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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Um "Diabo" versado em latim, na Borda da Mata


Um "Diabo" versado em latim, 

na Borda da Mata

Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Junho 1953

             De quando em quando, o "Diabo" (com "D" maiúsculo) resolve despreocupar-se de seus múltiplos quefazeres e subir à Terra para distrair-se um pouco. É o que está acontecendo na cidade mineira de Borda da Mata, segundo interessante reportagem de Margarida bar, na revista “O Cruzeiro”, desta capital, em sua edição de 9 de Maio, sob o título “O Capeta apareceu no sul de Minas...” Naturalmente, o “capeta” está necessitando de “matéria prima” para as caldeiras de Pero Botelho, prejudicado, sem dúvida, pelas restrições de Cexim... E o “Diabo” está fazendo o diabo na Borda da Mata. Pedimos vênia a “O Cruzeiro” para transcrever alguns trechos da deliciosa reportagem, ilustrada com fotografias expressivas dos protagonistas do acontecimento, inclusive do valoroso sacerdote que, em vez de negar o fato, pelo contrário o confirma, com a seguinte frase: "Embuste não houve, afirmo". Começa a repórter: “A crer na voz do povo, o Diabo subiu das profundezas do inferno para, na Terra, habitar a casa-de-fazenda que fica no cimo da mais alta montanha de Borda da Mata, município do Sul de Minas. Isso dizem os 4.000 habitantes da cidade, os 15.000 do município e, por cidades mineiras e paulistas, milhares de outras pessoas repetem, aumentando, no pavor do sobrenatural, o propagado eco das serras.”

            Esclarece a reportagem que o “Diabo” costuma ser pontual. Convenhamos que isto já é uma virtude. Mas, prossigamos: “Depois que o Vigário Cooperador de Borda da Mata, Padre José Oriolo, falou do púlpito da velha igreja, dizendo que o Demônio tinha aparecido na casa da montanha, e depois que se soube ter Frei Belchior, da Ordem dos Capuchinhos, de Ouro Fino, adoecido em virtude da forte impressão que tivera do contato com o diabo, durante o exorcismo, não foi mais possível controlar o povo da região.” Após algumas considerações, a repórter elucida: "Conosco ficou Padre Oriolo, Vigário Cooperador, a quem coube, e mais ao Sacristão Manoel Cardoso. na noite de quinta para sexta, 11 de Abril, acompanhar o Padre Capuchinho de Ouro Fino, Frei Belchior, à casa mal-assombrada. Nessa noite, o Padre Capuchinho, com ordem expressa do Bispo de Pouso Alegre, praticara a cerimônia do exorcismo. Eis o que disse o Vigário da Borda da Mata:

             - Diante dos rumores de barulho e vozes sobrenaturais, fomos à casa além da Ponte da Pedra. É natural, o Padre precisa ver. Mas nada lhe posso adiantar porque foi Frei Belchior quem interrogou a voz. A minha parte se resumiu em rondar ao derredor da morada com o sacristão, de lanterna em punho, varejando inclusive o porão, em vigilância contra algum embuste. Embuste não houve, assevero-lhe."

             Louvável, portanto, a sinceridade do sacerdote: “não houve embuste”. Adiante, na reportagem, lê-se: “em outra noite, ao invés de um, apareceram dois espíritos”. A casa mal-assombrada é a residência de “Alberto Simões de Carvalho, mais conhecido por Alberto Proença (ou o “Português”), com a família, a mulher, Durvalina e seis filhos”. Suspeitavam eles da menina Valdalina, que foi vigiada e chegaram à conclusão de que não era ela que fazia “aquilo”. E nós atribuímos que ela seja médium, simplesmente, e, por força da sua capacidade mediúnica, encontre o espírito, que tanto barulho está fazendo na Borda da Mata, condições para se manifestar.

             Entretanto, não desejamos fazer muitos comentários, mas cingirmo-nos apenas ao que se encontra publicado na revista acima referida. Assim, transcrevemos a palavra de Frei Belchior ali estampada:

             “Sem rodeios, assim se manifestou o irmão religioso da Ordem dos Capuchinhos:

            - Que as coisas que se passam na casa da montanha não são brincadeira, não são. São coisas muito sérias. Mas provas positivas de que são coisas demoníacas, ainda, não tenho. Posso afirmar-lhe, porém, que não se trata nem de visão nem de assombração. Será obsessão ou possessão do demônio. A voz que eu ouvi não é a da menina Valdalina, de jeito nenhum. Agora, se ela está envolvida no caso, é um assunto a estudar.”

             - Donde vinha a voz que o senhor ouviu, Frei Belchior?

             - A voz vinha do teto, e a casa não tem forro. Eu a interroguei fazendo uso do latim e de uma mistura de dialetos italianos, E a voz respondia por vários modos, mas sempre afirmando: “Eu sou o Capeta, o Demônio, o Diabo”. E sempre em voz cavernosa.”

             E deste modo termina a curiosa reportagem: “O povo diz que Frei Belchior, aliás com reputação de sábio e santo, está fazendo penitência para novamente defrontar o fantasma.”

 *

             Aí está, como a ocorrência de um simples fenômeno espírita põe alguns milhares de pessoas, sem esclarecimento da Verdade, em polvorosa... Não se trata de “capeta”, “diabo” ou “demônio” pois que tudo isto é imaginário. Trata-se, evidentemente, de Espirito perturbado que, encontrando ambiente propício à sua manifestação, o faz, valendo-se de algum inconsciente médium de efeitos físicos. Já o fato de sacerdotes católicas confirmarem a realidade dos fenômenos, já vale alguma coisa. Vê-se que o “Diabo” é versado em latim, dialetos italianos, etc. Não é para se desprezar, portanto, essa prova salutar de cultura linguística...

            E é para se admirar que, numa época tão conturbada, em que o inferno deve estar superlotado, tenha o “capeta” tempo disponível para vir brincar na Borda da Mata...


terça-feira, 4 de agosto de 2020

'Ecos e Fatos'


Ecos e Fatos
A Redação

Reformador (FEB) 1º Julho 1917

           Nosso distinto confrade M. Quintão, em meditado e conceituoso artigo inserto na edição anterior desta revista, observa que não há divergência entre as revelações obtidas por ALLAN KARDEC e as que foram obtidas por ROUSTAING, cumprindo ambos a sua tarefa.

