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quarta-feira, 18 de março de 2015

Bem Sofrer

Bem Sofrer
Emmanuel 
por Chico Xavier


Reformador (FEB) Abril 1956

            Aprendendo a sofrer, mentaliza a Cruz do Mestre e medita!

            Ele era senhor e fez-se escravo.

            Ele era grande e fez-se pequenino.

            Era a Luz e não desdenhou a imersão nas sombras.

            Era o Amor e suportou, valoroso, o assédio do ódio.

            Quem o contemplasse do pó de Jerusalém, no dia da grande flagelação, decerto identificá-lo-ia à conta de um legionário em extrema derrota.

            Suas pregações haviam encontrado a sufocação do Sinédrio, sua doutrina categorizava-se por abominável heresia, seus sonhos de confraternização pareciam aniquilados, seus beneficiários e companheiros vagueavam desiludidos e por único testemunho de reconforto, entre as chagas da morte, não encontrava senão a piedade e o entendimento de um ladrão comum...

            Mas quem fixasse com Cristo a multidão do alto da cruz, reconhecer-lhe-Ia a condição de herói vitorioso, porque para o seu olhar a turba fanática não passava de irmãos necessitados de auxílio.

            Ele viu a cupidez em sua figuração de miséria, o ódio em sua facies de treva, a ilusão em seu manto esburacado de fantasia e percebeu todas as falhas dos perseguidores, à maneira de moléstias do espírito, sob a máscara de dominação e alegria ...

            E sentiu apenas a grande compaixão que lhe coroou o espírito divino com a paz inalterável. 

            Se nos propomos assim bem sofrer, procuremos reparar do cimo de nossa cruz aqueles que jornadeiam conosco, carregando madeiros mais pesados que os nossos, acendendo a fraternidade na próprio coração, a fim de que não estejamos órfãos de entendimento.

            Compadece-te e ajuda a todos!..

            Compadece-te daquele que se fecha no oásis do lar, entronizando o egoísmo e compadece-te daquele que por não possuí-lo se compraz na revolta! compadece-te dos fortes que oprimem os fracos e dos fracos que hostilizam os fortes !..

            Derrama o tesouro que o Mestre te confiou por bênçãos de bondade ao longo do caminho e serás auxiliado por aquele a quem auxilias tanto quanto serás curado pelo doente a quem socorres.

            De seu madeiro de sacrifício, Jesus nos ensina a aquisição das bem-aventuranças...

           Para bem sofrer, é preciso saber amar e, amando como o Cristo nos ama, encontraremos na Terra ou no Céu a luz interior que nos reunirá para sempre à glória da Vida Eterna.  



quarta-feira, 11 de março de 2015

Ainda o corpo de Jesus

Ainda o Corpo de Jesus
Ramiro Gama
Reformador (FEB) Novembro 1971


            Não faz muito tempo publicamos, aqui, um artigo sobre o corpo de Jesus.

            Manifestamos nossa opinião humilde, sincera e sensata.

            Não procuramos mostrar erudição com relação ao magno assunto, mas, sem espírito de sistema, no dizer do querido Médico dos Pobres, focamo-lo olhando Jesus como sempre o olhamos, isto é, emocionadamente, sentindo lhe o corpo e o Espírito diferentemente de todos nós, criaturas ainda carregadas de dívidas e de vícios.

            Como o Padre Marschal, temos diante de nós, em nossa secretária, uma imagem de Jesus que, pobremente, o deve retratar; mas, mesmo assim, diante dela sentimo-nos num estado de sursum corda, principalmente quando o buscamos para uma prestação de contas e para lhe pedir o socorro da sua misericórdia para nossas imensas faltas.

            Sentimos, então, que o Amigo Celeste nos comove, ouvindo-nos.

            E jamais pensamos que tivesse ele um corpo igual ao nosso, isto antes mesmo de nos tornarmos espírita e de havermos lido as argumentações felizes e bem rebuscadas dos livros de Manuel Quintão, Guillon Ribeiro, Antônio Lima, Ismael Gomes Braga e de Leopoldo Cirne.

            Depois que nos tornamos espírita, apenas bastou, para consolidar nossa opinião, o dizer do Divino Amigo sobre João Batista: Dos nascidos de mulher, João é o maior.

            Não precisamos de nenhuma outra documentação.

            As poucas palavras que Jesus pronunciou e constantes de seu Evangelho de Amor e Luz nos bastaram e nos penetraram o Espírito, fazendo-nos vê-lo como sempre o vimos: com um corpo fluídico e o Espírito tão puro, tão grande, tão lindo, tão diferente de todos nós, que nossa canhestra pena se sente incapaz de lhe traduzir a grandeza imácula, a personalidade indescritível!

            Depois da publicação daquele nosso artigo, recebemos muitas cartas de vários confrades, uns aplaudindo-nos e outros, em pequena minoria, criticando-nos e demonstrando-nos até o calor de quem está contrariado com a nossa maneira de ver, sentir e traduzir o assunto.

            Alguns irmãos chegam até a dizer-nos que esta matéria é perigosa e que sua apreciação, mesmo em clima de elevação e sem apaixonamento, desune os espíritas, fazendo-os desfraternizados ou inimizados ...

            E ficamos, deveras, num misto de surpresa e de tristeza, para agora lhes perguntar, humilde e sinceramente: em que mundo e época estamos que divergir quer dizer desunir? opinar sobre a Doutrina, contrariando pontos de vistas de terceiros, seja crime de lesa-união?! ...

