Pesquisar este blog

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Allan Kardec, venerado Mestre e excelso Codificador do Espiritismo


Allan Kardec,
venerado Mestre e excelso Codificador do Espiritismo 
por Vianna de Carvalho
Reformador (FEB) pág. 108 ano 1908

            Pairava ainda nos âmbitos da Europa o estridor das demolições perpetradas pelo escopro inexorável da Enciclopédia.

            Os horizontes da Civilização se afogavam na escuma dos ódios revolucionários.

            A França, para inscrever os direitos do homem no código sereno da Justiça, desencadeara uma hecatombe horrível.

            Caudais de sangue tinham ensopado o solo, em que mais tarde a árvore da liberdade deveria abrir a sombra amiga, protegendo os humildes e os fracos contra as cóleras do despotismo.

            Na fauce hiante daquela voragem, assinalando o trágico expirar do século dezoito, não se sumiu apenas a um trono, mas todo um passado coberto de labéus e ferido de morte pela condenação das consciências revoltadas.

            As crises históricas têm o seu cortejo pavoroso de iniquidades, as suas aberrações e anomalias resvalando no crime, mas também resplandecências redentoras se esparzindo gloriosamente por sobre o montão de ruínas que semeiam na passagem veloz. A reforma das agremiações humanas, combalidas por vícios tradicionais, aprisiona em seu bojo tempestades condensadas pela imprevidência dos legisladores.

            Se o dinamismo irresistível da evolução arranca as raízes das tiranias, ao mesmo tempo desfere golpes nas armaduras das aspirações de cuja vitalidade haure os lauréis de seus triunfos.

            O poder esmagado de Luís XVI não valia a cabeça genial de André Chenier, rolando do cadafalso ao tigrino clamor das multidões desvairadas.

            Quando Voltaire, Diderot, Montesquieu, Condorcet... faziam fermentar, com análises perscrutadoras e audaciosas teorias, os gérmens de um cataclismo social, nem pressentiam sequer a série tenebrosa de atentados, desfraldada depois em nome da Ciência, do Progresso e da Fraternidade.

            Por isso, os alvores do século das luzes surgiam tintos dos funéreos reflexos exalados ao crepitar das batalhas fumegantes.

            A torrente das agitações intestinas revolvera tumultuariamente os esteios da ordem administrativa, econômica e intelectual de um povo se arremessando para o futuro por um longo tirocínio de provanças e obscurantismo.

            Destarte, após aquele arrojo titânico, sob cujas ondas fragorosas tantas existências naufragaram, persistiria, como persistiu, o frêmito de aniquilar quanto era ainda vestígio das gerações caducas.

            As águias napoleônicas transpunham neves alpinas, sorridentes planícies da romanesca Itália, franjas alvacentas do Mediterrâneo, e iam-se agasalhar no topo das pirâmides petrificadas em plena vastidão dos areais infindos.

            Os prelúdios de uma glória, soerguida ao estourar das metralhas, já cobriam de cinzas o cadáver das instituições, amparadas um momento pelo verbo flamívomo de Mirabeau nas assembleias submissas à fascinação da eloquência.

            Precursores nimbos de borrasca vizinha mareavam o azul do Velho Continente.

            Muito em breve, legiões sombrias, devorando as distâncias com a impetuosidade das avalanches soltas, tinham de assentar seus arraias em Austerlitz, Wagram, em Zaragoza... ao som de músicas guerreias abafando as soluções das vítimas ceifadas.

            Nessa hora de suprema angústia, parecia que se cerravam as pálpebras divinas nos penetrais do Infinito.

            Não formulemos, porém, conjetura tão blasfema; pois nesse mesmo ano em que Pio VII esquecia as suntuosidades anti-religiosas do Vaticano, ao vir coroar Bonaparte em Paris, um meigo Espírito se exilava das alturas felizes, descendo à Terra no cumprimento de uma esplêndida missão altamente regeneradora.

            Sabeis-lo... esse Espírito seria o insigne codificador de uma doutrina em cujo seio há repouso para todas as fadigas, bálsamo para todos os infortúnios e esperanças para todas as incertezas de nossa mísera existência.

            Allan Kardec, enviado pela misericórdia celeste, vinha renovar as promessas de Jesus, restabelecer a pureza de seus ensinos, falseados através das idades, e erigir o lábaro da Nova Revelação sobre o cairel de mil conturbadas paixões.

            A tarefa assumia relevos verdadeiramente desanimadores.

            Nas épocas de transição, só os gigantes do pensamento envergam a enfibratura de aço, personificada nesse herói da grega mitologia que estrangulou a hidra de Lema, domou o touro da ilha de Creta e conseguiu subtrair os frutos de ouro do jardim das Hespéridas.

            Kardec mediu a travessia eriçada de abrolhos, cavada de pélagos vorazes, com esse olhar da águia que aprende, desde nova, a só fitar os alcantis alterosos.

            A sua responsabilidade era tão grande como a obra, a cuja edificação vinha consagrar todas as energias e estremecimentos de uma alma que se devota ardentemente à causa do bem comum.

            Vacilar ou esmorecer, seria o retardamento do progresso humano em sua marcha ascensional aos páramos da luz.

            Aquele Titã do Espiritualismo contemporâneo, antes se deixaria esmagar ao peso de desventuras imensas, do que retroceder em face das oposições levantadas pelo egoísmo dos sistemas filosóficos e credos religiosos a se digladiarem encarniçadamente.

            Iniciada a trajetória que se traçara, obedecendo aos nobres impulsos de uma compleição diamantina, seguiu-a sem discrepâncias até ao marco extremo, com a serenidade dos justos e o desassombro dos fortes coroando-lhe a fronte em fúlgidos diademas.

            As farpas da inveja e da calúnia, a baba dos preconceitos, os gritos dos interesses inconfessáveis feridos em seus redutos, debalde se insurgiram contra os salutares princípios enfaixados possantemente por sua lógica de bronze.

            Esses embates sem norte se estilhaçavam de encontro à couraça de suas convicções luminosas.

            É que ele era a viva encarnação da tenacidade posta ao serviço de sentimentos puríssimos.

            Por fim as tubas do triunfo desatavam já as suas festivas notas, quando a morte o surpreendeu no retinir das pelejas.

            O estrênuo lidador caiu como o cedro da floresta ao sopro dos furacões, mas o seu Espírito ascendeu mais refulgente aos visos da imortalidade.

***

            Mestre, a esta hora, por toda a parte, hinos de gratidão se evolam em torno de tua memória estrelejada de bênçãos.

            A família espírita universal curva-se agradecida pelos benefícios que nos legaste, legando-nos também o exemplo fecundo de tantas abnegações dignas somente dos missionários da Verdade.

            A doutrina que pregaste - a mesma de Jesus - continua de pé, como o rochedo que no alto mar a fúria das vagas desafia.
           
            Não prevaleceram contra ela os golpes arremessados pelos ódios e injustiças venenosas de teus contemporâneos.

            É a própria Ciência que se impõe o dever de proclamar, pela voz de seus luzeiros, a inquebrantável solidez do Espiritismo.

            Somente, ainda não soou o instante de nossa completa regeneração.

            Até hoje os espíritas não se penetraram suficientemente desses raios vivificantes, que são o amor, a justiça e o perdão...


            Ajuda-nos, pois, a transpor os abismos interpostos entre a nossa tristíssima condição de degradados e a inalterável felicidade destinada a todas as criaturas pela misericórdia sem términos do Pai Celestial. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário