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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Homeopatia e Espiritismo


                        

Homeopatia e Espiritismo
por Lauro S. Tiago
Reformador (FEB) Outubro 1971

                A Homeopatia e o Espiritismo são duas doutrinas com objetivos perfeitamente distintos e surgidas na Terra em locais e época bem diferentes.

            A Homeopatia é uma doutrina médica devida a Cristiano Frederico Samuel (Christian Friedrich Samuel Hahnemann.

            Hahnemann era alemão; nasceu na cidade de Meissen, na Saxônia, a 11 de abril de 1755. Nas plagas germânicas cresceu, desenvolveu-se, estudou e formou-se em Medicina. Frequentou as Universidades de Leipzig, Viena e Erlangen, tendo nesta última defendido sua tese de doutoramento, aos 10 de agosto de 1779.

            Formando-se em Medicina, Hahnemann não se tornou simplesmente um médico; ele foi um gênio médico. Possuía vastos e profundos conhecimentos de medicina (conhecia toda a tradição médica desde Hipócrates e a mais remota antiguidade'; de ciências médicas e naturais (era sábio em Química e Mineralogia, a cujo respeito escreveu obras de grande mérito e era consultado por investigadores do mundo inteiro, entre eles o nosso patriarca José Bonifácio, que era também mineralogista e se correspondia com Hahnemann; de línguas vivas e mortas {Versava o latim, o grego e o hebraico, o alemão e o inglês, o francês, o espanhol e o Italiano, o sírio e o árabe); e todo esse vasto saber ele não adquiriu, por certo, na Alemanha e nas universidades germânicas somente, mas trazia-o já no espírito, em sua maior parte, como patrimônio vastíssimo adquirido em vidas sucessivas e laboriosas, certamente dedicadas à pesquisa da verdade e ao serviço da humanidade.

            Dotado ao mesmo tempo de gênio intuitivo e de espírito prático, sendo tão grande pensador quanto experimentador invulgar, possuía alta capacidade de análise crítica e de juízo objetivo. Nessas condições, não podia acomodar-se às presunções da medicina de sua época - fim do século XVIII e metade do século XlX - cheia de incertezas, lacunas e impropriedades, em cuja prática abundavam as medicações sintomáticas, os drásticos, eméticos, diuréticos, analgésicos, antitérmicos, sedativos, hipnóticos, e prevaleciam as aplicações tópicas, os rubefacientes, os vesicatórios, o sedal, a moxa, as pontas de fogo, as sangrias e tantos outros instrumentos de tortura, antes nocivos que úteis. Insurgiu-se contra o que considerava uma ciência enganosa e uma arte perigosa, uma medicina que vivia ao sabor das discussões acadêmicas, esquecida da sua mais alta missão, que é curar o homem enfermo. "A primeira, a única vocação do médico - diz Hahnemann no primeiro parágrafo do seu “Organon da Arte de Ourar” - é restabelecer a saúde nas pessoas enfermas; é ao que se chama curar. Sua missão não é, como pensaram tantos médicos que perderam seu tempo e suas forças correndo atrás da celebridade, forjar sistemas combinando ideias ocas e hipóteses sob a essência íntima da vida e a produção das doenças no interior invisível do corpo, envolvendo tudo numa farragem (miscelânea) de abstrações ininteligíveis, cuja pompa dogmática engana os ignorantes, enquanto os doentes suspiram em vão por socorro. Basta destes sábios devaneios a que se chama medicina teórica, e para os quais até instituíram cátedras especiais. É tempo de que todos aqueles que se dizem médicos cessem afinal de enganar os pobres humanos com palavras vazias de sentido e que comecem a agir, isto é, a aliviar e a curar realmente os enfermos." Nessas palavras de Hahnemann percebe-se o desacordo em que se encontrava com a medicina do seu tempo. E com razão. A tal ponto chegou esse desacordo no espírito de Hahnemann que, após ter conquistado o mais alto conceito dentro da sua classe, que o levou ao seio de várias sociedades sábias e à aquisição de numerosa clientela capaz de lhe propiciar recursos para uma existência farta e tranquila, num belo dia, ante o espanto dos seus clientes anuncia-lhes a resolução de abandonar o exercício da profissão médica, dedicando-se daí em diante à tradução de obras científicas. Passou, assim, da glória ao quase esquecimento; caiu, pouco a pouco, na maior pobreza; trocou o conforto pelas privações: mas, sentia-se feliz com sua consciência e seu caráter. Foi em meio de seus árduos labores de tradutor, num simples cômodo onde apenas por uma cortina o seu gabinete de trabalho era separado do resto do aposento, que lhe assomaram ao espírito as primeiras ideias que, mais tarde desenvolvidas, corporificaram a sua doutrina. Com elas, empreendia uma completa reforma na Medicina, envolvendo conceitos Inteiramente novos em patologia e etiologia, tanto quanto em farmacodinâmica e terapêutica. Fez uma exposição delas, pela primeira vez, em 1796, num trabalho original publicado na “Revista Médica”. de seu colega e amigo Hufeland, e intitulado “Ensaio sobre um novo princípio para descobrir as virtudes curativas das substâncias medicinais, seguido de alguns comentários sobre os princípios admitidos até os nossos dias”. A este, seguiram-se muitos outros, até que, em 1810, consubstanciando inteiramente a sua doutrina, publicou a primeira edição do “Organon da Medicina Racional”, cujas edições posteriores trouxeram o nome de “0rganon da Arte de Curar", e que é a obra fundamental de Hahnemamn.

            Surgiu, portanto, a Homeopatia, como doutrina médica, muito antes do Espiritismo, que é uma doutrina de caráter cientifico-filosófico-religioso, codificada por Allan Kardec e cuja obra fundamental – “O Livro dos Espíritos” – apareceu na França, em 1857.

