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segunda-feira, 23 de março de 2015

"Nem toda carne é a mesma carne"


“Nem toda carne é a mesma carne”
(Paulo, 1ª Epístola aos Coríntios, cap. XV, v. 39)

Lauro S. Thiago
Reformador (FEB) Setembro 1972



            Normal e habitualmente os Espíritos assumem a vida na Terra pela encarnação, isto é, revestindo-se de um corpo carnal, gerado através de um processo biológico vigente num mundo ainda material como o nosso: o da reprodução sexuada. Esse processo, que exige a união da matéria com a matéria e necessita, por isso, do concurso de dois indivíduos de sexos diferentes, é - não há negar - admirável pela precisão das leis que o regem e pelos resultados magníficos a que conduz; condiciona, além disso, dentro da estrutura social do nosso mundo, baseada na organização da família, uma tarefa nobilíssima, que é a tarefa dos pais, e na qual sobressai a mulher, em sua sublime missão de mãe.

            Ninguém ousará negar a grandeza da maternidade, que redime a mulher de qualquer mácula e lhe faz nascer no coração o mais puro sentimento de amor que existe neste mundo, que é o amor materno. Tudo isso é, pois, realmente admirável e digno do nosso maior respeito, como obra de Deus e como lei de Deus; o que não nos impede, entretanto, de reconhecer que esse processo biológico comporta uma elaboração longa e penosa, muito material, ainda, e própria de mundos pouco adiantados, sendo, pois, processo relativamente atrasado, se comparado aos processos mais admiráveis que ocorrem além, noutros mundos bem mais adiantados que a Terra e onde a matéria cede ao Espírito.

            Nesses mundos, assume-se a vida em corpos mais sutis, formados segundo outras leis, que regem a matéria no seu estado etéreo ou fluídico. São corpos ainda materiais, de matéria semelhante à nossa carne, mas não da mesma carne, no sentido de que são formados não pela união da matéria com a matéria, mas sim pela ação magnética da vontade e do pensamento dos Espíritos sobre os fluidos existentes na natureza desses mundos.

            Pois bem, esses processos superiores de encarnação, que melhor se dizem de incorporação, podem ocorrer, também, embora excepcionalmente, nos mundos menos adiantados, mediante aplicação apropriada, aos fluidos que lhes são inerentes, das leis que presidem àqueles processos.

            É assim que surgem, mesmo na Terra, seres como os agêneres, que não tiveram genealogia carnal, conforme as leis biológicas vigentes no nosso mundo, e, no entanto, apresentam totalmente a aparência humana, tanto no que concerne à visibilidade quanto à tangibilidade. Esses seres surgem muitas vezes espontaneamente, como consta da história de todos os povos e em todos os tempos. Mas, nos tempos modernos, têm surgido como resultado de investigação experimental, com o concurso dos médiuns de materialização.

            Quem conhece os extraordinários fenômenos obtidos por William Crookes, valendo-se da mediunidade de Florence Cook, na Inglaterra, de materialização do Espírito Kate King, que praticamente conviveu com os Crookes durante 3 anos e se apresentava com todas as aparências da corporeidade humana, deixando-se pesar, palpar, auscultar, revelando um coração batendo, pulmões que respiravam, membros que se movimentavam, olhos que viam, ouvidos que escutavam, laringe que falava, arguindo e respondendo, uma cabeça ornada por bastos cabelos de que algumas madeixas puderam ser cortadas para ficar como lembranças aos familiares de Crookes e seus amigos; que tinha um corpo, portanto, semelhante aos corpos carnais dos humanos, diferindo destes, porém, pelo fato, digno de toda a consideração, de que se formava e desfazia em breves instantes, tornava a formar-se e a desfazer-se, e tudo apenas pela vontade do Espírito que o assumia temporariamente; quem conhece esse fato notável, entre muitos outros análogos obtidos na Europa e na América, por diversos sábios pesquisadores e através de numerosos médiuns, e conhece, inclusive, entre outras havidas no Brasil, as materializações de Espíritos obtidas no Pará, por Eurípedes Prado, através da mediunidade de sua esposa, D. Ana Prado, e que ensejaram ao casal Frederico-Ester Figner rever sua filha Raquel, desencarnada, com todas as aparências que tivera em vida, contemplar-lhe a forma, a graça, o sorriso, sentir lhe o hálito, o contato de suas mãos e de seus braços, receber seu carinho filial, beijos, abraços, afagos, tudo numa realidade viva que fez o velho Figner e sua esposa chorarem de comoção, impossível mesmo de sopitar ante tal manifestação que lhes era concedida como incomparável dádiva divina; quem conhece tudo isso, não pode deixar de compreender que existem no Universo outras leis regendo o aparecimento dos seres, que não só as que regem o processo comum da procriação no nosso mundo.

            Isso tudo, aliás, é pura doutrina dos Espíritos e nada há aí a contestar.

