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domingo, 18 de abril de 2021

Pai Nosso

 


Em Espírito e Verdade

por H. Rohden

Ed. ‘Apoio da Boa leitura’ - Caxias (RGS)  - 1941

 “Pai Nosso”

       Assim é que deveis orar: Pai nosso que estás no céu... (Mt 6:9)

 *

          Pai! Eis aqui teu filho, que pela graça santificante geraste para a vida eterna.

          Pai! Eis teu filho, pronto a cumprir as tuas ordens.

          Pai! Queres-me em tua casa – ou permitirás que eu habite eternamente no cárcere guardado por teu inimigo?

            Pai nosso, pai de todos os homens, e não apenas pai meu – se é que formamos uma grande família de irmãos, não é que devemos dar as mãos uns aos outros irmãmente?...

            A que vem, pois, que veem esses ódios de indivíduos e de classes que reduzem a um inferno de Satã a tua família humana?...

            A que vem essas armas mortíferas que ouço troar em terra, mar e ar?...

            A que vem essa execração de raças, e essa guerra de credos, quando uma só é a humana natureza, um só o sangue redentor de Cristo, um só o supremo destino que a todos aguarda?...

            Pai nosso, que estás no céu – bem sei que estás em toda parte, presente dentro e fora de mim; mas espero ver-te um dia, não já pelo espelho e enigma da fé, mas, sim, face a face, assim como és – e será isto o meu céu...

            O céu és tu, meu Pai, onde quer que estejas, onde quer que eu esteja; o céu é a intuição da tua natureza, é a posse do teu Ser, é a submersão da alma nas infinitas profundesas da tua divindade e beatitude...

            O “eterno descanso” em teu seio, meu Pai, é a definitiva quietação da agulha magnética de minha alma, que deixou de oscilar irrequieta, porque encontrou o seu norte e sintonizou todas as suas ondas com a onda da tua divina essência...

       Pai... santificado seja o teu nome!  (Mt. 6,10)

             É esta a prece universal da Natureza...

            Por que traçam os corpos sidéreos as suas gigantescas elipses pelas vias inexploradas do cosmos?

            Por que se sucedem em gratas vicissitudes as quatro estações sobre a face da Terra?

            Por que se sucedem em gratas vicissitudes as quatro estações sobre a face da Terra?

            Por que cintilam, na excelsitude do firmamento, a via-láctea e o arco-iris?

            Por que se ornam de festivas galas as campinas e os prados, as montanhas e os vargedos?

            Por que se agitam em epopeias de vitalidade terra, mar e ar?

            Para santificar o teu nome, Senhor do Universo, para celebrar a grandeza do teu poder, a profundidade do teu saber, as ternuras do teu amor...

            E como poderia o homem, rei da criação, deixar de acompanhar esse epinício cósmico, traduzindo em homenagem consciente a inconsciente apoteose da Natureza?

            Por que não cantaria o homem as glórias da Redenção, mil vezes mais brilhante do que todas as maravilhas do mundo material?...

            Por que não exultaria o cristão à luz divina da fé, da graça, do amor, de inefável beatitude?...

            Por que não seria a vida do redento um imenso Te Deum de gratidão e de amor?...

            Santo, santo, santo é o Senhor, Deus dos exércitos... Os céus e a Terra estão cheios da sua glória... Hosana a Deus nas alturas!...

 

      O reino que não é deste mundo  (Mt. 6:10)

            Pai... venha o teu reino!

                                                                       ***

            O teu reino, meu Pai! De infinitas saudades me enchem a alma estas palavras...

            Há longos decênios que estou à procura do teu reino – e quase só encontrei o reino de Satã...

            O teu reino, meu Pai, está no mundo, mas não é do mundo...

            É o reino da verdade e da vida...

            O reino da justiça e da paz...

            O reino da fé e do amor...

            O teu reino é o reino da manjedoura e da oficina, o reino do cenáculo e da cruz...

            O teu reino não terá fim – dizia o anjo a Maria.

            Lembra-te de mim, Jesus, quando entrares no teu reino – suplicava o ladrão penitente.

            O reino de céu é semelhante a um tesouro – dizia teu filho.

            Mas o teu reino não é da natureza desses reinos pueris que os homens inventaram, reinos sustentados por espadas e canhões, por cadáveres humanos e lágrimas de viúvas e órfãos.

            O teu reino repousa sobre as potências da razão e do amor.

            Se a mim vier o reino do teu amor, irradiará de mim o reino da caridade cristã.

            Se na alma humana vigorar o reino do teu Evangelho, cantará na sociedade, na pátria e no mundo inteiro o reino da paz, da justiça, da harmonia universal.

            Venha o teu reino, meu Pai!...

             A mais dolorosa das minhas preces.

         Pai... seja feita a tua vontade, assim na Terra como no céu. (Mt. 6:11)

 ***

            É esta, meu Pai, a mais dolorosa de quantas preces já balbuciaram meus lábios...

            Seja feita a tua vontade...

            O triunfo da tua vontade é a derrota da minha – e a minha vontade sou eu, é a alma da minha vida, é a vida da minha alma...

            Que será de mim, se se realizar esta petição?... Se tua vontade suplantar a minha? Parece-me quase um suicídio do próprio Eu.

            A minha vontade é o meu céu.

            É o mais querido de todos os meus ídolos.

            É o último dos meus fetiches a que renuncio.

            Minha vontade é a menina dos meus olhos, é o sangue do meu coração, é a quintessência do meu Ser.

            Entretanto, meu Pai – seja feita a tua vontade!.. à custa da minha...

            Reduzirei a cinzas, sobre a ara da tua vontade, o holocausto do meu querer...