            Essas diferenças de objetos, de datas e locais de aparecimento impedem entretanto, que se descubram afinidades extraordinárias entre a doutrina médica do genial alemão e a doutrina codificada pelo missionário francês, afinidades essas certamente mais evidentes naqueles pontos em que o Espiritismo toca os problemas biológicos, médicos e terapêuticos.

            Não há negar que existe uma medicina espírita, praticada ainda não pelos médicos, mas pelos crentes e de modo inteiramente desinteressado. Há uma patologia espírita como há uma biologia espírita - decorrências mesmas da cosmologia e da cosmogonia espíritas. “Deus. Espírito e Matéria” constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal" - diz “O Livro dos Espíritos”; mas, ao lado da matéria, é preciso que se considere o fluido universal, elemento necessário de ligação entre o Espírito e a matéria, suscetível de modificações inumerável, condicionando modalidades diversas de fluidos que em tudo intervêm, tanto na grandeza infinita dos espaços estelares, como na grandiosa pequenez dos turbilhões atômicos, na natureza bruta como na natureza viva, na vida dos vegetais e animais como do homem, portanto, na saúde como na doença. A biologia e a patologia espíritas existem, aliás, não no sentido de ciências particulares, mas de contribuições do Espiritismo à Biologia e à Patologia, de estudos de Biologia e Patologia à luz do Espiritismo.

            Basta lembrar a noção fundamental do perispírito e a existência dos fluidos espirituais para que, desde logo, se compreenda a contribuição do Espiritismo (e relevante) à Biologia e à Patologia, portanto, à Medicina. O perispírito é um organismo fluídico completo, sob cujo influxo constante se modela e mantém o corpo físico do homem. A sua importância é considerável em Embriologia e em Anatomia, como em Fisiologia e Patologia. Está ligado parte a parte, célula a célula, molécula a molécula, ao arcabouço material; tudo o que se passa num, repercute imediatamente no outro. O equilíbrio funcional do perispírito pode ser perturbado por agentes imateriais, fluídicos, da mesma natureza, portanto, que ele, e essa perturbação, repercutindo do corpo físico, torna-o também enfermo. Do mesmo modo, pela ação de elementos também fluídicos, porém, salutares, pode normalizar-se o perispírito é, consequentemente, o organismo material, intimamente ligado a ele, volve ao seu normal funcionamento. A contribuição do Espiritismo é imensa quando demonstra a existência de um mundo fluídico, onde a natureza é fluídica, as substâncias são fluídicas, com propriedades “sui generis” de imponderabilidade, penetrabilidade e dinamismo, que as expõem à ação direta do pensamento e da vontade dos Espíritos, que são os habitantes desse mundo. Assim, essas substâncias sofrendo a ação do pensamento, que lhes pode comunicar qualidades diversíssimas, benéficas ou maléficas, salubres ou insalubres e dirigidas pela vontade, obedecendo ainda às leis universais de afinidade, atração e repulsão, soem agir benéfica ou maleficamente sobre a organização integral do homem, acarretando lhe saúde ou enfermidade. É o caso de doenças devidas a simples influências fluídicas que Espíritos desencarnados, bons ou maus, consciente ou inconscientemente, podem comunicar aos encarnados. É o caso, sobretudo, das obsessões, desde as simples, menos graves, até as terríveis e gravíssimas subjugações, em que os enfermos se apresentam como verdadeiros loucos. Aqui o Espiritismo contribui ainda com o princípio básico da reencarnação, que estabelece a multiplicidade das existências do mesmo indivíduo com suas relações passadas, suas ligações de amor ou ódio, suas ações dignificantes ou criminosas, suas virtudes ou seus vícios. Nas obsessões graves assiste-se a uma verdadeira subjugação moral exercida pelo obsessor e que “se radica nas relações que o obsidiado manteve com ele em precedente existência” (Kardec – “O Evangelho segundo o Espiritismo”, 51ª ed. FEB, pág. 412). Como obra importante sobre esse assunto há o livro de Bezerra de Menezes “A Loucura sob Novo Prisma” - em que aquele apóstolo do Espiritismo pôs toda a sua alma, procurando demonstrar que a maior parte dos chamados loucos não o são verdadeiramente, porquanto neles não se descobrem lesões orgânicas cerebrais, sendo suas perturbações mentais devidas unicamente à obsessão, cujo mecanismo procura explicar pela ligação que se estabelece entre os perispíritos do obsidiado e do obsessor; este, assim, transmite ao sua vítima tudo o que queira; quer no domínio das percepções, que tomam o aspecto de alucinações visuais ou auditivas ou de outras naturezas, dando ao obsidiado impressões de imagens aterradoras criadas pela vontade do Espírito operando sobre elementos fluídicos ou de vozes perseguidoras, acusadoras, perversas, contendo expressões ofensivas, cruéis e obscenas; quer no domínio das ações, que se tornam pueris e ridículas ou impulsivas, revestidas de violência e agressividade, podendo levar ao homicídio ou ao suicídio.

            Citamos o livro e o objeto principal do seu estudo para que se anote desde já que a doença pode surgir no homem independentemente de qualquer causa material, pela só influência de elementos imateriais, fluídicos mas evidentemente substanciais, que são o perispírito e os fluidos espirituais. Só pode curar-se o doente, nesses casos, pelo afastamento do obsessor, o que, sendo o Espírito consciente e livre, unicamente se poderá obter pela persuasão, falando lhe à razão e ao sentimento, esclarecendo-o e comovendo-o na sua dureza e maldade; obra de amor e caridade que exige paciência e humildade, ao mesmo tempo que firmeza e autoridade.

            Importa ainda lembrar, conforme os ensinos dos que se têm ocupado do assunto, que a ação deletéria exercida sobre o perispírito do obsidiado pode levar, se não for interrompida pelo afastamento em tempo oportuno do obsessor, à verdadeira loucura, com o aparecimento de lesões orgânicas cerebrais e de outros órgãos. Assiste-se, assim, no fenômeno obsessivo, a uma verdadeira evolução mórbida, indo das simples perturbações sensoriais até graves distúrbios funcionais da mente e, por fim, a lesões do cérebro, que podem tornar-se irreparáveis. Tudo isso mostra uma só coisa: a poderosa ação morbígena dos elementos fluídicos imateriais.