            É deplorável, pois, o engano que leva alguns confrades, por muitos outros títulos respeitáveis, à atitude de opositores da atuação da FEB, editando e reeditando a obra "Os Quatro Evangelhos", de Jean-Baptiste Roustaing, e recomendando-a ao estudo meditado e profundo de todos os espíritas, como obra complementar da nossa doutrina. Esse engano reside todo no pensarem que a ideia ali veiculada do corpo aparente de Jesus esteja em contradição com a codificação do Espiritismo. Tal pensamento não resiste, no entanto, à análise desapaixonada da realidade. Kardec tinha um espírito positivo e ponderado, é certo, mas também era eminentemente racional. Sobre os fatos ele raciocinava, como todo investigador da verdade, em busca de teorias explicativas, na ânsia de conhecer-lhes as .leis. Kardec fazia, pois, sobre os fatos os seus próprios raciocínios. Não foi, porém, sobre os seus raciocínios que ele codificou o Espiritismo, e sim sobre as respostas dadas pelos Espíritos às perguntas por ele habilmente formuladas sobre esses fatos e esses raciocínios. Mais de uma vez as respostas dos Espíritos contrariaram a opinião de Kardec e ele teve de reformulá-la, adotando a dos Espíritos, como lealmente confessa. A obra de Kardec é imensa, admirável, sólida, inabalável; jamais será superada. Mas, por maior que seja e mais durável, trazendo solução a angustiosos problemas da humanidade e explicando fatos até então inexplicáveis, nem por isso esgotou tudo o que essa mesma humanidade teve e terá ainda de saber através da Terceira Revelação. Após 15 anos de labor ininterrupto, Kardec, ao libertar-se, não tivera oportunidade de reexaminar, à luz de novos fatos - mormente os mais notáveis de materialização e ectoplasmia -, algumas de suas opiniões pessoais, que lealmente ele apresentou como tais e não como resultante do ensino dos Espíritos. Assim é relativamente à natureza do corpo de Jesus, que ele pessoalmente admitiu tenha sido de natureza carnal, igual ao de todos os homens, e não um corpo perispirítico, fluídico, semelhante ao dos agêneres ("A Gênese", cap. XV, pág. 333, 15ª da FEB).

            Mesmo aí, no entanto, Kardec também declara: "É fora de dúvida que semelhante fato não se pode considerar radicalmente impossível, dentro do que hoje se sabe acerca das propriedades dos fluidos; mas seria, pelo menos, inteiramente excepcional e em formal oposição ao caráter dos agêneres."

            Na obra fundamental, entretanto, que encerra os princípios básicos da Codificação - "O Livro dos Espíritos" -, bem como naquela que lhe serve de complemento, no que concerne aos fenômenos e faculdades mediúnicas, nada há, no ensino dos Espíritos, que contrarie a ideia do corpo fluídico de Jesus; os Espíritos nada dizem sobre isso, pela simples razão de que Allan Kardec não formulou pergunta alguma, especificamente sobre esse assunto. Há, porém, abundantes ensinos que podem levar o investigador a aceitar perfeitamente a ideia do corpo aparente do Mestre. Aquelas duas obras estão cheias de revelações sobre o fluido universal ou substância cósmica primitiva, a partir da qual, por modificações da íntima estrutura, se formam numerosas variedades fluídicas que, por sua vez, modificadas e combinando-se entre si, formam múltiplas outras variedades, processo em que a substância fluídica primitiva vai perdendo seu caráter etéreo de imponderabilidade e dinamismo, aproximando-se cada vez mais das características de macicez e ponderabilidade, impenetrabilidade e inércia próprias da matéria densa e grave. Assim, depois desses ensinos claros de "O Livro dos Espíritos", especialmente contidos na1ª parte dessa obra admirável, o homem passa a compreender nitidamente que a nossa matéria bruta e pesada tem sua origem numa substância sutilíssima, sendo, pois, todas as coisas ponderáveis deste mundo originárias do imponderável cósmico. É interessante fazer notar, num parêntesis, que isso tudo, hoje positivamente objeto de revelação ostensiva por parte dos Espíritos, já foi em remotos tempos inspirado aos gregos que, mais filósofos do que experimentadores, admitiam na origem da matéria uma "matéria-prima" elementar, concebendo-a formada de partículas tenuíssimas e indivisíveis a que eles chamaram átomos. Hoje, a própria ciência experimental, apoiada nos fatos e servindo-se extensamente do instrumento lógico da matemática, vai se aproximando cada vez mais daquela "matéria-prima", essa substância simples, a matéria cósmica primitiva, a que os
Espíritos chamaram fluido universal, e que é capaz de assumir, por suas modificações inumeráveis, a consistência de todas as coisas materiais.

            Mas, outras coisas nos revelaram os Espíritos, e uma delas é que, se a matéria, no seu estado bruto, pesado e inerte, só pode sofrer modificações oriundas de agentes materiais, mecânicos, físicos ou químicos, no seu estado etéreo, fluídico, imponderável e dinâmico, ao contrário, ela pode ser trabalhada, modificada pela simples ação do pensamento e da vontade do Espírito.