            Aproveitando o ensejo, julgamos conveniente reproduzir as palavras de ALLAN KARDEC, na Revue Spirite de 1866 (junho) quando noticiou a publicação dos Quatro Evangelhos, de ROUSTAING:

            Esta obra compreende a explicação, artigo por artigo, mediante comunicações ditadas pelos espíritos. É um trabalho considerável e que, para os espíritos, tem o mérito de em nenhum ponto estar em contradição com a doutrina ensinada n’O Livro dos Espíritos e n’O Livro dos Médiuns, são em sentido análogo as partes correspondentes àquelas de que nos ocupamos no Evangelho segundo o Espiritismo.
            Como nos tenhamos limitado às máximas morais que, com raras exceções, são claras, não poderiam ser elas interpretadas de modos diversos, como também nunca serviriam de objeto para controvérsias religiosas.
            É por esse motivo que por aí começamos discorrendo sobre assuntos que não seriam contestados, esperando que a opinião geral estivesse mais familiarizada com a ideia espírita.
            O autor desta nova obra entendeu seguir outro caminho.
            Em lugar de seguir gradativamente, quis chegar de um golpe ao fim.
            Tratou de certas questões, que não tínhamos julgado ainda oportuno abordar. Por conseguinte, cabe-lhe a responsabilidade e aos espíritos que fizeram os comentários... “

            Nenhuma revelação contraria a esses comentários publicou ALLAN KARDEC.  

            Se manifestou opinião pessoal divergente sobre o corpo de Jesus, declarou n' A Gênese “nada prejulgar sobre a natureza do Cristo, que não entrava no plano da obra. O seu estudo contra o dogma da divindade de Jesus foi publicado nas Obras Póstumas.

            Cumpre assinalar que ROUSTAING tinha no mais elevado conceito ALLAN KARDEC, a quem considerava como fundador do Espiritismo.

            Em exemplares da edição francesa dos Quatro Evangelhos figuram extratos da da resposta a seus críticos e adversários, publicada pelos discípulos de ROUSTAING, contendo notícias sobre fenômenos de materialização de espíritos, modernamente observados. Conviria aos confrades examinar essa documentação.

            Vamos encerrar este pequeno artigo com a palavras de ALLAN KARDEC, na conclusão d'O Livro dos Espíritos:

            “Os espíritos sempre nos disseram que não nos inquietássemos com as divergências, que a unidade se havia de estabelecer: ora, a unidade já se fez sobre a maioria dos pontos e as divergências tendem, diariamente, a desaparecer...”

            Que importam algumas dissidências que, realmente, estão mais na forma que no fundo?! Notai que os princípios fundamentais são por toda a parte os mesmos e vos devem unir em um pensamento comum: o amor de Deus e a prática do bem... Se, entre os adeptos do Espiritismo, há alguns que divergem de opinião sobre alguns pontos de teoria, todos estão concordes sobre os pontos fundamentais: há, pois, unidades...Podem haver escolas, que procurem esclarecer-se sobre as partes ainda controversas da ciência; não devem haver seitas rivais umas das outras. O antagonismo só pode existir entre aqueles que querem o bem e aqueles que fazem ou querem o mal. Ora, não há em só espírita sincero e compenetrado das grandes máximas morais ensinadas pelos espíritos que possa querer o mal ao seu próximo, sem distinção de opiniões, Se uma delas está em erro, tarde ou cedo a luz se fará para ela, se a procurar de boa fé, sem prevenção. No entretanto todos tem um laço comum que os deve unir em um mesmo pensamento; todos tem um mesmo fim. Pouco importa, pois, o caminho, entretanto que ele aí o conduza. Ninguém deve procurar impor-se pelo constrangimento material ou moral, e só estaria no falso aquele que lançasse o anátema ao outro...”

Tramas e insídias da treva





Tramas e insídias da treva
da Redação
Reformador (FEB) 16 de Novembro de 1925

            Para dominar os homens a treva desperta neles a latência das más paixões. Aqui insinua a maledicência, ali a cizânia e mais além a discórdia. É o reinado da confusão, o caos das forças maléficas, capazes de transformar os homens negligentes em monstruosas potências de destruição.

            Esse estado por excelência propício ao governo dos Espíritos que se rebelaram contra a luz e a quem apraz ver a humanidade afundar-se no mar das misérias morais.

            Surgem então a desconfiança e a dúvida entre os, a insubmissão e o despeito dos filhos contra os pais, o rancor e as rixas entre irmãos, a deslealdade e a perfídia do amigo. O mal não se circunscreve, porém, aí, invade o seio das famílias, outrora unidas, e o despeito, a malquerença, a inveja e o ciúme as separam por muralhas espessas. Estende o polvo mais além os seus tentáculos e vamos escutar a desdenhosa palavra - racca - entre os companheiros que, no próprio santuário da fé, não se estimam e se apartam do convívio salutar da comunidade, levando n'alma a cisão, a inimizade e a prevenção.

            Onde existia a união, o amor fraterno, a dedicação, o carinho e a caridade, vê-se desunião, a malevolência, a indiferença, a rispidez e a intriga. Onde se fruía a paz, sofre-se a guerra; aí não mais os corações se alentam no ambiente das afeições nobres e delicadas, mas se embebedem de fundas agonias.  

            Tudo isso porque o homem trancou as portas da razão, da cordura, dos sentimentos cristãos e abriu os alçapões das negras paixões. Tudo porque não soube ser sóbrio, discreto e justo no pensar, no sentir, no obrar. Veio-lhe o sono da negligência e, em seguida os pesadelos sombrios o agitam no seu leito de pecado. No auge do delírio, suas palavras imprudentes, frívolas e venenosas que mudam em farpas que ferem; os pensamentos se casam com a onda das emoções e em torno desse nectário as mortais vespas voam em bando ávidos. E o coração do homem se transforma em colmeal da iniquidade!

