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terça-feira, 12 de maio de 2020

Uma nova ciência


Uma Nova Ciência – parte 1
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

                                               É inacreditável, mas é...!
com posfácio do Autor

            Ao começar estas páginas, torna-se preciso que, dominando o meu constrangimento, fale um pouco de mim mesmo.

            Tendo evitado sempre a evidência, e avesso, por feitio de temperamento ou por determinação de vontade, ao tão frequente exibicionismo de nossa época reduzi-me há muito, e propositadamente, ao silêncio. Mas outrora, movido às vezes por um princípio de vaidade muito humana e pela perdoável satisfação de aparecer em público, cheguei a apresentar-me, sob pseudônimos, como escritor, na imprensa. Sempre, porém, acabei por arrepender-me e, vencendo este incipiente desejo de notoriedade, voltava, afinal, ao mutismo em que há muito me conservo.

            Porquê? Pela descrença na pena dos escritores, inclusive na minha, muito menos brilhante do que as outras. Escreve-se por escrever, para aparecer, sem estudo, sem base, sem reflexão ou experiência. Em poucos anos a maioria dos publicistas muda de ideias tantas vezes, que uma análise dos seus trabalhos mostrar-lhes-ia, já não digo a sua versatilidade, mas a inconsistência e leveza com que suas inteligências manejam as mais sérias questões.

            E assistimos, então, a um escritor formular os mais dogmáticos conceitos sobre economia, política, ciências, sociologia, arte, filosofia, etc. - assuntos que interessam à Humanidade, e que podem, portanto, alterar a atitude de um indivíduo e mesmo de agrupamentos e coletividades maiores.

            Escrever é doutrinar, predicar e influir, em maior ou menor grau, sobre o comportamento e a felicidade dos seus semelhantes.

            E foi por tal, por uma questão de escrúpulo, que emudeci diante do cenário turbulento desta época. Só desejaria dizer, aos que me lessem, o que fosse real, e o que lhes pudesse dar possibilidades de maior tranquilidade ou ventura.

            Seria uma boa maneira de ser útil aos outros. Mas como se apresenta difícil esta tarefa!

            Quantas vezes escrevi, certo de ter alcançado a verdade! Entretanto, estudos e observações posteriores demonstravam que eu errara nas minhas afirmações. E me magoava o ter ensinado o erro, o raciocínio falso ou a conclusão prematura! Aprontei mais de um livro. Alguns estiveram à beira do prelo. No último momento, porém, sempre recuei. Atormentava-me a responsabilidade de lançar ideias pela tribuna livre da literatura. Meus receios tinham razão. O tempo - e às vezes o tempo é representado por uma simples semana, através do estudo consciencioso de algum assunto - demonstrou-me que o meu trabalho continha proposições cuja veracidade se distanciava, ainda e sempre, do desejado absolutismo.

            E sinto-me hoje feliz por ter quase sempre dominado este pouco de vaidade humana
e guardado um silêncio que a ninguém prejudicou.

            Agora, publicando este opúsculo, o caso é diverso. Não me move o mínimo anseio de exibição, mas uma convicção que me obriga a vir a público. Se, noutros tempos, eu tivesse talvez sentido uma parcela de remorso pelo pouco que escrevi, às vezes afoitamente, como o faz a grande generalidade dos publicistas - neste momento, se eu silenciasse, maltrataria a minha consciência em face do que, errada ou acertadamente, considero um dever intelectual.

            Só este é o motivo desta publicação.

*

            Porque dedico este livreto aos médicos? Em primeiro lugar porque sou formado em
Medicina. Por minha iniciativa fundou-se o Sindicato Médico Brasileiro, no Rio de Janeiro.
Nunca deixei de acompanhar, com interesse, o desenvolvimento das atividades médicas assim como sempre me amargurei com o crescente mercantilismo da profissão, que também já foi minha.

            Em segundo porque reconheço nos médicos um exagerado pendor pelos dogmas materialistas, muito desculpável dadas as circunstâncias em que se processam sua educação, sua cultura, suas observações e suas tarefas diárias.

            Em terceiro porque são um pouco orgulhosos de sua sabedoria; como também o fui.
Tudo isto é justificável pelo motivo acima referido, e porque sua profissão é a mais bela e
a que mais confina com os segredos da nossa constituição e do nosso destino final. Mas o estudo e a observação dos fatos, longe do afã profissional, demonstram as limitações dos nossos conhecimentos gerais na interpretação da natureza e da essência da vida. Por tais motivos lhes dedico estas páginas, com amizade e grande espírito de coleguismo.

*

            Ainda volto a falar de minha pessoa, simplesmente porque é preciso. Minha índole e minha cultura levaram-me sempre ao mais absoluto materialismo. Nunca fui arrastado por tendências místicas. Nunca consegui admitir nem a hipótese de Deus, nem de alguma espécie de sobrevivência. Qualquer raciocínio que concluísse pela possibilidade do sobrenatural, do invisível, do imaginário, afigurava-se me uma simples crendice das multidões e o maior dos despautérios. Educado em colégios religiosos, nem aos doze anos pude crer no que me predicavam. O estudo da Medicina reforçou e corporificou minhas ideias materialistas e positivas sobre a Vida. Tudo o mais consistiria em sonho de gente mística, muito menos arguta do que eu. A Vida? Um acaso! Forças cósmicas em ebulição, u'a monere (um alarme?) que veio evolvendo e se aperfeiçoando, por si mesma, até culminar num espírito e numa consciência! O resto - fantasias de quem não se conforma com a fatalidade do aniquilamento!

            Não hesito em afirmar que a vida, com esta filosofia, torna-se árida e triste, principalmente quando nos agita uma ânsia de idealismo e desejamos achar, nesta comédia, um sentido e uma finalidade. Mas, enfim, deve ser-se estoico e bom! E o meu materialismo tornou-se tão sólido que o julgava indestrutível. Mas como os anos trazem surpresas !.. Se me predissessem, naqueles tempos, que, 15 ou 20 anos mais tarde, eu revogaria meu sistema filosófico e minha maneira de pensar, eu não acreditaria, salvo alguma psicose ou desvio cerebral. E, entretanto, agora, em plena maturidade, suponho que nunca tenha sido tão sensato, imparcial e isento de orgulhos, preconceitos e paixões. Nem foi a dor, como tão frequentemente sucede, que alterou o curso de meus pensamentos. A existência me tem decorrido relativamente risonha, e meu único sofrimento foi sempre ver e sentir as injustiças do mundo e a dor de muitos outros, mais desventurados do que eu.

            E foi neste estado de espírito, plenamente conformado com a minha filosofia invencível, e com um certo orgulho de me sentir mentalmente superior à vulgaridade dos homens, por ter descoberto a explicação universal dos seres e das coisas, que, um dia, por acaso, deparei, numa prateleira de livraria, um livro: “Metapsíquica Humana”, de Richet, o sábio francês tão conhecido nos estudos de Medicina.

            Comprei a obra e a li, sofregamente.

            Mas como?.. Seria possível?.. Ou minhas ideias erravam ou Richet era um parvo ingênuo! O leitor prefere naturalmente optar por Richet, mas eu, que sou eu mesmo, hesitei. Preferiria, pois, ficar comigo e imaginar o sábio francês uma criançola grande, se este autor não citasse outros cientistas que, como ele, afirmavam a veracidade dos fenômenos chamados vulgarmente espíritas.

            Aqui começaram meus estudos. Que literatura imensa, prodigiosa, irretorquível, pelo mundo inteiro! Como compreender que pessoas cultas, sempre ávidas de ilustração, ignorassem este escondido tesouro da sabedoria humana? Quantas sociedades e institutos de pesquisas, tão sérios e austeros quanto nossas academias, a desabrocharem pela Europa toda? E o resultado deste trabalho imenso, onde não há lucros e que outros cobrem de ridículo, era sempre o mesmo:

            Os fenômenos espíritas são uma realidade.

            E me estudos prosseguiram... Obriguei--me a silenciar a minha perplexidade e o meu espanto. Muitas vezes tentei conversar com pessoas cultas a este respeito. A resposta era sempre:

            - Ora! Você agora deu para isso?..

            Emudeci. Pobre humanidade! Tão habituada a ouvir mentiras, farta de tantas doutrinas, que já não pode crer em nada. Talvez tenha razão no seu cepticismo.

            Pois bem!

            Ninguém tem obrigação de crer em minha pessoa, um humilde vivente, sem títulos, sem pompas e sem glórias. Mas pela minha honradez; pelo meu bom senso, e julgo que jamais desvarios ou inconsequências deslustrassem a monótona estrada de minha vida; pelos meus estudos, realizados com a máxima objetividade; e apesar, confesso, do resquício de um antigo orgulho íntimo em não querer crer naquilo em que crê tanta gente simples e muito mais inculta do que eu; pela minha vontade em só querer dizer a verdade, - eu declaro:

            Os fatos espíritas são uma realidade.

*
Uma Nova Ciência – parte 2
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Cada indivíduo interpreta a vida a seu modo.

            Há os que são arrastados pelos instintos, sem jamais desejar ou lobrigar uma finalidade mais nobre; outros, educados sob um sistema de fé ou sob definidos princípios éticos e morais, continuam a segui-los, sem entusiasmo, passivamente, muitos, pelo raciocínio ou por necessidade subjetiva, amparam-se numa fortaleza de fé, criam suas verdades e encontram, portanto, um conteúdo finalístico na aventura da Vida; e alguns se convencem de que é inútil querer decifrar as eternas incógnitas ou, então, supõem ter descoberto nas nossas pobres e rudimentares ciências a explicação de todos os fatos e fenômenos vitais.

            Mas, como sempre se diz, a primeira das sabedorias é conhecer a nossa ignorância. E só a conhecemos quando nos afastamos um pouco do tumulto de ideias com que a vida cotidiana nos excita; quando, colocando-nos acima das paixões e preconceitos, somos capazes de uma reflexão serena e paciente. A nossa existência artificializou-se em excesso. Toda ela é inquieta, prática em demasia, nervosa, utilitária. Desaprendemos a arte da meditação. Queremos o que é real, evidente, imediato. E, sem mais nem menos, como quem toma uma resolução para afastar a angústia das dúvidas, evitando que o pensamento se malbarate em indagações especulativas quando o cotidianismo, com as suas exigências e dificuldades, solicita todo o nosso esforço e agilidade mentais - adotamos a explicação mais simples e mais rápida: o materialismo. Eis tudo interpretado! Tratemos, agora, da nossa imprescindível subsistência e de satisfazer nossas ambições!

            E, contudo, esta atitude, a mais comum nos homens de ciência, é um engano apressado. A meditação, o medirmo-nos diante do Universo, a consciência de nossa ignorância, o reconhecimento de nossa pequenez, despem-nos de todas as vaidades e derramam sobre os nossos sentimentos, sempre tão agitados, uma emoção nova de serenidade e de resignação, e, através dela, talvez, um pouco mais de lucidez mental.

            Não estou condenando o materialismo médico como um promotor acusando um réu. Há muitas justificativas para esse modo de ver e interpretar. Quando se assiste, por exemplo, um doente desvairar, imbecilizar-se, enlouquecer, devido a uma perturbação orgânica, a uma intoxicação, a uma lesão cerebral, como acreditar num espírito autônomo, capaz de sobreviver ao aniquilamento material? E, apesar disso, destas conclusões à primeira vista justas, parece que andamos enganados.

            Só podemos admitir uma interpretação nova da natureza e da vida se nos lembrarmos sempre da relatividade dos nossos conhecimentos e dos nossos sentidos.

            Não há pessoa, culta ou ignorante, que não se tenha perguntado, por exemplo, sobre a possibilidade da existência de um Deus. O homem comum frequentemente aceita esta hipótese, ao menos em certas horas da sua vida. O cientista é mais inclinado a negá-la, embora grandes sábios não escondam a sua crença num Princípio Supremo. O leitor, provavelmente, fará parte do grupo que não o admite, preferindo supor que Deus é a própria energia da matéria, evolutindo por si, criando, prosperando, com incompreensível sabedoria. Como não sou religioso, não lhe vou dizer que creia, e me faltariam argumentos para derrubar tão arraigada convicção. Apenas desejaria, de começo, que o leitor - colocando-se acima do seu sistema cultural e filosófico, sobrepondo-se à sua tradição mental e ao absolutismo de sua descrença - concordasse em que tudo é possível. Nada sabemos. É tão razoável que Deus exista, como não! Admiti-lo significaria talvez, para o leitor, uma demonstração de nossa estreiteza intelectual. Incapazes de explicar o Universo, valemo-nos do sobrenatural. Assim se interpretariam as Religiões. Basta considerar os povos antigos, acreditando em deuses incríveis, como animais, sóis, monstros e figuras grotescas. Seria, pois, justificável julgar que a Humanidade, à medida que progrida intelectualmente, aperfeiçoe o seu Deus e chegue um dia a dispensá-lo. Mas essa crença pode também resultar duma intuição verdadeira, duma sabedoria instintiva e profunda, duma lógica perquirição dos sentidos de causa e de efeito.

            Ninguém prova a sua existência ou não existência.

            O verdadeiro homem de Ciência, conhecedor da nossa incapacidade mental em interpretar o sentido e a significação da Vida, não pode negar a possibilidade de um Deus, embora esta hipótese lhe seja desagradável diante da positividade dos fatos a que se acostumou nos laboratórios e no realismo cotidiano.

            Se abordo este assunto, tão transcendental, é justamente para mostrar a relatividade de nossas afirmações, e podermos abrir o espírito para outras tarefas de indagação, porquanto o primeiro requisito para quem deseja abordar a Metapsíquica é o reconhecimento de nossa ignorância, da relatividade das nossas percepções e da extensão das possibilidades.

            Não se podendo afirmar ou negar a Onisciência de um Ser, fica sempre a pergunta: Quem criou a Vida?

            A conjetura do materialista é que ela se criou por si-mesma, ou por outras palavras, que tudo evolutiu da primitiva nebulosa. Não se pode mais contestar esta verdade. Mas que força a impulsionou? Eis a questão! Ela, a própria matéria, aos poucos, espontaneamente, adaptando-se e revelando, nas suas edificações e realizações, uma inteligência muito maior que a nossa? O problema consiste, portanto, em explicar o porquê e o como desta sábia e maravilhosa evolução. Diga-se que os organismos se adaptaram ao meio, paulatinamente!' Não há grandes dúvidas a este respeito! Mas permanece sempre a mesma pergunta: Como se processou esta contínua adaptação? Se, por várias gerações, privarmos de luz animais de vida curta, e, portanto, facilmente observáveis, o tanto quanto não lhes cause danos mortais, eles acabarão perdendo os olhos. Inversamente, se habituarmos gerações de seres aquáticos acostumados às trevas, a uma claridade, cada vez mais intensa, seus órgãos visuais, rudimentares, se aperfeiçoarão. Diante de tais fatos irretorquíveis, os evolucionistas formularam a lei: a função faz o órgão. Os pássaros voam porque têm asas e porque seus ossos são leves e ocos, ou têm os ossos rarefeitos e as asas por que voam. A segunda hipótese é considerada como verdadeira. De tanto saltarem para agarrar os alimentos, de tanto pularem para fugir aos seus perseguidores, acabaram adquirindo asas depois de um training de centenas de séculos. Eis uma história um tanto fantástica, tipo das Mil e Uma Noites, mas enfim ... vá lá! Compreende-se que um músculo de tanto se exercitar se engrosse e se aperfeiçoe; que uma retina continuamente excitada desenvolva sua sensibilidade à luz; que uma laringe, de tanto esforço em criar e diferenciar os sons, se converta num modelar aparelho falante; que um osso, de tanto tentar curvar-se, se dobre em articulação. Desde que um órgão preexista quase se entende o seu desenvolvimento progressivo. Não compreendemos, nem eu, nem o leitor, e nem ninguém, que a necessidade de uma função crie um órgão especializado.