            A própria Natureza, diz um evangelizado escritor, nos dá, diariamente, uma lição da diversidade na unidade. Dessemelhança de cores e aspectos no mundo vegetal, principalmente, jamais concorreu para desarmonizá-lo; antes, como nos demonstra, é uma vitória da unidade na diversidade, e com a mesma destinação de servir, isto é, de amar e nem sempre ser amado...

            O Espiritismo codificado por Allan Kardec e valorizado em sua conceituação por outros enviados de Deus, à frente J.-B. Roustaing, para que, de vez, penetre e trabalhe o Espírito dos que o buscam, precisa ser estudado e praticado, sem espírito de sistema.

            Quem assim o fizer, olhando o Mestre como o Modelo das Virtudes e o Grande Vitorioso do amor que sabe, alcançará o espírito da letra das verdades cristãs e também sentir-se-á inundado daquela luz que penetrou Saulo, tirando-lhe as escamas do orgulho para que ele visse e sentisse Jesus, e o seu objetivo, descendo das Alturas para as trevas da Terra, sofrendo e amando para nos trazer a salvação.

            Por isso mesmo, em nossas palestras e em nossos pequenos livros, sempre e sempre, nos damos pressa de ressaltar lhe os ensinos, as parábolas, as lições do seu Grande Livro, o Evangelho, concluindo que: não é verdadeiramente espírita quem não procurar domar suas paixões e lutar por ser melhor hoje mais do que ontem e, amanhã, mais do que hoje.


            Porque, a nosso ver e com a nossa experiência de 40 anos de Espiritismo, cultuando, no lar, o Livro da nossa redenção, compreendemos que, ele, o Espiritismo, não é apenas uma Religião, mas a própria RELIGIÃO, visto que é o único que, através de sua exegese, religa a criatura ao seu Criador e consegue, espontaneamente, ou pelo benefício da dor, tornar-nos menos orgulhosos e mais moralizados, mais caridosos, verdadeiros filhos de Deus! 

domingo, 8 de março de 2015

Mestre? Jesus!


Mestre? Jesus

P. A. da Costa Correia

Reformador (FEB) Agosto 1972

"Nem vos chameis mestres, 
porque um só é o vosso Mestre."

            Seria inquestionavelmente o Espiritismo uma religião dogmática, se fosse orientado pelo engenho humano.

            Não. No Espiritismo, não há e nem pode haver mestre e isso se tem afirmado da tribuna e pelas colunas dos jornais espíritas.

            Agora mesmo, o nosso confrade Caírbar Schutel, em artigo de fundo pelo "O Clarim" de 30 de abril p. findo, sob o título - "Um só Mestre, Um só Senhor! " - disse mais uma vez, como todos os espíritas estudiosos têm dito, que o Mestre é - Jesus.

            Kardec, o escolhido para arrancar, por orientação dos Mensageiros de Luz, o véu das parábolas com que o Cristo de Deus cobriu os seus ensinos, em consequência da ignorância que envolvia as mentalidades daquela época, Kardec, repetimos, diz claramente que a Doutrina Espírita não obedece à orientação do homem e essa sábia afirmativa do iluminado codificador, vemo-la real e perfeitamente confirmada no célere e maravilhoso progresso que o Espiritismo vai realizando no seio dos povos civilizados e cultos.

            O que é fato é que essa doutrina, que vem arrancando o homem dos charcos
do crime em todas as suas modalidades, não estaria sempre triunfante dos farisaicos ataques dos escravos do capricho, dos inimigos da Luz, do Amor e da Verdade, se, para orientar os que a seguem, dependesse de mestres e bispos, conforme à opinião de um irmão nosso. Não. O Espiritismo deixaria de ser a bússola que é, se do seio de seus adeptos surgissem corifeus.

            A respeito de tão grave assunto, ouçamos a palavra impecável de dois dos Apóstolos do Humilde Filho de Maria, a Virgem:

            "Se alguém quiser ser o primeiro, seja o derradeiro de todos e o servo de todos" (Marcos, XI, 35).

            "Nem vos chameis de mestres, (1) porque um só é vosso Mestre, que é o Cristo" (Mateus. XXIII, 10).

            Diante de tão sábios ensinos, vemos claramente que: religião com mestres é
religião humana.

            O de Que o Espiritismo precisa (especialmente nesta hora de fome, dor, agonia, incertezas, ambições de poderio, falta de compreensão de deveres, finalmente, de confusões), não é de pregadores com títulos materiais e sim de soldados sinceros, estudiosos, humildes, humanos, livres totalmente de personalismo e dedicados ao bem geral e à espiritualização da humanidade.

            A hora o momento em que estamos (iluda-se quem quiser) não leva mais em
Conta, não respeita a barreira, a trincheira dos interesses pessoais, em prejuízo
da evolução da alma.

*

            Mestre? Jesus: o único Instrutor das almas que ingressam na Terra.

                                                                                              Maceió, Maio de 1932.

            (1) Tratando-se de religião.


                                                                       (Ext. de "Reformador" de 16-7-1932, pág. 390.) 

O Banquete dos Passarinhos


O Banquete
dos Passarinhos
José Brígido /(Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1955

            Chiquinho gostava extraordinariamente de caçar pássaros. Armava alçapões, besuntava de visgo os galhos das árvores, armava-se de estilingue (atiradeira), enfim, realizava com estranha alegria tudo quanto era possível para perseguir os passarinhos. Seus pais bem que o aconselhavam a não maltratar as avezinhas. Algumas vezes chegou a ser castigado, mas não se emendava.

            - Não sei, Pedro, porque o Chiquinho é assim. Não “saiu” a nenhum de nós. Você é bom, protege os animais, ajuda-os e procura impedir que sejam perseguidos. Eu, por minha vez, não gosto também de maldades com as pobrezinhos. Por isto, não sei a quem o Chiquinho “saiu” assim, tão inclinado a essas perversidades - deplorava sua mãe.