            A medida que esses males crescem, os aborrecidos da luz encontram campo mais largo e aberto para combater a obra de Jesus Cristo, que é a salvação do espírito humano. E, porque a humanidade é constituída de Espíritos atrasados e impuros, levianos e indiferentes, maus e bons, onde o joio nasce ao lado do trigo, não é de se admirar que a treva nela estabeleça morada e aí tenha aliados, instrumentos seus de perturbação e desordem.

            Assim sendo, não é de causar espanto o rendilhado das injustiças que o homem urde nos teares da cegueira moral. Contudo, não lhes atiremos pedras, porque não sabemos até quando permaneceremos no bom caminho. Se alguma coisa podemos fazer em seu proveito, sejam as obras da piedade, da paciência, da humildade e da perseverança nos bons propósitos, porque poderoso é Deus para converter as pedras em filhos de Abrahão.

            Como fazer, porém, calar a celeuma dos ódios e apagar os rastilhos da discórdia? Como impedir a carreira veloz dos que aborrecem a paz e estraçalham o manto da fraternidade? Como vencer o tresloucado que se arroja de encontro ao Bem, que é a obra de Deus?

            Escutemos o Divino Mestre:

            “É impossível, diz Ele, que não venham escândalos, mas ai daquele por quem vem os escândalos. A esse melhor fora lhe atassem uma mó de moinho no pescoço e o lançassem no mar, do que escandalizar a um desses pequeninos.
            “Se a vossa mão ou o vosso pé vos for motivo de escândalo, cortai-os e lançai-os longe de vós. Mais vale entreis na vida coxo ou estropiado do que com duas mãos e dois pés e ser lançado no fogo eterno. Se vosso olho for motivo de escândalo, arrancai-o e atirai-o longe de vós: mais vale entreis na vida com um só olho do que com dois e ser lançado na geena do fogo. (1)

                (1)  Lucas e Mateus – Cap. XVII e XVIII, v. 1 a 2 e 6 a 9.  

            Aquele que escandaliza a uma criança, dizem os Espíritos reveladores, aquele que, pelas palavras e exemplos, arrasta um de seus irmãos, por mais íntimo que o julgue, a praticar o mal, seja por atos, seja por pensamentos, se torna culpado perante Deus, não só da falta em que, assim procedendo, incorreu, mas também das em que tenha feito incorrer os outros e as expiará.  

            “Destruí em vós todas as raízes do pecado, isto é, tudo o que vos leve a infringir a lei divina; arrancar de vossos seres tudo o que vos possa, de qualquer maneira, induzir ao mal.
           
            Tratai de compreender bem o sentido figurado das palavras de Jesus: - destruí nas vossas almas todas as causas do mal, qualquer que seja o sofrimento humano que vos possa isso causar. Mais vale que sofrais durante algum dia da vossa miserável existência, rompendo com os vícios, do que vos arriscardes a sofrer, por séculos, na vida errante do Espírito culpado. Considere que o fogo, que devora, não se extingue e que o verme, que rói, não morre.

            “Imagens são estas de uma dor ardente, incessante, que consome o Espírito, sem jamais o reduzir a cinzas; de uma tortura de todos os instantes da sua vida na erraticidade, sem que lhe sorria a esperança de ver-lhe o fim. A esperança é gota d’água que cai nas terras áridas, é o maná que o faminto apanha no chão, é o bálsamo que se deita na chaga sangrenta. O culpado não a pode sentir até que o arrependimento lhe aja aberto o coração para animá-la.”

            Falemos nesta linguagem viva aos que ainda se comprazem no fomento dos escândalos e se aliaram aos Espíritos infelizes. Ela de certo os esclarecerá. Mostremos em todas as suas cores reais, o que aguarda os escravos das más paixões na vida de além túmulo, onde só o remorso os perseguirá para qualquer parte que se voltem. Clamemos sem cessar para que o homem destrua “as raízes do mal” que no seu coração se embebem, e que servem de nutrição copiosa aos Espíritos que se acotovelam na humanidade, sempre prontos a propagarem o vírus das misérias morais e a firmarem aí seu império.

            Que os corações sejam os lugares estéreis por onde vagueiam os infelizes do espaço, à procura de pousada, sem poderem penetrar neles por encontra-los limpos de pecado e ornados de virtudes.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Allan Kardec - Biografia



Allan Kardec - Biografia    

                   Apresentamos, a seguir, extratos da biografia de Allan Kardec, como apresentada na introdução do livro “O Principiante Espírita,” do mesmo autor.  A biografia foi terminada em São Paulo, em dezembro de 1955 e escrita  por  Júlio Abreu Filho.

            “À  3 de Outubro de 1804, às 19 horas, a casa do magistrado Jean-Baptiste-Antoine Rivail, na cidade de Lyon, rue Sala 76, ouvia os primeiros vagidos de uma criança destinada a influir poderosamente nos destinos da humanidade...

            O registro civil, feito no dia seguinte, indicava o nascimento supra de Denizard-Hippolyte-Léon Rivail, sendo seus pais o magistrado acima mencionado e sua esposa  Jeanne Duhamel...

            Até hoje são escassos os dados biográficos daquele que mais conhecido se tornou sob o pseudônimo de Allan Kardec...

            Antes, porém, de entrar no estudo do seu ambiente, vejamos a razão de ser do pseudônimo Allan Kardec, que vira apagar o nome de Hippolyte-Léon-Denizard Rivail.

            Um dos princípios fundamentais do Espiritismo, na Codificação Kardeciana, é a reencarnação, isto é, o das vidas sucessivas e interdependentes. No início de seu trabalho filosófico, um Espírito revelou ao Codificador que o conhecia de remotas existências, uma das quais passada no mesmo solo da França, onde a sua individualidade tinha revestido a personalidade de um druida, chamado Allan Kardec. Sabe-se a posição social desses sacerdotes, sorteados entre a juventude da nobreza; mas, também, é sabido que os druidas proibiam a construção de templos e a representação figurada dos Deuses ou Espíritos...