            Vamos exemplificar:

            Porque temos sobrancelhas? Naturalmente para evitar que o suor, escorregando pela testa, caia sobre os olhos, empanando a visão. Nos tempos primitivos o homem era um bracejador e transpirava em abundância. Como se criou a sobrancelha? Por coincidência? Pela ação do próprio suor? Impossível! Neste caso a disposição dos pelos no corpo humano seria muito diversa do que é.

            Há, no oceano, animais de cor viva os quais, ao serem perseguidos; se escurecem subitamente, expelindo, ao mesmo tempo, um jato de líquido de sua cor natural em direção oposta da que fogem. O perseguidor não distingue mais a posição de sua vítima porque esta se transmudou numa mancha sombria. Vê, apenas, em, rumo diferente, a cintilação daquela cor que perseguia, e, então, enganado, dá uma reviravolta, nada atrás daquela ilusão, enquanto a vítima se esquiva. Como explicar aqui que a função faz o órgão? Por quais processos se realizou esta maravilhosa astúcia e se criou um novo órgão capaz de expelir um líquido para iludir um perseguidor? Como este, são dificilmente explicáveis todos os casos de mimetismo, tão comuns na natureza.

            Mas não é só no mundo animal! Há plantas que precisam de muita luz para medrarem. Se alguma outra lhe nascesse perto, e, pela sombra projetada, lhe vedasse o Sol, ela feneceria. Então - é o caso de dizer! - a planta teve uma ideia: emitiu lateralmente uma larga folha cobrindo o chão, a seu lado na direção do Sol. Desta forma o solo vizinho, não recebendo os raios solares, não se fertiliza. Nada crescerá junto à pequena planta, que florescerá facilmente, recebendo cem por cento da preciosa luz.

            A doutrina evolucionista, de que tanto se gabaram os materialistas, constatou apenas um fato inegável, mas, em absoluto, não o explicou. É verdade que ainda tentaram interpretá-lo, sob o ponto de vista materialista, apelando para as variações ocasionais da natureza e para o capricho das mutações. Mas este princípio é verdadeiramente infantil. Quando os homens se apegam a um dogma, - seja ele místico, seja ele materialista, - para conservá-lo inventam os maiores disparates. Estude alguém o sistema de reprodução de uma orquídea, por exemplo, e venha depois falar em caprichos ou acasos da natureza!

            A teoria evolucionista não afastou, em hipótese alguma, a interpretação espiritualista da vida, como não ajudou o mecanismo. Apenas constatou um fato.

            Com ou sem evolução, pairamos todos, há séculos, espantados e surpresos, crédulos, supersticiosos ou ateus, diante da Vida Incompreensível e do Infinito Insondável

            A ideia que tem o cientista de uma nebulosa inicial, desenvolvendo-se, aperfeiçoando-se, século por século, pode naturalmente ser real, mas, em absoluto, não é um argumento em favor de suas teses materialistas, como também não o é das doutrinas antagônicas.

            Ignoramos não só a nossa origem e as causas de nossa evolução, mas também a essência de nossa individualidade. Vivendo e morrendo há milhares de anos, não sabemos se consistimos somente num corpo, num corpo e numa alma, ou num corpo, numa alma e num espírito.

            Tudo são meros palpites, dependendo mais do sentimento e da fé que da razão. E essa seria a maior curiosidade do homem: conhecer até onde chega a sua personalidade! Não o move nesta indagação o puro desejo de sabedoria, mas somente o seu egoísmo. Verificaria, com imenso prazer, a sua sobrevivência, o seu minúsculo Eu, projetando-se pela eternidade, glorioso e invencível.

            Como suponho que outros planetas sejam também habitados, imaginemos, para argumentar sobre esta questão, que um cidadão, descido de outra esfera muito mais adiantada que a nossa, se propusesse a nos esclarecer em alguma de nossas inúmeras dúvidas.

            O nosso primeiro desejo consistiria em saber se há ou não sobrevivência: se a morte corporal significa o aniquilamento de nossa individualidade, ou apenas uma passagem entre dois ciclos.

Uma Nova Ciência – parte 3
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Eis três possíveis respostas do nosso hipotético hóspede:

            a) – “Os senhores, caros terráqueos, ainda admitem a sobrevivência? Vossa inteligência estacionou na idade da pedra? Mas... não posso compreender... como sobrevivência? Por quê? Não sentem que esta tola hipótese representa apenas uma sublimação do vosso incrível egoísmo? Então umas míseras insignificâncias, tão mesquinhas que se matam estupidamente uma às outras, têm mais esta pretensão - a da imortalidade? Sois tão estultos que vos julgais infinitos, eternos? A sobrevivência, já a possuís nos vossos filhos! Sempre haverá um pouco de vós na vossa descendência, séculos afora! Não vos perdereis de todo! Quereis mais?

            “Os senhores não observam? Não veem como um cérebro doente transforma o espírito? Onde paira, então, este princípio abstrato, autônomo, imortal? Já não descobriram os hormônios? Dizei-me: qual o mais belo e puro dos sentimentos humanos? Respondereis, sem dúvida: o maternal. Pois bem! Sei que os senhores já fazem experiências interessantes: injetam extratos de glândulas de um animal macho na respectiva fêmea. E que sucede? Ela não só adquire muitos dos caracteres físicos masculinos, como o seu temperamento se transforma. Viriliza-se. Perde a graciosidade, os langores feminis, e, por fim, até o sublime amor materno, abandonando à sorte os pintainhos. Tudo, meus caros, é uma questão de secreções, humores e equilíbrios internos, sob duas grandes influências: a hereditariedade e o meio.

            “E qual é o espírito imortal? O infantil, que é um puro instinto; o adulto, forte e lúcido, ou o do ancião, confuso e caduco?

            “Não há diferenciação nítida entre as pedras, os cristais, as plantas, os animais e o homem. A vida é uma só, mais ou menos complexa. Julgais o pensamento uma função destacada e nobre porque vos supondes os únicos racionais. É tudo uma questão de palavras. Há nos outros seres uma forma de inteligência que nem vos posso explicar porque não compreenderíeis.

            “Sede sensatos, práticos. Nada de misticismos. Queiram ou não, procurem, embora, consolar-se com teorias e conjeturas, a grande verdade é o silêncio eterno. Ou precisais ainda de promessas e recompensas para serdes dignos e cumprirdes os vossos deveres?"

            b) – “Vossa ignorância não consiste em ignorardes o que existe para além das estrelas e dos túmulos, mas em quererdes sabê-lo a todo o custo. Sois por demais curiosos. Nunca o conhecereis. Chama-se o Incognoscível. Por mais que conjetureis, ensaiando hipóteses e doutrinas, a questão de vossa sobrevivência paira muito acima da minha e da vossa reduzida inteligência.

            “A Natureza é engenhosa. Ela age do modo mais conveniente aos seus interesses. O seu maior cuidado consiste apenas em que o homem nasça, cresça, se conserve e se reproduza. O método mais ardiloso é dar-lhe a incerteza do seu destino final.

            “Imaginem-se os homens cem por cento convencidos do seu aniquilamento total. Embora ajam na vida, sem grandes finalidades, sempre existe ainda, velando e contendo a sua conduta, esse vago temor e esperança no misterioso além. Se descressem inteiramente, a avidez e o egoísmo se tornariam alucinantes. Soltariam, pela Terra toda, os instintos mais baixos e ferozes. Evitariam a descendência, e a palavra; oral perderia o seu já reduzidíssimo prestígio. A raça humana se entre destruiria. Isto não convém à Natureza!

            “Suponhamos, agora, a humanidade com a certeza absoluta de sua sobrevivência, sabendo que a vida, cá em baixo, significaria apenas o primeiro minuto de um século, lá em cima. Que importância ligaríeis à vossa efêmera passagem por esse planeta? Espiritualizar-vos-íeis em excesso. Pensando unicamente nas magnificências do além, esqueceríeis o mesquinho eu corporal. Converter-vos-íeis em abstratos ascetas, descuidados em demasia das coisas terrenas. E tal atitude prejudicaria também o desenvolvimento da espécie.

            “O que convém a essa misteriosa natureza é justamente esta dúvida perpétua. Não seria prudente conhecerdes a verdade, que tanto pode ser niilista, decepcionante, ou surpreendentemente agradável.

            “Conservai-vos, pois, amigos terráqueos, na eterna ignorância.”

c) –“Sim senhores! Ainda duvidais!..

            “Errastes o caminho. Edificastes uma civilização tão vazia e despida de finalidades nobres; o comodismo e os prazeres materiais tanto vos viciaram; desprezastes tanto a arte de meditar e a emoção de sentir, que vos é, agora, difícil aceitar a existência de uma alma, muito mais gloriosa que essa carne. Sede verdadeiramente bons, aproximai-vos da humildade, destruí o vosso injustificável orgulho, e sentireis, dentro de vós, essa chama imortal.
           
            “Porque não há de o homem sobreviver? Ó gente de pouca fé! Só porque não vê, por ocasião da morte, alguma coisa desprender-se do corpo?

            “Quantos seres na Natureza não passam por diversos ciclos de vida? Vós, os mais desenvolvidos, sereis assim tão simplificados em vossa evolução? Conheceis apenas duas fases de vossa existência: a fetal, e a que viveis agora, ao ar livre. O embrião, que fostes, não teve provavelmente consciência que, dum momento para outro, despontaria noutro ambiente muito mais vasto, e que continuaria assim sua progressão. Mas vós, que evoluístes, sabeis agora que já fostes embrião. É razoável admitir que ao ciclo terrestre suceda outro, num plano diferente do Universo, imperceptível aos vossos sentidos, da mesma forma que na vida intrauterina ignoráveis a vossa eclosão noutro inesperado ambiente.

            “A Natureza é sapientíssima. A vossa ciência acredita, com razão, que nada é inútil no organismo, e sabeis que o inconsciente, como um arquivo maravilhoso, guarda todos os fatos e recordações. O menor fato, o acontecimento mais banal ali se registra indelevelmente. Para quê? Porque este tesouro, que nunca usais, se ele desaparecesse com a morte do cérebro?

            “Olvidastes os principais ensinamentos das civilizações antigas. Só conservastes o que vos poderia dar a satisfação material, o que vos ensoberba, o que vos enriquece. A respeito de corpos, almas, espíritos e mistérios da Natureza, a sabedoria dos povos primitivos era maior que a vossa. Desprezastes toda essa ciência acumulada nos tempos idos, nas pedras, nos alfarrábios, na magia, no ocultismo e nas lendas que nem sabeis interpretar! Aí estão ainda incompreendidos os fenômenos do sonho, do sonambulismo, da catalepsia, da telepatia, da clarividência, dos êxtases, das curas milagrosas, dos pressentimentos, das premonições!

            “Ris de tudo isso, certos da enganosa superioridade sobre os vossos antepassados. Julgais possuir explicação suficiente para todos os fenômenos da vida! Mas a vossa ciência nada esclareceu ainda sobre a essência de vossos sentimentos e de vossa inteligência.

            “Cometestes, por exemplo, uma ação má e voltastes para a casa soturno e contristado. Sentistes, agora, o aguilhão do arrependimento. Uma angústia inexprimível. Onde? Em órgão nenhum, ilocalizável. E depois de vos atormentardes, resolveis reparar o mal feito. Saís para cumprir um dever de consciência, e, mais tarde, eis-vos de volta, mas límpido e contente. Não há satisfação comparável a esta: uma indefinível emoção de serenidade e bem-estar, como uma música interior. Tivestes vontade própria e vos alastes para uma região superior àquela em que paira a maioria do gênero humano. Sentistes a vossa alma. A Ciência que me explique toda a fisiologia deste ato: esses pensamentos maus e ruins que se digladiaram, o arrependimento, a satisfação do dever, a alegria e a tranquilidade do espírito. Que reúna todos os córtices cerebrais, os reflexos nervosos, os seus hormônios, os humores, plasmas e equilíbrios coloidais, os tabus e as libidos, os coeficientes de acidez, as oxidações intracelulares, as osmoses e diálises, as vitaminas, os genes, o inconsciente, todo o seu arsenal de descobertas, e tente esclarecer a história bio-físico-química desta atitude tão humana. Que confusão e atrapalhada em vossa augusta sabedoria, caríssimos terráqueos!

            “A sobrevivência é indiscutível e lógica porque o Espírito existe, embora durante o vosso ciclo terrestre se confunda de tal forma com a matéria e vos pareçam indissolúveis. Da mesma forma uma substância, como a água, que, há 200 anos, juraríamos ser um corpo simples, sabemo-la, hoje, composta de dois elementos que, em condições particulares, se tornam autônomos e independentes."

            Eis três modos de falar. Se o leitor não é intolerante, concordará na sensatez de qualquer deles.

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Uma Nova Ciência – parte  4
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Se és materialista te obrigas a acreditar integralmente no determinismo. Bem sei que essa interpretação é desagradabilíssima, mas não há como fugires dela. Se representamos apenas uma resultante de fenômenos físico-químicos não é possível conceber uma vontade independente e autônoma, passível de méritos ou de censuras. O materialista constrange-se tanto com esta sua teoria que concorda em que ela não seja propriamente assim, admitindo certa parcela de livre arbítrio. Mas - tenham paciência os ilustres mecanicistas - se o materialismo é um fato, como apregoam, o determinismo deve ser exato em toda a sua extensão.

            Os espiritualistas, por sua vez, acreditaram antigamente no mais absoluto livre arbítrio. Cada um age como quer, responsabilizando-se plenamente pelo seu procedimento. A tal ponto pensavam assim, que espancavam os loucos como castigo aos seus desvarios. Concluíram, afinal, pelo contra senso deste exagero, e, menos radicais, julgam hoje a atitude do homem em parte autônoma, em parte subordinada às condições do seu organismo e às influências do meio.