            Toma, Senhor, e recebe a minha inteligência, a minha vontade, a memória, a fantasia, o coração, os sentimentos – toda a minha personalidade.

            Por entre as angústias mortais dos meus Getsêmanes – seja feita a tua vontade!

            Por entre os impropérios dos meus Gólgotas – seja feita a tua vontade!

            Seja este o derradeiro suspiro dos meus lábios moribundos: faça-se a tua vontade meu Pai!...

            Fiat... fiat... fiat...

       Nem riqueza nem pobreza

         Pai... o pão nosso de cada dia nos dá hoje!  (Mt. 6,12)

 ***

             Não te escandalizes, meu Pai, que eu te peça coisa tão profana, depois de implorar dons tão espirituais...

            Bem sei que nem só do pão vive o homem, mas também não vive sem ele...

            Pelos lábios de teu filho dileto eu te suplico – o pão de cada dia.

            Não te peço riqueza nem pobreza – peço-te apenas o necessário para o sustento de cada dia.

            Sei que tanto o demais como o de menos pode ser um entrave no caminho do meu destino.

            A abundância dos bens terrenos me faria esquecer que sou peregrino e viajor em demanda da pátria longínqua.

            A penúria do necessário me encheria de preocupações materiais e não me daria o necessário sossego para atender às coisas do espírito.

            Por isso, meu Pai, peço-te apenas o pão de cada dia.

            Mas dá-me também o pão do espírito, pois que nem só de pão material vive o homem.

            Dá-me o pão da inteligência, para que eu possa apreciar as maravilhas de tua criação, as obras primas da humana inteligência e, sobretudo, as grandezas do teu Evangelho.

            Dá-me o pão da alma, a fé, o amor, a graça, a felicidade, para que chegue, são e salvo, ao termo da minha peregrinação terrestre...

       Perdoar – para ser perdoado

         Pai... perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores! (Mt 6:13)

 ***

             Pai, sou grande devedor teu – e pequeno credor de meus irmãos...

            A dívida que tenho contigo é imensa – o que os outros me devem é ninharia.

            Estou insolvente, meu Pai – Se não me dispensares do meu débito, terei de abrir falência moral diante de ti...

            Tudo o que tenho não passa de valores negativos, dinheiro falso – e o que tenho de positivo não é meu, são bens emprestados por ti.

            Mas, lembra-te, Pai, que os meus pecados são pecados de ignorância e de fraqueza e não de perversidade.

            Por isso te pediu teu Filho na cruz: Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem...

            E que outra coisa seriam as ofensas que de meus semelhantes recebo, senão fruto da ignorância, da fraqueza, de mal-entendidos?

            Como posso esperar de ti o perdão da minha grande dívida, se não quero perdoar a meus irmãos os seus pequenos débitos?

            Perdoarei – para ser perdoado...

             

      Três legiões adversas

         Pai... não nos induzas em tentação! (Mt 6:13)

 ***

             Pai, estou cercado de três exércitos inimigos que me agridem...

            Aquele preclaro espírito que se rebelou contra ti e que sua justiça relegou ao abismo da dor eterna, não cessa de andar pelo mundo, qual leão a rugir, procurando devorar as almas.

            O mundo profano me entra na alma pelas portas dos cinco sentidos e enche de ídolos o santuário do meu interior.

            O meu próprio Eu, contaminado pela queda original, me arrasta às imundas baixadas de Sodoma, donde desertou o teu espírito, meu Pai.

            Assim é que vejo constantemente assediada a praça forte da minha vontade por essas legiões adversas.

            Três inimigos me agridem ao mesmo tempo: um cerca-me de todos os lados; outro surge de incógnitas profundezas; e o terceiro, pior de todos, está oculto dentro do próprio baluarte da minha natureza...

            Fossem apenas hordes externas, e eu talvez me defenderia contra seus ataques – mas como posso defender-me dessa “quinta-coluna” da minha própria natureza inclinada ao mal?

            Só a tua graça, meu divino Aliado, poderá garantir-me votória no meio de tão horrível peleja.

            Sei que não serei coroado se não lutar legitimamente – mas, rogo-te, meu Pai, que não me desampares na luta contra meus e teus inimigos...

            Faze da tentação elixir de novas energias – para derrotar os adversários da minha salvação...  

           Males

         Pai... livrai-nos do mal! (Mt 6:13)

 ***

             Pai, porque existe no teu mundo o mal?..

            Não dizem os livros sacros que era bom tudo quanto criaste? e que era muito bom o homem que formaste?..

            Quem foi que criou o reino das trevas? o reino da dor? o reino do crime?..

            Algum deus mau, perverso, satânico?.. Assim pensam muitos daqueles que não compreendem o teu mundo tão imundo...

            Existem os males físicos, porque é deficiente toda a matéria. A imperfeição é inseparável atributo da matéria.

            E onde existe imperfeição existe a possibilidade do mal, da dor, do sofrimento.

            Tu não criaste os males morais, meu Pai, os pecados, os crimes, as infâmias do homem – mas deste ao homem o livre arbítrio – e onde existe a liberdade existe a possibilidade do mal moral.

            Preferiste criar um mundo possivelmente mau a não criar um mundo provavelmente bom.

            O livre arbítrio é a chave do céu e do inferno – e tu entregaste esta chave ao homem, e dele é o uso ou abuso da sua liberdade.

            Não queres o mal moral, mas não o impedes, porque não destróis a liberdade que deste, e de todos os venenos da humana malícia sabes fabricar o remédio salutar para as nossas almas, ó divino Alquimista!

            Na escola do sofrimento educas as almas para o seu destino eterno...

            No caminho da dor purificas das escórias o espírito, depuras o ouro de lei dos teus santos...  


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