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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O Boeing 707



 Boeing 707

                Reformador (FEB) página 194 - Julho 1973

                Não é a popularidade ou o prestígio das pessoas desencarnadas em meio a tragédias coletivas que deve dar a medida emocional da opinião pública. Entretanto, não se pode negar que esses dois fatores mundanos emprestam, realmente, maior impacto aos acontecimentos, tanto festivos quanto funestos. O desastre, em Paris, com o Boeing 707, embora não represente caso isolado na história da aviação comercial, atraiu maiores atenções, dada a presença de nomes conhecidos na política, na música popular e nos círculos  destacados da sociedade. É natural que assim seja, ainda que a desencarnação devesse provocar sempre as mesmas reações. Afinal, tanto significa, para a modesta e desconhecida família, a partida abrupta do seu chefe, eventual vendedor anônimo, quanto a de prestigioso político ou a de fascinante cancioneiro. Há de se compreender, porém, essa diferenciação do comportamento humano, a qual não será nem negativa nem condenável. Funções, presenças, popularidade, projetam mais determinadas figuras e sua partida provoca maior impacto. A preocupação do espírita, todavia, deve se situar sempre na faixa ideal do entendimento, amplo e sensato dos fatos, sem deixar necessariamente de senti-los, é claro, mas encarando-os com serenidade e confiança. Não há de anestesiar-se dentro de um conformismo frio e insano, posto quer os elementos imponderáveis e muito pessoas de amizade, admiração e saudade são a fantasia do super-homem, visando a exibi-la na medida em que se jacta tolamente do seu ‘espírito forte’, tudo arrostando com ensaiada fleuma e a ‘coragem’ que faltaria aos que ainda sabem chorar... A Doutrina Espírita não sobreviveria a essa colocação conformista e egoísta. Por isso, ela alia aos sentimentos nobres da dor e da amargura sensações balsamizantes do consolo e da fé. Explicando o porquê de todos os fatos e indicando com precisão o papel dos que ficam e o destino dos que partem, a tudo atribui um sentido lógico e racional, descortinando diante de quem sofre os caminhos da consolação e da esperança. É natural a intimidade do pranto. É até bom chorar, às vezes. Jesus também chorou. Sentimos a ausência provisória dos que amamos, como a sentimos quando deles nos afastamos ao ensejo de qualquer separação menos rotineira. Inobstante, é preciso compreender que Deus tudo comanda, que nada acontece por acaso, que cada um recebe de acordo com as suas obras, que a ‘morte’ trágica e violenta é sempre um meio de resgatar equívocos pretéritos e libertar o Espírito à amplidão dos espaços. A partida coletiva abala e comove; mas naquele avião estavam apenas -e exclusivamente- criaturas comprometidas num mesmo processo, atraídas de diversos pontos e aproximadas na precisão e justiça de leis que se sobrepõe às da aerodinâmica.
            Todos os passageiros do Boeing 707 deixaram este mundo de lágrimas. O prestígio e a popularidade de alguns acrescentou ao desastre carga maior de emotividade pública. Talvez tenha ela contribuído para que o processo de desligamento daqueles Espíritos haja sido facilitado, tal o feixe de vibrações amorosas lançadas pela perplexidade dos parentes, amigos e desconhecidos. Importa, contudo, salientar a confiança que em horas tais a ninguém deve faltar, configurada na certeza de que a ‘morte’ não é o fim e que todos os passageiros e alguns tripulantes do Boeing 707 estarão à espera dos que ficaram. Um dia -ainda sujeito ao critério da Lei-, estarão todos juntos novamente. Os que se abeberaram da Doutrina Espírita, tanto entre os que partiram quanto entre os que ficaram, sabem perfeitamente disso e disso vivem. Oremos pelos que não o sabem. Precisam de nossas preces. Bem mais do que nossa amargura ou nosso desespero.   

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