            A observação do comportamento dos indivíduos, as nossas próprias experiências pessoais, através dos nossos atos bons e maus, parecem demonstrar que, de fato, livre-arbítrio e determinismo se conjugam para a explicação das nossas ações. Somos, ao mesmo tempo, livres e escravos. Sentimos, muitas vezes, a nossa completa autonomia de decisão, mas, noutras ocasiões, confessamo-nos incapazes de nos governarmos, de determos um impulso ou instinto. Estas duas forças, livre-arbítrio e determinismo, parecem coexistir em todos os indivíduos, mas em proporções muito variáveis de um para outro. A vontade de um imbecil é quase nula, mas num ser superior, desses que dignificam a espécie, ela é muito mais poderosa. A medida que o indivíduo se desenvolve e se torna consciente de si mesmo, adquire maior autonomia de ação. Teoricamente não haveria limites ao poder da vontade. Desde que esta vontade atue, obrigamo-nos a crer na existência do Espírito, e, portanto, na sua autonomia parcial. A finalidade oculta de nossas vidas, através dos tempos, poderia consistir na absoluta libertação do Espírito por um desenvolvimento progressivo do nosso verdadeiro eu.

            Ou somos materialistas e só nos resta acreditar no determinismo absoluto, ou espiritualistas, e podemos, então, presumir que haja, em nós, o que a experiência parece comprovar: maior ou menor parcela desta misteriosa vontade espiritual.
           
*

            Todo o conhecimento normal nos vem por intermédio dos sentidos, dos quais o mais importante é o da visão. Se os nossos olhos, ouvidos, olfato e tato fossem mais desenvolvidos, tudo o que nos cerca se apresentaria sob aspetos muito diversos, e as nossas conclusões a respeito do Universo, da vida e dos mais simples objetos, difeririam das atuais. Se as nossas retinas, por exemplo, fossem sensíveis às vibrações que se estendem para lá do campo das “cores”, isto é, para fora dos limites do espectro visível, das faixas ultravioleta ou infravermelho, o espetáculo do mundo seria totalmente outro, o cenário real das coisas não é o que supomos, mas, provavelmente, algo muito estranho, muito mais extenso. Só conhecemos, talvez, uma pequena fração do real. Pela limitação dos nossos órgãos de conhecimento, ignoramos a verdade. Estamos cercados de uma imensidade de fenômenos ocultos. Eletricidade, magnetismo, radiações cósmicas, ondas psíquicas, formas materiais em outros graus de vibrações moleculares, múltiplos aspectos inimagináveis existem com toda a certeza, alguns já revelados pela Ciência, outros muitos por descobrir. Apenas não os vemos, nem os ouvimos. Talvez sintamos, sem saber explicá-la, a influência de muitos deles, imperceptíveis aos nossos sentidos, mas agindo profundamente sobre a nossa vida. Mas não podendo ligar os efeitos a causas ainda desconhecidas, tentamos interpretar com outras razões, e mesmo apelamos para o acaso, para as coincidências, para as superstições, e, no terreno metapsíquico, para a sugestão, para o inconsciente.

            Ignoramos mesmo a extensão de nossa individualidade, e, se, de fato, a periferia do corpo representará o seu limite externo. A sabedoria oriental, muito mais profunda que a nossa nas questões especulativas ou que confinam com o destino do homem diante do Universo, ensinava que um halo especial circunda todas as pessoas. Hoje se estuda essa possibilidade, embora às ocultas da ciência oficial, tão zelosa pelo seu conservantismo. Certos indivíduos, em estado de inconsciência, e mesmo, às vezes, despertos, conseguem distinguir esse outro contorno; envolvendo as criaturas humanas. Hoje já se está tentando, e com algum êxito, fotografar, por intermédio de processos e placas especiais, esta misteriosa auréola, assim como outras irradiações, emanadas das diversas regiões do corpo e que constituem o importante capítulo da efluviografia, que, diga-se de passagem, nada tem com o assustador espiritismo.

            Além dos nossos sentidos serem de capacidade comprovadamente limitada, devem nos faltar outros que nos permitam apreciar todos os fenômenos do Universo que nos cerca, e que, portanto, tornam as nossas dogmáticas afirmações muito relativas em face da verdade.

            Imagine o leitor um pescador atirando, em alto mar, a sua linha ou rede a grande profundidade, e trazendo, de lá, um peixe raro e estranho. Agarra-o. Mas quando vai colocá-lo no fundo do barco, ele lhe escapa das mãos e volta ao fundo do oceano. Concedamos, por analogia ao homem, consciência e raciocínio ao peixe, e imaginemos o seu espanto. Pensará que sonhou. Sempre julgara o Universo como constituído de águas, águas e mais águas. Os seres máximos existentes seriam eles: os peixes! E eis que, de repente, foi transportado a um mundo fantástico. Presenciou, num relance, coisas incríveis: uma extensão azulada lá em cima, um ambiente muito mais leve que o seu, coisas sobrenaturais, como o barco, o homem, etc. Se este peixe pudesse comunicar a seus companheiros o fato sucedido, que julgariam? Considerariam no louco, vítima de alucinações. Se entre eles houvesse cientistas, classificariam no como “um caso vulgar de sugestão, de delírio, etc.” Os limitados sentidos destes animais não lhes permitiriam outra concepção do Universo senão a dos mares onde vivem.

            Quando o incrédulo ouvir falar em Metapsíquica e outras coisas que lhe parecem produtos da superstição ou da fraude, lembre-se da história dos peixes. A existência doutro plano, doutro meio, é pois completamente admissível, assim como a presença de outras existências insuspeitadas, ou a continuidade de nossa consciência, evolvendo em novas fases ou ciclos. Estas hipóteses, cuja realidade a Metapsíquica parece demonstrar, se relacionam com a concepção de um outro conceito dimensional, conjectura já admitida matematicamente.

            Sendo assim, em determinadas condições subjetivas, como, por exemplo, em estados especiais, quando a nossa personalidade sofre um desdobramento de suas faculdades, talvez possamos presenciar fenômenos estranhos à nossa vida normal e que seriam naturais num universo imenso, do qual apenas conhecemos, sensorialmente, uma pequena parcela.

            Os nossos pensamentos, desde que se voltem para a especulação, enchem-se de ignorância e de dúvidas. Só sabemos da vida e do Universo o que nos permitem os nossos fracos sentidos ou os instrumentos que os aperfeiçoam. A ideia de Deus tanto pode ser absurda, como lógica; desconhecemos donde proveio a vida; não compreendemos como o nosso organismo conseguiu adaptar-se às condições terrenas, através dos séculos; o pensamento, o nosso orgulho maior, é indecifrável em sua essência; hesitamos na interpretação da morte: o aniquilamento de nossa personalidade, ou, quiçá, a sobrevivência, como o rompimento dum casulo para um estágio superior de consciência; nada nos esclarece se o que existe evolve por acaso, ou, se há, em tudo, uma finalidade oculta. Nem mesmo sabemos se temos culpa dos nossos erros ou se representamos apenas a função de viver, indiferente aos conceitos do bem e do mal. Eis a sabedoria: a ignorância, mostrando como são grandes a vaidade e a pretensão humanas.

            Imaginemos, ainda, uma lagarta na sua rastejante existência. Suponho que os olhos deste animal, adaptados apenas à sua vida elementar; não tenham capacidade de distinguir, mais acima, no espaço, voando, as borboletas. Houvesse entendimento nelas, não poderiam conceber que, mais tarde, se transformariam num ser alado e diverso. É de admitir, entretanto, que a borboleta, emigrada do chão, e que pode perceber da altura as lagartas com suas vidas e seus casulos, se tivesse consciência, saberia que ela fora, outrora, no limitado universo dos troncos e dos galhos, um pouco mais do que um verme.

            E agora, leitor, componho uma pequena fantasia para melhor me compreenderes:

            Supomos as formigas seres sem inteligência, e costumamos dizer que sua prodigiosa organização é consequência da engenhosidade dos seus instintos. Assim as definimos. Parece, entretanto, que elas também se comunicam umas com as outras. Por intermédio do quê? Não será naturalmente por uma linguagem articulada e consciente como a nossa. Talvez emitam e recebam irradiações especiais, que significariam uma forma de expressão e um meio de coordenarem suas atitudes dentro do espírito de coletividade que as anima. Imaginemo-las, por momento, dotadas da arte da palavra, como nós, já que não podemos conceber como conseguem transmitir suas sensações. Consideremos, ainda, que as formigas não devem ter conhecimento da presença do homem. Os seus órgãos visuais são de limitada capacidade, rasteiros, feitos para alcançar pequenas extensões e não podem abarcar a dimensão do homem, em sua gigantesca altura. Mas mesmo que estes insetos nos distingam, ou, pelo menos, parte do nosso corpo - praticamente não existimos para eles. A quantidade de formigas, pelo mundo todo, é tão fantástica, nas selvas e nos campos despovoados, que aquelas que entram em contato com o homem constituirão desprezível fração.

            Dito isto - uma formiga vai rastejando pela areia dum caminho, levando às costas, com dificuldade, um pedaço de folha. Chega o leitor, e, por curiosidade e por um pouco de maldade, arma os dedos, e dá um peteleco no humilde inseto, projetando-o a um metro de distância. Em relação às dimensões de nosso corpo, equivaleria a sermos arremessados a duzentos metros. Machucar-nos-íamos todos. Ela, porém, não tendo ossos, é mais resistente. Apruma-se de novo, e, alucinada pelo estranho acontecimento, volta mancando e apressada para o formigueiro. Todos notam logo o seu assombro através dos espavoridos olhos. Que aconteceu? Que houve? Porque se feriu? A vítima nem pode falar, tal a sua agitação. Só depois de convenientemente tranquilizada, consegue coordenar as ideias e contar às outras, aglomeradas em torno:

            - Eu voltava para a casa com meu fardo às costas, quando, de repente, sou inexplicavelmente arrojada a distância, pelo espaço, numa rapidez extraordinária. Nada vi. Tenho apenas a impressão de que uma coisa estranha, uma sombra veloz foi a causa que me atirou tão longe. Foi incrível, extraordinário! Quando me refiz do choque, olhei para os lados, examinei tudo ao derredor, trêmula, espantada... e nada mais vi! Amedrontei-me toda, e aqui estou aturdida, certa do que aconteceu, mas incapaz de explicar o fenômeno.

            Começaram, então, os comentários dos ouvintes:

            Fraqueza dos nervos! Excesso de trabalho!

            Foi castigo de Deus! Alguma coisa fizeste!..

            - Foram Espíritos de outro mundo! Muita gente tem presenciado estas coisas!

            - Qual, - conversam duas em segredo - é mentira! Ela é muito vaidosa, gosta de exibição e quer chamar a atenção sobre sua pessoa. Como se eu não a conhecesse! Ela caiu de algum galho e está inventando esta historiada toda!

            O fato, todavia, espalhou-se pelo formigueiro e constituiu o assunto do dia. Uma formiga-mestra, membro do Instituto de Ciências, que, conhecendo a vítima, sabia de sua idoneidade, resolveu levar o caso ao conhecimento dos seus pares. Levantou-se em sessão e narrou o fato, chamando a atenção dos ilustres presentes para o estranho acontecimento.

            Houve um silêncio, depois do qual o mais conceituado dos Professores, cheio de títulos e condecorações, sócio honorário de todas as agremiações científicas, levantou-se para falar, empertigado e solene:

            - Acabo de ouvir com verdadeiro acato a brilhante comunicação do meu eminente colega.
Não ponho em dúvida as suas declarações, apesar da ausência das provas testemunhais. Lembremo-nos, porém, de que no templo da Ciência devemos agir com cautela e prudência. Para parecer que não esteja desmentindo o meu amigo, suponhamos que a vítima, que aliás pessoalmente desconheço, não tenha tido a intenção de falsificar e inventar. Ela está convencida de que foi, inopinadamente, arremessada a distância. Este fato, meus caros compares, comprova mais uma vez a teoria recente das alucinações. Se examinarmos a referida pessoa, encontraremos, com toda a certeza, os sinais reveladores de um temperamento extraordinariamente nervoso, sugestionável e, provavelmente, apresentando todos os característicos do chamado histerismo. A paciente sofreu um ataque, caiu ao chão, contundiu-se, esqueceu-se do lugar onde estava, e, durante o estado de desmaio, o seu inconsciente, em delírio, forjou a história fantástica que conta. O caso apresentado é interessante pela forma que assumiu, mas sabemos hoje, graças aos últimos estudos, de como o inconsciente desarticulado é capaz de criar imagens, situações, enredos, cada qual mais surpreendente e absurdo.

            E o assunto foi, neste dia, encerrado.

            Na sessão seguinte, porém, outro dos muitos professores falou. O caso não era assim tão facilmente explicável. Tivera o cuidado de visitar o local do acontecimento. Observou que a areia, onde a vítima dissera ter caído, apresentava sinais desta queda, e que o fardo, que ela na ocasião carregava, estava no chão, no sítio de onde fora arremessada. Além disto, citou outros indícios que pareciam comprovar a veracidade do fato.

            Estabeleceu-se no ambiente certa balbúrdia. Todos falavam, irritavam-se ou riam. O presidente fez soar a campainha várias vezes e, depois de restabelecido o solene silêncio acadêmico, outra formiga pediu a palavra:

            - Embora pressinta a má vontade desta muito douta assembleia, o amor à verdade e ao estudo obriga-me a declarar que julgo possível tal fenômeno embora nos seja ainda incompreensível. Precisamos investigar este e centenas de outros casos estranhos, que o povo relata e nos quais ainda não acreditamos. Em outros formigueiros têm sucedido coisas verdadeiramente sensacionais. Conta-se que houve um, muito distante daqui, que foi subitamente invadido por estranhas fumaças. Há um sem número de acontecimentos de tal jaez, e que a nossa ciência, por não poder explicar, despreza. Eu mesmo fui vítima de um, há algum tempo: passeava calmamente, repousando de minhas tarefas, quando a meu lado passou uma sombra preta (era a botina de um homem), em tal velocidade o ar deslocado fez vacilar-me sobre os membros inferiores e me resfriou (Grandes risadas nos ouvintes acadêmicos). Não foi sonho, nem alucinação. Julgo não ser histérico. Os meus olhos viram!

            Lembro aos presentes que nada conhecemos do Universo. Porque seremos nós e estes outros seres, que rastejam, os únicos existentes? Não será possível que haja outras formas de vida, mais altas e mais organizadas, noutros ambientes? Nossas concepções são demasiadamente estreitas. O Universo será só o que vemos? Contam as lendas que, para além do nosso plano terrestre, se estende um plano de matéria fluida e mais inconsistente (água), que formigas de outras civilizações conseguiram descobrir. Seria, pois, aquilo que nossos ocultistas denominam outros planos, regiões fantásticas habitadas por outras formas vivas. Chamamos lendas a estas tradições, mas sempre há um fundo de verdade no que consideramos o delírio poético das multidões. O Universo, dizemos, é infinito. Mas o infinito será sempre este capim e esta terra, sobre a qual vivemos? Porque não se desdobrarão, pelas extensões afora, outros planos no espaço e no tempo? E será que nossa humilde ciência imagina que já conhece todos os segredos, todas as forças, todas as realidades universais? Não, meus colegas, o que sabemos será, talvez, uma insignificante partícula da verdade suprema. Pesquisemos sempre e cada vez mais. Não rejeitemos o que, à primeira vista, nos é inexplicável. O fenômeno, trazido à nossa sessão, é perfeitamente admissível. Os nossos antepassados o afirmam e o povo o diz. Voz do povo, voz de Deus. Quando uma coisa nos é indecifrável, atiramos a culpa para o tal de inconsciente. Este inconsciente, afinal, é tão prodigioso que acabará maior que o Criador. Rejeitar o que não se explica; não é ciência. Ciência é, em primeiro, constatar os fatos.