            Por isso é que, no tratamento das obsessões, deve juntar-se à ação moral sobre o obsessor uma ação fluídica benéfica e neutralizadora dos maus fluidos que envolvem o obsidiado, o que se pode fazer através do “passe” e da “água fluidificada”, das irradiações de bons pensamentos e, sobretudo, do poderoso instrumento da prece.

            Citamos o caso das obsessões, com as perturbações mentais que elas acarretam, mas não ficam nisso as doenças causadas por agentes fluídicos e espirituais. Todas as enfermidades podem ser do mesmo modo produzidas. São sem número os casos de neuroses, epilepsias, paralisias, perturbações cardiovasculares; bronco-pulmonares, gastrointestinais, hepáticas, causadas por simples influências fluídicas de Espíritos desencarnados sobre os encarnados, relatados na bibliografia especializada. Poderíamos, inclusive, citar muitos casos de nosso testemunho pessoal, mas vamos limitar-nos ao seguinte:

            Neide, que hoje, como esposa, nos acompanha também nas lides doutrinárias, aos 15 anos teve singular enfermidade. Adoeceu com todos os sintomas de uma pneumopatia aguda de caráter congestivo e inflamatória, com febre, temperatura moderada pela manhã, mas que ascendia todas as tardes, dores torácicas, tosse e expectorações hemoptóícas (sanguíneas). O médico da família – Dr. Castro de Faria - diagnosticara na época congestão pulmonar, medicara convenientemente a sua enferma e tranquilizou lhe a família, declarando esperar vê-la em poucos dias curada. A doença, no entanto, na sucessão dos dias, não cedia, sequer apresentando melhoras; continuava, ao contrário, arrastando-se numa enervante monotonia de sintomas que a todos preocupava, inclusive ao médico que pediu, então, exames radiográficos dos pulmões e bacterioscópico do escarro, os quais resultaram ambos negativos. Mas, a enferma continuava com a mesma ascensão térmica vespertina, apresentava agora também suores abundantes, as mesmas dores, a tosse e os escarros sanguíneos, alarmando a família e o médico. Este pediu novo exame de escarro, com enriquecimento do material e inoculação em cobaia. Todos confiavam no médico que, apesar da negatividade do novo exame, recomendou que levassem a enferma para fora da cidade, a local de clima de altitude. Foi, então, quando interveio a avó da moça, espírita convicta. “Já cumprimos o nosso dever dando à querida neta os recursos da Ciência terrena - disse ela, - Seja-nos lícito, agora, dar-lhe também os recursos da ciência divina dos Espíritos.” Assim foi feito. E os Espíritos informaram que a enfermidade de sua neta decorria de influência espiritual de uma sua amiga desencarnada de tuberculose pulmonar e que, por afinidade e afeto, aproximava-se dela, transmitindo-lhe inconscientemente seus efeitos mórbidos porquanto, tendo desencarnado há muito pouco tempo, o seu perispírito ainda não se houver desembaraçado totalmente das impressões de sua recente enfermidade; que se evocasse o Espírito da amiga, esclarecessem-no, administrassem-se passes e água fluidificada à enferma e tudo cessaria. De fato, Neide tivera uma amiga, que morava na mesma rua, em frente à sua residência. As duas famílias se estimavam muito. Essa amiga contraiu tuberculose pulmonar e em consequência dessa enfermidade desencarnou. Evocado, o Espírito da amiga mostrou-se pesaroso do mal que causava sem saber, prometeu afastar-se até que pudesse transmitir melhor influência, desculpou-se e, efetivamente, retirou-se. Neide, no dia seguinte, após tratamento fluídico por meio de passes e água fluidificada, apresentou sensível melhora, e em seguida, todos aqueles sintomas desapareceram para não mais voltar. A cura foi rápida e perfeita logo após o afastamento da amiga desencarnada.

            Ora, se a simples influência inconsciente de uma amiga pode causar semelhante dano, que não poderão fazer ações intencionais de Espíritos inimigos, vingadores, manipulando os fluidos com os seus pensamentos de ódio e de rancor?  

            Não nos podemos estender mais sobre este assunto, que não constitui o verdadeiro objeto do nosso artigo. Quisemos apenas chamar a atenção dos leitores para o fato incontestável de que, em numerosíssimos casos, as doenças podem ser causadas e curadas unicamente pela ação de elementos fluídicos, imateriais.

            Estabelecidos esses conceitos, vejamos agora, em que consistem as afinidades que, afirmamos, existem entre a Homeopatia e o Espiritismo, melhor, entre a medicina homeopática e a medicina espírita. Precisamente nisto: a ação dos medicamentos homeopáticos não é de natureza material, química, mas sim de ordem dinâmica, verdadeiramente imaterial; ela decorre não da massa ou das propriedades químicas da substância medicamentosa, mas de um dinamismo próprio de algo que, no seu âmago, se encontra com a sua potencialidade de ação como que reprimida e oculta, precisando, para manifestar-se livremente e em toda a sua plenitude de força, que a substância natural que lhe serve de base à preparação seja submetida a um processo especial de desmaterialização. Este processo foi concebido e tornado prático pelo próprio Hahnemann, que falou em dinamismo medicamentoso e demonstrou-lhe a existência, preparar medicamentos dinamizados por um processo realmente original e que consiste em fazer diluições sucessivas e múltiplas das substâncias medicamentosas a partir de preparações farmacêuticas básicas chamadas preparações-mães. Nessas preparações iniciais básicas as substâncias medicamentosas de origem mineral, vegetal ou animal se encontram ainda em estado natural ou bruto e na plenitude da sua materialidade; mas, à medida que se processam as diluições, seguidas de fortes sucussões, a sua massa material progressivamente afastada, dando lugar a libertação do dinamismo que permanecia no seu âmago em estado potencial. Desse modo Hahnemann realizou a atenuação progressiva da substância medicamentosa e sua consequente dinamização cada vez mais alta. E, assim, pelo processo hahnemaniano de preparação de medicamentos dinamizados, as substâncias são progressivamente levadas a graus de atenuação material tais que neles, realmente, mesmo os ultrafinos métodos analíticos da Química moderna não conseguem desvendar sequer traços das matérias que serviram de base à sua preparação.

