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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

4. 'Guia Prático do Espírita'


4
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 O QUE DEVE SER O ESPÍRITA
ENTRE SEUS IRMÃOS E NOS CENTROS ESPÍRITAS



            Todo espírita deve fazer uso de toda a humildade possível entre seus irmãos, porque a humildade é sempre um exemplo constante de boas formas e nunca compromete nem é causa de distúrbios e discussões; essa humildade, porém, nunca deve ser fingida, mas leal e disposta a todo serviço, contanto que este seja justo e possa redundar em bem de algum dos nossos irmãos. O espírita deve sempre considerar-se inferior a seus irmãos e disposto a ser o servo de todos, porque já sabe que o primeiro deve ser o servo de todos, e por mais que faça e tenha feito, nunca poderá pagar o que deve Àquele que é o autor de tudo; e, por mais que saiba, nunca alcançará a infalibilidade; assim, pois, sempre poderá enganar-se; debaixo deste ponto de vista não fará, pois, nunca, nem alarde de saber nem de possuir faculdades, e menos deverá considerá-las extraordinárias; deverá, antes, expor suas opiniões de maneira prudente e sensata e com oportunidade. Se alguma vez se vir importunado por algum de seus irmãos, procurará proceder com bons modos, e se não for possível que, de momento, seu irmão chegue à razão, calar-se-á, esperando uma boa ocasião para que possa, com a humildade que o deve caracterizar, convencê-lo e levá-lo à razão, se tanto for possível; assim, fará uso da caridade, porque todo espirita deve ser caritativo com seu irmão.

            Assim como para realizar uma empresa, para levar a cabo um negocio, para adquirir algum objeto que nos agrada muito, fazemos às vezes sacrifícios e realizamos empresas de alguma importância, não deve esquecer o espírita que não há empresa maior nem trabalho mais nobre que o de atrair para si o amor leal e sincero de seus irmãos; nada há na Terra de tanto proveito como ser homem de paz, de amor e de concórdia; esse procedimento será uma garantia para a paz e progresso de seus irmãos; se anda errado, não deve nenhum espírita cair-lhe em cima, mas recordar que todos podemos adoecer do corpo e da alma, e, se não é possível atraí-lo por meio da caridade, deve todo o espírita atraí-lo por meio da indulgência. Há um grande meio para atrair os homens: é buscar neles se há alguma coisa que, sem faltar à justiça, seja muito da sua predileção. Quando em um dos nossos irmãos se notar algum mau costume ou modo, tanto no falar como no obrar, não se deve nunca lançar sobre ele a murmuração (lastimar-se, queixar-se em voz baixa, falar mal, apontar faltas), nem julgá-la ligeiramente, nem abandoná-la, nem deixá-lo, antes de haver experimentado os meios possíveis de atraí-lo. Se se notar nele, porém, alguma inclinação ou costume que não falte à justiça, às vezes nós o podemos atrair, procurando aparentar que aqueles costumes e inclinações são do nosso agrado; buscando contrair uma amizade íntima por aquele lado, para ver se aquele nosso irmão, tendo depois mais confiança em nós, podemos chegar a ter influência moral para levá-lo ao bom caminho. Isto é licito e de alta prática moral, sempre que se não possa afastar do mau caminho o espírita que tal faz. Para mais clareza: devemos estudar as qualidades boas que há em nós, para ver se com a soma destas reparamos alguns defeitos. Quando a favor de um irmão fizemos todo o possível e ele se não deixou convencer, é necessário, então, sem ruído e sem choque de espécie alguma, afastarmo-nos ou afastá-lo, procurando não nos contaminar, e que ninguém se contamine com ele, mas isso depois de haver esgotado tudo o que aconselham a humildade, o amor, a indulgência e a caridade.

            Já disse que todo o espírita deve ser caritativo com seu irmão, e isso o demonstra ele, porque, se somos obrigados, segundo a lei divina, a praticar a caridade em tudo, muito mais devemos praticá-la entre os que debaixo do ponto de vista espiritual devem formar uma só família.

            O espírita não deve, portanto, abandonar seu irmão, nem na crise, nem na enfermidade, nem na miséria; muito pelo contrário, deve ser para ele um pai ou uma mãe; consolá-lo nas suas aflições, assisti-lo nas suas enfermidades, ajudá-lo nas suas necessidades, protegê-lo na sua velhice, dar-lhe a mão na sua juventude; numa palavra, deve ser todo espírita para seu irmão a verdadeira providência terrena, sustentando-o até onde possa em todos os transes da vida planetária. Assim como na parte moral devemos ser caritativos, indulgentes e humildes com os nossos irmãos, não o devemos ser menos na parte material. Devemos manter entre nós a verdadeira fraternidade, porque o amor dispensa muitas coisas e se chegarmos a nos amar muito não há duvida que suportaremos nossos defeitos com paciência.