            Diante do caso em discussão, diante de alguns acontecimentos narrados por pessoas da mais alta idoneidade, e de muitos, centenas ou milhares que foram, em outras coletividades, noutros formigueiros, formalmente averiguados, proponho que se nomeie uma comissão para investigá-los cientificamente.

            E voltou a confusão na sala. Todos gesticulavam, discutiam, riam e até se descompunham. Falou, afinal, o máximo dos mestres, o pontífice da ciência:

            - Todos ouvimos, com atenção, a comunicação do colega X. Não julgo motivo para que, em torno do assunto, se levante uma ameaça de celeuma. Eu, pessoalmente, não posso concordar, em absoluto, com suas conclusões. O fenômeno narrado é, evidentemente, um caso comum de alucinação, já que não temos o direito de considerar fraudulenta a pessoa que o contou. Houve uma paralisação momentânea dos centros superiores e, por falta de irrigação sanguínea, as, ideias se descoordenaram. A causa devemos procurá-la talvez em perturbações digestivas, talvez na fragilidade de uma constituição neuropática. Creio que se se devesse nomear uma comissão de investigação, seria para proceder a um exame orgânico e psíquico da paciente. Não podemos, sob a pena de resvalarmos para o terreno da mitologia e do misticismo, tomar em consideração lendas, antigas tradições e descrições pessoais de fatos que nunca foram suficientemente comprovados.

            A história fantástica de formigueiros invadidos por fumaças sobrenaturais, de sombras que se agitam entre nós, é o sinal de nossa pouca ciência: ainda permanece, entre nós, o espectro da credulidade, da superstição e do fetichismo das formigas primitivas! Quanto à possível existência de oceanos, muito distantes daqui, povoados por seres estranhos; - ninguém os viu, mas naturalmente somos livres de imaginar quantos planos desejarmos!

            Eu fico com a verdade científica, com a eficiência dos meus sentidos, com a positividade da vida, coma razão dos meus julgamentos. Deixemos as fantasias para as multidões incultas e supersticiosas.

            Esqueçamos, portanto, a história da formiga arrojada a distância por uma força sobrenatural, fato condenável e ilógico ao bom senso dos homens de ciência.

            Quanto ao projeto de nomearmos uma comissão investigadora, voto contra, de espírito e de coração. Tenho dito.

            As palmas prolongaram suas últimas palavras, e, posto em discussão, o projeto foi vencido por quase unanimidade.

            Eis, caro leitor, uma fantasia, a respeito da metapsíquica.

            Tais as formigas, tais os homens!..

            Antes de se iniciar o estudo da metapsíquica é, pois, indispensável que nós convençamos da relatividade e da limitação dos nossos conhecimentos.

            Todos o sabem, talvez, em teoria! Mas a existência hodierna, com sua precipitação e seu tumulto se nos dá ao espírito uma espécie de vivacidade indispensável aos triunfos materiais, - em compensação, nos rouba as possibilidades de reflexão e de serenidade mental para a análise das coisas e dos fatos. E, no redemoinho das horas agitadas, que constituem afinal a nossa existência de civilizados, nunca temos presentes, no espírito, a nossa pequenez, a incapacidade dos nossos sentidos, o receio sistemático de nos opormos aos preconceitos, o relativismo do que nos cerca e do que aprendemos em função de nossas profissões.

Uma Nova Ciência – parte  5
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Mas, afinal, que vem a ser esta tal de metapsíquica?

            É o estudo do supranormal, dos fenômenos chamados espíritas, assombrosamente desconcertantes, maravilhosamente espantosos, tão fora do a que costumamos chamar normalidade, que é perfeitamente desculpável que um leigo no assunto não os possa admitir.

            Imagine-se que eu chegue a um colega, médico, austero, cheio de cultura, capaz mesmo de ensinar aos outros o muito que aprendeu em sua profissão, e comece a dizer-lhe que tudo é verdade; que mesas e panos passeiam pelo ar que formas vivas se revelam em sessões de religião espírita ou de pesquisas metapsíquicas; que os batimentos cardíacos destas pessoas aparecidas têm sido ouvidos e registrados; que ignorantes se põem a falar em diversos idiomas que lhes são desconhecidas, e que contam o que se passa a distância; que entidades invisíveis se acercam e narram o que há noutro plano de vida como alguém que descrevesse uma região donde veio! Quando eu chegar neste ponto, o meu amigo me envolverá num dúlcido olhar de misericórdia e pena. Pobre de mim! E chegará para outros colegas, dizendo:

            - Você se lembra de fulano? Coitado! Parecia que ia dar alguma coisa na vida! Vá conversar agora com ele, e verá!

            Tudo isto sucederá infalivelmente. Já passei por estas fases todas e já julguei os outros como me hão de julgar'. Paciência!

            Pois bem! Tudo aquilo é uma verdade. Eu sei que é incrível, prodigioso, fantástico, desconcertante, inesperado, que fere o orgulho de nossa cultura, mas, enfim, é verdade.

            Retrucar-se-á que é verdade só para mim. Contesto. Estou muito bem acompanhado. Embora a meu lado se enfileire muita gente simples, ingênua, quase sempre boa, inculta, crédula às vezes em demasia; apesar de afirmarem o mesmo que eu muitos charlatães que se aproveitam dos fatos? Para explorar a credulidade e os bolsos alheios e desmoralizar a verdade, assim como em qualquer agrupamento ou profissão, inclusive entre os médicos, há também os falsários, existem também dezenas de sábios, muito mais cultos, perspicazes e inteligentes que o leitor e que eu, que repetem estas afirmações. E além desta plêiade de notabilidades, de fama mundial em diversos setores da ciência, há milhares de homens cultos e idôneos que, sem terem o cognome de sábios, são bastante esclarecidos e honestos para que eu me honre em sua companhia.

            E os que combatem estes fatos todos? A rigor, ninguém. Ignoro algum verdadeiro cientista, que, depois de ter estudado e pesquisado toda essa estranha fenomenologia, com critério e minuciosidade, os negasse. De muitos sei que se dedicaram a este estudo para evidenciar o engano dos que afirmavam o inverossímil, mas que terminaram como maiorais deste novo ramo do conhecimento humano.

            Esta série de fenômenos, vulgarmente chamados espíritas, foram conhecidos em todos os tempos, sob as mais diversas rubricas. Se leres bem a História antiga, no seu conteúdo cultural, concluirás que tudo isso era do inteiro conhecimento dos magos, dos sacerdotes, dos lamas, enfim dos povos de outrora, em maior ou menor grau. Tudo o que se passa, hoje, nas sessões de espiritismo, ocorria já naqueles tempos. A Magia, que encheu a Idade-Média, encerrava, sem dúvida, muito de charlatanismo e crendice, mas também imenso tesouro de verdades que, depois, foram esquecidas.

            O verdadeiro espiritismo, tal como o consideramos hoje, sob um ponto de vista científico, surgiu, com mais impetuosidade, quando as irmãs Fox, nos Estados-Unidos, há um século, começaram a produzir estes extraordinários fenômenos. Tornaram-se célebres e, naturalmente, atraíram a atenção do público. E, como uma epidemia, os fatos se alastraram. Em casas de família, em salas luxuosas ou em varandas humildes, intensificou-se a "tal" conversa com os Espíritos através das mesas que falavam por pancadas misteriosas. A novidade passou para a Inglaterra, e com tal intensidade que chamou a atenção de homens bastante cultos. Muitos deles verificaram a autenticidade dos fatos, e, surpresos e curiosos, induziram o maior sábio inglês daquela época, William Crookes, para pronunciar o seu veredito. E o sábio estudou o assunto durante anos, com todo o rigor científico e probidade, concluindo, afinal, pela realidade dos fenômenos. Como este meu trabalho é apenas um opúsculo e meu desejo consiste somente em despertar a curiosidade, não me preocuparei com estas primeiras pesquisas neste terreno fantasmagórico. Poderão adquirir o livro que aquele sábio escreveu. (*)

                (*) “Fatos Espíritas”, à venda na Livraria da Federação Espírita Brasileira.

            O julgamento deste cientista aguçou a curiosidade de outros igualmente ilustres. E desde então serão dezenas de professores de universidades, engenheiros, médicos, literatos, diplomados, enfim cidadãos de cultura e senso, a investigarem cuidadosamente, em sessões experimentais, com todos os requisitos e aparelhamentos capazes de evitar a fraude e a ilusão, esta série de fatos que vinha alterar, de súbito, todas as concepções sobre a matéria e sobre a vida.

            A maioria dos que encabeçaram estes estudos foram cidadãos sábios, sensatos, leais, possuidores daquele espírito de modéstia, de renúncia, tão raro no reclamismo (propaganda) da época e que ao seu “eu” sobrepõem o zelo pela verdade e pelo regresso humano. Inúmeras sociedades científicas se organizaram, dirigidas por vultos eminentes, e nunca houve, até hoje, em conjunto, um resultado negativo. Nenhuma destas sociedades se dissolveu por ter comprovado qualquer falsidade da nova ciência. Ao contrário: continuaram crescendo e se multiplicando, e me consta, neste momento, que, em nosso país, já duas se organizaram. Note-se que não são associações religiosas; como as centenas de sociedades espíritas existentes, mas agrupamentos essencialmente científicos, dispostos a procurar a verdade, longe dos preconceitos oficiais.

            Dentre os sábios, professores de universidades e notoriedades públicas, cito os que me ocorrem de ocasião: Friedrich Zõelner, professor de Astronomia e Física da Universidade de Leipzig e um dos maiores sábios da Alemanha; Schrenck-Notzing; Warcollier; Dr. Eugene Osty, Albert de Rochas, Barão de Reichenbach; Robert Hare, da Universidade de Pensilvânia; Nicolau Wagner, da Universidade de S. Petersburg; Crawford, da Universidade de Belfast; Dr. Ochorowicz, da Universidade de Lemberg; Oesterreich, da Universidade de Tübingen; Oliver Lodge, da Universidade de Birmingham; Morselli, da Universidade de Gênova; Hereward Carrington, do Instituto Psíquico norte-americano; J. Hyslop, da Universidade de Columbia; William Barret, da Universidade de Dublin; Walter Kilner, do Colégio Real de Londres; William James, da Universidade de Harward; Carl du Prel, da Universidade de Tübingen; Gibier, descobridor do micróbio da raiva; Myers, Varley, Aksakof, César Lombroso, Russell Wallace, Robert Owen, Mapes, Gladstone, Hodgson, Flamarion, Conde de Gaspatin, Balfour, Raileigh, Goupil, Baret, Chiaia, Delpozzo, Revel, L. H. Fichte.: Carpenter, Serjeant Cox, Baden Powel, Franz Hoffmann, Boutlerof, John Elliotson, Fiske e dezenas de outros nomes, muitos dos quais , conhecidos por seus labores científicos...

            Julgo que uma das primeiras tarefas que os Metapsiquistas devem executar é a confecção de uma relação de todos os homens eminentes que estudaram e comprovaram os fenômenos em questão. Ao lado de cada um deles deveriam figurar os seus títulos e trabalhos científicos. Seria uma forma de atrair estudiosos e comover os incrédulos.

            A série acima citada não representa nem a décima parte da que seria a real, se eu tivesse um arquivo destes estudos.

 Uma Nova Ciência – parte  6
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Que disseram todos estes pesquisadores, grande número dos quais prestaram em outros ramos de ciência tão valiosos serviços à Humanidade?

            Que os fenômenos são todos reais e positivos por mais fantásticos e disparatados que pareçam à primeira vista: levitação de objetos, inclusive de móveis pesadíssimos: transposição de coisas através de paredes e de enormes distâncias, instantaneamente: desmaterialização dos médiuns e emissão do “ectoplasma”, substância esta já pesada e analisada quimicamente; formação pelo ectoplasma emitido de formas materiais, ou de pessoas vivas que falam e se movem; os mais variados fenômenos químicos e luminosos; sensibilização de placas fotográficas sob todo o possível controle; pesquisas valendo-se de moldes de cera, de tal forma realizados que afastam toda a possibilidade de fraudes; instrumentos de música que tocam sozinhos (aqui convém fazer uma pausa a fim de rires à vontade ... ). Além destes, há a enorme variedade de fenômenos sem evidenciação material, digamos “subjetivos”, a incorporação, isto é, estado de transe do médium, através do qual dizem que se manifestam os Espíritos dos mortos. São fatos menos comprováveis que os “objetivos” porque mais facilmente se podem prestar para invocarmos a fraude consciente ou inconsciente. Mas, ao lado dos casos mais simples, passíveis de outra interpretação, apresenta-se uma infinidade de outros, onde o médium dá informações ignoradas dele e de todos os presentes, só conhecidas, na vida, pelo Espírito do morto, e que são depois verificadas como certas; onde o médium, pessoa frequentemente inculta, discorre com tal facilidade e ilustração que a explicação de “fala do inconsciente” não satisfaz em absoluto; onde o médium fala em idioma que nunca aprendeu ou ouviu; onde a escrita automática se realiza em estado de completa inconsciência, e na qual o médium revela conhecimentos que não pode absolutamente ter; onde a previsão do futuro (premonição) e a descrição de fatos, que se passaram ou se passam a distância, são, depois, verificados em sua exatidão. E assim por diante!

            Note-se que não peço aos que quiserem estudar a fundo estas questões que as interpretem como produtos de “espíritos de outro mundo”. Seria demasiadamente forte, no início! É necessário, em primeiro lugar, que se constate a realidade dos fatos. Depois forje cada um a sua hipótese explicativa. O primeiro passo a dar é examiná-los cientificamente, com todos os rigores e com toda a técnica experimental, tão fácil para os médicos habituados a instrumentos e laboratórios. Deixe-se, assim, a interpretação para mais tarde.

            Desta maneira agiram todos os pesquisadores escrupulosos. Após verificarem a verdade, eles se dividiram em suas opiniões. Como?

            Alguns concluíram pela verdade da doutrina espírita, e de tal modo se convenceram que se tornaram crentes.

            Outros, talvez a maioria; não quiseram afirmar categoricamente a hipótese espírita, mas deixam entrever que ainda é a melhor explicação, embora se constranjam a adotá-la definitivamente.

            Muitos continuam afirmando que a nossa ciência acabará por desvendar toda essa fenomenologia sem precisar recorrer a entidades sobrenaturais ou aos espíritos dos “desencarnados”.

            E destes todos, que, nos países mais adiantados, estudaram conscienciosamente os fatos
metapsíquicos, sem pressa, sem preconceitos, quantos negaram a realidade?