            Mas, então - pergunta-se -, que há ainda nos medicamentos homeopáticos? Como podem agir sobre o organismo, se deles nada mais existe, materialmente falando? Há, sim, algo de substancial nesses medicamentos - respondemos nós -, que pode agir substancialmente. Como existe e como age e onde age, é o que objetivamos explicar neste artigo, que escrevemos com o nosso pensamento voltado para os nossos irmãos espíritas, no desejo de ajudá-los a bem compreender Hahnemann e a sua doutrina.

            Do ponto de vista estritamente médico e terapêutico, baseia-se a Homeopatia na lei natural de cura chamada Lei dos Semelhantes, implícita no aforismo latino Similia similibus curantur (Curam-se os semelhantes pelo semelhantes). O sentido dessa proposição, aplicada aos doentes e de acordo com as ideias de Hahneman, é precisamente este: Os doentes, que, atingidos pelas causas naturais de enfermidade, têm nos sintomas mórbidos a adequada e única maneira de expressar o seu estado enfermo, curam-se pelos agentes artificiais medicamentosos capazes de produzir, no homem são, sintomas semelhantes aos da sua própria enfermidade.

            Nesse sentido, doentes com vômitos podem curar-se com a vulgar poaia ou ipecacuanha (Cephaellis ipecacuanha), que é um emético ou vomitivo: os que tenham dor de cabeça latejante, congestiva, com preparação adequada de nitroglicerina (Glonoinum), que produz congestão cefálica. Esses exemplos elucidam o sentido da lei de similitude, aliás de maneira muito simplista, porque em verdade se trata, na aplicação clínica dessa lei, de observar e comparar nos doentes e nos remédios não um sintoma mas um conjunto de sintomas, que pode ser muito complexo e exigir de parte do médico grande ciência e verdadeira arte para a escolha adequada do medicamento que melhor se adapte ao quadro sintomatológico do seu doente. Mas, em certos casos, as coisas se simplificam pela presença, no enfermo, de sintomas de tal modo característicos de certo medicamento que a indicação deste torna-se evidente e imperiosa (“key-notes”) ou sintomas-chave dos autores anglo-saxões). Há, por exemplo, uma espécie de aranha da América. - a Latrodectus mactans - cuja mordida causa na vítima angustiante dor precordial, com sensação de garra no peito e nítida irradiação dolorosa para todo o membro superior esquerdo. Ora, o Lactrodectus mactans em preparação homeopática é utilizado com grande eficiência no tratamento de crises de “angina pectoris” (angústia de peito, angina), que apresentam exatamente esse sintoma. Muito expressiva é também o caso do cianeto de mercúrio; esta substância produz, nos seus envenenamentos, depósitos sobre as amigdalas faríngeas em tudo semelhantes às pseudomembranas que ocorrem na difteria; e exatamente o Mercurios cyanatus, medicamento homeopático preparado com aquela substância química, é o remédio de eleição para o tratamento dessa grave e infecção.

            Como esses, outros casos existem de sintomas tão característicos de certos medicamentos que sua presença, nos doentes, indica imediatamente a sua escolha para o respectivo tratamento. A regra, porém, não é essa, principalmente nas doenças crônicas, diatésicas, profundas, em que se encontram quadros sintomatológicos, complexos, exigindo dos medicamentos, sob cuja ação devam curar-se, que sejam capazes de produzir no homem sadio todos os sintomas por elas produzidas nos enfermos.

            Ora, para conhecer a totalidade dos sintomas que os agentes medicamentosos  podem produzir (no homem são) e curar (no homem enfermo), não basta consultar os tratados de toxicologia. Estes só registram os efeitos de número relativamente pequeno de substâncias e limitam-se, também, somente aos efeitos devidos a ações agudas e violentas de doses maciças dessas substâncias, ocorridas em casos acidentais de envenenamentos ou intencionais de homicídios ou suicídios; ou ainda, aos efeitos de ações menos agudas e mesmo crônicas, verificadas em casos de intoxicações profissionais, efeitos esses devidos a ações que são todas comparativamente superficiais, isto é, restritas às partes mais grosseiras e materiais do corpo físico do homem. Não registram os tratados de toxicologia os efeitos devidos a ações mais profundas que vão até os elementos mais finos e sutis, bem assim, os seus princípios imateriais, fluídicos e espirituais.

            Para adquirir o conhecimento da ação integral dos medicamentos, superficial e profunda, e nas suas mínimas particularidades, quer sobre os elementos materiais como sobre os imateriais do ser humano, é preciso observar os seus efeitos (os sintomas que eles são capazes de produzir) através de uma investigação experimental. Essa experimentação deve ser feita no homem (o experimentador) e não o animal; e no homem em estado de saúde perfeita, tanto quanto possível, para evitar que os sintomas produzidos venham mesclados com outros devidos a possíveis enfermidades naturais do experimentador. Ela deve processar-se, metódica e perseverantemente, através de doses repetidas por muito tempo – dias, semanas e mesmo meses - com paciência e sem pressa ou preocupação imediatista, para permitir que todos os efeitos da droga sejam observados, pois muitos sintomas só se desenvolvem lenta e paulatinamente. E ela deve ser feita, sobretudo, atendendo à necessidade de que as substâncias sejam experimentadas não só no seu estado natural bruto ou cru, mas também em diversos estados de rarefação, sutilização ou dinamização, decorrentes de preparação especial, e de modo que possam atingir todos os planos da organização complexa do homem, desde a mais grosseira materialidade do seu corpo físico até a substancialidade verdadeiramente imaterial do corpo fluídico da alma,  que também faz parte do homem e pode ser afetada por agentes sutis de enfermidade. Por isso, também adoece, muitas vezes, sendo, mesmo, a primeira que adoece.