            São dignas de toda a consideração e profunda meditação também as explanações de '''0 Livro dos Médiuns" a esse respeito, no capítulo VIII - Do laboratório do Mundo Invisível onde Kardec se mostra profundamente impressionado com o notável fenômeno da escrita direta, por ele muito bem observado e estudado, no qual breves ditados são obtidos em caracteres visíveis e permanentes, sem que os Espíritos se tenham utilizado das mãos do médium, de lápis, tinta ou qualquer outro material preexistente neste mundo, o que prova que o material empregado foi feito por eles próprios no momento mesmo em que o depositavam diretamente sobre o papel, a partir de elementos imponderáveis e invisíveis, tornados na ocasião visíveis e tangíveis. Impressionado, também, por um caso de aparição do Espírito de uma pessoa viva, que se apresentara à noite em visita a uma enferma com todas as aparências da realidade, inclusive trazendo em uma das mãos uma caixa de rapé análoga à de seu uso habitual no estado de vigília, e da qual tirava, de vez em quando, uma pitada - Kardec, diante desse e de outros fatos, formula ao Espírito S. Luís perguntas cujas respostas, seguidas de oportunas notas e judiciosas considerações do próprio Kardec, encerram todos os informes que nos facultam compreender perfeitamente a extensão dos recursos de que dispõem os Espíritos, aplicando as eternas leis de Deus à natureza invisível, onde reinam os fluidos e atuam soberanos o pensamento e a vontade, para obter com as substâncias fluídicas as aparências de todas as coisas deste mundo.

            Da mais alta importância, porém, para o assunto que abordamos, são os itens 5 e 6 do capítulo I da Parte Segunda de "O Livro dos Espíritos": Diferentes ordens de Espíritos e Escala espírita. Por isso, pedimos permissão aos leitores para reproduzir, senão total, pelo menos parcialmente o que ali se nos informa e que é resumidamente o seguinte:

            Os Espíritos  “são de diferentes ordens, conforme o grau de perfeição que tenham alcançado"; essas ordens “são ilimitadas em número, porque entre elas não há linhas nítidas de demarcação traçadas como barreiras, de sorte que as divisões podem ser multiplicadas ou restringidas livremente". "Todavia, considerando-se os caracteres gerais dos Espíritos, elas podem reduzir-se a três principais. Na primeira, colocar-se-ão os que atingiram a perfeição máxima: os puros Espíritos. Formam a segunda os que chegaram ao meio da escala: o desejo do bem é que neles predomina. Pertencerão à terceira os que ainda se acham na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos. A ignorância, o desejo do mal e todas as paixões que lhes retardam o progresso, eis o que os caracteriza." Essas três ordens são subdivididas em classes. A terceira ordem, em que estão os Espíritos imperfeitos, caracterizados pela “predominância da matéria sobre o Espírito”, pela "propensão para o mal" e pela "ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes", subdivide-se em 5 classes: Espíritos impuros (10ª classe), Espíritos levianos (9ª classe), Espíritos pseudo sábios (8ª classe), Espíritos neutros (7ª classe), Espíritos batedores e perturbadores (6ªa classe). São todos Espíritos muito materializados e sujeitos necessariamente a encarnações e reencarnações em corpos carnais. A segunda ordem, a dos bons Espíritos, caracterizados pela "predominância do Espírito sobre a matéria" e pelo "desejo do bem", e cujas "qualidades e poderes para o bem estão em relação com o grau de adiantamento que hajam alcançado", tendo uns "a ciência, outros a sabedoria e a bondade", reunindo os mais adiantados o saber às qualidades morais, apresenta 4 classes: Espíritos benévolos (5ª classe), Espíritos sábios (4ª classe), Espíritos de sabedoria (3ª classe), Espíritos superiores (2ª classe). Em todos há predominância do Espírito sobre a matéria, mas, "não estando ainda completamente desmaterializados, conservam mais ou menos, conforme a categoria que ocupam, os traços da existência corporal, assim na forma da linguagem, como nos hábitos, entre os quais se descobrem mesmo algumas de suas manias. De outro modo seriam Espíritos perfeitos". Ainda tem, por isso, "que passar por provas, até que atinjam a perfeição". Entre todos destacam-se, porém, os da 2ª classe - os Espíritos Superiores -, que "em si reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade". "Da linguagem que empregam se exala sempre a benevolência; é uma linguagem invariavelmente digna, elevada, às vezes sublime. Sua superioridade os torna mais aptos do que os outros a nos darem noções exatas sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se complacentemente com os que procuram de boa fé a verdade e cuja alma já está bastante desprendida das ligações terrenas para compreende-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem só a curiosidade impele, ou que, por influência, fogem à prática do bem. Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e, então, nos oferecem o tipo de perfeição a que a Humanidade pode atingir neste mundo." ("O Livro dos Espíritos", 28ª ed. da FEB, págs. 83 a 91.)