            - Isso é da idade, minha filha. Depois, com o tempo, ele deixará os passarinhos em paz e cuidará de outra coisa... - respondia o marido, intimamente desolado, mas desejoso de consolar a mulher.

            - Não sei... Desgosto-me ao ver o Chiquinho regalar-se com o sofrimento que impõe aos “bichinhos”. Sabe o que fez ontem?

            E ao proferir estas palavras, a pobre mãe desatou a chorar convulsivamente. O esposo, solícito, correu a abraçá-la:

            - Que é isso, Lucina?! Que aconteceu?! Não chore desse modo ... Conte-me o que houve...

            Conseguindo a custo sopitar as lágrimas, ela contou, entre soluços:

            - Imagine você o que o Chiquinho fez: prendeu um beija-flor no alçapão; depois, tirou-o e, segurando-lhe as débeis perninhas, rasgou-o em dois! O pranto impediu que Lucina continuasse.

            O marido, partilhando de sua dor, procurou confortá-la:

            - Ele não fez isso por maldade. É criança; não tem noção do que é mau, Lucinda. Vamos explicar-lhe que isso não se faz, porque o passarinho, como uma criancinha: não tem defesa e sente muitas dores, quando é machucado.

            - Tudo isso eu já lhe disse, Pedro. Mostrei-lhe que não é direito o que fEz. Perguntei se ele não havia sentido forte dor quando, no outro dia, arranhou a perna num prego. Em seguida, para ter uma ideia de sua reação, indaguei se ele não mais maltrataria os passarinhos.

            Ele me disse que ia matar todos os que apanhasse...

            Naquela noite, o ambiente foi dos mais sombrios, na casa do Chiquinho. Seus pais não conseguiram dormir e o menino, agitado, mostrava um sono inquieto, consequente talvez das severas repreensões paternas. Pela madrugada, Chiquinho despertou, aos gritos. Ardia em febre. Os olhos dilatados, como se fôsse presa de hórrido pavor, davam-lhe o aspecto de um louco.

            Pedro e Lucina ficaram desesperados. Chamaram o médico, que receitou umas poçõezinhas, sem que o pequeno melhorasse. Pela manhã, seu estado era o mesmo. De quando em quando, Chiquinho gritava e saltava, como se estivesse sendo perseguido. Durante horas assim permaneceu, febricitante, agitado, sem conhecer os pais. Outro médico foi chamado e disse supor tratar-se de uma ameaça de meningite. Durante todo o dia, foi intensa a luta para restabelecer a saúde do menino. Todos os recursos, entretanto, falharam.

            Eis que uma amiga da família lembrou:

            - Porque não chama dona Marieta? Ela é espírita e talvez dê um jeito nisso...

            A ideia foi aceita com simpatia. Aliás, em tais circunstâncias, qualquer sugestão salvadora teria sido benvinda. Uma hora depois dona Marieta chegava. Após as apresentações e cumprimentos habituais, ela pediu:

            - Tragam-me um copo d’água. Agora, elevemos o pensamento até Jesus e solicitemos sua proteção para todos nós, principalmente para esse pequenino que está enfermo.

            O grupo se uniu numa prece fervorosa.

            Dona Marieta, que era médium auditivo e vidente, pôs a mão espalmada sobre o copo e começou a falar:

            - Espíritos de baixa condição moral cercam esta criança. Um deles traz nas mãos fieiras de pássaros dilacerados. Têm o olhar bestial dos vampiros. Não querem afastar-se do menino, a quem estão ligados, segundo dizem, desde outras vidas. Olhem a água do copo, cada um por sua vez, e não digam nada antes que eu pergunte.

            Pedro se aproximou e empalideceu. Em seguida, a mãezinha sofredora se aproximou, a medo, lançou furtivo olhar para o copo e recuou, quase gritando de horror. Logo após, a amiga da família se acercou, olhou-o atentamente e se retirou, perplexa.

            - Que viu o senhor?

            - Dona Marieta, pode ser ilusão, mas o que vi foi um homem de mau aspecto...

            - Basta. E a senhora, dona Lucina?

             A mãe de Chiquinho, chorando, mal pode esclarecer: 

            - Vi um monstro babando sangue... Que horror! que horror!

            - E a senhora, dona Margarida?

            - Olhei bem, dona Marieta. Vi um homem semi selvagem, com a boca e as mãos ensanguentadas, tendo atrás de si outros vultos estranhos, que pareciam temê-lo...

            - Está bem . Esse menino sofre a influência de pesadíssima carga de fluidos negros.

            Coitadinho! - exclamou Lucina.

            - Compreendamos que essa criança teve  outras vidas e nelas contraiu compromissos com elementos de baixo nível espiritual. Foi caçador e um dia se negou a dividir com esses companheiros o produto de abundante caçada. Por causa disso, cortaram lhe a existência. Durante anos se viu perseguido no Espaço por entidades maléficas, às quais se juntaram os comparsas, que também já haviam desencarnado. Seu sofrimento foi grande. Um dia, alcançou a luz do entendimento e pediu ao Pai que lhe perdoasse os desatinos. Assumiu, então, o compromisso de reencarnar e não mais se dedicar à morte de indefesos pássaros e animais. Entretanto é o que ouço neste instante, cedeu às injunções dos companheiros que se encontram no plano espiritual. Vem cometendo atos que muitos desgostos tem trazido, não vem?

            - Sim - responderam, quase ao mesmo tempo, Pedro e Lucina.