            Foi assim que pensou Hahnemann. Assim pensando, assim fez. Introduziu na investigação das propriedades medicamentosas das substâncias um procedimento novo, inteiramente original, por ele chamado - experimento puro - através do qual elaborou as patogenesias dos medicamentos.

            Patogenesia de um medicamento é o registro e a sistematização de todos os sintomas que, no experimento puro, são produzidos por esse medicamento. Esses sintomas são aí classificados segundo sua natureza mental ou física, seu caráter geral ou particular e, neste caso, distribuídos pelas diversas partes do corpo, da cabeça aos pés, e pelos diversos aparelhos e sistemas orgânicos, desde o sistema nervoso e os órgãos dos sentidos até o aparelho urinário e a pele.

            O conjunto das patogenesias de todos os medicamentos experimentados constitui a Matéria Médica Pura. Enquanto o “Organon da Medicina” é a obra doutrinária fundamental de Hahnemann, a sua “Matéria Médica Pura” é a que encerra o resultado do seu trabalho experimental, obra monumental, infelizmente ignorada, por preconceituoso desprezo de escola, pela maioria dos médicos, e que, no entanto, representa valioso patrimônio da humanidade, da mais alta utilidade para a cura racional das enfermidades. Sem a elaboração da Matéria Médica Pura seria inexequível a aplicação da Lei de Similitude.

          Hahnemann foi, pois, completo: pela sua intuição genial, apreendeu a verdade de uma lei natural de cura e, pelo seu portentoso trabalho de experimentador, possibilitou a aplicação prática dessa lei.

            Assim - Lei dos Semelhantes e Experimento Puro - foram as duas primeiras contribuições de Hahnemann, como reformador, à Medicina e, em verdade, constituem os dois pilares-mestres em que se firma toda a Medicina Homeopática.

            Mas, Hahnemann, ao reiniciar a sua prática clínica, já agora com a nova orientação da
sua própria doutrina, no começo empregava os medicamentos em doses ponderáveis. Nestas condições, observava nos seus doentes frequentes agravações passageiras, antes de se manifestarem aa melhoras e realizar-se a cura. Eram, na verdade pseudo agravações as que nem por isso deixavam de ser desagradáveis, obrigando-o a não repetir a dose senão quando se esgotava a ação da dose anterior. Não se contentando, porém, com isso, e na intenção de afastar essas pseudo-agravações, concebeu Hahnemann a ideia de diminuir as doses, isto é, de atenuar a massa material dos seus medicamentos, diluindo-os em veículos apropriados: álcool ou açúcar de leite. Verificou, desde logo, com esse procedimento, não só o desaparecimento das agravações como também o apressamento das curas. Pôs-se, então, a diluir mais, e mais, e quanto mais diluía melhores resultados obtinha. Já agora, embrenhando-se por um caminho para qual a sua intuição genial o levava, não só diluía como aplicava também fortes abalos ou sucussões aos medicamentos, agitando-os vigorosamente em frascos especiais, com a ideia de mudar o seu estado natural maciço em um estado cada vez mais energético e dinâmico. E assim Hahnemann, numa época tão distante ainda das conquistas da ciência, que a estão levando inevitavelmente para o domínio do dinamismo da matéria rarefeita e sutileza e da energia pura, só pelo seu gênio concebeu e preparou medicamentos dinamizados.  

            Mas, não parou aí a intuição genial de Hahnemann. Tendo partido da lei dos semelhantes e da experimentação pura e chegado à utilização de medicamentos dinamizados, foi naturalmente conduzido a novas concepções sobre os estados de saúde e de doença, a uma nova patologia com etiologia e patogenia dinâmicas isto é, em que as causas morbígenas são dinâmicas (chamou-lhes miasmas, havendo-os agudos e crônicos) e atuam de modo dinâmico sobre os elementos do complexo humano da mesma natureza que elas - a força vital e a alma do homem.

            Vamos citar alguns parágrafos do “Organon da Arte de Curar” em que estão esboçados esses novos conceitos (traduções mexicana e brasileira da 6ª edição alemã):

            § 9 – “No estado de saúde a força vital e espiritual (autocrática), que anima dinamicamente o corpo material (organismo), governa com poder ilimitado e conserva as suas partes em harmoniosa operação vital, tanto no que se refere às sensações quanto às funções, de modo que o espírito dotado de razão que em nós reside, possa empregar esses instrumentos livres e sãos para atingir os mais altos fins da nossa existência.”

            § 10 - “0 organismo destituído da força vital é incapaz de qualquer sensação, de qualquer atividade e de fazer qualquer coisa pela sua auto conservação (está morto - acrescenta Hahnemann numa nota ao pé da página, e sujeito unicamente ao poder do mundo físico exterior que, ao corrompê-lo, o reduz aos seus elementos químicos; todas as sensações nascem e todas as funções vitais se realizam somente por meio do ser imaterial (o princípio vital) que o anima, tanto no estado de saúde como no de enfermidade.”

            § 11 – “Quando o homem adoece, é somente a força vital imaterial e ativa por si mesma e presente em todas as partes do organismo, a única que sofre desde logo a influência dinâmica do agente morbígeno hostil à vida; unicamente o princípio vital assim perturbado, pode fornecer ao organismo as sensações desagradáveis e impeli-lo às manifestações irregulares a que chamamos doenças; mas como é uma força invisível por si mesma e só reconhecível pelos seus efeitos no organismo, ela só pode exprimir suas perturbações mórbidas pelas manifestações anormais das sensações e das funções daquelas partes do organismo acessíveis aos sentidos do observador e do médico, isto é, pelos sintomas mórbidos e de nenhum outro modo pode dar-se a conhecer."