            ...é de notar-se a coincidência entre certos princípios do Druidismo e a obstinação de Allan Kardec em subtrair o Espiritismo à tendência das massas menos cultas em transformá-lo numa religião...

            Kardec era um altruísta na mais alta acepção do vocábulo, porque não esperava adquirir muito para dar as sobras: tinha um sentido prático da solidariedade humana - dessa solidariedade feita de companheirismo, de camaradagem fraterna, de simpatia pelo alheio esforço, de boa disposição para ajudar os outros com a própria experiência, de bom ânimo para ensinar - principalmente de graça ...

            Por outras palavras: foi um espírito altamente cônscio de sua função social. E a realizou magnificamente, sem estardalhaço, sereno e compenetrado...

            Entre os anos de 1824 e 1849 publicou o Sr. Rivail, entre outras, as seguintes obras:

            -Curso Prático e Teórico de Aritmética;-Gramática Clássica da Língua Francesa; -Catecismo Gramatical da Língua Francesa; -Programa dos Cursos Ordinários de Química. Física, Astronomia e Fisiologia; -Instruções sobre as dificuldades ortográficas. 

            Na sua folha de serviços à mocidade de seu tempo está a regência das seguintes matérias, em cursos parcialmente gratuitos - repetimo-lo - onde de par com os seus conhecimentos enciclopédicos, patenteia-se o esforço em bem servir os seus semelhantes: matemática, física, química, astronomia, retórica, anatomia comparada, fisiologia e língua francesa. Falava corretamente inglês, alemão, holandês, espanhol e italiano e era grande conhecedor do grego e do latim.

            Cabe aqui destacar, em poucas linhas, um aspecto da cultura do Sr. Allan Kardec - os seus estudos sobre magnetismo e hipnotismo, matérias que lhe foram de valioso auxílio nos estudos iniciais do Espiritismo ...

            À época,  a França, cognominada a filha primogênita da Igreja, assistia ao naufrágio da fé, resultante do choque entre a Ciência e a Religião. Dona de um mais largo e profundo conhecimento das leis da natureza, a humanidade estava preparada para passar da fé imposta à fé raciocinada, isto é, da crença para a certeza. A ciência oficial desdenhava tudo quanto pudesse, direta ou indiretamente, conduzir a um postulado da religião; em contrapartida a religião, fechada numa filosofia apriorística, verberava toda tentativa intelectual que pudesse atuar como um sopro sobre o castelo de cartas do dogmatismo...

            O único homem que teve a visão da importância moral; e sociológica da fenomenologia espírita foi o Dr. Rivail.  Por isso mesmo deveria ele apagar-se no mundo oficial da instrução pública, onde se fizera respeitado e querido, para se dar a uma nova obra - a da construção de toda uma filosofia derivada - que importa ? - dos golpes que os chamados mortos vibravam sobre mesas, paredes e móveis. Ia desaparecer o cientista Rivail para surgir o filósofo Allan Kardec.

            Era aquele renascimento espiritual de que falava Jesus Cristo a Nicodemos, Jo(14,26),“a quem o Pai enviará em meu nome”  e que “ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.”

            Se nos adentrarmos no texto e em outras passagens correlatas, veremos que se trata de um ser despersonalizado, O Consolador, o qual figura nas versões evangélicas que nos chegaram com o Espírito Santo. Cabe, entretanto, notar que não se trata de uma individualização, nem da suposta terceira pessoa da trindade católica: estamos em frente a uma expressão genérica, onde o vocábulo santo é apenas um adjetivo qualificativo muito respeitoso e, por isso mesmo, historicamente respeitável, posto que sem a necessária força para, com o dogma, sobrepor-se à razão.

            O escolhido foi Allan Kardec e não o Dr. Rivail, para significar uma individualidade eterna e não uma personalidade transitória e, ainda, para a ligar a uma etapa em que os valores espirituais eram mais expressivos do que as formas exteriores do culto.

            Foi em 1854 que o Sr. Allan Kardec tomou conhecimento das mesas girantes e falantes, através de uma conversa com o Sr. Fortier, seu colega na Sociedade dos Magnetistas. Ao ser informado de que, magnetizada, as mesas podiam mover-se e davam respostas às nossas perguntas, a resposta do Sr. Kardec  foi de absoluta descrença, desde que a mesa não possuía nervos nem cérebro, nem podia tornar-se sonâmbula.

            Pouco depois, um outro magnetista, o Sr. Carlotti, lhe fez minuciosos relatos de experiência a que assistira. Em conseqüência do que pode ele dispor-se a assistir às primeiras sessões práticas, em maio de 1855, em casa da Sra. Roger, em presença do já citado Fortier e da Sra. Plainemaison. Deste último cavalheiro ouviu relatos num tom diferente, frio e grave, cheio de argumentos que se acomodavam aos princípios científicos.

            Surgiu daí a possibilidade de assistir a reuniões regulares, em casa da Sra. Plainemaison, à rua Grange-Batelière, 18, ainda no mês de maio já referido.

            Repetiam-se as sessões, numa das quais conheceu ele a família Baudin, residente à rua Rochechouart. Convidado para as sessões hebdomadárias da família Baudin - é o Sr. Allan Kardec quem o diz - “ aí fiz os primeiros estudos sérios em Espiritismo, mais por observação do que por efeito de revelações”. E prossegue: “A essa nova ciência apliquei, como tinha feito até então, o método experimental; jamais formulei teorias preconcebidas”. E logo mais adiante:

            “Nesses fenômenos entrevi a chave do tão obscuro e controvertido problema do passado e do futuro e a solução que, durante toda a vida, tinha buscado. Numa palavra, era uma revolução completa nas idéias e nas crenças, sendo, pois, necessário proceder com circunspecção, e não com leviandade, ser positivista em vez de idealista, para não ser arrastado por ilusões.”
            Eis a evidenciação do homem de ciência.

            O Sr. Allan Kardec vira nessas manifestações uma prova da existência da alma e de sua sobrevivência ao transe da morte. Mas, também, percebera que cada Espírito possuía um grau de conhecimento e de moralidade, pelo que esse mundo invisível, que nos envolve, oferecia uma gradação infinita.