            - Depois de haver dilacerado um pobre beija-flor, seu Espírito, durante o sono, foi advertido no Espaço, pelo Guia que o acompanha, ao qual ele reiteradamente tem desatendido. Em virtude de sua rebeldia, entidades trevosas o acometeram, satisfeitas, pois elas é que lhe inspiram as maldades que vocês todos conhecem, por encontrarem nele receptividade.

            Era profundo o silêncio. Depois de pequena pausa, dona Marieta acrescentou:

            - Temos todos de trabalhar muito e lançar mão de nossas armas: a vigilância e a prece. Assim estabeleceremos uma corrente fluídica com os nossos amigos invisíveis, protegendo-lhe o Espírito. E assim foi feito com absoluta regularidade.

            Uma semana depois; Chiquinho achava-se bem melhor. Não parecia o mesmo menino. Estava sossegado e obediente. Todavia, dava a impressão de que guardava alguma lembrança do terrível “sonho” que tivera, porque respondeu assim, certa vez, quando, para experimentá-lo, dona Marieta, aparentando alegria, ponderou:

            - Que bonito bem-te-vi! É pena não poder apanhá-lo...

            Chiquinho, como se houvesse recebido um choque, respondeu:

            - Não faça isso, não, dona Marieta. Eu também fui muito mau com os passarinhos, mas eles se juntaram e me fizeram ficar doente...  Agora, não quero mais maltratá-los...

            - Mas, como foi que eles fizeram, Chiquinho ?

            - Eu sonhei que todos os passarinhos que eu machuquei e matei me prenderam e me levaram para uma sala grande, onde havia uma fogueira enorme. Amarraram-me perto da fogueira e a toda hora eles me beliscavam a cabeça, os olhos, o corpo. Uns homens feios riam muito. Eu via papai e mamãe, chamava por eles, mas não me ouviam. Depois que eu pedi perdão, apareceu um homem todo de branco e iluminado, que fez os homens feios fugirem.

            -Ele acarinhou os passarinhos e me disse que tudo para mim ia melhorar e eu poderia ver papai e mamãe, se não maltratasse mais os passarinhos...

            Pedro e Lucina, encantados com a vivacidade de Chiquinho, sorriam, benévolos; mas dona Marieta, discreta, fez-lhes sinal, pois desejava falar-lhes depois. Entrementes, respondeu a Chiquinho:

            - Viu, meu filho, o que acontece às crianças que maltratam os pássaros e os animais! Nunca se deve praticar maldades. Os meninos bons e obedientes, que ouvem as palavras de seus papais, de suas mamães, das vovós e de outras pessoas idosas, são sempre protegidas por Papai do Céu. Não devemos bater nos passarinhos, e nos animais. Não devemos bater em ninguém, nem nas plantas, nem nas árvores. Você não gosta de ser bem tratado, Chiquinho!

            - Gosto, sim, senhora.

            - Então. Todos gostam de ser bem tratados. Se nós formos bons para todos, todos serão bons para nós. Nunca mais machuque algum passarinhos, ouviu? Seja amigo deles e eles virão cantar para você, contentes, porque sabem perdoar aos que se arrependem do mal feito.

            Carinhosa, dona Marieta abraçou-o e beijou-o.

            - Bem: vá brincar com o seu barquinho.

            Quando chegar a hora de dormir, peça a Jesus para que o ampare, porque você agora é muito amigo dos pássaros e dos animais, ouviu?

            - Sim, senhora.

            - Até amanhã. Ah! Estamos perto do Natal. Que é que você deseja ganhar de Jesus?

            Chiquinho ficou indeciso por alguns instantes. Depois, explicou:

            - Quero um cavalo de pau, com rodas nos pés, todo branco.

            - Só?

            - Quero uma porção de alpiste, um saco grande, assim, p'ra dar a todos os passarinhos do mundo!..

            - Então, seja sempre bonzinho e tudo acontecerá como você deseja.
Retirando-se, dona Marieta procurou Pedro e Lucina:

            - Muito mais significativo do que parece é a história que o Chiquinho contou como sonho. Vítima de Espíritos obsidentes, ele sofreu, efetivamente, os padecimentos que narrou em sua linguagem infantil. Embora atento para que nada ocorresse em demasia, seu Espírito-guia e outros Espíritos amigos permitiram que os obsessores agissem de tal modo, porque somente assim seria possível chamar o Espírito de Chiquinho à realidade para as obrigações assumidas antes, de reencarnar. Agora, precisamos conduzi-lo com muita cautela, distraindo-lhe a atenção desse episódio impressionante. Sua mente infantil deve permanecer liberta de qualquer recordação anterior ligada a esses fatos. A melhor defesa está na prece diária, feita com o coração, porque Jesus e seus numerosos trabalhadores não descansam na luta contra a treva e contra o mal.
           
*

            Os dias se passaram sem novidade digna de nota, até que chegou o Natal. Pela madrugada, um fato insólito ocorreu. Um bando de beija-flores invadiu a casa de Chiquinho, seguido de uma infinidade de outros pássaros multicores. Os trinados maviosos despertaram o menino, que experimentou inusitada alegria.

            - Vem ver, mamãe! Vem! - gritava ele, contente.

            Lucina e Pedro, de mãos dadas, contemplaram o inesquecível espetáculo. Nunca haviam visto coisa igual. Os passarinhos não demonstravam temor algum: voavam em torno da cabeça de Chiquinho, fazendo graciosas evoluções. E ele, sorridente e feliz, encheu a casa de alpiste, oferecendo aos alados visitantes o banquete que selava definitivamente sua amizade com tão belos e graciosos amiguinhos.


            Jamais ele poderá esquecer um Natal como esse. Jamais!..