            Ao que me conste, nenhum!

            O leitor, a esta altura, dirá que estou exagerando, talvez inconscientemente e de boa fé.
Só me cabe responder:

            - Estude como estudei... e verá!

            E ele há de acrescentar:

            - Mas então eu, culto e formado, posso acreditar nestas baboseiras de móveis andando pelo ar, de ignorantes falando em, múltiplos idiomas, de analfabetos escrevendo primorosos versos, de visões a distância, etc. ?! Pois é! É incrível, mas existe! Dou-lhe talvez razão no seu ceticismo inicial. É tão real, porém, quanto a nossa existência; tão real quanto a evolução de Darwin suscitando debates, tão real quanto as descobertas de Galileu que os homens cultos condenaram, tão real quanto os micróbios de Pasteur que os acadêmicos ridicularizaram, tão real quanto o hipnotismo de que riram os doutores!

Uma Nova Ciência – parte  7
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Já dei exemplos, páginas atrás, de como tudo é relativo aos nossos sentidos e como nossa capacidade de percepção é limitada. Ninguém pode negar só porque não viu. A existência de outro plano de vida já não se afigura uma tolice depois que a Matemática estabeleceu princípios quatridimensionais. Se o leitor tem bom senso, ele deve admitir, como homem de ciência, que todo o exposto, embora improvável, não é impossível. Diante do desconhecido esta é a posição de um espírito livre e desembaraçado.

            O que nos afugenta, de início, deste estudo, são às vezes as simples palavras, termos populares pelos quais os fatos são designados. São assim: espiritismo, fantasmas, incorporação desencarnados, passe, transe, etc. Será que estas denominações espantam os incrédulos, acostumados, como por exemplo os médicos, a usar para todos os fatos de ciência nomes complicados, fora do vulgar, inacessíveis ao público? Mas isto é uma simples questão de palavras. Se é isso que os assusta, a Metapsíquica já deu nome a tudo: vocábulos, aliás, bem sonantes - criptestesia, endometaplasia, escotografia, metacromática, metacinesia, metafonia, metafotismo, metaglossia, metagnomia, metagrafia, metaplasia, metaraísmo, prosemia, telecinesia, xenoglossia, etc.

            Além disso, a qualidade dos fenômenos nos torna incrédulos. Que se diga que nestas sessões se adivinha o pensamento um do outro (telepatia), que se pode ver à distância... enfim ainda vá lá!. .. Mas que um piano se levante a dois metros de altura sozinho, que o Espírito de um morto comece a pilheriar com os assistentes, que um carregador comece a falar latim e grego... isto é piada, e da boa!
Agora, um doutor, com diploma, com aquele ar reservado, semi pontifical, há de crer nisso tudo? Que dirão os colegas quando souberem deste fato? E se os fenômenos não se realizam, que complexo de inferioridade não se cria dentro de quem foi espiá-los!?

            Pois bem, colega! É preciso saber nadar contra a correnteza. É duro, é difícil, mas é necessário a quem ama procurar a verdade.

            Desde que - como já disse - admites a nossa grande ignorância em relação ao Universo e às forças que nos movem, a capacidade restrita dos nossos sentidos, - já demonstras uma intuição altamente científica, ou, ao menos, um começo de sabedoria. Se pensas assim, concluirás que a sobrevivência não é impossível.

            A educação e a tradição nos inculcaram, a nós, ocidentais, que, se quisermos admitir a sobrevivência, devemos imaginar o espírito liberto da matéria, como uma coisa pura, imaterial, muito lá por cima, longe da terra, sem o menor contato com as poeiras daqui. Mas, porque essa superioridade, post-mortal?            

            Se há sobrevivência - o que parece estar demonstrando a fenomenologia espírita - ela não há de ser como nos acostumamos a imaginá-la. Em primeiro lugar, essa história de ir para longe, para o alto, é uma concepção simbolista. A sobrevivência pode dar-se num outro plano dimensional, intercalado ao nosso. Não é mais racional admitir-se que uma outra vida, se possível, seja apenas um outro ciclo, uma continuação noutro espaço-tempo, da mesma forma que a crisálida, saindo da lagarta, continua sua evolução noutro ambiente, provavelmente desconhecido da primeira?

            A continuação da existência noutro plano não seria, portanto, totalmente imaterial, porque essa concepção de "imaterialismo" representaria o vácuo, ou melhor, ainda mais: o nada. Consistiria, sim, numa outra forma de vibrião material, mais tênue, mais sutil, imperceptível aos nossos sentidos, da mesma forma que outras vibrações, que hoje sabemos existirem graças a aparelhos, são também ignoradas pelos nossos órgãos de percepção.

            Este é o razoável conceito da sobrevivência.

            O que nos torna céticos, não só nos fenômenos metapsíquicos, como igualmente na sua possível interpretação espírita, é o seu caráter de prestidigitação. Mas desde que admitamos a sobrevivência, como falei acima, compreenderás melhor. Existindo um outro plano de vida, onde paire o Espírito sob forma material diversa, donde a consciência e a inteligência não desapareçam, é razoável crer que os mortos desejassem comunicar-se com os vivos, assim como nós, admitidas estas hipóteses, teríamos vontade de nos manifestar a eles. E como agiriam estes seres de um outro plano para nos provarem que existem, senão apresentando estes fatos incríveis que se assemelham a coisas de palco ou diversões de crianças?

            Poderiam fazê-lo doutra forma?

            Não lhes podemos impor condições a nosso bel-prazer. Eles teriam, como nós, limitada capacidade de ação e de manifestações. Não seriam como deuses onipotentes capazes de todas as provas que costumamos imaginar. Vivendo sob outra forma, sob outras determinantes físicas, em esfera ou plano diferente do nosso, suas existências teriam suas leis, suas limitações, como a nossa, e só poderiam apresentar um quadro de fenômenos, dentro de suas possibilidades. Imaginemos que uma pessoa, nossa querida, tivesse ficado cega, surda e muda, e à qual, depois de larga ausência, quiséssemos demonstrar que ainda vivíamos, que éramos nós mesmos e que não a estávamos enganando. Quantos atos e processos não usaríamos para provar à incrédula que estávamos presentes?.. Ela, porém, não teria sentidos que comprovassem a nossa identidade e, por isso, lançaríamos mão de todo o nosso engenho e arte em inventar realizações que lhe dessem a desejada certeza. Da mesma forma, não podendo os vivos perceber, em estado normal, a existência póstuma dos que nos deixaram, estes se valeriam dos recursos de que são capazes.

*
Uma Nova Ciência – parte  8
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

                        Agora, perguntará o leitor, mas esse tal médium que vem a ser?

            Lembremo-nos, primeiramente, de que uma das descobertas de valor da ciência foi o inconsciente ou subconsciente na personalidade humana. Sabem os médicos perfeitamente bem. Em determinados estados há como que um desligamento entre a parte consciente, razão, e a parte inconsciente. O sonho, por exemplo parece ser uma situação psíquica onde impera, quase sozinho, o subconsciente. Os médiuns, quando caem em transe, sofrem, muitas vezes, ou quase sempre, em maior ou menor escala, o adormecimento da razão. Ficam - digamos assim- sem raciocínio próprio. Frequentemente não sabem o que dizem, o que fazem, o que escrevem. Neste estado tem-se constatado amiúde, perturbações orgânicas como elevação de temperatura, dormências, erupções cutâneas, gelidez, suores frios e mesmo condições similares às que precedem uma síncope.

                Nestes casos de vazio cerebral (perdoem esta expressão anticientífica), os Espíritos dos mortos se apossariam dos organismos vivos para dirigi-los: Seria a repetição das antigas obsessões e dos endemoninhados da Idade Média, curados pelos esconjuros ou exorcismos. Certamente que é mais fácil invocar a auto sugestão. Adormecida a razão, o inconsciente, livre, realizaria toda a fantasmagoria de sonhos, alucinações, falas e recitativos, Eis naturalmente uma interpretação mais lógica em face das nossas ciências e que tem base em fatos análogos no domínio da Psiquiatria. Mas, para contradize-la, aí está toda a fenomenologia metapsíquica, demonstrando que aquela primeira hipótese, a espírita, é mais consentânea com os fatos apresentados, embora - repetimos - seja alarmantemente inesperada e, em certo sentido, sobrenatural. O inconsciente, apesar de maravilhoso, de sua memória imensa, de seus recursos de imaginação e devaneio, não pode, em absoluto, explicar os fatos metapsíquicos.

            O médium seria, pois, segundo o espiritismo científico, uma personalidade em tais condições que é capaz de, pela vontade, pela harmonia do ambiente, ou sob outras circunstâncias ainda não esclarecidas de todo, cair no chamado transe. Neste, estado os “espíritos” se aproveitariam do seu organismo para manifestarem sua presença. Quais seriam as condições orgânicas que diferenciariam um médium de uma pessoa normal? Ignoramos ainda.

            Fantástico? Incrível? O leitor, cético, há de sorrir como eu sorri quando li, faz muitos anos, esta explicação. Inútil será dizer que considerei todos os que acreditavam, nisso uns cândidos ingênuos, e eu, muito mais culto e lógico do que eles.

            Mas o tempo é o tempo e a vontade de me esclarecer era muita. Procurei sempre despir-me de toda a vaidade, de todos os preconceitos e dogmas, mesmo aqueles que imperam nos templos da ciência. Embora lutasse contra o constrangimento em crer em coisas tão contrárias ao meu temperamento, e em fatos que recebem o beneplácito de tanta mente simples e tanta alma ingênua, -' a razão ensinou ao meu ceticismo que não poderia condenar, sem mais nem menos, as pesquisas e as conclusões de indivíduos muito mais eminentes do que eu.

*

            Agora digamos algo sobre o combate aos fenômenos espíritas.

            Nada encontrei de valor a este respeito, embora muito me falte para conhecer toda a literatura sobre tão vasto assunto. Jamais soube de algum cidadão que, depois de investigar, como estudioso, sem o tão comum espírito de prevenção ou mesmo de ódio, tenha negado os fenômenos.

            É verdade que há livros escritos contra o Espiritismo. Entre nós, no Brasil, poucos se publicaram, mas, a quem conhece toda esta questão, são verdadeiramente vazios. Limitam--se a citar três ou quatro casos de fraude, descobertos geralmente pelos próprios metapsiquistas, e isso entre centenas e mesmo milhares de outros fatos incontestavelmente verídicos. Repetem e transcrevem meia dúzia de argumentos, sem base, há um século repetidos, e que só servem para demonstrar ao estudioso a falta de conhecimento desses adversários. Citam trechos, escritos pelos melhores metapsiquistas, e que, ao primeiro relance, parecem condenar a nova Ciência. O processo é conhecido: tomam-se frases e períodos que, considerados insuladamente, separados da página ou do capítulo a que pertencem; dão uma ideia totalmente diversa do pensamento do autor. São obras de má vontade e sem cunho científico. Não é o que se exige! Pedem-se experiências, investigações, pesquisas. Isto, sim, é Ciência!

            Não é porque entre cada cinquenta casos se descobriu uma fraude, ou porque entre cada dez médiuns se desmascarou um charlatão, que se concluirá pela falsidade dos fatos.

            Todos os estudiosos temos amor-próprio e zelamos pela nossa personalidade, e não haveríamos de afirmar alguma coisa aereamente, sujeitos, amanhã, a sermos desmascarados e sofrermos o ridículo, passando por ingênuos e infantis.

            Porque tu, leitor, sem maior estudo da questão, hás de considerar-te mais esperto que a interminável série de cidadãos que, conspícuos e inteligentes, se dedicaram a investigar e concluir? Seriam todos eles bobos e estouvados? Como julgas, acaso, que eles fizeram e fazem seus trabalhos experimentais? Com o mesmo espírito, o mesmo bom-senso, o mesmo rigor com que te dedicas ao teu trabalho no laboratório, no hospital, na clínica, e valendo-se dos meios que a Ciência lhes põe ao alcance (eletricidade, fotografia, mecânica, registros gráficos, discos gravadores e até, ultimamente, as prodigiosas possibilidades das células foto elétricas). E além destes meios, que requerem imaginação e conhecimentos técnicos para usá-los, todos os processos vulgares para evitar a fraude ou o engano! Os grandes médiuns têm sido verdadeiros mártires pela desconfiança que os cerca, quase sempre injustificada, pelas humilhações a que se lhes submetem, pelas torturas físicas que se lhes impõem, algemando-os, amarrando-os com vontade, como se fossem criminosos. Já não há, na verdadeira metapsíquica, mais possibilidades de fraude, tais as precauções que se tomam, exageradas, e mesmo excessivas. Os médiuns são geralmente pessoas vulgares e simples e, com frequência, sem esperteza ou vivacidade fora do anormal. A maioria deles nada recebe pelo seu trabalho. Agora, se um indivíduo nestas condições, incapaz da mais rudimentar mágica, como a de fazer passar pequena moeda de u'a mão para outra - como fazemos para regalar as crianças - e sob todos os meios de controle, encordoado, lacrado, cercado, cuidado, enjaulado, sob os olhos de pessoas idôneas, ciosas da verdade, é capaz de cometer fraudes; de acender e apagar luzes a distância; de mover os mais pesados objetos, sem contato; de fazer coisas passarem através de paredes; de falar idiomas desconhecidos; de escrever comunicações que qualquer literato afamado subscreveria; de adivinhar os acontecimentos no espaço ou no tempo – então, caro colega, não sei mais o que dizer!

            Com tanto escrúpulo costumam agir os metapsiquistas que, na Europa, seguidamente, os mais hábeis prestidigitadores são convidados a comparecer às sessões experimentais a fim de, testemunhando os fatos, emitirem sua valiosa opinião. Sendo mestres na arte dos truques, com que divertem as multidões, os seus julgamentos devem ser decisivos. Pois bem! T'odos eles, a exceção de dois ou três que, por orgulho profissional se julgaram capazes de produzir as façanhas dos médiuns, os outros sempre afirmaram que não poderiam de forma alguma explicar os fenômenos pela prestidigitação. E note-se, estes dois ou três, apesar do que disseram, não quiseram tentar o desmascaramento dos médiuns.

            Porque, então, estes fenômenos são negados?

            Por vários motivos. Vejamos:

            Em primeiro, pelo seu caráter fantástico. Está certo. Se tivéssemos, desde criança sido educados num ambiente espírita, agora, quando adultos, nada estranharíamos. Tudo seria natural, como os fenômenos mais banais de nossa vida. É tudo uma questão de hábito e maneira dê encarar os acontecimentos.

            Em segundo, pelo nosso orgulho científico. A Ciência receia, e, às vezes, evidentemente, com razão, aceitar os fatos em que o público acredita piamente.

            Em terceiro, pelo dogma de que só podemos admitir o explicável; que só existe e é possível o que vemos ou ouvimos. Mas isto, como tentei mostrar, é um princípio falso...