            O Sr. Allan Kardec contou com a cooperação de amigos para levar adiante a sua obra. Entre esses amigos cabe uma referência particular ao Sr. Carlotti, já citado; ao editor Didier, médium e ao seu filho, também médium; ao lexicógrafo Antoine-Lêandre Sardou e seu filho, o médico, escritor e dramaturgo Victorien Sardou, também médium, que prestou relevantes serviços à doutrina, no papel de interprete dos Espíritos que ofereciam minuciosas descrições e belíssimos desenhos...; o Sr. René  Taillandier, membro da Academia de Ciências e outros...

            A primeira edição de O LIVRO DOS ESPÍRITOS data de 18 de Abril de 1857.

            A 1º de Janeiro de 1858 lança a REVUE SPIRITE, pequena revista de 32 páginas, em média, destinada não só a propaganda mas - e principalmente - à provocação da opinião pública e ao estudo da fenomenologia espírita e à discussão das hipóteses provisórias, até que, bem verificados os fatos, se lhes pudesse dar uma explicação científica e uma posição no quadro geral da filosofia espírita.

            Em julho de 1858 foi lançado um pequeno volume com a doutrina condensada, sob o título
O QUE É O ESPIRITISMO?

            Em janeiro de 1861, a casa Didier & Cie lança o segundo livro básico - O LIVRO DOS MÉDIUNS.

            Em 1862, lançou duas pequenas brochuras de propaganda doutrinária, posteriormente abolidas, à vista da larga aceitação da Revista Espírita. Eram elas O ESPIRITISMO NA SUA EXPRESSÃO MAIS SIMPLES e REFUTAÇÃO ÀS CRÍTICAS AO ESPIRITISMO.

            Com um volume encerrando a filosofia da Doutrina Espírita e outro a técnica para a utilização dessa nova ciência, em breve a trilogia se completava pelo estudo da parte moral. Esse terceiro livro fundamental teve a sua primeira edição em Abril de 1864, sob o nome Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Refundindo em nova edição, que lhe deu caráter definitivo, o nome primitivo foi substituído pelo atual - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO.

            Em começo de Agosto de 1865 as livrarias exibiam O CÉU E O INFERNO ou A  JUSTIÇA DIVINA SEGUNDO O ESPIRITISMO.

            Em 6 de Janeiro de 1868 aparece A GÊNESE, OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO  O ESPIRITISMO.

            O Sr. Allan Kardec tinha vindo já maduro para os trabalhos da Doutrina dos Espíritos. Contava cinqüenta e um anos e era portador de lesão grave no coração.

            Desencarna, por ruptura de um aneurisma da aorta, na véspera de sua instalação em novo endereço, em 31 de Março de 1869, aos 65 anos de idade.

            Foi sepultado no cemitério do Père Lachaise. Não deixou descendência.

            Casara-se, em Paris, a 6 de fevereiro de 1832, aos 28 anos de idade, com a Professora Amélie Gabrielle Boudet, nascida a 23 de novembro de 1795, portanto, nove anos mais velha do que ele...

            Mme. Boudet desencarnou em 21 de Janeiro de 1883, aos 89 anos de idade.”




            Em “Veleiro de Luz” de Bezerra de Menezes por Mª Cecília Paiva, lemos mensagem de D. Pedro II (espírito) sobre o desencarne de Allan Kardec:

“A Morte do Codificador”

            “Corria o ano de 1869.

            Exatamente no dia 31 de março, o céu de França recobriu-se de luzes.

            Dos arcanos do infinito foram tiradas as mais sublimes notas, os mais  leves harpejos e com eles adornada a residência do Codificador.

            Ao som da música celeste e das flores luminosas que atapetavam todo o caminho, desprendeu-se do casulo terrestre o Codificador do Espiritismo.

            Para os homens, uma simples morte, para o Cristo de Deus, o regresso de um missionário vitorioso e por isso mesmo homenageado com as honras da glória justa e merecida.

            O túmulo de Kardec, significaria para a Humanidade muito mais que o simples pedaço de terra do Père Lachaise. Era a base sólida da Verdade que surgia triunfante para o Mundo.

            Rasgara-se mais uma vez os véus dos templos e, sob a égide do Cristo de Deus a seiva viva do Evangelho passava a circular vitoriosa por todo o planeta, levando aos corações as flores do céu.

            A morte do Codificador não era simplesmente o tombar de um corpo humano na terra fria e úmida, mas o renascimento glorioso do Cristianismo puro.

            Irmãos, amigos que recebestes de braços abertos a Revelação do Senhor, olhai o céu constelado de luzes, o vosso Brasil, abençoado pelo cruzeiro magnífico e esplêndido, verificai a paz que vibra  em todos os recantos de vossa Terra; silenciai diante da Majestade Divina que se vos demonstra com tanta força, bendizei a vida jubilosa de cristãos voltados para o supremo ideal e colocai estrelas de amor em vossos caminhos e espargir as luminosidades do Espiritismo por todos os homens.

            Arregimentai-vos sob a luz esplendente do estandarte de Ismael e erguendo-vos com o Cristo, edificai um Mundo de harmonia e felicidades.

            Levantai a Humanidade ao som da música divina do Evangelho, usai as armas da caridade, do amor e da paz.

            Que os céus esplêndidos e belos, que o esplendor de vossa Terra vos diga da promessa cumprida do Senhor, nutrindo-vos do mel abençoado do cristianismo redivivo.

            Que a lembrança do Codificador seja para vós estímulo, luz e paz.”
              





          

domingo, 2 de agosto de 2020

"Sim, sim; Não não".


“Sim, sim; Não, não.”
Antônio Luiz Sayão
por Olímpio Giffoni
(em sessão do Grupo Ismael, na FEB, em 4-11-71)

Reformador (FEB) Agosto 1972

            Em serviço na leira do bem, onde marcamos nossos passos ao compasso do bordão do bom pastor, seguimos com calma e tranquilidade o caminho, certos de estarmos sendo vigiados e protegidos por divina presença.