A Faculdade da Clarividência


A faculdade
da Clarividência
Marcel Chaminade
Reformador (FEB) Junho 1955

            Dois casos extraordinários prendem atualmente a atenção, de maneira toda particular dos círculos científicos, e provocam apaixonante curiosidade.

            Um deles é o de um cidadão holandês, Gerard Croiset, que há diversos anos vem sendo objeto de exame constante e minucioso do professor W. H. C. Tenhaeff, de Utrecht, e do professor Hans Bender, diretor do Instituto para o Estudo das Fronteiras da Psicologia, na Suíça.

            Gerard Croiset não é um “médium” profissional. Nem sequer se preocupa com questões psíquicas, habitualmente. Consente, tão apenas, em se submeter a certas experiências. Damos a seguir uma dessas experiências frequentemente empreendidas.

            Os professores Tenhaeff e Bender sorteiam, secretamente, um número, que designará, digamos, a sexta poltrona, à esquerda, na quinta fila das poltronas da orquestra, em determinado teatro de Bonn ou Colônia. E perguntam ao Sr. Croiset se pode prognosticar, imediatamente, e descrever a pessoa que ocupará, em determinado dia, a poltrona escolhida pela sorte. Na data fixada, os dois cientistas constatam que o lugar é efetivamente ocupado por “um moço louro, alto, de mais ou menos 22 anos”, o que corresponde de maneira precisa ao retrato que dele fizera Croiset, o qual chegara mesmo a dizer que o rapaz tinha falta de um dedo da mão direita, que fora cortado por uma serra mecânica, e morava, com os pais, em uma casa que apresentava esta ou aquela particularidade, descrita pelo adivinho.

            Outra experiência. Consiste em fazer colocar, por diversos membros da assistência, - em local contíguo à sala, os mais variados objetos, que o Sr. Croiset descreverá algumas horas antes ou mesmo alguns dias antes da demonstração, juntamente com as características por proprietários desses objetos, que os mesmos tiram e levam consigo depois da sessão. Em Pirmasens, por exemplo, em uma sessão em que tomavam parte cerca de 300 pessoas, Croiset declarou que tal lugar, indicado por sorteio, seria ocupado por certa moça, a qual, ao sair, apanharia um objeto que se achava habitualmente em uma casa da rua tal, que era em ladeira, e onde a moça procurara tocar uma sonata de Beethoven, mas tivera que desistir porque o piano estava muito desafinado. Na mesma casa estava sendo submetida aos raios ultravioletas uma senhora que sofria de dores nos quadris.

            Na ala esquerda da casa morava uma família muito devota. Tudo isso fora adivinhado pelo Sr. Croiset. E pode ser verificada a perfeita exatidão de todas as indicações por ele feitas. A moça apanhou, ao sair, uma caixa de óculos que pertencia a uma senhora doente dos quadris e que morava numa casa de rua em ladeira e em cuja parte esquerda moravam pessoas muito religiosas. Constatou-se a identidade da senhora submetida aos raios ultravioletas pelas dores apontadas. Viu-se o piano desafinado...

            A Polícia holandesa muitas vezes se socorre das faculdades extraordinárias de Croiset. Há alguns meses, perguntou-lhe se podia ajudá-la em pesquisas que estavam sendo feitas à procura de um menino de 10 anos que havia desaparecido. Croiset respondeu que o corpo do pequeno seria encontrado, com profundo ferimento na cabeça, em uma enseada que o adivinho localizou perfeitamente, nas proximidades de um velho trapiche, junto ao qual atracara uma barca. Com efeito, o cadáver do menino foi encontrado com um grande ferimento na cabeça, na enseada indicada, junto ao trapiche, revelando o inquérito que o rapazinho batera com a barca num amontoado de madeiras velhas, desmaiando e, em seguida, afogando-se.
           
            O estranho poder do Sr. Croiset - a que os cientistas chamam poder que lhe permite dar um salto no tempo -, seus dons de telepatia e de vidência não permitem, no entanto - segundo o próprio interessado confessa -, nenhuma aplicação prática nos diversos fatos da vida cotidiana. Croiset reconhece que suas misteriosas faculdades não se manifestam senão em certas situações, que sofrem eclipses, e que não tem capacidade para analisar, controlar ou mesmo fornecer qualquer explicação crítica das mesmas.

*

            O outro caso prodigioso de telepatia e “vidência” que está fazendo grande sensação nos meios científicos, é o de um tcheco, Frederic Joseph Marion, que já fez, especialmente na Inglaterra, sensacionais demonstrações. Em uma sessão, no Aeolian Hall, uma importante dama da alta aristocracia britânica, Lady Oxford and Asquith, que estava na assistência, perguntou a Marion (que nunca a vira e ignorava quem ela era) se podia revelar um fato que ia assentar, por escrito, e que ela era a única pessoa no mundo que conhecia.

            - Penso que sim, minha senhora - foi a resposta.

            Lady Oxford and Asquith escreveu algumas linhas em um pedaço de papel, que, em seguida, dobrou e colocou sobre uma mesa. O Sr. Marion concentrou seu pensamento e, após apenas dois minutos, disse, pausadamente:

            - Estou vendo um homem em uma sala, coberta de tapeçarias e cheia de livros que enchem as paredes em estantes compridas. O homem se acha diante de uma mesa coberta de papéis e prepara-se para escrever. Mas está muito agitado, levanta-se, dá alguns passos, senta-se de novo e... se põe, por fim, a chorar, quando termina a redação do trecho ...