            § 16 - "Nossa força vital, sendo um poder dinâmico, não pode ser atacada nem afetada por influências nocivas sobre o organismo são e produzidas por forças externas hostis que perturbam o harmonioso funcionamento da vida, senão de maneira imaterial (dinâmica); e de maneira semelhante todas essas desordens patológicas (doenças) não podem ser removidas pelo médico de algum outro modo que não seja o poder imaterial (virtual e dinâmico) de medicamentos úteis e oportunos sobre a força vital, que os percebe pela faculdade sensitiva existente em todo o corpo. Assim, é somente por sua ação dinâmica sobre a força vital que os remédios deverão restabelecer, e de fato restabelecem, a saúde e a harmonia vital.”

            Ora, que é a força vital de Hahnemann? Para melhor compreensão precisamos refletir em que a força não existe como força, mas como atributo de algo que seja substancial. “Durante anos, escreve Kent (James Tyler Kent, médico homeopata norte-americano), houve uma continua discussão sobre a força como força, não se concebendo nada anterior a ela. No tempo de Hahnemann havia uma grande escassez de ideias individuais, fora dos conhecimentos aceitos.

            “Mas Hahnemann pensava muito, e pensava com ânsia de encontrar a verdade. Por seu pensamento chegou à ideia contida no parágrafo 9, já citado, a qual só aparece sob esta forma na última edição: No estado de saúde do homem o princípio vital imaterial anima o corpo material. Se Hahnemann tivesse empregado a expressão substância vital material, teria sido ainda mais expressivo, pois ver-se-á que verdadeiramente é uma substância!”

            A existência dessa substância vital, como um dos elementos integrantes do homem, recebe exatamente da ação dos medicamentos homeopáticos dinamizados à mais completa confirmação, porquanto, não podendo eles atuar diretamente sobre o organismo físico, dado que não têm massa material mas somente dinamismo imaterial e, no entanto, atuam, é porque o fazem sobre outro elemento da mesma natureza que eles, imaterial e dinâmico, em estreita relação com o organismo, de modo que toda ação sobre um repercute logo no outro.

            Ora, a ação dos medicamentos em doses imponderáveis não comporta mais contestação. É um fato. E uma das coisas verdadeiramente maravilhosas da Medicina são aa curas de enfermidades rebeldes a outros tratamentos, realizadas por medicamentos em médias, altas e altíssimas dinamizações, como a 30ª, a 200ª, a 1.000ª, a 10.000ª e a 100.000ª.

            Há 30 anos praticamos a Medicina Homeopática. Nesse tempo não fez mais que aumentar a nossa convicção sobre o valor dos seus medicamentos e a nossa admiração pelo sábio fundador da Homeopatia. É de estarrecer, entretanto, e impressiona, penosamente a quem tem esta convicção, o desprezo e o desdém com que tratam essa doutrina os médicos em geral (com honrosas exceções), oriundos da longa incompreensão da verdadeira constituição ternária do homem, em que se associam e se harmonizam o espírito imortal, a matéria perecível e o fluido universal. Não é possível que toda a medicina se resuma em ações materiais, somente suscetíveis de exercerem-se diretamente sobre o corpo físico, quando existem no homem, também, os outros dois elementos, que igualmente se perturbam e enfermam, pedindo, para curar-se, agentes de natureza similar à deles, portanto imateriais, fluídicas, espirituais. Essa quase absoluta descrença a respeito da ação dos medicamentos homeopáticos é fruto da concepção puramente materialista do homem, da natureza e da vida; não pode, pois, ser partilhada pelos espíritas. Ela envolve o erro de se considerar esses medicamentos como simples “águas”, onde nada existe que possa atuar como medicamento. Pobreza da mente humana! Para compreender a Homeopatia e a ação dos medicamentos homeopáticos é preciso levantar o olhar acima da matéria e enxergar no Universo algo de substancial que transcende o conceito de substância ou de matéria específica corporificada numa forma maciça e concreta: é preciso apreender a existência também de uma modalidade de substância - imaterial - que ainda não é, porém, o Espírito na sua pura essência. É uma substância que não tem forma, mas traz em si os grandes delineamentos da forma, sendo como que a modeladora desta; um princípio diretor substancial e dinâmico, que coordena os elementos materiais e os domina para a construção da forma.

            “O mundo material existe só como efeito, verdadeiramente mantido por um mundo imaterial.

            É neste que reinam as causas e é nele que atuam as forças, em virtude das quais podem congregar-se os elementos materiais dispersos para que surjam as formas concretas, isto é, os corpos materiais, tais como os conhecemos. Sem esse mundo, que é imaterial, se bem que substancial, nada haveria de concreto no nosso mundo.” Segundo esses conceitos, colhidos no livro “Filosofia Homeopática”, de J. T. Kent, anteriormente citado, a forma tem necessariamente algo que a precede e que é exatamente essa substância imaterial modeladora. É verdade que ela opera obedecendo, por sua vez, a uma ideia diretriz, a uma inteligência formativa, a um pensamento criador de origem espiritual ou divina. Não tentemos, porém, subir tão alto em nossa análise, pretendendo devassar a pura essência espiritual, porque para isso é realmente total a nossa incapacidade. Contentemo-nos em sondar a substância imaterial que constitui o mundo das causas mais próximas, já acessíveis, senão totalmente à nossa experimentação, pelo menos ao nosso entendimento.

