que ele era pouco dado à feição religiosa do Espiritismo, ou a ela nenhuma simpatia votava.

            Nada menos certo. Ele apenas se opunha a que o Espiritismo se confinasse numa única religião, ou dela adotasse os princípios formalísticos. O que ele achava e até foi motivo de uma tese, é que era tal a amplitude do Espiritismo, que abrangia todas as religiões, sendo como um imenso vestíbulo por onde podiam entrar os grandes princípios e as leis imutáveis do Criador, qualquer que fosse a doutrina religiosa donde emanassem.

 *

             Havia um gênero de oponentes, para os quais Bozzano tinha muita complacência e não discutia: eram os homens de fé. Estes se assemelhavam a uns tantos grupos, em que ele classificava os escritores de assuntos psíquicos. E assim referia:

             “O menos esclarecido dos grupos em questão é, indubitavelmente, o dos negadores irredutíveis, que não se detém nunca na ideia de que possam estar errados. Assiste-se, então, a um fenômeno curioso e é que, quando os defensores da hipótese espírita os refutam, baseando-se nos fatos, eles nada respondem, porque nada podem responder, mas continuam, imperturbáveis, a sustentar a doutrina materialista, tal como se tivessem respondido ao contraditor e pulverizado o.” (“Revue Spirite”, 1929).

             É realmente fato comum e a que estamos habituados por uma convivência continua, diuturna.

            Finalizando este artigo, conviria lembrar um rápido esboço da obra de Bozzano, e umas rápidas vistas sobre o autor, feita por Ismael Gomes Braga na “Luz deI Porvenir”, em Maio de 1934.

             Dizia esse nosso confrade e amigo:

             “Todas as objeções, por melhor formuladas, todos os sofismas engenhosos, todo o fanatismo cego, esmaecem inteiramente diante dos livros de Bozzano, diante dos fatos inteligentemente acumulados e expostos com paciente habilidade pelo velho Mestre.

            Autêntico homem de ciência, incansável compilador e classificador de fatos, nada parece indigno de estudo meticuloso, de análise atenta ao espírito perspicaz do campeão da tese - O animismo prova o Espiritismo.

            Vemo-lo reunir fatos tomados nos povos primitivos, aos animais, às coisas mais desconcertantes: psicometria, licantropia, precognição, obsessão e assombração, pensamento e vontade, como forças modeladoras e organizadoras da matéria, profecias.

            Simultaneamente, refuta, de maneira definitiva, as obras dos inimigos do Espiritismo, em todos os domínios do pensamento, e sempre com admirável generosidade. Sabe reconhecer o mérito dos adversários, característica dos grandes espíritos que entrevem horizontes insuspeitos do homem vulgar.

            Vemo-lo reconhecer, ainda, a probidade do negativista obstinado René Sudre, admirar a profundeza de Morselli, reconhecer a erudição de AIfano, encantar-se com a filosofia de Spencer. Ele vê em tudo uma parte do belo, como acontece aos que se elevam acima da mediocridade.

            A Inteligência prodigiosa de que é dotado permite-lhe ter em mãos a mais espantosa classificação de fatos produzidos no mundo inteiro, durante mais de 80 anos, e poder com eles responder a todos os ataques contra o Espiritismo, venham de onde vier.”

             Assim se referia ao Mestre, Ismael Braga, quando ainda vivia ele no seu castelo da Itália, nesse estudo que nunca abandonou e que, certamente não abandonará, apesar de transpostos os umbrais que nos conduzem à outra vida.

            Deixa em língua portuguesa, além das monografias citadas, ‘Os Fenômenos de Bilocação’, ‘A Crise da Morte’, ‘Xenoglossia’, ‘Os Fenômenos psíquicos no momento da morte’, todos traduzidos pela Federação, além de outros trabalhos traduzidos por diversos confrades.

            A morte de Bozzano causou sincera tristeza entre os espíritas brasileiros, que não cansavam de admira-lo como trabalhador, de segui-lo como mestre de estimá-lo como confrade.

            Conforta-nos a certeza de que ele continuará no Espaço a gloriosa missão que tão bem manteve na Terra, mas o seu desaparecimento produz em nossos olhos uma espécie de escuridão, como aquela que nos é deixada depois da visão deslumbrante de um meteoro.




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