            Lady Oxford and Asquíth, cheia de espanto, declarou que o que o Sr. Marion acabava de dizer era de rigorosa exatidão. E acrescentou: - A sala era no número 10 da rua Downing Street, a conhecida residência dos Primeiros-Mínlstros da Grã-Bretanha. A cena descrita se passara no mês de Agosto de 1914. O homem era seu marido, o então primeiro-ministro Asquith. Eu entrei na sala e fui a única pessoa a saber que aquele homem, que eu nunca, em toda a minha vida, vira chorar, chorara, então, ao assinar o documento oficial da declaração de guerra à Alemanha...

            São sem conta as declarações espantosas e de predições extraordinárias feitas por Marion, todas elas consignadas, registadas e certificadas por testemunhas acima de qualquer suspeita.

            Daremos ainda algumas entre as mais singulares.

            Em Junho de 1931, o Sr. Marion encontrou-se em Haia com o grande empresário teatral Ernest Krauss, que acabara de arranjar uma “tournée” de representações para a famosa dançarina Pavlova e sua companhia. Krauss mostrou a Marion uma carta que acabara de receber de Pavlova e na qual a estrela coreográfica lhe anunciava sua próxima chegada. Marion examinou a carta atentamente e disse:

            - Sr. Krauss, sua “tournée” não se realizará. Não haverá sequer uma representação. O senhor deve anular imediatamente todos os seus compromissos e o contrato, do contrário Pavlova nunca mais dançará. Ela acaba de sofrer uma influência maléfica, da qual é preciso desconfiar...

            O empresário recebeu a profecia com cepticismo e absolutamente não a levou em conta. Alguns dias depois, a “troupe” se pôs a caminho... Mas o rápido em que Pavlova e seu elenco viajavam sofreu um acidente. Ninguém saiu ferido, mas Pavlova apanhou um resfriado e teve que se recolher ao leito. Declarou-se uma pleurisia, que degenerou em pneumonia dupla, e a famosa dançarina morreu na sexta-feira, 23 de Junho, trinta minutos depois do meio-dia.

            Outra vez, Marion estava em Bucareste, na Rumânia, no gabinete do diretor do Teatro Alhambra, no qual se exibia um notável trapezista de nome Ivanoff, que fazia exercícios extremamente perigosos. Ivanoff verificava e experimentava minuciosamente seus aparelhos, antes do espetáculo, o que fizera ainda naquele dia, como de hábito. Por acaso, Marion, batendo com o punho na mesa do diretor, fizera cair 'uma fotografia de Ivanoff, que ali se achava.

            Abaixou-se para apanhá-la e, subitamente, ficou lívido.

            - Chame Ivanoff - gritou ele para o diretor. - O pobre homem está em perigo de
morte imediata.

            Ivanoff ia entrar em cena. O pano já estava levantado. Interrompeu-se a representação e... verificou-se que uma das cordas do trapézio tinha sido cortada...

            Foi também Marion quem prognosticou um destino trágico ao grande mago Eric Jan Hanussen, que era o astrólogo de Hitler e de outros líderes nazistas. Hanussen confiara a Marion a intenção de deixar a Alemanha no prazo de um ano.

            - Você precisa partir antes - disse-lhe Marion. - Dentro de oito meses será tarde. Vejo você estendido, inanimado, no chão, debaixo de umas árvores ...

            Hanussen não deu importância. Oito dias depois, a Gestapo, a terrível polícia política do nazismo, prendia Hanussen, no seu camarim do Scala; e no dia seguinte foi encontrado seu cadáver, crivado de balas, sob os pinheiros de Grunewald.

(Ext. de ''O Globo" de 1-3-55)


A Era Kardequiana


Vale a penar comemorar de novo...


                       A Era Kardequiana 
                          Parte 1 de 2 Partes

                                Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB)  Abril 1956

            Os espíritas brasileiros, e provavelmente os de todos os outros países onde a Codificação se acha divulgada, já iniciaram seus movimentos para comemorar o PRIMEIRO CENTENÁRIO DA CODIFICAÇÃO DO ESPIRITISMO, no dia 18 de Abril de 1957, data do aparecimento de "O Livro dos Espíritos", no século passado.

            Um século de agitação e lutas, guerras e revoluções, não deu tempo à Humanidade de ler e compreender a obra maior que já foi realizada na superfície da Terra. A Codificação permanece desconhecida da imensa maioria dos homens, porque realmente eles não se acham em condições de compreende-la e muito menos ainda de vive-la, de atingir a felicidade que ela lhes pode proporcionar. Ela permanece de braços abertos esperando a Humanidade para salva-la, como o Cristo no madeiro, há quase dois mil anos, mas o pobre terrícola, atormentado pelas paixões, pela ignorância, pela fome, pelo medo, continua correndo atrás de suas ilusões ou fugindo de seus pavores, sem serenidade para buscar a paz, para estudar a vida que tanto horror lhe causa, quando só lhe deveria proporcionar júbilo e esperanças bem fundadas, segurança no porvir e desprezo às ilusões e ao medo que tanto o infelicitam. 

            Detenhamo-nos por um momento para meditar sobre a obra de Allan Kardec que iremos comemorar em 1957, quando teremos que ouvir muito repetido que Allan Kardec se chamava Hippolyte Léon Denizard Rivail, que encarnou em 3 de Outubro de 1804, e desencarnou em 31 de Março de 1869, que foi estudante precoce e educador emérito, havendo reformado muitos pormenores do ensino oficial em sua Pátria, que possuía bem o francês e o alemão, e tantas outras coisas mundialmente corriqueiras que se dizem de todos os grandes homens, mas são de pouco valor ao serem aplicadas a um Grande Missionário que veio transformar o Mundo.

