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sábado, 29 de agosto de 2015

Aprendizes de feiticeiro


            Jesus, quando chegou, precisou desmanchar um cipoal de aderências  incrustadas na Revelação. Se Moisés e os profetas tiveram que lhe adicionar regras de caráter utilitário, visando a disciplinação da turba indócil, os que tomaram de assalto o Reino dos Céus esmeraram-se em lhes dar uma eficácia preponderante, que os fez trocar os bens eternos pelos efêmeros da Terra. As tradições se haviam amontoado e dominaram de tal forma que soterraram a limpidez da primeira mensagem. Em consequência, o Mestre se viu obrigado a aquietar os corações sinceros, afiançando que havia vindo não para destruir a Lei, mas para dar-lhe cumprimento. Nada obstante, vítima da incompreensão, foi levado ao martírio.

            Mas, a força de sua vontade desenterrou a mensagem divina e a fez retomar o seu caminho pelo mundo. Os homens, porém, avezados à contumácia de colaboradores intrometidos, restabeleceram em torno e em cima da segunda mensagem já não um cipoal mas, desta vez, uma verdadeira superestrutura de construções rebuscadas, fruto de sua cerebração rasteira e inchada da pretensão de corrigir os “erros” e suprir as “lacunas” do texto inspirado pelo alto. Passaram a difundir não a palavra singela e luminosa do Céu, e sim os subprodutos  de seus apetites terrenos.

            O Mestre, profundo conhecedor do farisaísmo impenitente, prevendo o desenrolar dos acontecimentos, preanunciou a chegada do Paracleto, com a tarefa de desbravar, novamente, a selva de ervas daninhas renascidas. Este chegou e teve de repetir a afirmação de que não veio destruir a Lei, antes cumpri-la. E só não aconteceu um novo Gólgota porque a Ideia não se mata.

            Pela segunda vez, a força da verdade desenterrou a mensagem divina e trouxe-a de novo à luz do dia. Mas, com isso, foi retomado, pelo velho farisaísmo, que sabe usar de mil disfarces, o sestro incoercível de predomínio, desta vez sob a justificativa de “aperfeiçoar” a obra, buscando enxerta-la com as filigranas das presunções humanas, prontas a suprirem as “insuficiências” agora supostamente atribuídas à “superação” da mensagem restauradora.

            O que se tem pretendido é desfigurar o Espiritismo, acoplando lhe uma série de inovações, modismos, superstições e formalismos que ameaçam conspurcar sua natureza primitiva. Em todos os aspectos do seu desenvolvimento atual, a mensagem do Espírito da Verdade vem sendo maleficiada pela investida consciente e inconsciente dos que só entendem movimento religioso em termos de igreja e métodos mundanos. São os novos programadores da era tecnológica, eternos “aprendizes de feiticeiro”, convencidos de que já sabem tanto quanto o mestre e, por isso, açodadamente, se metem a fazer as mágicas... Além de não saberem desfazer o encantamento, vão escondendo a própria imperícia numa cortina de fumaça que ameaça empanar o brilho da mensagem renovada. Se fosse verdadeira a afirmativa de que “a história se repete”, seria o caso de prever, desde já, o reaparecimento oportuno de um outro desbravador.

            Os olhos embaçados do mundo, não distinguindo as verdades que rutilam um pouco além, continuam a reclamar demonstrações renovadoras de cunho espetaculoso, à feição daqueles que, para crerem, cobraram do Mestre descesse ele da cruz, como passe de mágica insuperável.

Aprendizes de feiticeiro
Editorial

Reformador (FEB) Novembro 1972

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