            Em quarto, porque uma ou outra vez que, curiosos, vamos assistir a alguma das chamadas sessões espíritas, talvez vejamos, apenas, casos que, com muito boa vontade, poderiam ainda ser explicáveis por uma auto sugestão intensa, por um desdobramento de personalidade etc. e tal.

            Em quinto, porque sendo difícil, principalmente em nosso meio, organizar sessões científicas, obrigamo nos a frequentar sessões comuns. Como nestas não se tomam toda a série de precauções, porque os que a elas assistem já acreditam na veracidade dos fenômenos, o leigo acredita sempre na possibilidade de uma fraude.

            Em sexto, porque muitas sessões principiam por uma prédica ou reza. Já o descrente fica prevenido, e julgará tudo produto de uma super excitação emotiva e mística.

            Em sétimo, porque os próprios espíritas confessam que são difíceis os êxitos se os presentes são incrédulos, ou se, pelo menos, tem má vontade. Ao leigo esse é, sem dúvida, um argumento a seu favor! Pois então, dirá, vai-se pesquisar um fato, com a melhor das intenções, sob o ponto de vista da verdade, e se exige que eu acredite nele antes de vê-la? Pura sugestão, claro!

            Vejamos uma rápida explicação destes quatro últimos itens, já que sobre os outros me manifestei, páginas atrás:

            Não é numa única sessão, nem em duas, nem em três, que o leigo poderá apreciar toda a variabilidade dos fenômenos. Os médiuns de efeitos físicos são raros. O que ele verá, geralmente, são acontecimentos que, para facilitar a compreensão, denomina de “subjetivos”. Presenciará, em primeira linha, os médiuns falando e se dizendo “espíritos”. Só com a continuação e com a observação é que concluirá que tais fenômenos não se enquadram dentro dos atuais conhecimentos da psicologia ou da patologia mental. Se ele, naturalmente, encontra um médium de efeitos físicos, então lhe será muito mais fácil acreditar em tudo. Os fenômenos “subjetivos” são de análise difícil e muitas vezes se torna preciso que o pesquisador se habitue com o ambiente e com as pessoas presentes, a fim de que seu julgamento seja perfeito. Salvo casos especiais, é mister, geralmente, tenacidade e paciência, atributos tão difíceis no incrédulo e nas condições atuais de nossa vida, sempre apressada e nervosa.

            Dentre tantos fatos, alguns quase explicáveis pelos nossos conhecimentos, lá virá um outro, e mais outro, que mostrarão a incapacidade da nossa ciência em interpretá-los!

            Se vires, por exemplo, o fato tão banal da escrita automática, veloz, rapidíssima, evidentemente inconsciente, revelar fatos e ideias, no teu idioma ou noutro, muito superiores à capacidade do médium, ou narrar coisas que, em absoluto, não podem ser do seu conhecimento, então entrarás, leitor, na segunda fase dos teus estudos. Começarás a apelar para a telepatia, para um inconsciente universal comum a todos, e múltiplas hipóteses, menos a espírita. Fazes bem... Deixa esta conjetura como a derradeira, quando não achares mais nenhuma outra explicação. Se alcançares este ponto, isto é, se concluíres que a nossa ciência é incapaz de justificar os referidos fenômenos, nada mais é preciso insinuar-te. O resto do caminho tu o acharás por ti mesmo, se, deslumbrado e amante da verdade, continuares teus estudos e tuas reflexões.

            Consideremos, agora, esta semi exigência espírita: é preciso que todos creiam para que os fenômenos se produzam. Não é bem assim. Requer-se, somente, que não haja prevenção ou manifesta má vontade. Porquê? Que ciência tola e estranha é essa que exige dos investigadores uma tendência à credulidade? Começa aqui, de novo, o teu sorriso. Pede-se não propriamente a credulidade, mas a formação de um ambiente espiritual harmônico. Esta condição torna-se mais compreensível quando se admite, com visos de verdade, consistir o pensamento não numa essência abstrata, mas em irradiações mentais sob a forma de vibração da matéria. Felizmente, a nossa ciência já não rejeita de todo esta hipótese, quando está em vésperas de aceitar, como realidade, os fenômenos telepáticos. Não se pode compreender o fenômeno pensamento sem os recursos da matéria ou da energia, já que estes dois conceitos hoje se confundem. Os pensamentos serão manifestações vibratórias da matéria em irradiação. Há uma irradiação emanando de todas as pessoas. Sabemo-lo, adivinhamo-lo pela experiência de todos os dias, quando vemos a presença de certos indivíduos acalmar ou agitar um ambiente. Todos conhecemos pessoas, diante das quais, sem maior explicação, nos serenamos, nos satisfazemos, nos tornamos humildes ou altivos, sorrimos ou, ao contrário, nos irritamos, sentindo indefinível mal-estar.

            É a conjugação destas irradiações todas que influem na produção dos fenômenos. Muitos metapsiquistas se convenceram de tal forma desta verdade que não os espantam mais essas exigências, à primeira vista insensatas e místicas. Os crentes costumam apelar para a prece, como meio de atingir esta harmonia passiva. Mesmo sem encarar a oração sob o ponto de vista religioso, não se duvide do seu poder sedativo e tranquilizador. Não sou eu quem o diz. Leia-se o que um dos maiores sábios desta época, que não é crente, nem espírita, escreveu sobre a prece: o conhecido Dr. Carrel. É natural, entretanto, que homens cultos e céticos, estudiosos da metapsíquica, não se quisessem submeter a preces, nas quais não acreditavam e que os tornariam suspeitos aos olhos dos seus colegas. Compreendendo, todavia, por experiência, a necessidade da calma e da harmonia do ambiente, adotaram, muitas vezes, a música como elemento capaz de produzir a paz espiritual e a tranquilidade dos assistentes. Não suponho que pelo fato de ouvirmos melodias, que tanto influem, sem dúvida, sobre o nosso sistema nervoso, seríamos capazes de promover a produção de fenômenos que, diante da ciência oficial, representam verdadeiros milagres.

            Mas nem sempre isso é indispensável! Cito apenas estes fatos para preparar o leitor que, algum dia, assistindo a uma sessão espírita, se surpreendesse com um introito de prédica ou reza.

            Sendo talvez a afinidade entre os Espíritos uma questão de vibrações materiais, ainda incompreensível à nossa ciência, é lógico que os nossos diversos sentimentos e situações íntimas façam a matéria vibrar diferentemente. Nós mesmos sentimos isso quando estamos em estados anormais, de grande serenidade ou de cólera. Para o espírita, que interpreta os fenômenos metapsíquicos como manifestações de Espíritos, que se libertaram do invólucro material essa harmonia seria, senão indispensável, pelo menos benéfica e útil para que um ambiente sereno e de passividade possa atrair o a que chamam “entidades desencarnadas”.

            Se quiséssemos continuar neste estudo chegaríamos, então, a certos princípios da filosofia oriental, tão cheios de sabedoria que, talvez por não os compreender, chamamo-lhes misteriosos ou lendários. Há, em toda ela, um profundo conceito, que é como se dissesse: a verdade não se alcança pela inteligência mas pelos sentimentos. O estado de serenidade absoluta, a que se dedicam os iogues e os lamas pelo jejum, pela meditação, criam no organismo humano condições tais que, através delas, podemos perceber outras realidades, além das que nos são reveladas habitualmente pelos órgãos dos sentidos. A calma, a harmonia, a crença e o êxtase criam, quiçá, novas possibilidades de percepção, e despertam, por mecanismo ainda ignorado, novos poderes de lucidez e compreensão. Por outras palavras, aproximamo-nos do absoluto.

            Mas paro aqui. Não adianta prosseguir. O leitor estará sorrindo, de novo. Ou ele revela certa superioridade de espírito, consciente da relatividade dos nossos conhecimentos em face da vida e do Universo e se tornará um curioso a respeito deste assunto todo, ou, muito mais cético, me julgará um ótimo humorista.

Uma Nova Ciência – parte  9
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Agora, volto a falar de minha pessoa.

            O leitor há de julgar, naturalmente, que já vi coisas extraordinárias e todos estes fenômenos e mais coisas mirabolantes a que, por alto, me referi, páginas atrás.

            Pois bem! Sou sincero. Prepare-se para uma surpresa:

            - Eu nunca vi nada de maior!

            Esta é de arrepiar!.. Que humorista!

            Mas, então, dirá o leitor, gasto uns preciosos minutos dando-lhe a honra de lhe ler o opúsculo com certa boa vontade em acreditar, pelos menos, numa fração do que me diz, e, no fim, quando estava certo de que o colega fora uma testemunha, talvez sugestionável, mas honrada - eis que me vem dizer, sorrindo calmamente: eu nunca vi nada!

            Inacreditável! Tão fantástico como esses fenômenos de que fala.

            Agora, ouça-me:

            O pouco que vi não foi tão extraordinário que não pudesse ainda querer explicar pela ciência que aprendi nos livros e na Academia. Nunca procurei, com empenho, presenciar a realidade metapsíquica. Mas creio, também, em muitas outras coisas de ciência, sem nunca te-las visto. Prefiro acreditar em sábios, e mestres, do que na negação, sem base, dos que combatem sem estudo. Nunca assisti à desintegração dos átomos; jamais contemplei aquelas gigantescas máquinas que a produzem, mas admiro este fenômeno, hoje incorporado à Ciência. E assim por diante ...

            Que me adiantaria andar, de sessão e sessão, para observar aquilo que está mais que comprovado por centenas de homens honestos, cultos ou sábios. Se não duvido de tantos outros conhecimentos, porque hesitar diante daquele que, de tão vastos e pesquisados constituem já uma ciência nova, com seus mestres, seus institutos de pesquisas, sua literatura, sua tradição e seus arquivos? Se se faz mister que eu veja para crer, em quão pouco devo acreditar de tudo que me dizem os homens nas palestras ou nos livros!

            Os colegas não acreditam em psicanálise? Muitos poucos, entretanto, presenciaram a comprovação dos seus processos e de suas hipóteses. Julgo que a Metapsíquica não é tão mais fantástica que aquela. Não sei qual terá mais literatura e patronos mais eminentes!? Já Ii muitas interpretações de atos humanos, à luz da Psicanálise, que, sob o prisma do fantástico, nada ficam a dever aos fatos metapsíquicos. Considere-se, além disso, que os fenômenos da ciência de Freud são todos subjetivos, de estudo dificílimo e de comprovação ainda mais difícil; os metapsíquicos, se apresentam este mesmo caráter, manifestam-se, outras vezes, objetivamente, concretamente, fisicamente, e as provas de sua veracidade são, portanto, muito mais positivas e concludentes.

            O leitor estranhará que, sem o testemunho próprio, se aceitem os fatos metapsíquicos. Mas quando conhecer a literatura existente a tal respeito, a seriedade dos estudos, o caráter experimental e rigorosamente científico destas comprovações, - ele me dará razão, Cada vez que li sobre a sistematização, o escrúpulo e a meticulosidade que orientaram essas pesquisas, senti que me faltavam talvez conhecimentos, paciência e imaginação para promover o estudo prático com a mesma eficiência que outros, mais ilustres que eu. O nosso meio é extremamente pobre nestas possibilidades. Um homem só a perquirir, e um homem sem títulos acadêmicos? Que valor teria? Quem haveria de me acreditar, embora eu assistisse ao que há de mais surpreendente? 

            Prefiro, pois, dizer ao leitor que creia em outros, muito mais em evidência, conhecidos seus através da imprensa, da notoriedade ou de outros trabalhos científicos.

            Minha atitude é de sinceridade e honradez, nem tenho a pretensão de querer convencer alguém. É verdade que sei de casos bastante comprovantes, mas que adiantaria eu falar?

            Estudei sobre os livros, no meu gabinete, sozinho.

            Vivemos numa época de justificável incredulidade. Diante de uma civilização, tão cheia de embustes, de hipocrisia e de falsidades, o ceticismo teve razão em vir, chegar e nos vendar os olhos. Como Goethe, repita-se: nesta época, a incredulidade é uma superstição ao contrário.

            Nós estamos diante de uma nova ciência que, custe o que custar, acabará por penetrar nos recintos augustos das academias.

            E ela trará consequências incalculáveis para a Humanidade.

Uma Nova Ciência – parte  10
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Estudando, há tanto tempo, a Metapsíquica, obriguei-me, muitas vezes, a concluir que a hipótese espírita seja ainda a mais elucidativa.

            Um só fato constitui, seguidamente, um sólido ponto de apoio para a argumentação do nosso próprio espírito, enleado sempre na angústia dos contras e dos prós. Basta um acontecimento para que sobre ele se erija uma hipótese, capaz depois de explicar toda uma série de fenômenos.

            Exemplifico: A Metapsíquica comprovou, por todos os meios a seu alcance, que os médiuns são capazes de falar ou escrever de forma tal que a explicação do subconsciente não satisfaz em absoluto. Já não me quero referir aos casos de comunicações em idiomas desconhecidos (xenoglossia), mas somente àqueles cujo valor em ideias não pode emanar de uma pessoa bastante inculta.

            Vejamos, agora, o caso do conhecido médium brasileiro, Francisco Cândido Xavier, do interior de Minas Gerais, e que já publicou perto de uma trintena de livros de literatura e de ensinamentos espiríticos. O primeiro, que li, foi o ‘Parnaso de Além-Túmulo’, nome este suficiente para despertar o riso do leitor. É uma coleção de versos ditados e assinados por poetas do Brasil e de Portugal, já falecidos. Aí figuram, entre outros, Bilac, Antero do Quental, Antônio Nobre, Artur Azevedo, Augusto dos Anjos, Belmiro Braga, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Cruz e Souza, Emílio de Menezes, Fagundes Varela, Guerra Junqueiro, etc. É, pois, uma Antologia de 400 páginas, com mais de 200 poesias ditadas por cerca de 40 poetas.

            Note-se, evidentemente, que todos os versos vêm assinados por um deles.

            Antes de iniciar a sua leitura eu não ignorava que há, pelo mundo todo, uma infinidade de livros que se dizem escritos por Espíritos “desencarnados”. Mas apesar de propenso a crer na interpretação espírita dos fenômenos metapsíquicos, essa história de mortos a fazerem literatura, sempre se me afigurou um tanto forte. Eu preferia admitir uma certa veia literária do médium, que, em estado de transe, dava largas à imaginação do seu subconsciente. E foi neste estado de espírito que li o ‘Parnaso de Além-Túmulo’.

            Conheço bem a literatura do meu país. Já muito versejei na adolescência e li quase todos os nossos poetas. Pois bem! As poesias apresentadas, qualquer delas, poderiam ser assinadas pelo seu “suposto” autor, sem que se pudesse diferenciá-las, em estilo ou em riqueza de imaginação, das que os referidos poetas realmente compuseram em vida.

            Que concluir? Façamos as hipóteses, com imparcialidade:

            1) São inéditos. Tolice. Achar inéditos da maioria dos nossos poetas? Além do que, como poderia um médium, vivendo humildemente no interior do país, desencavar estes tesouros, que são sempre os inéditos dos que honraram a nossa literatura?