            Enquanto obedientes à Voz do pastor, não nos atingirão os lobos ocultos na estrada. Somente os invigilantes que se prendem às fantasias e se descuidam, retardando os passos, é que são envolvidos pelas forças inferiores. Ao serviço de Jesus, teremos sempre que defrontar aqueles que ainda tendem a servir como Judas e sacrificam os próprios ideais. Isto é esperado, pois também esta foi lição exemplificada por Jesus. Mas, afrontando as mais pesadas injúrias e incompreensões, teremos de ser positivos, sustentando com humildade, bem alto, a bandeira que nos cabe carregar. Ao serviço de Jesus, não se pode agradar a dois senhores. Agindo, no entanto, sem violência, mas, ao contrário, com humildade e amor, temos de nos decidir com o “sim, sim; não, não” do Evangelho.

            A verdade virá em toda a sua luminosidade, ofuscando os que não querem entendê-la. Porém, é preciso paciência, tolerância, aguardar que o tempo faça o que nem sempre nos é possível fazer hoje.

            A lição da cruz permanece viva para nós, mas muitos ainda não a entenderam em seu verdadeiro significado. Assim como ela renasce cada dia, para os homens, como um convite à renúncia do mundo, o nosso esforço e de quantos passaram por esta Casa servindo ao Senhor na sustentação do seu Evangelho em verdade e vida, ficará para que outras gerações encontrem o roteiro de luz indispensável. Guardai paciência e humildade. Eles retomarão, um dia, em busca daquilo que hoje mantemos com amor, certos de que esta é a vontade de nosso bom Anjo Ismael.

A proibição de Moisés



A proibição de Moisés
Irmão X (Humberto de Campos)
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Julho 1947

            Conta-se que, ao tempo de Moisés, no deserto, grandes sábios da Espiritualidade estudaram os recursos de fornecer ao mundo novo roteiro de revelações. Com semelhante empreendimento, os homens poderiam excursionar aos domínios da morte, aprendendo, pouco a pouco, a se aprimorarem, de acordo com a Lei Divina. Concretizado o projeto, cujas particularidades eram privativas das autoridades superiores, intercâmbio natural se faria entre os vivos do Planeta e os vivos do Além, religando-se a Terra, gradativamente, ao paraíso perdido, pelo reajustamento espiritual de seus filhos.

            Informado quanto à iniciativa, o grande legislador dos hebreus passou a colaborar com os instrutores desencarnados, na execução da experiência.

            Organizaram-se os primórdios do serviço.

            Necessitavam, para começar, de uma organização feminina, suficientemente passiva, que atendesse na qualidade de medianeira, entre os dois mundos. Ouviria os espíritos desencarnados e encarnados, com a serenidade precisa, colocada num campo de vibrações delicadas, entre ambas as esferas, iniciando-se o arrojado experimento.

            O assunto era novo e interessaria milhões de seres. Em razão disso, a mulher - instrumento exibiria trajes despistadores para não provocar obsessões afetivas. Não se lhe identificaria a condição pelas vestes. Envergaria túnica de homem e não seria conhecida nem pela feminilidade interior, nem pela masculinidade aparente. Seria o oráculo, destinado a abrir novos caminhos à mente do povo escolhido.

            Os hebreus teriam direito de indagar com nobreza e valer-se do serviço em necessidades importantes, numa cota de vinte por cento das atividades, reservando-se os demais oitenta por cento de possibilidades da tarefa ao plano espiritual, a benefício coletivo. Quanto ao oráculo, manter-se-ia em posição de serviço desinteressado a todos, sem grandes laços no coração para não comprometer a obra e cultivando o trabalho comum do pão de cada dia pelo suor digno, de modo a não parecer orquídea dos mortos ou sanguessuga dos vivos.

            Encontrada a pitonisa, que se submeteu às condições estabelecidas, encetou-se o trabalho.

            Moisés rejubilava-se. Quem sabe? Talvez a iniciativa viesse melhorar o espírito geral. O povo necessitava iluminação pelos dons celestes. Tentava explicar diariamente as obrigações da alma para com o Deus Único; entretanto, encontrava somente dureza e ingratidão. A intervenção pública da Esfera Maior provavelmente lançaria imensa luz sobre o Decálogo. Os mandamentos divinos, certo, seriam interpretados com a beleza sublime de que se revestiam. E o Testamento do Céu seria glorificado.

            Inaugurou-se o serviço com grandes esperanças.

            As primeiras semanas foram de ação ambientadora, que se consumou, aliás, com a rapidez do relâmpago.

            Quando o povo reconheceu que os mortos se comunicavam efetivamente e que aquela organização se constituía de bálsamo e verdade, o ministério assumiu característicos inquietantes.

            Judeus de todas as tribos afluíram de todos os lados. Do deserto em que se achavam, partiram mensageiros para as regiões circunvizinhas, espalhando a notícia. Descendentes de Abraão em Mara e Socoth, Horma e Hesebon foram cientificados. Remanescentes de Israel, no Egito e na Caldeia, receberam informes. E, em breve, rodeava-se o oráculo de impulsiva multidão.

            Moisés, que se alegrara a princípio, tremeu de receio.

            A pitonisa, que se dedicara ao experimento, com sincero otimismo, viu-se, de instante para outro, qual frágil barquinho no dorso de vagas enfurecidas. Sustentada por um fio do plano espiritual que, a custo, lhe evitava completa imersão nos estranhos recôncavos do abismo, resistia, corajosa, nos primeiros tempos, e a missão prosseguiu curso anormal.