            Tentemos fugir um pouco deste ramerrão tão superficial e pensar mais seriamente na obra do Codificador.  Os fenômenos espíritas são de todos os tempos e todos os lugares. Não houve lugar no mundo antigo nem no moderno em que não ocorressem os mesmos fatos, sobre os quais se fundaram todas as formas de mitologia, fetichismo e religiões que chegaram até nós, pelo menos em parte, através da literatura profana e sagrada.

            Deixando de parte o fetichismo, por ser de mais difícil verificação literária, e examinando somente as mitologias e religiões, notamos que todas elas se fundaram pela observação de manifestações do mundo espiritual, e se fundaram em regiões
completamente isoladas umas das outras. Bem conhecidas são as mitologias romana, grega e escandinava, criadas em tempos remotos, quando nenhuma relação existia entre esses três grupos humanos; no entanto, elas três têm grandes analogias entre si, como as tem com as crenças dos antigos egípcios, dos povos orientais e só isso bastaria para demonstrar uma origem comum. 

            Em todas as diversas mitologias, os Espíritos se intitulavam deuses: havia os deuses do bem e os do mal, deuses e deusas. Todos e todas com as mesmas paixões e limitações humanas. Era justamente como compreendemos hoje: Espíritos adiantados e bons e outros atrasados e maus, de homens e de mulheres.

            Mais um passo para a frente e entramos no domínio religioso, ainda muito nebuloso, dos judeus. Lá vemos Jacó lutando corporalmente com um "deus" que foi por ele vencido e desde aquela noite célebre passou ele a chamar-se o campeão de deus, isto é, Israel. (Gênese 32:22 a 28).

            Foi esse deus, ou Espírito materializado, quem deu a Jacó o nome de Israel, o pai dos israelitas. Este episódio é um traço de união entre as mitologias e as religiões antigas, em parte até hoje existentes no mundo.

            Por todo o Velho Testamento encontramos manifestações de Espíritos. Quem ditou a Lei a Moisés foi um Espírito que se nomeou o deus de Israel. Hoje ele se diria o Espírito protetor dos hebreus.

            Igualmente o Novo Testamento se baseia em fenômenos espíritas, alguns grandiosos como a Transfiguração (Mat., 17:1 a 6), na qual Jesus conversa com Moisés e Elias, materializados diante de três discípulos, e assim também as aparições de Jesus, depois de sepultado.

            Os fenômenos são universais e eternos e sempre serviram de base a mitologias e religiões; mas estas os colheram ao acaso, sem método de comparação e análise, de
modo que não provaram cientificamente suas teorias. Impuseram-se aos homens como dogmas de fé, sem demonstração completa e convincente.

            Recolhendo fatos materiais, relacionando-os, descobrindo as leis que os regem e as relações que os ligam entre si, foi surgindo a pouco e pouco a ciência materialista do nosso tempo.

            Baseada em fatos que se repetem com certa regularidade e podem ser por todos observados, a Ciência formulou teorias que se impõem a todos os estudiosos; mas estas teorias, fundadas exclusivamente sobre a observação de fatos materiais, não entraram pelos domínios da Religião, permaneceram no estudo da matéria. Seu estudo da vida se limitou às manifestações físicas dessa mesma vida.

            A Religião entrou em conflito com a Ciência toda vez que esta ousou negar um de seus dogmas, por mais absurdo que fosse o dogma, como o eram o da inexistência de antípodas, o de girar o Sol em torno da Terra, etc. Os argumentos da Igreja, em nome da Religião, foram a masmorra, o cavalete da tortura, as fogueiras da Santa Inquisição. Convenhamos: argumentos sem valor algum probativo e que a ninguém convenceram. Travou-se assim a grande luta entre os defensores da Religião dominante e os da Ciência nascente. Uma dispondo de dogmas, de palavras, de sanções cruéis, e a outra apoiada na observação de fatos da Natureza.

            É evidente que o Sol não se intimidou diante das fogueiras inquisitoriais e nem a Terra deixou de girar em torno de seu eixo, pelos decretos eclesiásticos; mas cavou-se um abismo entre Ciência e Religião. Uma tem dogmas humaníssimos, a outra por fatos da Natureza. Como a Natureza é o Livro de Deus, aberto aos homens, segue-se que a Ciência, apesar de materialista aparência, é divina, e que a Religião ortodoxa se tornou diabólica, apesar de se dizer espiritualista e crente em Deus.

            Passaram as palavras a ter sentido oposto à sua etimologia.

            A falta de base científica para os dogmas religiosos, lançou-os no descrédito
popular. A Humanidade passou a crer unicamente na Ciência que, apesar de todas suas falhas, apresenta grandes verdades e corrige seus erros humanos, logo que descobre.

            Entrou-se em cheio no materialismo científico e abandonou-se por completo a religião, apesar das tradições enraizadas que se conservaram em prática, mas inoperantes na vida.

            Em outro artiguete completaremos nossas reflexões sobre o sentido da Era Kardequiana.

Fim da parte 1


A Era Kardequiana 
 Parte 2 de 2 Partes
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB)  Maio 1956


            Vencida pelos fatos da Ciência, a Religião perdeu toda a sua força orientadora na sociedade humana e passou a crer somente no poder do Estado, a quem recorreu para impor seus dogmas aos homens. Vemo-la admitindo de público sua incapacidade e exigindo que a lei civil sancione seu Sacramento do Matrimônio, proibindo o divórcio. Por outras palavras, vemos a Igreja crente apenas nas forças materiais e descrente de todo o poder espiritual.

            É o reinado do Materialismo absoluto, do Ateísmo completo. A crença na imortalidade da alma e em prêmios e castigos após a morte passou a ser tratada como simples superstição de idades tenebrosas.