            Kent - que foi, depois de Hahnemann, o maior filósofo da Homeopatia - chamou-lhe substância primitiva ou substância simples. Suas ideias a esse respeito podem assim resumir-se:

            Há, imanente em todo corpo material, constituindo--lhe como que o núcleo de origem, uma substância imaterial sob cujo influxo se congregam as partículas materiais, obedecendo a linhas de força que as orientam segundo desenhos e moldes que correspondem às formas concretas. Essa substância é invisível, porque pertence ao mundo das causas, que é invisível, imponderável, porque não sendo material não é dotada de massa e, portanto, não pode ter peso; é inextensa e penetrável, porquanto não ocupa propriamente um lugar no espaço, sendo, entretanto, capaz de ocupar o corpo material inteiro sem deslocá-lo ou estorvá-lo, nem tão pouco ser deslocada nem estorvada por ele; e é dinâmico, isto é, em vez de inércia, própria da massa material, possui atividade própria e energia, força e magnetismo. Em virtude desta última propriedade, a substância simples obedece ao pensamento e à vontade do Espírito e segue lhe a ideia diretriz, ao mesmo tempo que, de outro lado, impõe à matéria a sua influência diretora para a concretização da forma corpórea. Parece, pois, essa substância, dotada de inteligência formativa; na verdade, opera como guiada por uma inteligência para fins bem determinados e. desse modo, forma a economia de todos os reinos: mineral, vegetal e animal. Assim, tudo que tem forma mantém essa forma pelo influxo contínuo da substância simples que lhe é própria.

            Ora, essa substância imaterial existe, realmente; não é ideia cerebrina. Kent lhe chamou substância simples, mas os Espíritos prepostos à Codificação Kardequiana chamaram-lhe fluido universal. Em “O Livro dos Espíritos”, 1ª parte, capítulo II - Dos Elementos Gerais do Universo - Espírito e Matéria - pode ler-se o seguinte: “Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Mas, ao elemento material se tem de juntar o fluido universal, que desempenha papel intermediário entre o Espírito e a matéria propriamente dita por demais grosseira para que aquele possa exercer ação sobre esta. Embora, de certo ponto de vista, seja lícito classificá-lo como um elemento material, ele se distingue por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse positivamente matéria, razão não haveria para que também o Espírito não o fosse. Está colocado entre o Espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e suscetível, pelas inumeráveis combinações com esta e sob a ação do Espírito, de produzir a infinita variedade das coisas de que apenas conheceis uma parte mínima. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o Espírito se utiliza, é o princípio sem o qual o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá.” (Todos os grifos são nossos).

            Mais claro não é possível. Esse trecho da revelação dos Espíritos apenas corrobora e resume tudo o que foi dito anteriormente. A ideia criadora é de Deus ou do Espírito. Essa ideia cria forma pela ação da vontade sobre o fluido universal que, pela sua natureza intermediária entre o Espírito e a matéria, está apto para receber diretamente a influência daquele, transmitindo-a a esta. Sobre esse delineador imaterial e dinâmico, “mediador plástico”, decalca-se, então, a verdadeira forma concreta material. Nessas condições, em toda forma visível e tangível sempre se encontra, imanente na substância material inerte, a substância simples imaterial e dinâmica que lhe deu forma.

            Assim conceituada a substância simples como base e mantenimento do mundo material, podemos agora melhor compreender a natureza e o modo de ação dos medicamentos homeopáticos. Eles não são propriamente materiais, isto é, não agem pela massa das substâncias a partir das quais são preparados, mas pelo dinamismo próprio da substância simples nelas imanente. É que, segundo ainda Kent, toda matéria está sujeita a redução e pode ser reduzida continuamente até que se reduza à sua substância simples somente.

            Os elementos inertes contêm em sua natureza não somente sua própria substância simples identificadora, mas também possuem graus dessa substância, os quais podem ser libertados por reduções contínuas até os graus mais finos da substância simples.

            Dinamizamos os medicamentos exatamente para chegar à sua substância simples, isto é, à natureza essencial e às qualidades mesmas do remédio; rarefazendo lhes a matéria, damos liberdade e expansão à sua essência fluídica; e quanto mais se dinamizam mais eficácia adquirem para atuar nas profundezas do ser humano.

            Não são nossas essas afirmações. Citamos Kent, mas elas se encontram no próprio Hahnemann.

            No seu “Organon da Arte de Curar”, no parágrafo 270, após instruções detalhadas para o preparo dos medicamentos, ele afirma: “Por meio deste processo mecânico, contanto que se realize metodicamente conforme aos ensinos anteriores, efetua-se uma mudança na droga que em seu estado natural ou cru se manifesta por si mesma só como matéria, às vezes como substância não medicinal, mas, por meio da dinamização cada vez mais alta, se modifica e sutiliza até possuir um poder medicinal não material (“spirit-like”). Esta força, por certo, em si mesma, não cai debaixo da ação de nossos sentidos, mas o glóbulo medicamentoso preparado, seco e ainda mais dissolvido em água, vem a ser seu veículo, e nesta condição se manifesta o poder curativo desta força invisível no organismo enfermo.” E Hahnemann acrescenta numa nota a esse parágrafo: “Esta afirmação não parecerá inverossímil se se considera que, por meio deste método de dinamização, parte material do medicamento diminui muitos milhares de vezes com cada grau de dinamização e não obstante, aumenta seu poder de maneira incrível. É evidente que a parte material, por meio de semelhante dinamização, se decomporá finalmente em sua essência individual impalpável, não material. Em seu estado cru, portanto, se lhe deve considerar como constituído só desta essência imaterial não desenvolvida.”  

            Chamamos a atenção especialmente para a parte que grifamos na citação acima. Quando Hahnemann diz que a droga em seu estado natural ou cru se manifesta por si mesma só como matéria, às vezes como substância não medicinal, está aludindo ao que ocorre com medicamentos tais como a Silicea, o Carbo vegetabilis, o Lycopodium clavatum, entre outros, que são substâncias absolutamente inertes do ponto de vista das propriedades medicinais, quando em estado material bruto ou cru. Se submetidas, no entanto, à dinamização, pelo processo concebido e realizado por Hahnemann, desenvolvem propriedades medicinais que as tornam medicamentos dos mais importantes da matéria médica homeopática. A Silicea, por exemplo, é preparada a partir do óxido natural de silício ou sílica, existente na natureza em estado puro nos belos cristais de quartzo hialino, ou cristal de rocha. Neste estado natural, nenhuma propriedade medicinal apresenta, sendo totalmente inerte. Dinamizada, porém, e levada à 30ª dinamização, é um medicamento maravilhoso para todos os processos supurativos, mesmo os fistulosos, e em quaisquer tecidos e órgãos, se elevada à 200ª dinamização faz maravilhas em processos neurológicos com caráter nevrálgico ou epileptógeno. Acontece o mesmo com o Carbo vegetabilis, preparado à base de carvão de madeira e com muitas outras substâncias inertes em estado cru, as quais se tornam preciosos medicamentos, quando dinamizadas.