            Vemos, assim, que os Espíritos de todas essas classes, desde os mais impuros, da terceira ordem, até os mais aperfeiçoados, da segunda, todos estão sujeitos à encarnação na Terra em corpos carnais, porque são mais ou menos materializados, inclusive os que, quase mas não totalmente desmaterializados - os Espíritos Superiores -, só encarnam na Terra em missões de progresso. Assim não sucede, porém, com os da primeira classe, classe única da primeira ordem - os Espíritos puros, cujos caracteres gerais incluem: "Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta com relação aos Espíritos das outras ordens." É o que claramente se pode inferir desses caracteres gerais e sobre-
tudo da descrição seguinte, com que o Codificador encerra o citado item 6 do capítulo I da Parte Segunda da obra fundamental do Espiritismo e para a qual chamamos vivamente a atenção. "Os Espíritos que a compõem percorreram todos os degraus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus." (O grifo é nosso.)

            "Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não é a de ociosidade monótona, a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para manutenção da harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes são inferiores, auxiliam-nos na obra de seu aperfeiçoamento e lhes designam as suas missões."

            Ora, não está aí, exatamente, a descrição da categoria espiritual de Jesus? A sua classe, a sua ordem, a sua hierarquia na escala espirita? Não é o Mestre um Messias Divino junto aos homens deste mundo, um Ministro de Deus, representante legítimo do Criador para gerir às coisas deste departamento do Universo e governar, instruindo-as e guiando-as, as criaturas que aqui trabalham e aqui fazem o seu estágio de aperfeiçoamento, preparando-se para galgar outros degraus da escala espirita e a dos mundos? Não é assim que, inteiramente de acordo com o ensino dos Espíritos, devemos entender a posição do Cristo de Deus em relação ao nosso mundo e à sua humanidade, como nosso Governador, nosso Mestre, nosso Pastor? Como, então, se ele é um Espírito absolutamente puro, sem mais afinidade alguma com a matéria, não mais sujeito, portanto, à encarnação num corpo perecível, como poderemos sequer pensar que ele tenha tido um corpo carnal como o nosso, cheio de necessidades materiais e exposto a todas as contingências da
materialidade?

            Sim, o Mestre teve certamente um corpo, mas de natureza perispiritual apenas, feito com os fluidos existentes na atmosfera do nosso mundo, que ele atraiu a si pela ação da sua potentíssima vontade, aglomerou-os e deu-lhes a forma que quis, tornando-o aparente, visível e tangível para os efeitos da sua missão entre os homens. E que há de impossível nisto para o Mestre, Espírito puro, Governador do nosso planeta, que "existia no princípio com Deus, tendo sido todas as coisas feitas por ele", quando qualquer Espírito possui um perispíríto que pode, à sua vontade, tornar visível e mesmo tangível? De fato, no item 4 do mesmo capítulo I da Parte Segunda de "O Livro dos Espíritos" lê-se o seguinte:

            93 - O Espírito propriamente dito, nenhuma cobertura tem ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?

            "Envolve-o uma substância vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira."

            94 - De onde tira o Espírito o seu invólucro semimaterial?

            "Do fluido universal de cada globo, razão por que não é idêntico em todos os mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório como mudais de roupa."

            a) - Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm ao nosso meio, tomam um perispírito mais grosseiro?

            É necessário que se revistam da vossa matéria, já o dissemos."

            95 - O Invólucro semimaterial do Espírito tem forma determinada e pode ser perceptível?

            "Tem a forma que o Espírito queira. É assim que este vos aparece algumas vezes, quer em sonho, quer no estado de vigília, e que pode tomar forma visível, mesmo palpável."


            Vê-se, pois, que há nos livros fundamentais da Codificação elementos mais que suficientes para tornar perfeitamente compreensível a ideia do corpo aparente de Jesus, que ele teve de tomar para exercer sua missão entre os homens, mas que formou pela ação de sua vontade sobre a substância fluídica do perispírito, que - esse sim -, obrigatoriamente, teve de tomar ao descer à Terra, em harmonia com a natureza própria deste mundo.

            Sobre a legitimidade da natureza fluídica do corpo de Jesus, porém, o que sobretudo deve valer é o que disse o próprio Mestre de si mesmo e que os Evangelistas registraram, seguramente sob influência mediúnica. No Evangelho de João, que a esse respeito é o que mais nos instrui, lê-se o seguinte (cap. X, vers. 17 e 18): "Por isso o Pai me ama, porque deixo a minha vida para a retomar. Ninguém ma tira; eu por mim mesmo a deixo; tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar. Este mandamento eu o recebi de meu Pai."