            É nessa penosa situação que surge a Codificação do Espiritismo, ainda hoje pouco conhecida do mundo, apesar de seus quase cem anos de existência.

            Reunindo os fenômenos espíritas pelo mesmo método de análise comparada que adota a Ciência, Allan Kardec demonstrou que a Religião, do mesmo modo que a Ciência, se baseia em fatos naturais invencíveis pela sua repetição universal e eterna e, portanto, que o Materialismo é apenas passageiro eclipse na vida da Humanidade.

            Cumpria apenas reunir fatos em grande escala, relacioná-los entre si, para dar à Religião uma base científica inabalável.

            Tais fatos existiam, existem, existirão sempre e nenhuma força humana poderá impedir-lhes as repetições presentes que confirmam o passado e as futuras que confirmarão o presente. Impossível destruir para sempre a verdade natural que se baseia em fatos. A Religião só teria que seguir o mesmo caminho modesto, sério, lento e seguro da observação científica dos fenômenos, interpretados em CONJUNTO, não insuladamente em suas aparências externas.

            A um século de distância da Codificação do Espiritismo, podemos vê-la um pouco melhor do que o puderam os contemporâneos de Allan Kardec, e verificar que ela está destinada a triunfar mundialmente, mesmo que contra ela se reacendam as fogueiras de novas Inquisições com outros rótulos; porque neste século decorrido multiplicaram-se por toda a parte os fatos em que ela se baseia, e foram submetidos ao mais rigoroso controle científico, para sua perfeita aprovação.

            Essa repetição constante dos fenômenos, confirmando sempre a Codificação, demonstra sobejamente a solidez granítica da edificação kardequiana. Não importa que a Humanidade se conserve de olhos fechados e ouvidos tapados para os fatos que mais lhe interessaria conhecer.

            Pobre Humanidade! Ela sofre tanto! A fome, o medo, as paixões, a ignorância a enlouquecem, e não lhe deixam calma para meditar um momento sobre si mesma, sobre seu porvir.

            Ela não é livre; é governada,  escravizada, torturada pelas suas próprias criações de tempos bárbaros. Pertence ao Estado, e faz a guerra que detesta, porque o Estado lhe impõe. Pertence às organizações econômicas e se apavora diante do espectro da fome que a ameaça. Teme a vida e teme a morte, o nada ou o inferno.

            Corre louca em busca de sensações que a levem a esquecer seu desespero. Quer ser compreendida e justifica-se a cada passo, porque teme os juízos alheios. Teme o presente e o futuro e desconhece o passado.           

            Não pode ainda estudar a Codificação e conhecer o grandioso porvir que a aguarda. É pequeno, muito limitado o número de pessoas que já se libertaram parcialmente das aflições ambientes para estudar e viver a Codificação. Quem ganha terreno mais rapidamente é o Materialismo, porque vivemos dentro das mais cruéis realidades materiais.

            Mas o tempo não importa. O eclipse pode ser longo. Depois ressurgirá o sol da Verdade, para brilhar e iluminar eternamente a Humanidade redimida do futuro.

            A Codificação nos prova primeiramente a continuidade da vida, as possibilidades de intercâmbio entre os vivos e os supostos mortos, e o prova com uma pirâmide imensa de fatos inabaláveis. Depois nos ensina os processos de conquistarmos a paz, a harmonia, a felicidade aquém e além da morte do corpo. E tudo ela nos prova sempre sobre a base dos fatos estudados, comparados, controlados com rigor perfeitamente científico.

            Demonstra-nos a lei das encarnações sucessivas e a responsabilidade que temos em preparar para nós mesmos encarnações felizes ou desditosas.

            Revela-nos a assistência permanente que podemos receber de seres mais sábios e melhores do que nós, desde que afinemos com eles os nossos sentimentos para podermos captar lhes as inspirações. 

            Esclarece-nos sobre a consoladora verdade da salvação universal e a continuidade do amor através das mundos e dos evos, como lei de atração universal que une os seres e os mundos na mais bela harmonia.

            A Codificação, formando a Terceira Revelação, parte dos fatos materiais para conduzir-nos em ascensão aos páramos do mais puro idealismo.

            Ela nos esclarece sobre todos os acontecimentos da História passada e presente e justifica todos os acontecimentos, conduzindo-nos assim a tudo perdoar e a tudo amar.

            Mostra-nos já redimidos pela dor os maiores monstros da antiguidade e nos ensina a amar igualmente a Jesus, Judas, Barrabás, Herodes, Pilatos e Caifás; porque todos eles já venceram e se acham em nossa frente, mais úteis e mais felizes do que nós.

            Antes do triunfo da Era Kardequiana a pobre Humanidade terá que vencer duras provas, fazer muitas reformas penosas em suas organizações já bárbaras e antiquadas. Tais reformas custarão muita dor, mas hão de preparar o mundo para a harmonia, a beleza, o amor, a justiça, para o triunfo em toda a sua plenitude da Religião em suas novas formas. Virá a Religião do Amor Universal a todos os seres, encarnados e livres, na Terra e nas Esferas superiores.

            Tudo poderá passar, mas a Era Kardequiana será inevitável, porque ela se funda sobre fatos eternos e universais que se repetirão sempre até despertar os corações de pedra.

            Nossas comemorações do Primeiro Centenário da Codificação fornecerão o ensejo de examinarmos as realizações de um século e planejarmos o trabalho que nos cumpre fazer no futuro milênio. Em cada século a Humanidade estará mais bem aparelhada para compreender e pôr em prática a Codificação.

Ismael Gomes Braga