            O povo, ao qual se destinavam as bênçãos do intercâmbio com a esfera superior, não compreendeu o serviço instituído. Ninguém desejava elucidações referentes aos mandamentos divinos. Não desejava informar-se quanto à natureza da luz que visitara o Sinai e muito menos aceitava diretrizes edificantes para que, mais tarde, atingisse mais altos círculos da vida. Queria gozar a hora presente, assenhorear-se de patrimônios dos vizinhos, ganhar guerras com o estrangeiro, armazenar trigo e vinho, pilhar terrenos devolutos, conquistar rebanhos indefesos, construir carros de triunfos sanguinolentos. Para isso, o oráculo, ao invés de ouvir a Espiritualidade Superior que o sustentava na difícil empresa, passou a receber milhares de consultas sobre os mais rasteiros interesses da vida material. Cruelmente enganados pelas próprias ilusões, homens e mulheres de Israel cobriam-no de glórias exteriores; transportavam-no, de um lugar a outro, sob manifestações festivas e impunham-lhe destaque singular nos galarins da fama.

            E a tarefa prosseguiu.

            Abnegados orientadores da vida mais alta acompanhavam a missão sempre dispostos a beneficiar; todavia, nunca chegaram a dez por cento das realizações elevadas que lhes competiam.

            O povo apenas procurava fugir à execução dos Desígnios do Pai Supremo. Não pretendia ouvir as vozes do Alto e sim fazer vozerio e tumulto em baixo. De modo algum, desejava elevar a Terra à luz do Reino Celeste e sim converter o Reino Divino em escuro subúrbio das paixões terrestres. Em face dos benfeitores que vinham atendê-lo, solicitamente, intentava somente alijar dificuldades benéficas, resolver questões profundamente inferiores do drama evolutivo, com plena obtenção de favores baratos e elixires da juventude. Ninguém procurava trabalho, iluminação, elevação, conhecimento, aperfeiçoamento ou melhoria própria. Em vista disso, o oráculo era muito mais pomo de discórdia terrestre que elemento de construtividade espiritual. Vivia como um terreno litigioso, provocando malquerença e desentendimentos sem fim.

            Tantas lutas estéreis foram acesas, que os Missionários de Cima deliberaram interromper a experimentação. A turba era demasiado infantil para receber a revelação que não chegava nem mesmo a vislumbrar. No auge da tempestade que se fazia cada vez mais intensa para a opinião israelita, cortaram o fio de ligação e o oráculo desapareceu no torvelinho.

            Acirrou-se a tormenta. Azedaram-se os debates. Surgiram deploráveis semeaduras de ódio, desânimo e desesperação.

            O grande legislador, apavorado com as atitudes de sua gente, escreveu então as célebres palavras do Capítulo XVIII, do Deuteronômio, situando a consulta aos mortos entre os assuntos abomináveis.


            E a proibição perdurou, oficialmente, no mundo, por mais de mil anos, até que o Cristo, em pessoa, a abolisse, no cume do Tabor, conversando com o espírito do próprio Moisés, perante os discípulos espantados.

sábado, 1 de agosto de 2020

Ingratidão


Ingratidão
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Setembro 1953

           Relata Lucas, no capítulo 17 do seu evangelho, o seguinte caso: 

             Ao entrar Jesus em certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez leprosos, os quais pararam de longe, e clamaram, dizendo: Mestre, tem compaixão de nós! Disse-lhes o Senhor: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes.
            E aconteceu que, enquanto iam, ficaram sãos. Um deles, sentindo-se curado, retrocedeu glorificando a Deus em alta voz; e, prostrando-se aos pés do Mestre, dava-lhe graças.
            Este era samaritano. Perguntou então, Jesus: Não foram dez os beneficiados? Onde estão os outros nove? 
            Não se achou quem voltasse para dar glórias a Deus, senão este estrangeiro? E disse-lhe: Levanta-te, e vai; a tua fé te salvou.

            O presente relato nos oferece várias lições, dignas de apreço. Os judeus, como ê sabido, não se comunicavam com os samaritanos, aos quais consideravam como gentios e hereges.

            Nada obstante, a dor, em sua função regeneradora, irmanou aqueles dez sofredores, superando os preconceitos que os desuniam.

            Segundo as ordenanças moisaicas, competia aos sacerdotes averiguar os casos de cura da temida enfermidade, suspendendo, então, as interdições e restrições a que se achavam submetidas as suas vítimas.

            Por isso, os nove judeus prosseguiram maquinalmente a caminhada, submissos ao estatuto que os regia. O samaritano, porém, no ver-se “limpo”, inflamou-se de júbilo, e começou a entoar cânticos de louvor àquele que o havia curado. Retrocedendo, foi em busca do benfeitor, a cujos pés se prosterna, tributando lhe o preito de sua gratidão. Diante de tal gesto, o Mestre o levanta, e diz: Não foram dez os curados? Onde estão os outros nove?

            Então só este estrangeiro é que veio dar graças a Deus? Vai; a tua fé te salvou.

            Realmente, a fé redentora é viva e livre. Como potência Incoercível, rompe as amarras das superstições e dos formalismos: age com espontaneidade, irrompendo das profundezas da alma como rajadas de luz que se projetam a distância. Daí o pronunciamento do Mestre com relação ao Samaritano: Vai; a tua fé te salvou.

            A influência dessa virtude foi mais longe no caso em apreço, gerando, no coração do beneficiado, o sentimento de gratidão, atestado eloquente de nobreza.

            Tendo Jesus a possibilidade de devassar os arcanos do Espírito, encheu-se de alegria verificando o que se passava com aquele pecador, cuja prova dolorosa terminara com a sua redenção.

*

            O mundo em que vivemos é dos ingratos. As páginas da sua história registam, em cada uma delas, gestos e lances de ingratidão. Citemos apenas dois casos, dentre milhares. Que sucedeu aos dois grandes vultos da emancipação dos escravos nas terras do Novo Mundo, Lincoln nos Estados Unidos e a Princesa Isabel, no Brasil? Aquele foi assassinado, e esta, destronada e banida, morreu no exílio.

            Hoje, vê-se o retrato do inolvidável estadista americano suspenso às paredes. Quanto à Isabel, a redentora, o Governo do Brasil acaba de promover a trasladação dos seus ossos, aos quais rende culto e homenagens, confirmando assim a assertiva evangélica dirigida aos fariseus dos tempos pretéritos: Vossos pais mataram os profetas e vós lhes erigis os túmulos.