            2) São criação do médium. Julgo igualmente impossível, a não ser que estejamos diante de um autêntico gênio inigualável. Desafio que haja, em todas as academias literárias, quem fosse capaz de imitar o estilo, as ideias, o ritmo, a escola de quarenta poetas.

            3) Estou auto sugestionado. Os versos não são tão primorosos como me parecem. Eu, que sou eu, julgo naturalmente que não me deixei sugestionar. Mas, enfim, que responder? O leitor que julgue... Faça uma experiência: procure uma pessoa que conheça um pouco de literatura. Apresente-lhe versos de determinado poeta, por exemplo, Bilac, da seguinte forma: misture as poesias, - não as mais conhecidas naturalmente, - que ele fez quando vivo com outras tantas tiradas deste livro Parnaso, em papéis datilografados, sem falar em Espiritismo. Peça o seu julgamento, pedindo que ele indique, dentre elas, as que são realmente de Bilac, explicando que há outras que não o são. Note-se que é mister que este indivíduo não seja um conhecedor profundo de literatura, porque senão já conhecerá as reais produções do poeta. Faça isto com todos os demais que assinam as poesias do Livro... e concluirá que não me sugestionei.

            Não há a menor diferença, em estilo e em ideias, entre as poesias destes poetas quando vivos e quando “mortos”.

            Considere-se, ainda, que os médiuns, quando recebem estas comunicações, estão, quase sempre, em estado de semi inconsciência; que os escrevem sob forma de escrita automática, velozmente, torrencialmente, enquanto, com frequência, quando estão despertos, conversam com os presentes sob outros assuntos.

            Mas o-médium Xavier escreveu ainda mais quatro livros “ditados” pelo Espírito de Humberto de Campos. O estilo deste escritor é inconfundível. Conheço todas as suas obras e posso afirmar que ele as subscreveria se estivesse entre nós. É Humberto clássico e puro! Este médium produziu ainda mais três trabalhos de instrução espírita e mais dois romances históricos, “ditados por Espíritos”. É um rapaz de uns trinta anos que, durante o dia, trabalha para sustentar-se, e que, à noite, crente como é, dedica-se ao que considera a suprema verdade e constitui a sua religião. Não julgo que disponha de tempo para ilustrar-se e escrever livros, onde revela uma imensa cultura e conhecimentos históricos como os que há nos seus três romances.

            Se fosse este o único caso nos anais da Metapsíquica, dever-se-ia buscar, a todo o transe, uma explicação fora da Doutrina Espírita. Mas não! São um sem número não só de comunicações de alto valor, cultural ou literário, como também de livros, que andam esquecidos pelas livrarias. Li igualmente as obras que se dizem ditadas por Victor Rugo por intermédio de uma professora de curso primário. São romances perfeitos, em forma e em ideias. Mas como só em adolescente li este autor, e não conheço o seu estilo perfeitamente, não quis ainda dar o meu julgamento pelo receio, agora, de excessiva boa vontade.

            Das duas, uma: ou o médium Xavier reproduz o que lhe ditam e, salvo outra explicação, que nossa inteligência não pode atinar, prova a sobrevivência humana, ou é um embusteiro consciente ou inconsciente. Mas se ele é capaz de produzir obras de tal valor, porque as atribui a outros? Ou, ainda, se os livros são labores de seu engenho, então estamos diante do maior gênio literário do Brasil. Deveríamos consagrar e fazer penetrar, modesto e tímido, entre os imortais da Academia, o médium Francisco Cândido Xavier, o “autor” que jamais recebeu honorários de direitos autorais.

*

            Não se deve deixar de dizer duas palavras sobre a Medicina e o Espiritismo. A atitude do médico, diante da invasão de sua seara pelo Espiritismo, é quase sempre justificável se considerarmos a sua natural incredulidade. Não admitindo, ou nem conhecendo mesmo a existência dos fenômenos metapsíquicos, entre os quais parece haver a possibilidade de ações curativas, é muito lógico que condene o que considera um charlatanismo. Com que direito pessoas incultas e sem preparo vêm fazer concorrência a indivíduos que estudaram longos anos, e que conhecem, melhor que eles, o organismo humano e os processos terapêuticos, comprovados pela experiência?

            No campo espírita a terapêutica se faz, quase sempre, ou por homeopatia ou por passes.
Sobre homeopatia, nada digo. Não possuo a este respeito conhecimentos suficientes para emitir uma opinião conscienciosa. Sobre os fantásticos passes, que de fato, sem maior análise, parecem puros gestos charlatanescos, deve-se recomendar aos médicos, antes de maiores investigações, a leitura dos trabalhos de Georges Lakhovsky, sábio de fama mundial. Este eminente cientista provou a influência das irradiações humanas sobre os seres vivos. Pela simples aposição das mãos (magnetismo), mesmo sem contato, a distância, tem-se conseguido influenciar nitidamente o desenvolvimento das plantas, a mumificação da matéria morta e a irrigação sanguínea das diversas partes do corpo humano. São experiências de laboratório, sem a menor invocação do sobrenatural, longe de todas as ideias espíritas. Se tais pesquisas comprovam a ação das irradiações emanadas da matéria viva, devemos evidentemente admitir a possibilidade dos efeitos dos chamados “passes”, que nada mais são que a influência das referidas irradiações. Lembro, outrossim, os trabalhos científicos de Montandon, de Bertholet, de Champville, de Baraduc, e recordo que já hoje, destes estudos todos, se destacou um ramo de ciência, promissor: a Radiestesia. Tudo isto demonstra que não nos precipitemos em considerar os místicos passes como simples artifício de curandeirismo, quando, em realidade, sejam talvez exteriorizações eletromagnéticas.       

            Há, de fato, muitas curas espíritas tentadas pelos charlatães, os quais sobejam, hoje, em todos os setores das atividades humanas. Outros casos haverá facilmente explicáveis pela sugestão. Mas, ao lado destes todos, creio que se pode afirmar existirem comprovados efeitos terapêuticos, sendo, entretanto, tarefa dificílima separar o joio do trigo. O estudo da Metapsíquica ajudará a compreensão e elucidação da chamada medicina “espírita”.

            Diga-se, de passagem, por amor à verdade, que não é bem exato o que murmuram os leigos a respeito dos centros espíritas. Alguns haverá que são puros antros mercantis, mas outros se resumem em instituições dirigidas por gente idônea, vivendo da iniciativa particular e cujo objetivo único é a prática da caridade.

            A análise desta medicina espírita, tão absurda aos olhos dos médicos, deve ser processada com mais critério científico, mais observação e menos prevenção.

            Longe de mim a ideia de denegrir todos os recursos e mesmo as maravilhas da nossa Medicina. Seria imperdoável. Querer compreender uma, não significa acusar a outra. Cada dia crescem mais as possibilidades da Medicina e, cotidianamente, surgem novas descobertas, beneficiando toda a espécie de enfermidades. Mas há, no domínio metapsíquico, enorme terreno por explorar, e que, quando for admitido pela Ciência, virá engrandecer a nossa profissão. Muitas coisas, supostas charlatanismo ou fraude, serão um dia incorporadas ao acervo dos nossos conhecimentos.

            Assim tem sido sempre a História da Ciência!

            Os médicos, os pesquisadores, os estudiosos, os homens cultos, têm também, com raras exceções, os seus dogmas teimosos e tão ferrenhos quanto os das pessoas ignorantes e crédulas. Esse é um dos característicos da personalidade humana.

            Imagino a impressão de um folheto como este sobre o leitor, que, por acaso, o teve entre as mãos e que o leu, por desfastio, num momento em que nada tinha que lhe distraísse o espírito cansado.

            Sua impressão será diversa, conforme sua cultura e seu temperamento. Poderá pensar de múltiplas maneiras. Vejamos:

            a) Que tolice! Acreditar nisso? - Atrás deste estilo calmo há um fanático em ebulição! Porque meia dúzia de outros ingênuos foram enganados, apesar de sábios - porque sábio não significa esperto - admite esta coisada toda, erige-a em Ciência e depois já tem tendências em querer convertê-la em Religião.

            E, então, dirá a quem lhe falar - com um largo gesto protetor e de superioridade: são casos conhecidos de histeria, estudados há muito pela Medicina! O autor não está a par dos últimos trabalhos a esse respeito!

            b) Não digo que tudo isso seja falso. Há muita coisa inexplicável. Mas o autor exagerou um pouco. De fato já ouvi falar desta tal de metapsíquica. Mas é ciência nova, ainda em embrião. Eu teria vontade, se não fosse difícil, ver alguma coisa a este respeito, mas que dirão de mim meus clientes, colegas e amigos? E depois... minha cozinheira é espírita! Então eu, culto e formado, com algumas convicções sobre a vida, posso emparelhar-me com uma ignorante que nem sabe ler e que nos vem contar, que, na véspera, conversou com seu defunto pai? É melhor deixar o tempo correr. A verdade sempre aparece.

            c) De fato, é interessante! Mas não me seduz! Não é a minha especialidade. Não tenho tempo. Se há, por acaso, sobrevivência, melhor! Cumpro meus deveres, e o que for soará!

            d) Isto tudo é estranho! Eu, de fato, também já conversei com muitas pessoas cultas, à minha altura, que me asseveram estas coisas todas? Reconheço, entretanto, que nada conhecemos de positivo sobre a vida e sobre a Natureza. Porque tudo isto é impossível? Simplesmente porque é? Isto não é argumento! Estudei o organismo humano. Vi como ele é perfeito, admirável, meticuloso, astucioso, previdente! Porque o Universo não há de ser também muito mais complexo do que imaginamos ao invés de o considerarmos espaço, éter, infinito... e pronto! Ele deve também, como o nosso corpo, por analogia, encerrar algo de maravilhoso. Porque não outros planos de vida? Se ele é tão perfeito, porque não virá de encontro ao homem, que seja ele qual for, opulento ou miserável, felizardo ou maldito, deseja, no fundo, uma sobrevivência? - Porque hei de julgar que os meus fracos sentidos são capazes de me ditarem a última palavra de sabedoria? Eu desejaria ler sobre este assunto, antes de emitir para mim mesmo um julgamento apressado.

            É para este último que escrevi estas páginas. Tal raciocínio é o de um verdadeiro espírito de cientista, embora talvez a vida não lhe tivesse dado tempo para estudar, como desejaria, outros assuntos fora dos exigidos pela sua atividade profissional.

            É para esse que eu falei.

 Uma Nova Ciência – parte  11
por Mário Escobar Azambuja
2ª Ed. FEB – 1948

            Se pensas assim, que te aconselho fazer?

            Ir às sessões espíritas? Não, não vás ainda. Porquê?

            Constranger-te-ás. Possivelmente nada verás de maior nas primeiras reuniões. Admitamos a pior hipótese: compareces a uma sessão. Sentas em torno de u'a mesa ou ficas de longe. Os presentes, inicialmente, rezam. Sentirás uma impressão bastante desfavorável. De súbito, um deles cai em transe. Começa a chorar, gemer, entra em convulsões, parecidas, aliás, com algumas que tens presenciado na tua clínica ou no hospital. Este médium começa a falar. Declara ser fulano, ou, melhor, o seu Espírito que deseja manifestar-se aos vivos da Terra. Estarás, neste momento, refletindo sobre os casos de desdobramento da personalidade. Mas, enfim, tiveste pouca sorte, e esse Espírito nada dirá, afinal, capaz de alterar, em instantes, tuas ideias. Pode acontecer, também, ouvires a declaração de que, por haver pessoas descrentes, ou melhor, por falta de harmonia, há dificuldades na realização da sessão. Permanecerás na sala, até ao fim, por dever de cortesia, mas suponho que não voltarás mais. Adeus... estudos metapsíquicos! E de noite, custando a conciliar o sono, te sentirás um pouco envergonhado perante ti mesmo de teres acreditado no que diz o vulgo.

            A não ser que vás às sessões, onde pessoas, que te mereçam crédito, te afirmaram que provavelmente assistirás a fatos concludentes capazes de despertar tua curiosidade científica aconselho que não comeces teus estudos pelas provas práticas. Deixa-as para mais tarde. És um homem de gabinete, de estudo, de reflexão. Lê primeiro e escolhe, não livros espíritas, no começo desta jornada, mas trabalhos
científicos.

            Depois de os leres, então, toma o caminho que te aprouver. Não te sugiro nada. Em primeiro lugar, é necessário que constates a realidade dos fenômenos metapsíquicos pelo estudo do muito que há sobre o assunto. Deixa a hipótese explicativa para mais tarde.

            Mas, que deves ler?

            Cito-te alguns trabalhos de valor:

 Les Radiations Humaines - Montandon.
Bases Científicas do Espiritismo - Epes Sargent.
La Mecanique Psychique - Crawford.
Metapsíquica Humana - Richet.
Hvpnotisme et Spiritisme - Lombroso.
Études et Reflexions d'un Psychiste - Williams James.
Les Metapsichoses - Bret.
La Connaissance Supre-Normale - Dr. E. Osty.
Les Phenomènes Phisiques de la Mediumnité - Schrenck-Notzing.
Análise das Coisas - Paul Gibier.
!ntroduction á la Métapsychique Humaine - René Sudre.
Au seuil de l'!nvisible - William Barret.
Fatos Espíritas - William Crookes.
Física Transcendental - Friedrich Zollner.

            Todas estas obras são científicas, sem cunho de religiosidade.

            Deixo de indicar muitas outras porque ou não as encontrarás, ou porque seus autores não são nomes consagrados pela Ciência, noutro terreno, ou porque já optaram francamente pela hipótese espírita.

            Presentemente, a dificuldade de livros é enorme. A guerra cortou o nosso intercâmbio cultural. Há, todavia, editados pela Federação Espírita Brasileira, os livros acima citados de Crookes de Zõllner e de Gibier. Na falta porém, dos que citei, podes ler Bozzano, apesar de este autor ser, hoje, o maior combatente a favor da explicação espírita dos fatos. É', entretanto, um grande estudioso.

            Recomendo, outrossim, ao leitor, que, se aprecia e cultiva a literatura, leia as obras mediúnicas de Francisco Cândido Xavier, a fim de julgar, por si mesmo, as minhas afirmações anteriores.

*

            E sem ter tido a menor pretensão literária, termino aqui esta palestra.

            Minhas gavetas sempre estiveram repletas de cadernos e páginas escritas desde a mocidade, à espera impaciente de sua publicação. Nunca o fiz. Fui acumulando-as como quem guardasse moedas falsas com o receio e o remorso de passá-las adiante. Sempre temia faltar com a verdade e sugerir ao próximo ideias apressadas e sem base.

            O destino recompensou a minha honestidade intelectual concedendo-me ocasião e coragem para falar, convicto, sem temor e sem paixão.

            Proclamo uma verdade diante da Ciência, sabendo de antemão o julgamento da maioria dos poucos que me lerem. Não me alterarei, nem me aborrecerei com o que disserem.

            Somos todos companheiros da mesma viagem da vida, e o nosso destino final tanto pode adivinhá-lo o sábio ou o analfabeto. Diante do Universo somos todos iguais. As superioridades de dinheiro, de posição ou de cultura são fatuidades ridículas.