            Eis a maneira de dar bom exemplo à humanidade, que tão cheia de males e egoísmos está: eis a maneira de tornar mais leve a cruz que por lei temos de carregar neste mundo, porque o amor é uma seiva divina; é o bem; é a paz. Eis a maneira de atrair os olhares da humanidade e de demonstrar-lhe que a palavra irmãos não é pura fórmula, mas a expressão do amor que nós sentimos. Eis a maneira de constituir uma família que nos pouparia muitas amarguras, que hoje nos alanceiam, e nos daria muitos dias de paz e de alegria, e reinaria em torno de nós tanta cordialidade e tanto amor que nelas se regenerariam os nossos espíritos. Não quero dizer com isso que entre nós não haja paz; haveria, porém, muito mais; não direi que não haja amor e proteção; esta seria, porém, mais decidida e outros horizontes se abririam em nossas reuniões, em nossos centros, em nossas sessões. Há amor e proteção mútua entre nós; esta, porém, deve ser mais decidida; há amor entre nós: pode e deve, porém, este ser mais entusiasta; há caridade; mas esta deve ser mais ampla e extensiva. Se na Terra não é possível, fora da família, achar moradas de paz, deve sê-lo entre nós; por isso devemo-nos tratar com indulgencia, com amor e com caridade.

            Só assim cumpriremos aquilo que nos propusemos ao vir à Terra, porque não somos espíritas porque o somos, mas porque viemos já preparados e não há dúvida que desde o mundo espiritual tornamos o compromisso de fazer muito e bem, e só a perturbação pode fazer- nos esquecer tão bons propósitos: é necessário, pois, fazer grandes esforços para que a proteção espiritual possa despertar propósitos esquecidos.

            Nem sempre o amor em gérmen, a caridade e a humildade dominam nos centros e reuniões espiritas. Causa lástima ver, como eu tenho visto, algumas vezes, lutas nos centros para chegar-se a ser dos primeiros; causa lástima ver, às vezes, lutas, discussões, desavenças, sobre se será este ou aquele o que deve exercer o cargo de presidente. Isto se tem dado algumas vezes, mostrando até onde se chega quando se perde o bom senso espirita. Isto chega a suceder, quando em um centro se perde o verdadeiro amor ao Pai e a gratidão ao Senhor e Mestre.

            Os que mais influem em um centro espírita são os que mais devem estar alerta e são os que mais devem guardar as regras prescritas nos artigos anteriores, porque são os encarregados de vigiar e conduzir os que têm menos alcance e menos compreensão. Se a todos os espíritas incumbe serem práticos na caridade e na adoração ao Pai, em espírito e verdade; na admiração da sua grande obra, da sua grande providência e do seu grande amor; na adoração e estima do Sublime Mártir, Senhor dos senhores; no conhecimento e execução da sua lei; no exercício da humildade, da indulgência, da temperança e do amor do próximo, quanto mais incumbe aos que, por alguns ou vários conceitos, chegam a ter influência e a dirigir alguns de seus irmãos! A missão destes é sumamente delicada; porque, segundo a sua maneira de agir, podem levar alguns ou muitos ao bom caminho ou os podem fazer encalhar nos perigos da vida. Os que pela sua inteligência compreendem mais e se convertem em guias de seus irmãos, não se pertencem a si mesmos, são exemplo de seus irmãos e não podem fazer bancarrota à verdade; devendo ser fieis à lei divina, são forçados a procurar sempre viver alerta para interpretar mal a lei; devem ser modelos em tudo, nunca se deixando dominar pelo amor próprio, que é sempre mau conselheiro, e que todo o espírita deve repelir, principalmente o que veio com inteligência superior à generalidade. Os que se elevam pela sua compreensão acima da maioria poderão auferir grande bem da sua missão e elevar-Se à grande altura espiritual, se empregarem sua existência no bem de seus irmãos, sendo modelos das virtudes e práticas recomendadas; podem, porém, contrair grande responsabilidade, se a inteligência e superioridade que tem sobre seus irmãos for empregada em satisfazer tendências ou opiniões pessoais, ou se, procedendo com pouco cuidado, pouco fruto souberem tirar das suas faculdades.