            São palavras do Mestre, muito descuradas, mas que encerram uma verdade profunda, embora velada, porque os homens de então não estavam capacitados para entende-la e, sobretudo, suportá-la; destinada, porém, a ser desvelada no futuro, quando o Espírito de Verdade, com o seu advento já tivesse trazido, à Humanidade, então mais amadurecida, todos os elementos necessários à sua perfeita compreensão. Reflitamos, pois, maduramente sobre elas e não nos será difícil perceber que contêm a afirmação integral da tese que nos ocupa. A que vida, de fato, poderia referir-se o Mestre naquela passagem evangélica? À vida eterna do Espírito, àquela que se manifesta por uma atividade inteligente e livre através do infinito do espaço e da eternidade do tempo? Não, certamente; mas sim à vida segundo o acanhado ponto de vista humano, aquela do homem carnal, essencialmente transitória, que ele perde morrendo e que se lhe pode tirar matando-o ou submetendo-o à execução da pena máxima. E o que representa a vida transitória deste mundo para o homem carnal? Não é o seu corpo? O corpo só por si não vive sem unir-se ao princípio vital, é certo; mas também o princípio vital sozinho não é a vida. É preciso a união dos dois para que a vida se manifeste. É o que os Espíritos nos ensinaram e a nossa razão aceita perfeitamente. Como quer que seja, assumir o Espírito a vida neste mundo é revestir-se de um corpo animado pelo princípio de vida; deixar a vida é despi-lo, é deixar esse corpo.
           
            Estabelecidas essas premissas, absolutamente verdadeiras, como compreender agora aquelas palavras de Jesus, tivesse ele tido uma vida humana exatamente como a nossa, um corpo carnal igual ao de todos os homens terrenos? Quem nesta humanidade imperfeita e impura deixa a vida e a retoma, "ressurrecto", com o mesmo corpo, e, ainda mais, fazendo uma e outra coisa por ato exclusivo da própria vontade? Ninguém; todos somos mortais para a vida deste mundo e temos nossa hora de deixar o corpo marcada pelo desígnio e a vontade divina, e o suicida, se pode matar o próprio corpo, não o poderá jamais retomar. O homem só poderá retomar a vida terrena reencarnado em outro corpo, e em nova existência, de expiação ou de provas ou, ainda, em missão. No entanto, Jesus afirmou: "Deixo a vida para a retomar; ninguém ma tira: eu por mim mesmo a deixo." Não significarão essas afirmativas do Mestre que ele apareceu neste mundo por ato exclusivo da sua vontade, submisso apenas à vontade de Deus, não sujeito à vontade dos homens, sem genealogia humana, portanto?

            Em suma, sem corpo carnal igual ao nosso, mas com um corpo de outra natureza, formado segundo outras leis que não as que regem o processo habitual da encarnação nos mundos materiais como a Terra? Essas outras leis existem: presidem ao aparecimento dos seres nos mundos superiores e fluídicos e podem ser adaptadas aos mundos inferiores e materiais, porque são leis universais que comandam os fluidos e fluidos existem em todo o Universo, em todos os mundos. Elas foram, pois, aplicadas por Jesus para atrair os fluidos existentes na atmosfera do nosso globo e com eles formar o seu corpo aparente, fluídico, incorruptível, não sujeito à morte, como os corpos de carne igual à nossa, mas que ele podia fazer e desfazer ao influxo da sua potentíssima vontade; corpo, portanto, formado por processo semelhante, embora não igual, porque lhes é ainda superior, aos que ocorrem mesmo neste mundo, excepcionalmente, com relação aos agêneres e aos seres formados por ectoplasmia nos fenômenos de materialização.

            Confrontemos aquelas palavras do Mestre com estas outras, dirigidas aos judeus, respondendo às suas indagações, na seguinte passagem, também do Evangelho de João, capo II, vers. 18 a 22, as quais seguem o relato da expulsão dos vendilhões do templo: "Interpelaram-no os judeus assim: Por que milagre nos mostrarás que tens o direito de fazer o que fazes? Respondeu-lhes Jesus: Destruí este templo e eu o restabelecerei em três dias.” - Retrucaram-lhe os judeus: Quarenta e seis anos foram gastos em edificar este templo e tu o restabelecerás em três dias?! - Ele, porém, falava do templo de seu corpo. - Quando, pois, ressuscitou dentre os mortos, seus discípulos se lembraram de que dissera isso e creram na Escritura e no que Jesus havia dito". (O grifo é nosso.)

            Aí, nessa passagem, nem velado está o pensamento do Mestre, mas inteiramente desvelado pelo próprio Evangelista, ao afirmar que Jesus não se referia ao templo de Jerusalém, mas ao seu corpo: "Ele, porém, falava do templo do seu corpo".

            São passagens dos Evangelhos, contendo as afirmativas do Mestre. Haverá ali inverdades substanciais? Fechemo-los, então, definitivamente, como imprestáveis para a Humanidade. Mas não; Jesus é a "luz que resplandece nas trevas" deste mundo e os seus Evangelhos encerram todas as verdades. Reflitamos, pois, maduramente, sobre suas passagens. Que corpo seria esse, capaz de ser restabelecido em três dias, como realmente o foi, no fato culminante da vida de Jesus - a sua ressurreição -, que firmou na consciência dos homens a verdade dos seus ensinos e a sua suprema autoridade como Senhor e Mestre da Humanidade? Um corpo de carne igual ao nosso? Capaz de ressurgir do sepulcro após sua morte? Mas não percebemos, então, que admitir tal coisa é coonestar a horrenda e repelente doutrina da ressurreição da carne, que o Espiritismo veio rechaçar com plena energia, afirmando ser a verdadeira ressurreição a do Espírito, que pode reencarnar em novo corpo, nunca, porém, ressurgir no mesmo de carne?