            E pobre homem! Neste desvario de século sobre o chão da terra, entre tantas desigualdades injustas, tantas doutrinas, tantos princípios, em que hás tu de acreditar?

            Os homens falam muito mais por apego aos seus interesses materiais do que pela sua consciência; antes de se descobrirem as verdades, forjam-se as doutrinas; a propaganda e geralmente a mentira permitida e o primeiro programa de qualquer realização; as coisas mais abstratas, mais elevadas são transformadas em mercadorias. Da própria História devemos desconfiar, e muito! Nos documentos mais sérios há um largo contingente de interpretações pessoais, amores-próprios vaidades e paixões dos autores! Para provar a nossa incapacidade em conhecermos o nosso real passado, basta que nos lembremos do Cristo a figura máxima de nossa antiguidade. Para alguns, foi ele o verdadeiro filho de Deus, tal como o narram as Escrituras; mas, mesmo julgando-as exatas, tão várias são suas interpretações, que delas emergiram várias seitas e sistemas religiosos. Para outros, Jesus nada mais era que um demagogo e um revoltado contra o Império Romano. Julgam-no, também, um perfeito visionário, pregando a igualdade entre os homens, enquanto muitos, atualmente, o consideram como um assombroso médium, realizando proezas mais surpreendentes que as das nossas atuais sessões espíritas, e predicando, como nestas, um evangelho de amor e de caridade. Há ainda os que lhe não dão a menor importância, chegando a imaginá-lo um fanático e maníaco, como esses que, de vez em vez, aparecem nas cidades, pregando e curando as multidões sugestionadas. Nem todas as hipóteses são falhas de fundamentos razoáveis e umas mais, outras menos, se baseiam em interpretações de documentos, estudos e pesquisas fastidiosas.             
           
            Assim é tudo o que os homens dizem! Em que hás tu de acreditar?

            Talvez não me saiba compreender o leitor quando lhe digo, em consequência, que é mais razoável crer no que SENTE uma preta velha, de vestido remendado, mas com o coração cheio de bondade e de ternura, do que naquilo que DIZ o homem solene e encasado das academias.

            A serenidade da vida e da consciência seja, talvez, mais que o cérebro, o caminho das verdades, talvez, mais que o cérebro, o caminho das verdades.

            Não sou absolutamente religioso. Não pertenço a nenhum centro espírita, não frequento sessões, e nem li ainda o Evangelho de Allan Kardec. Como homem de estudo, creio, apenas, na realidade dos fenômenos metapsíquicos, e suponho, com bastantes razões, que a interpretação espírita parece ser a mais provável.

            Se eu saúdo esta novel Ciência, ainda desprezada pela cultura oficial, e que levará os homens a alterarem suas antigas concepções a respeito do Universo e da Vida, é, em primeiro, porque ela é uma realidade, e, em segundo, porque corresponde a uma necessidade do espírito humano nesta época de crueldade e barbárie.

            Nada mais solicito ao leitor senão a investigação serena da Verdade. E, se algum dia eu me convencer de que estou errado, retificarei meu julgamento com a mesma sinceridade de hoje.

            E ao que me ler nada mais desejo, como amigo seu que me considero, que tenha, um dia, a satisfação que sinto, agora, de cumprir um dever de justiça e de fraternidade.

CINCO ANOS DEPOIS

            Em 1942 publiquei este opúsculo. Agora, nesta segunda edição, lançada pelo Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira, desejo acrescentar-lhe algumas palavras, necessárias e oportunas:

            Nada tenho a retirar do que foi escrito, e, felizmente, continuo a afirmar o que afirmara.
Sei que alguns leitores fizeram restrições ao livro: estranharam, embora louvando minha sinceridade, que eu concluísse pela existência de “espíritos”, isto é, pela nossa sobrevivência, baseado apenas em leituras e em investigações alheias, porque de fato, como o confessei, até então, àquela data, eu muito pouco ou quase nada presenciara.

            Não me arrependo do que disse. Já expus, na primeira edição, a justificativa das minhas conclusões, que, à primeira vista, parecem apressadas. Mas muitas vezes se atinge a verdade mais pela intuição, ou pela reflexão serena, do que através de longo e paciente trabalho de pesquisas pessoais. A História do progresso dos conhecimentos humanos demonstra que grandes descobertas se realizaram por esse processo mental e que a experimentação veio depois, como imperativo ulterior, somente para confirmar o acerto das verdades enunciadas.

            Acrescento ainda, repetindo o que escreva, que se tem o direito e que não se erra meditando e concluindo sobre experiências e práticas alheias, desde que estas sejam rigorosamente científicas, verídicas e idôneas. Se noutro setor qualquer de Ciência - a Química, por exemplo - conhecem-se,
Teoricamente, as fórmulas dos corpos e as suas propriedades, poder-se-ão criar novas combinações moleculares, e mesmo afirmar de antemão os caracteres dos novos corpos e estabelecer hipóteses,
princípios e leis, sem que para tal seja indispensável todo o aparelhamento necessário à execução prática dos nossos raciocínios. Para asseverar que a Terra é redonda, ninguém a experimentou. A sua circum-navegação provou apenas a razão dos que afirmaram o que, naquele tempo, aos ouvidos do público, e mesmo de sábios, foi uma heresia ou um contra senso.

            Quando afirmei que eu nada vira até a data em que escrevi o presente livro, eu previa as restrições que fatalmente lhe fariam. Timbrei, porém, em expor as minhas conclusões, por uma questão de honestidade, e porque nem eu, e nem ninguém, nos devemos encastelar no orgulho de só querermos admitir o que presenciamos ou a que assistimos. Isto equivaleria a nos considerarmos os únicos honestos e idôneos, o que significaria, naturalmente, uma pretensão exagerada e até mesmo ridícula. Além disso, dada a relatividade e a fraqueza dos nossos sentidos corporais, limitadíssimos em suas percepções, concedo, muitas vezes, mais valor ao raciocínio e à razão do que aos ouvidos e aos olhos.

            Quando, antes de iniciar qualquer investigação, estudei Metapsíquica teoricamente e li, também, as interpretações espíritas dos fatos, fi-lo propositadamente como um método de trabalho. As primeiras leituras sobre o assunto, anteriores a um plano de estudo, já me haviam mostrado que eu estava em presença de fatos, de tal importância, tão bem testemunhados e provados, tão difíceis de uma explicação conjunta a todos eles, que o aconselhável seria, antes de abordá-los na prática, possuir um conhecimento teórico da questão, o mais completo possível... Se eu fosse começar a minha jornada pela parte eminentemente prática, eu, ainda hoje estaria estacionado, sem me permitir alguma conclusão, à espera ou à procura de médiuns de materialização ou de fenômenos mais raros. Minha intenção era, portanto, de munir-me, mentalmente, através da leitura e da reflexão, dos conhecimentos necessários, do cabedal de outros pesquisadores mais atilados do que eu, e só depois, já com acervo apreciável de hipóteses, de interpretações e de fenômenos incontestáveis, procurar, na prática, a reconfirmação dos fatos, e, também, evidentemente preferir essa ou aquela interpretação, materialista ou não, já que me sabia incapaz de criar uma hipótese original ou uma nova teoria explicativa. O material de estudo, entretanto, foi tão abundante e sugestivo, tão cheio de revelações, que hão precisei entrar no terreno experimental para concluir pela certeza da existência e da sobrevivência de um princípio espiritual no homem.

            Mas não há motivos que justifiquem considerações mais longas em torno daquela afirmação, que a tantos, pareceu precipitada e precoce. Passaram-se cinco anos. Prossegui, durante esse período, a tarefa planificada. Não o fiz, talvez, com a intensidade projetada anteriormente, porquanto já chegara a conclusões, que só não qualifico de inabaláveis e definitivas porque, em terreno algum, nos podemos permitir convicções tão absolutas. Realizando, porém, a segunda etapa dos meus planos de trabalho, procurei investigar praticamente, tanto quanto possível. Assisti a muitos fatos e fenômenos e deles dou testemunho como investigador consciente, isento de paixões e opiniões preconcebidas. Todos eles vieram confirmar o que eu dissera.

            Através de sessões caseiras, da realização dos fenômenos de vidência, de clariaudiência, de escrita automática, de incorporações, do registro e controle dos diagnósticos e terapêuticas indicadas pelos “espíritos” desencarnados, e por enorme série de pequenos fatos que eu analisava, procurando dar-lhes a interpretação mais plausível, consolidei as minhas conclusões, anteriores, até então fundamentadas apenas na descrição das investigações alheias.

            Não pretendo descrever aqui, nem caberia nas dimensões deste adendo à primeira edição, quaisquer minúcias a respeito das minhas investigações. Se as publicar, há de ser em obra especial que requererá, logicamente, muito maior número de páginas.

            O objetivo deste pequeno trabalho, agora em segunda edição, não foi o de provar as minhas afirmações, o que seria impossível em tão sucinto espaço. Apenas pretendi chamar a atenção sobre os fatos metapsíquicos ou espíritas ou, por outras palavras, convidar o leitor, que fosse curioso, a refletir e a meditar sobre questão tão transcendental, procurando desenlear-se de certos dogmatismos e princípios pré-estabelecidos. Seria como que uma insinuação para que assumisse atitude mais receptiva a quaisquer ideias ou fatos novos, rejeitados ou desprezados pela Ciência Oficial, sempre morosa e tardia.

            A aceitação de novas conjecturas filosóficas ou, pelo menos, o assentimento à possibilidade de transformações em nosso modo de viver, pensar ou sentir, não dependem de maior ou menor grau de inteligência. Há, por exemplo, gênios espiritualistas e há gênios materialistas, assim como também há ignorantes e broncos em polos filosóficos antagônicos. A posição mental do homem depende de princípios, da formação educacional, do ambiente profissional, de sentimentos íntimos, das mais diversas influências e da necessidade de muitos indivíduos se ampararem numa filosofia que os guie e lhes dê uma posição definida e determinada norma de ação no caminho difícil da vida. Todos os que têm esse mérito - o de não quererem viver desordenadamente, o de procurarem harmonia e coerência nos seus pensamentos e ações - são, entretanto, inconscientemente sectários em relação às outras filosofias e aos pontos de vista do próximo. O receio de vacilarem e de perderem a fé naquilo que, certa ou erradamente, acataram como sendo a Verdade, torna-os desconfiados em demasia diante das opiniões alheias e excessivamente amarrados à filosofia que cultivam. Tudo isso lhes dificulta, sem dúvida, a compreensão, estiola a boa vontade dos que lhes querem predicar, e não deixa de ser um entrave à realização do progresso humano.

            Este livro continua a apresentar-se como um convite ao estudo da Metapsíquica Humana. Não é um aceno à Religiosidade. Que cada um, neste terreno, siga o seu próprio caminho.

            Ainda duas palavras aos que se interessarem por este assunto e quiserem esclarecer-se:

            O estudo da Metapsíquica, ou dos fenômenos chamados “espíritas”, é muito vasto. Praticamente, é quase ilimitado. O maior incentivo do estudioso é indubitavelmente a curiosidade, já que as conclusões a que chegar condizem com o seu futuro e com o seu destino. Dificilmente será um estudo unicamente objetivo e despido das inclinações pessoais. A ânsia de conhecer toda a verdade faz que a maioria dos que penetram neste terreno, a princípio tão cheio de mistérios e enigmas, queiram presenciar tudo duma vez, e achar, à viva força, fatos e fenômenos que lhes permitam uma opinião definitiva. Não será assim. Julgo muito preferível, como já afirmei, estudar inicialmente as explicações existentes, a fim de que, com mais facilidade, possam entrelaçar-se os efeitos às causas. Se começarmos pela investigação prática, surgir-nos-á seguramente a impossibilidade de encontrarmos à nossa disposição todo o material necessário para realizarmos o estudo completo da Metapsíquica. Provavelmente, apenas uma fração dos fatos existentes será presenciada. Ora, cada fato, ou cada qualidade de fenômenos, considerados isoladamente, podem, muitas vezes, ter uma explicação satisfatória, diferente de outra. Seguidamente se interpreta um acontecimento metapsíquico, ou mais de um, de maneira que se julga bastante razoável e que nos parece dar a chave de toda a fenomenologia espírita. Mais tarde, porém, um só fato de outra natureza põe por terra a explicação anteriormente arquitetada. O aconselhável é, portanto, conhecer a teoria, as hipóteses e as investigações realizadas, fora da nossa vista, por pessoas ou centros de estudo capazes e idôneos. É um material de reserva, que nos vai servindo, esclarecendo-nos, poupando-nos raciocínios e ajudando-nos na seleção e na elaboração de possíveis interpretações. Com este cabedal de conhecimentos, poderemos, então, iniciar as nossas investigações pessoais. Caso contrário, seria nós, sozinhos, querermos erigir uma ciência nova e, sozinhos, pretendermos achar um fio para penetrar nos grandes problemas da vida e do Universo.

            Suponho que tenha dado um conselho salutar, sensato, que evitará ao estudioso esmorecer-se diante da tarefa gigantesca de querer, insuladamente, interpretar todos os fenômenos do Espiritismo.

            A Metapsíquica e os conhecimentos que dela advirão, não há que duvidar, revolucionarão as nossas concepções a respeito do homem como indivíduo e do homem como parte integrante do todo social. Talvez tenhamos de esperar algum tempo. As condições materiais em que vive o homem, nesta etapa de civilização, dificultam enormemente a sua ascensão espiritual e moral. Em relação à sociedade, acontece o mesmo que ao indivíduo. Assim como este, dominado ainda pela força bruta dos instintos, ou obrigado a viver de forma excessivamente utilitária, com a mente voltada, por injunções da época, para a luta pela subsistência ou por maior conforto, não pode ter lazeres, nem ponderação e calma para estudar, meditar e analisar os problemas menos ligados ao mecanismo da sua vida cotidiana, assim também a sociedade, nesta fase da sua evolução, regida pela imperiosidade das condições e formas de produzir, trocar e consumir utilidades, não tem possibilidades reais de se elevar para concepções mais altas e menos materiais. É um imperativo da época e das condições em que vivemos e em que nos agitamos desordenadamente.

            Esta fase passará quando se alterarem para melhor as condições econômicas e sociais. A sociedade será, então, compelida a olhar de perto e a considerar cientificamente, sem dogmatismos e sem prevenções, os fatos e os fenômenos de que tão resumidamente me ocupei no presente trabalho.

            Esta nova Ciência, ao primeiro relance meramente especulativa, quando for bem compreendida, influirá poderosamente na formação da futura filosofia humana, abrindo perspectivas de conforto, de paz, de progresso e de harmonia social, incitando a humanidade a que caminhe resoluta, destemorosa de intransigências sectárias, para um novo regime social, mais científico, mais cristão e que facilitará ao homem a compreensão de muitas verdades a respeito da sua vida, do seu destino e da sua finalidade no Universo.

            Porto Alegre, 4 de Janeiro de 1948.

FIM

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