            A gratidão, diz, com justeza, Tobias Barreto, é virtude da posteridade.

            Realmente, é o que sucede: as gerações futuras incumbem-se de reparar as injustiças e as ingratidões das gerações passadas. É a vindita da História.

            E o que dizer da ingratidão dos filhos, tão comum nos dias de hoje? 

            Todavia, há um remédio infalível contra as ingratidões, o qual consiste em fazer o bem pelo mesmo bem, segundo o espírito destes belos conceitos de Vigil: Semeador de Amor - que teus passos ressoem nas profundezas da terra; que o seu seio se abra e estremeça para receber tua semeadura. Que tuas mãos reproduzam os movimentos do teu coração. Alija a solidão, quebra o silêncio: avança. Semeia, como Ele te disse, a palavra do bem e do amor entre as multidões. Dia virá em que tua sementeira se levantará como uma bênção sobre o mundo. Nada busques, nada esperes dos homens. A atmosfera do céu te alimentará. Eis, diz o Senhor, que eu te amo. Porque, então, buscarás a fama e a glória terrestres? Que teu amor se derrame, sem que saibas onde. Que tuas esperanças partam cada dia como um enxame de abelhas, e ajuntem e fabriquem o mel embora não vejas, sequer, um só favo para ti!

Verdades indiscretas




Verdades indiscretas

Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Setembro 1953

            As sessões espíritas devem ter um objetivo elevado, como, por exemplo, o de retificar sentimentos e educar a alma num sentido superior de fraternidade e cooperação, Fazer sessões sem um fim verdadeiramente digno, será perder tempo e arriscar-se a dissabores. Até hoje, as melhores sessões a que assisti foram as que se subordinam à orientação evangélica aconselhada pela Federação Espirita Brasileira. As comunicações trazem sempre, ou na maioria dos casos, um cunho de austeridade capaz de tranquilizar o ambiente. Os que participam de tais reuniões experimentam bem-estar espiritual difícil de ser descrito. Tudo se aprimora, tudo alcança um refinamento extraordinário, pois parece que até os fluidos se tornam muito mais leves e benéficos do que em sessões onde não há o mesmo cuidado e a mesma orientação.

            Certa feita fui à um centro espírita, atendendo a instante convite dum amigo. Quando lá cheguei, todos se mostravam exuberantemente palradores. O “dono” do centro fazia pilhérias, tinha “piadas” que arrancavam gargalhadas. De repente, sem mais nem menos, ele se punha sério, gargarejava a prece de “Caritas”, com voz trêmula, como se tivesse o coração sangrando. Em seguida, citava Jesus com tamanho enternecimento teatral, que seria capaz de levantar das tumbas mortos milenares...

            Prosseguia a sessão e, logo após seu encerramento, outra vez com a prece de “Caritas”, espoucavam risos, gargalhadas, piadinhas, etc. Ora, francamente, meus amigos, seria melhor, em vez de realizar sessões desse Espiritismo curioso, que se fizessem reuniões recreativistas evitando referências a nomes que devem merecer acendrado respeito. 

            Mais tarde, levaram-me a outra sessão. O mesmo ambiente de “cordialidade social”. As entidades espirituais, agora, é que faziam graças, provocando risos com os seus trocadilhos. De edificante para a formação do espírito, rigorosamente nada. Não se estudava o Evangelho, não se analisava nenhuma passagem de “O Livro dos Espíritos” ou de “O Livro dos Médiuns”. Só futilidades, gracinhas, como se isso fosse na verdade Espiritismo, porque as consultas sobre negócios, questões de família, receitas para cachorrinhos (!) e outros disparates ocuparam cerca de duas horas de “projeção”!

            Tais fatos demonstram a necessidade de muito esforço e muito trabalho doutrinário, principalmente daqueles que se consideram capazes de dirigir trabalhos práticos e formam sua “entourage”, como se as sessões espíritas, pudessem ter qualquer semelhança com esses clubes americanos para “passar o tempo”... O mal é que qualquer pessoa se intitula capaz de fundar centros ou grupos, de dirigi-lo, passando a depositários de todas as atenções, como se tivesse o monopólio das manifestações espíritas em seu ambiente. Sua vontade prevalece sempre, seus desejos são leis.

            Muitos e muitos exemplos eu poderia aduzir a este comentário. Não adiantaria, porém. Se faço menção a tais fatos é com o objetivo único de chamar a atenção dos espiritas que preferem orientar-se pela Doutrina, no sentido de eles se tornarem, cada vez mais, colaboradores da grande obra de elucidação dos iniciantes, através dos ensinos contidos em “O Livro dos Espíritos” e “0 Livro doa Médiuns”, tendo como fundamento desse trabalho o Evangelho. Não devemos ser dogmáticos nem intolerantes, mas, para resistirmos à onda de dissolução dos princípios espíritas, é mister que proclamemos, pela palavra e pelo exemplo, as verdades contidas nas obras de Allan Kardec e confirmadas por J. B. Roustaing na monumental obra “Os Quatro Evangelhos”.

            A preparação doutrinária é indispensável à formação de uma legítima mentalidade espírita, sem que nos fechemos num círculo de ferro, mas que saibamos abrir os braços àqueles que buscam a Luz, ainda perdidos por atalhos. Nosso dever é de guiar, confraternizando; nunca, entretanto, de condenar, combatendo. Se desejamos vencer, temos de persistir no esclarecimento evangélico. Elucidar, explicar, explanar, orientar, guiar, trabalhando fraternamente, é o dever do espírita kardequiano. Todos somos dotados de livre arbítrio, mas não é por Isto que devamos deixar que alguém se atire num precipício, sem, antes, realizarmos todos os esforços para evitar que a loucura se consuma.

            As sessões espíritas de estudo são muito importantes. As de trabalhos práticos, também. Todavia, ninguém deveria jamais entregar-se a estas sem haver, primeiramente, adquirido o indispensável “passaporte” naquelas, alargando seus conhecimentos, firmando sua instrução evangélico-doutrinária. Para o futuro de cada um de nós, parece-me, modéstia à parte, ser esse o caminho mais aconselhável.