            Mas, prossigamos na análise dos Evangelhos e fixemo-nos agora sobre a instrutiva e comovente descrição da "Aparição de Jesus aos Apóstolos", segundo Lucas, cap. XXIV, vers. 36 a 49.

            "Quando ainda falavam desses fatos, Jesus se apresentou no meio deles e... lhes disse: A paz seja convosco: sou eu: não temais. - Eles, porém, espantados e perturbados, imaginaram estar vendo um Espírito. - Disse-lhes então Jesus: Por que vos turbais e se levantam tantas dúvidas em vossos corações? - Vede minhas mãos e meus pés e reconhecei que sou eu mesmo: apalpai-me e lembrai-vos de que um Espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que eu tenho. - E, dizendo isso, lhes mostrou as mãos e os pés.

            Como, todavia, ainda não acreditassem, tanto eram neles a alegria e o espanto, Jesus lhes perguntou: Tendes aqui alguma coisa que se possa comer? – Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado e um favo de mel. - Ele comeu diante de todos, e pegando do que sobrara lhes deu, dizendo: Lembrai-vos de que, quando ainda estava convosco, eu vos disse ser necessário se cumprisse tudo quanto de mim fora escrito na lei de Moisés, nas profecias e nos Salmos. No mesmo instante lhes abriu o espírito, a fim de que compreendessem as Escrituras. E lhes disse: Assim é que, estando isso escrito, importava que o Cristo sofresse e ressuscitasse dentre os mortos ao terceiro dia; e que em seu nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Ora, sois testemunhas destas coisas. Vou mandar-vos o dom de meu pai, que vos foi prometido: permanecei, entretanto, na cidade, até que sejais revestidos do poder do alto."

            Poderá haver descrição mais viva e perfeita do que de maravilhoso ocorreu, então, diante dos apóstolos, tomados a um tempo de espanto e alegria, duvidando do que viam, mas querendo que aquilo fosse mesmo verdade - o Mestre de novo entre eles, confirmando tudo, tudo o que lhes havia dito a respeito de si mesmo e de sua altíssima missão de Enviado do Senhor? Através dessa descrição, torna-se claro que Jesus ressurgiu com o mesmo corpo diante de seus apóstolos, pois que tinha as mesmas características do que ficara, no supremo instante, no topo do Calvário:

            - "Vede minhas mãos e meus pés e reconhecei que sou eu mesmo: apalpai-me e lembrai-vos de que um Espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que tenho."

            Mas, como teria Jesus podido aparecer com o mesmo corpo que vestira durante a sua romagem terrena, sendo esse corpo igual ao de todos os homens, da mesma carne e ossos de matéria compacta, em que a agregação material não pode ser obtida e desfeita pela simples ação da vontade e sim obedecendo rigorosamente às leis da Biologia e da Química, corpo que uma vez morto não poderá reviver e terá de submeter-se à corrupção, à desintegração, à decomposição? Isso, sim, se tivesse ocorrido, seria flagrante derrogação das leis.

            Sim, Jesus teve um corpo com todas as aparências da carne, mas não feito da mesma carne que a nossa. "Nem toda carne é a mesma carne" (Paulo,1ª Epístola aos Coríntios, XV, v. 39). Nós temos corpos terrestres, animais, formados segundo a lei biológica da reprodução no planeta que habitamos e à qual estamos jungidos pela materialidade; corruptíveis, sujeitos à morte fatal e definitiva, após o que são entregues à natureza que os decompõe irreparavelmente. Jesus teve um corpo celeste, fluídico, formado não pelo contato da matéria com a matéria, mas por simples atração fluídica, de natureza magnética, segundo leis vigentes em mundos elevados e apropriadas pelo Mestre aos nossos fluidos terrenos; incorruptível, não sujeito à morte e à decomposição, mas que ele podia formar e desfazer pela ação magnética da sua potentíssima vontade.

            Que há de espantoso ou de incrível nisso para os espíritas de hoje, após a extraordinária messe de conhecimentos que lhes foi outorgada? Pois não temos aí as materializações de Espíritos, tão eloquentes pela perfeita impressão de visibilidade e tangibilidade que dão, e de vida, a ponto de parecer estarmos ante seres humanos como nós, gerados como nós, e que, no entanto, não o foram, formando-se e desfazendo-se os seus corpos - que vivem, pulsam, respiram, andam, falam, ouvem e respondem, sorriem e choram em breves instantes?

            A isso Kardec não chegou a assistir; do contrário - espírito positivo, sensato e racional que era -, teria tomado na mais alta consideração tais fatos e, confrontando-os com as descrições evangélicas, teria certamente afirmado o que hoje todos podemos afirmar, sem pensar na hipótese de derrogação das leis universais, mas, ao invés, compreendendo a extensão e flexibilidade dessas mesmas leis.