            Ora, que prova isso? Que a verdadeira força medicamentosa está imanente na substância natural bruta escravizada, contida, abafada pela matéria, e é atributo da substância imaterial que lhe deu forma. É esta que, com o seu dinamismo, impregna o veículo medicamentoso e age, então, como os fluidos e não como a matéria, tal a conhecemos.

            A ação dos medicamentos homeopáticos se assemelha, pois, à ação fluídica e, nessas condições, tem profundas afinidades com a terapêutica espírita, como a conceituamos no início do nosso artigo.

            Mas as afinidades da Homeopatia com o Espiritismo não param aí. Para bem aprecia-las, basta reler os parágrafos do “Organon”, antes citados. Quando Hahnemann diz, por exemplo, que o corpo material deve ao ser imaterial, que o anima, tanto no estado de saúde como de doença, todas as suas sensações (como o cumprimento de todas as suas funções vitais) ele entreviu, evidentemente a existência do períspirito, com o papel que desempenha em fisiologia como em psicologia humanas, na qualidade de elemento intermediário entre o Espírito e o corpo, conforme está sobejamente estudado nas obras fundamentais de Allan Kardec, Léon Denis, Gabriel Delanne e através dos trabalhos de Durville, de De Rochas e tantos outros, especialmente os modernos, de procedência mediúnica.

            Aí estão, portanto, as ideias de Hahnemann, nitidamente espiritualistas, senão espíritas, e dignas de serem partilhadas pelos adeptos do Espiritismo. Só por este motivo Hahnemann mereceria um lugar entre os grandes espíritos venerados pelos partidários da nossa doutrina. Mas, não ficam aí os títulos pelos quais faz jus a esse lugar. De fato, Hahnemann foi profundamente crente em Deus e sua vida tem lances que os limites de espaço não nos permitem aqui citar mas que estão descritos na obra "A Vida sobre humana de Samuel Hahnemann.", cujo título, por si só deixa entrever o que ela teve de extraordinário. Embora sua religiosidade não fosse de exterioridades, era, no entanto, e por isso mesmo, profunda e verdadeira.

            Cumpre-nos lembrar, ainda, para acentuar as afinidades entre Hahnemann e o Espiritismo, que foi, depois de morto na carne, um dos Espíritos prepostos à Codificação de Kardec, conforme se pode verificar em “Obras Póstumas”, em “O Livro dos Médiuns” e em “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

            Apraz-nos, finalmente, transcrever o seguinte trecho do “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”:

            0 grande movimento preparatório do Espiritismo em todo o mundo tinha, no Brasil, a sua repercussão, como era natural.
            Por volta de 1840, ao influxo das falanges de Ismael, chegavam dois médicos humanitários ao Brasil. Eram Bento Mure e Vicente Martins, que fariam da medicina homeopática verdadeiro apostolado. Muito antes da codificação kardeciana, conheciam ambos os transes medianímicos e o elevado alcance da aplicação do magnetismo espiritual. Introduziram vários serviços de beneficência no Brasil e traziam por lema, dentro da sua maravilhosa intuição, a mesma inscrição divina da bandeira de lsmael... “Deus, Cristo e Caridade”. Indescritível foi o devotamento de ambos à coletividade brasileira, à qual se haviam incorporado, sob os altos desígnios do mundo espiritual. Nas suas luminosas pegadas, seguiram, mais tarde, outros pioneiros da homeopatia e do Espiritismo, na Pátria do Evangelho. Foram eles, os médicos homeopatas, que iniciaram aqui os passes magnéticos, como imediato auxílio das curas. Hahnemann conhecia a fonte infinita de recursos do magnetismo espiritual e recomendava esses processos psicoterapeuticos aos seus seguidores.”

            Nós, que conhecemos a história da Homeopatia em nossa Pátria e fora dela, bem como todos os parágrafos do “Organon da Arte de Curar”, inclusive aqueles em que Hahnemann preconiza a utilização do magnetismo como recurso terapêutico, podemos testemunhar sobre a verdade integral do que acima fica transcrito, da lavra do Espírito Humberto de Campos, através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier”. Lemos essas páginas com felicidade e enlevo, confirmando aquilo que já sabíamos a respeito do trabalho preparador, verdadeiramente precursor da Homeopatia em nossa Pátria, relativamente ao Espiritismo. São páginas de luz, como todas as que emanam dos Espíritos engajados na cruzada redentora do Mestre, como todas as obras espíritas. Lendo-as, esquecemos as nossas pequeninas divergências de opinião e sentimo-nos empolgados pela ideia de trabalhar, em mínima parte que seja, na divulgação do Espiritismo, essa doutrina que veio, sob o signo do Mestre, dar ao homem terreno a consciência dos verdadeiros objetivo da sua existência e de seus grandiosos destinos espirituais.

            Sursum corda (corações ao alto!). Sigamos com o Mestre carregando o seu fardo, pois que é leve, submetendo-nos ao seu jugo, que é suave. Ajudemos o Divino Pastor a reunir no mesmo amoroso aprisco todas as ovelhas que o Pai lhe confiou. Obreiros da undécima hora, trabalhemos por merecer o justo salário que nos reserva o Senhor, sem esquecer jamais que esse trabalho só se pode fazê-lo bem sob o signo do Evangelho do Mestre, onde as palavras de ordem são: Amor, Caridade, Humildade.




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