            Eu, apesar de ser pessoa insignificante, tremo só ao pensar que poderia cometer alguma falta, que, por desídia minha, ou por amor próprio ou por falta de amor ao Pai, de gratidão ao Senhor ou de indulgencia, amor ou caridade, poderia ser causa de que algum dos meus irmãos se desviasse. Não podemos ser infalíveis, mas quando nalguma coisa não tenhamos sido corretos na prática da lei divina, se essa incorreção só a nós prejudica, devemos corrigi-la; mas se transcende e pode prejudicar aos nossos irmãos na prática do Espiritismo, devemos ser prontos em dar todas as satisfações, acudindo a todas as virtudes que o caso requeira, até deixar apagados os vestígios da incorreção cometida.

            Sucede, às vezes, que são duas as pessoas que exercem influencia decidida entre os irmãos de um mesmo centro; cada uma delas deve sempre procurar que não se formem partidos, mas que se mantenham constantemente na maior unidade possível; e, se a influência de cada qual não bastar para conservá-los unidos no amor e na unidade de vistas sob os intuitos que devem reinar sempre nos centros espíritas, os que tal influência exercem devem colocar-se entre os últimos, e, calando-se, só falar para lhes aconselhar o que o Senhor manda na sua lei. Há pouco tempo vieram alguns espiritas à minha presença para diminuírem suas divergências, a fim de que eu desse razão a quem a tivesse, segundo a minha opinião. Para que não me dissessem que eu não tinha escutado as suas razões, atendi-os. A ofensa consistia em algumas palavras desrespeitosas que dirigiram uns aos outros; ao perguntarem o meu parecer, a minha resposta foi a seguinte: os que haveis pronunciado palavras pouco caritativas sobre vossos irmãos, pensastes, antes de pronunciá-las, no dever que tem todo o espírita de praticar a lei de caridade, amor, indulgência e fraternidade a que vos obriga o Espiritismo? E os que haveis recebido a ofensa, antes de vos dardes como ressentidos, recordastes-vos do Senhor e Mestre que se deixou beijar pelo apóstolo traidor e não respondeu nem uma palavra aos insultos, aos golpes, às feridas que lhe abriam os seus verdugos e martirizadores, e, pelo contrário, lhes perdoou e pediu perdão para eles? 

            Como era natural, não me puderam dar resposta categórica. Então lhes disse: ide, pois; aprendei o que o Espiritismo vos ensina e inteirai-vos bem do que manda o Senhor no seu Evangelho e do que Ele fez; e quando estiverdes bem inteirados e vós mesmos o praticardes, dir-me-eis quem de vós tem razão e quem a não tem.          

            Julgo, pois, que não é fácil haver dissensões, onde reinem o amor, a caridade e a humildade, porque cada um considerará que é o servo dos outros e terá sumo gosto em o ser, porque saberá que assim cumpre a lei e que assim progride e que por este caminho chegará á sua felicidade; ao passo que, seguindo caminho contrário, lavra a sua sentença de ruína, que mais tarde ou mais cedo terá que suportar. Entendo também que se podem apresentar assumptos difíceis de se resolver; neste caso os mais prudentes calam-se e suplicam a Deus e esperam que o tempo e os acontecimentos venham dar remédio aos males, e só se recorre a uma solução extrema, quando nem a caridade, nem a indulgência, nem o amor, nem a humildade podem remediar esses males; a resolução, porém, deve executar-se com a prudência e boas maneiras que aconselha a moral mais acrisolada, evitando murmurações e, sobretudo, fatos que podem exceder a órbita dos espíritas, porque, senão, incorre-se em grave falta, visto como se originam escândalos e publicidades que nos podem trazer grande dano, porquanto darão lugar a considerar-se os espiritas como se considera os outros homens que não professam nenhuma doutrina moral.

            Em resumo, entendemos que, nos centros espíritas, deve haver quem dirija e ensine; mas essas individualidades não se criam por votações nem à vontade dos irmãos; já vêm nomeadas do alto; nesse particular, pois, o principal cuidado deve consistir em conhecer os que são aptos para fazer um trabalho especial, e logo que se chegar a conhecê-los, em procurar que eles ocupem o lugar para que vieram entre nós, e enquanto não houver motivo em contrário, devem eles permanecer no seu posto; porque, de outro modo, corre-se o risco de perder a verdadeira lógica espirita e cair-se-á em graves erros.

            Não nos cansaremos de repetir: nos centros onde reine o amor e a adoração ao Pai em espírito e em verdade, a admiração, respeito e amor ao Senhor, a indulgência, a caridade e a humildade não faltarão, assim como a paz e harmonia entre os irmãos; sua vida deslizará mais tranquila e seus membros sentirão gozo na alma, porque muitas vezes receberão a influência de bons espíritos, e, assim, farão grande progresso ,e acharão no mundo espiritual recompensa maior do que se pode calcular.




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