            É que Kardec tinha a sua missão bem definida. Ele foi o marco estupendo de uma nova era para a Humanidade, que, enfim, teria de libertar-se das peias, a um tempo, do materialismo ateu e do dogmatismo religioso. Ele cumpriu a sua missão gloriosamente; sua glória é legítima e ninguém lhe poderá usurpá-la. Discípulo fiel do Mestre, soube desincumbir-se, com honra e exação perfeita, da tarefa que lhe coube.

            Mas, Kardec, em toda a sua pujança espiritual, não foi, nem poderia ser, o único obreiro da portentosa obra da Nova Revelação. Ele abriu corajosamente o caminho para que, preparados os homens com os novos conhecimentos e podendo, assim, entender em espírito e verdade os ensinos do Mestre, se capacitassem para receber novas revelações, que teriam de ser sucessivas e progressivas, e, enfim, a verdade integral sobre a natureza, hierarquia espiritual e missão de Jesus, levantando completamente o "véu da letra", despindo a "capa do mistério" e destruindo o "prestígio do milagre", que por tantos séculos tiveram de imperar no mundo, por causa do despreparo espiritual, intelectual e moral dos homens.

            Como se vê, obra de tal magnitude pedia obreiros que pudessem prosseguir no caminho aberto pelo Codificador. Um desses obreiros foi Roustaing. É preciso lê-lo, para verificar que a sua obra está toda alicerçada na obra básica da Codificação, e isso a tal ponto que certos trechos daquela reproduzem literalmente trechos desta, em todas as suas partes, desde os primeiros capítulos da Parte Primeira - Das causas primárias -, que tratam de Deus e dos elementos gerais do Universo, até a Parte Quarta - Das esperanças e consolações -, passando extensamente pela Parte Segunda - Do mundo espírita ou dos Espíritos - e, com especial relevo, pela Parte Terceira - Das leis morais -; o que revela conhecimento perfeito daquela obra básica e preocupação constante de nela fundamentar-se, com o maior apreço. Nada, absolutamente nada, nesse livro admirável discrepa da gigantesca e inabalável codificação de Kardec. Apenas avança um pouco mais e o faz para dar-nos a ideia exata da grandeza espiritual do nosso Mestre e Senhor, ao mesmo tempo que apagando definitivamente da mente humana a ideia de divindade que lhe foi erroneamente atribuída. Sabem todos os estudiosos espíritas que Jesus havia sido divinizado pelo Cristianismo em sua roupagem de religião organizada, sacerdotal, ritualística e dogmática; e o foi no dogma da Santíssima Trindade ou das Três Pessoas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo -, trindade concebida com base não sabemos em que princípios de razão ou de lógica, mas de nenhum modo preconizada pelo Mestre e Senhor da Humanidade. Foi um enxerto fincado no tronco puro do Cristianismo. E por quê? Porque os detentores da dominação religiosa não quiseram ou não puderam penetrar o mistério da concepção e do nascimento de Jesus, com a mediação de uma virgem e por obra do Espírito Santo, tal como os descrevem os evangelistas Mateus e Lucas, respectivamente, em "Anunciação" e "Nascimento de Jesus".

            Ora, esse mistério foi desvendado pelos próprios Evangelistas, por vontade do Mestre, no momento oportuno, e após o esclarecimento das consciências pela admirável codificação de Kardec. E o foi pela revelação comunicada a Jean-Baptiste Roustaing, através da mediunidade de Mme. Collignon e dada a público na obra "Os Quatro Evangelhos". Essa obra é complementar da Doutrina Espírita, como tantas outras que tem vindo e continuam a vir por outros médiuns, num trabalho de esclarecimento progressivo da Humanidade. Sim, a Codificação não fechou as portas do manancial eterno que jorra do Alto! Ao contrário, ela as abriu definitivamente, e de tal modo que não há mais como conter o fluxo que continuamente está descendo à Terra, para dessedentar os homens.

            E o que disseram os Evangelistas, nessa obra, sobre o misterioso fato da concepção de Maria, bem como do nascimento de Jesus? Que foram fatos ocorridos apenas em aparência, e que encobriram o grande e verdadeiro fato, impossível de ser, então, compreendido e sequer concebido - dado o atraso e imaturidade dos homens daquela época -, qual o do aparecimento do Cristo com um corpo aparente, isto é, semelhante aos corpos carnais, gerados com o concurso da carne, mas não igual a eles, no sentido de que formado sem genealogia carnal, apenas pelo arbítrio do Mestre, atraindo pela sua potentíssima vontade os fluidos necessários a esse objetivo; corpo que ele tomou desse modo e por análogo modo deixou, desfazendo a atração fluídica; bem como pelo mesmo modo o retomou, no ato da sua ressurreição; que ele podia, por sua vontade, tornar aparente ou inaparente, visível ou invisível, ao qual podia dar ou retirar a tangibilidade, quantas vezes quisesse; o que fez inúmeras vezes durante a sua pregação, para escapar das mãos dos judeus enfurecidos contra ele, notoriamente no cume da montanha de Nazaré, aonde o tinham levado preso "para o atirarem dali abaixo", e ainda dentro do templo de Jerusalém, na galeria de Salomão, onde Ihe cercaram "munidos de pedras para o lapidarem"; até o dia em que, submisso à Divina Vontade, voluntariamente entregou-se aos seus algozes para a consumação do sacrifício do Gólgota, em cumprimento das Escrituras.

            Ao escrever estas linhas, temos o nosso pensamento voltado para caríssimos confrades, irmãos nossos que ainda não aceitam as coisas como nessa obra estão tratadas, para dizer-lhes, com espírito fraterno, que não nos move um intento polêmico ou um vão capricho, nem desconsideração acintosa ao seu modo diverso de encarar essas mesmas coisas, mas um clamor da consciência que nos ordena apresentar lealmente, a irmãos que consideramos e cuja estima prezamos, o nosso sincero modo de ver conforme àquela obra, que reputamos, após extensivo e profundo estudo, renovado muitas vezes, como verdadeira obra complementar e necessária à Codificação de Kardec. Não é, pois, um desejo de polêmica que nos anima, mas um propósito de definição leal e de entendimento fraterno. Longe de nós as polêmicas que, nos nossos arraiais, são totalmente estéreis e - dir-se-ia mesmo - agem como o fermento dos fariseus, que acabam levedando toda a massa, isto é, estendendo os seus efeitos, tornados maléficos pelo acirramento dos ânimos,
inspirando réplicas e forjando grupos que se hostilizam. Nada disso é o nosso objetivo. O a que visamos, e assim também outros que antes de nós e com mais proficiência têm procurado versar o mesmo assunto, é chamar a atenção para uma obra de inestimável valor, oriunda de Espíritos Superiores que procuram levantar aos olhos dos homens, completamente, o véu que lhes encobriu, durante séculos, a verdadeira natureza e hierarquia espiritual do Mestre e Senhor da Humanidade.

            Examinem, pois, os que nos lerem, com isenção de ânimo, o que aqui dizemos e confrontem com o Evangelho de João, todo inteiro. Verão, então, que este é, dos Evangelhos, o mais completo e o mais profundo e que fornece valiosos elementos para o esclarecimento de muitas coisas relatadas nos chamados Evangelhos Sinóticos, que são os de Mateus, Marcos e Lucas. Embora ainda sob o véu da letra, mas já permitindo, ao pensador que busque sinceramente a verdade, encontrar o sentido encoberto das afirmações do Mestre acerca de si mesmo, da sua natureza, da sua hierarquia espiritual, da sua missão e posição em relação a Deus e aos homens, esse 4º Evangelho, do princípio ao fim, é uma afirmação constante da natureza altíssima de Jesus, da sua pureza absoluta, da sua nenhuma escravização à matéria, que, ao contrário, ele domina inteiramente, não sendo mais, portanto, passível de revestir um corpo carnal como, o nosso, tal qual Kardec revela, de acordo com o ensino dos Espíritos, estabelecendo a classe Única da 1ª ordem
da escala espírita - a dos Espíritos Puros.

            Todos os espíritas sabemos que, ao cumprir-se a promessa do advento do Espírito de Verdade, com a codificação do Espiritismo, atingiu a Humanidade a era do espírito - que vivifica, em oposição à da letra - que mata. Chegou, assim, a hora de despojar o Cristianismo das roupagens obscuras dos dogmas e malversações devidas à imaturidade dos homens e estabelecidas nos concílios dos padres, mais interessados na dominação sectária e no poder temporal do que na contemplação da verdade sem véus. É preciso, pois, que os espíritas não percamos de vista que o Espiritismo veio, quebrando ortodoxias e dogmatismos, abrir definitivamente ao espírito humano as sendas da livre investigação da verdade; com fundamento, é claro, nas revelações dessa mesma verdade, constantes nas Sagradas Escrituras, no Velho e no Novo Testamento, para cuja judiciosa interpretação e compreensão trouxe a Terceira Revelação todos os elementos necessários.

            Luz radiosa clareou os horizontes do conhecimento humano com a codificação de Kardec. Continuemos, pois, com Kardec, lendo Kardec, estudando Kardec, difundindo Kardec, mas não pretendamos ser mais kardequistas que o próprio Kardec, porque correríamos o risco de recaír nas ortodoxias e dogmatismos, repetindo as seitas cristãs do passado, que o Espiritismo veio corrigir. Lembremo-nos, ao revés, de que foi o próprio Kardec quem lançou aos quatro ventos o conceito de que o Espiritismo é doutrina essencialmente progressista, inalterável nos seus fundamentos, mas destinada a ampliar-se cada vez mais no transcurso dos tempos, trazendo sucessivamente à Humanidade mais luzes e mais consolações e esperanças.

            Estudemos, pois, também a obra de Roustaing, que só nos fala do Mestre e Senhor, procurando trazer-nos elementos para a melhor compreensão da sua natureza superior e da grandeza e excelsitude da sua altíssima missão entre os homens.


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